OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS
CAPÍTULO 12
QUEDA
Won't you come see about me?
I'll be alone, dancing, you know it, baby
Tell me your troubles and doubts
Giving everything inside and out and
Love's strange, so real in the dark
Think of the tender things that we were working on
Slow change may pull us apart
When the light gets into your heart, baby
Don't you, forget about me
Don't, don't, don't, don't
Don't you, forget about me
Will you stand above me?
Look my way, never love me
Rain keeps falling, rain keeps falling
Down, down, down
Will you recognize me?
Call my name or walk on by
Rain keeps falling, rain keeps falling
Down, down, down, down
Don't you try and pretend
It's my feeling we'll win in the end
I won't harm you or touch your defenses
Vanity, insecurity, ah
Don't you forget about me
I'll be alone, dancing, you know it, baby
Going to take you apart
I'll put us back together at heart, baby
Don't you, forget about me
Don't, don't, don't, don't
Don't you, forget about me
As you walk on by
Will you call my name?
As you walk on by
Will you call my name?
When you walk away
Don't You (Forget About Me) – Simple Minds
No decorrer do restante da semana, pouco a pouco, as fofocas em Hogwarts sobre Remus foram sendo colocadas um pouco de lado, diante da proximidade da partida de Quadribol da Grifinória contra a Corvinal. Os risinhos, deboches e escárnios ácidos se transformavam em olhares desconfiados e logo também, os olhares passaram a transmitir indiferença. Os boatos pareciam estar se desidratando, fato pelo qual Remus se sentia aliviado.
O fato dos monitores Longbottom e Fawley intervirem mais umas duas vezes na conduta dos alunos mais agressivos e de Sirius e James, sem que Remus soubesse, terem caído no braço de novo com Carter e Tyrone, contribuíram para a cessão daqueles comportamentos abusivos.
Entrementes, o distanciamento na amizade de Lupin, Black e Potter se mantinha, intercalado por algumas palavras educadas, que não remetiam nem de longe à proximidade que os grifinórios já tiveram anteriormente. Remus, definitivamente, admitia para si mesmo que sentia saudade de seus amigos. Não era fácil uma Hogwarts sem Marotos e o rapaz de cabelos castanhos, ao acordar naquele sábado, decidiu que ia procurar os grifinórios para fazer as pazes com eles, antes da partida de Quadribol. Ainda que eles fossem celebridades agora, e ainda que Remus parecesse para eles um covarde fujão, precisava ao menos tentar. Talvez, o tempo tivesse realmente acalmado os ânimos. Talvez, eles sentissem falta dele também. Ou não.
O fim de semana havia despontado diferente do clima que predominara durante todo o mês de primavera. Uma chuva fina teimava em cair e um vento gelado soprava, sendo trazido pela Floresta Proibida, sob o céu carregado por nuvens escuras. Remus enrolou o seu cachecol da Grifinória no pescoço e, ao rumar para a Sala Comunal naquela manhã, viu o ambiente tomado por uma vibrante decoração vermelha e dourada. Alguns alunos já circulavam por lá com o rosto pintado com as cores da Casa de Gryffindor e com adereços e chapéus em suas cabeças.
Não muito diferente estava o Salão Principal. Só se distinguia pelo fato de que as cores da Grifinória dividiam o espaço com as cores azul e bronze da Corvinal. As torcidas rodopiavam as suas varinhas no ar, entoando o rugido de leões e o grasnar de corvos.
O episódio que se sucedera no corujal não era mais um assunto recorrente, mas Remus viu Lily lendo um Profeta Diário, ao lado de um veterano com o qual ela estava saindo. A manchete estampava em letras garrafais dizia:
'Ameaça de lobisomens e declaração de guerra contra a comunidade bruxa preocupa o Ministério'.
Lily, vendo que Remus estava parado diante dela, girou a capa do jornal para si e disse para o colega de classe:
"É assustador, não? Dizem que Você-Sabe-Quem está recrutando criaturas das trevas e alguns bruxos detectaram vestígios de Magia Negra do Lorde das Trevas mesmo na Nova Zelândia e na América do Sul."
Remus se deteve, recordando-se de que a Professora McGonagall e Dumbledore haviam o chamado em privado no dia anterior e lhe perguntado sobre o que se sucedera no evento das corujas.
"Ernest disse que você estava no corujal quando houve aquele incidente misterioso, senhor Remus." _ inquiriu Dumbledore com a sua voz gentil _ "Aconteceu alguma coisa que queira nos contar?"
O rapaz de cabelos castanhos engoliu em seco, fitando os dois professores.
"Senti um arrepio estranho somente e fiquei assustado com a gritaria das corujas."
Dumbledore indagou, erguendo uma sobrancelha grisalha.
"Algo mais?"
Remus sacudiu o rosto, sem interpretar as suas próprias escolhas e reações.
"Não, professor."
Lily, no Salão Principal, disse:
"...Posso deixar com você o jornal depois que acabar de ler se quiser, Remus."
O rapaz observou o olhar desinteressado do namorado de Lily. Ele era um dos garotos que chamara Remus de nomes na semana anterior, mas parecia tentar se comportar diante de Evans. No entanto, o seu olhar era avaliativo e depreciativo em direção a Remus.
Era a mesma história de sempre. Garotas bonitas e legais saindo com imbecis. Evans costumava andar com as suas amigas no ano anterior e era vista muitas vezes na biblioteca ou em grupos de estudo. Mas no quarto ano, subitamente, ela se distanciara de Fraser e de Rivers e passava mais tempo com os veteranos populares da escola. Sinceramente, Lily arrumava coisa melhor.
"Não precisa. Mas, obrigado, Evans!" _ respondeu Lupin, sorrindo.
Remus alcançou a mesa da Grifinória e se deparou com Pettigrew sentado em um assento com o seu rosto pintado com uma parte vermelha e a outra, dourada. Ele sacudia uma bandeira com o brasão do leão enquanto bebia o seu suco de laranja. Alguns corvinos haviam conjurado corvos que sobrevoavam as mesas com o seu crocitar agourento.
Sem cumprimentar o amigo, Pettigrew falou quando tentou afastar um corvo com um garfo, que ameaçou em contrapartida a deferir-lhe bicadas:
"Esses corvinos tão conjurando essas desgraças de ave desde ontem à noite. Tô esperando alguém conjurar um leão pra comer a cara deles..."
Remus, sentando-se em seu lugar e se servindo de suco de abóbora, indagou:
"Comer a cara dos corvos ou dos corvinos?"
"Dos corvinos!"
"Nossa! Bom dia, Pettigrew!"
"Tem nada de bom, Remus! Olha esse tempo lá fora! E olha esse Salão..."
Remus mexeu em seus óculos, observando o espaço vermelho e azul; dourado e bronze. As bandeiras das duas Casas tremulavam em alguns pontos do Salão e os lufanos e sonserinos olhavam o cenário, sabendo que eram coadjuvantes naquele instante e que era melhor fingirem que não estavam lá, sustentando as suas caras de moita.
"Onde estão os nossos jogadores?"
"Foram se trocar no vestiário agora que a chuva estiou, mas devem voltar pra tomar café..."
Remus assentiu, esticando-se para passar o olho em um Profeta Diário do dia anterior largado sobre a mesa e que noticiava o uso de alguns feitiços proibidos por um grupo de bruxos que fizera arruaças em Bristol. E, logo abaixo, era publicada uma reportagem sobre o controle do Ministério da venda ilegal de poções ilícitas por alguns farmacobruxos clandestinos que atuavam em algum bairro de Cardiff.
O rapaz de cabelos castanhos ergueu o seu rosto do jornal somente quando ouviu o ruído de um estouro e o cheiro de queimado se fez presente no Salão. Algum grifinório do sétimo ano conjurou a silhueta brilhante de um leão que se ergueu no céu enfeitiçado, rosnando furiosamente. Remus sentiu os pelos do seu corpo se arrepiarem, conforme a fera se dissolvia em cinzas alaranjadas que caíam delicadamente, antes de desaparecerem.
Alguns alunos, boquiabertos, ergueram as suas vozes, batendo palmas e Remus se voltou para Pettigrew com um sobressalto quando o viu atirar o seu cálice em algo. Aparentemente, um dos corvos conjurados roubara os damascos do prato do rapaz enquanto ele se distraíra. A ave, grasnando, voou e retornou, namorando também os mirtilos de Pettigrew.
"Sai daqui, seu monstro agourento!"
Remus ainda espreitava o amigo quando ouviu um burburinho no Salão Principal. Ao olhar em direção à entrada, ele percebeu que o alarde se dava devido à chegada dos jogadores de Quadribol da Grifinória. Todos estavam muito bonitos com os seus uniformes e calças justas. Zhang, uma jovem corpulenta e não muito alta, que jogava na artilharia, tinha uma expressão tensa enquanto cochichava algo com Longbottom. Wood e Dayal também estavam muito sérios. Dempster, um rapaz do quinto ano um tanto franzino, que era um dos reservas, estava com eles.
James ostentava uma ruga de preocupação entre as suas sobrancelhas, mas não se comparava a Sirius, que era uma carranca viva.
Remus observou o time se sentar nos assentos vazios da mesa do Salão Principal e Sirius levou a mão à cabeça como se ainda não acreditasse em algo ao declarar:
"Eu vou matar o Morgan!"
Lupin e Pettigrew se entreolharam e viram Zhang fazer o mesmo movimento de Black em seu assento, seguida de Dayal como num ato sincronizado. Subitamente, os jogadores de Quadribol pareciam desolados.
"O que houve?" — arriscou Remus a falar, sem saber se tinha ainda direito de se envolver nos assuntos de Sirius e de James.
A expressão de Black pareceu se suavizar um pouco ao fitar o rapaz de cabelos castanhos. Pigarreando e parecendo retomar a sua confiança, ele declarou:
"O Morgan resolveu treinar sozinho ontem, rebatendo uns balaços nos fundos da Escola e se contundiu. Longbottom havia dito para voltarmos para o dormitório depois do jantar e dormirmos cedo, mas ele foi que nem um maluco treinar sozinho com balaços tarde da noite. Ele tava muito ansioso com esse jogo..."
"Merlin, ele tá bem?!"
"Tá bem e nem precisou ficar internado nem nada, mas não vai poder jogar hoje. Longbottom convocou em regime de urgência o Dempster ali..."
Remus espreitou o jogador reserva, parecendo um pouco pálido pela convocação inesperada talvez, se forçar a sorrir para os colegas do seu ano que lhe davam tapinhas encorajadores nas costas. Pettigrew, contraindo a boca do lado vermelho do rosto, retrucou:
"Ele é meio mirrado pra posição de batedor. Um balaço e ele morre! Vocês têm certeza de que o Dempster dá conta do recado?"
James engoliu em seco e pareceu produzir um barulho com o leite de dragão que tomou. Sirius apertou os olhos com os dedos.
"Demspter não vai jogar como batedor! Vai jogar como artilheiro que é a especialidade dele. Não temos reservas pra posição de batedor..."
"Então, quem vai ser?" — indagou Remus, ajustando os óculos com as juntas dos dedos.
Sirius cruzou os braços e trocou um olhar com James, dizendo:
"Eu..."
Remus entreabriu a sua boca e fitou os olhos cinzentos de Sirius. Black, por sua vez, observando o grifinório de cabelos castanhos diante de si, antecipou-se em dizer:
"...Mas claro que eu consigo! Batedor é uma posição razoavelmente ok..."
Pettigrew parecia, subitamente, nervoso também e tinha a sua boca escancarada.
"Cacete, é por isso que o time tá com essa cara de enterro! Essas mudanças devem ter ferrado todas as estratégias que vocês tão ensaiando há meses..."
"Foderam com tudo!" — declarou James com uma expressão indignada — "A dobradinha do Sirius com a Zhang e com o Longbotom pra marcar pontos já era! Assim como a organização do Wood e do Morgan pra rebater os balaços! O Dempster nunca jogou contra o goleiro da Corvinal e compareceu só em metade dos treinos! Mas é melhor do que deixarmos os balaços derrubarem todos da vassoura! No fim, sobrou pro Black aqui!"
Sirius se forçou a sorrir e, com o seu garfo, reuniu em um pires algumas ameixas, nozes e uma fatia de pão para um dos corvos que rodeava o seu prato, empurrando o lanchinho em direção à ave que começou a deferir bicadas ansiosas no alimento. Rapidamente, outros três corvos se juntaram ao primeiro.
"Eu dou conta..."
Remus assentiu.
"Tenho certeza que sim, Black..."
O rapaz de cabelos castanhos pestanejou, olhando em direção aos amigos e não sabia se o momento era o mais oportuno para pedir desculpas novamente e tentar reestabelecer a paz entre os três. Mas era melhor tentar. Puxando dois saquinhos com bombons explosivos de dentro do bolso das suas vestes, o rapaz ia repassá-los a Sirius e James num gesto de trégua.
Remus se deteve, no entanto, quando um grupo de meninas se aproximou, rodeando Black e Potter, lhes desejando sorte e lhes dizendo palavras encorajadoras. Os dois pareciam abatidos demais até para corresponderem ao flerte delas, mas aceitaram com gentileza o embrulho suntuoso dado pelas jovens, contendo uma caixa de bombons suíços com recheio de hidromel para o time da Grifinória degustar, após a vitória.
"Tem o formato de leão, os chocolates. Espero que gostem!" — sorriu-lhes a mais estonteante das garotas com os cabelos volumosos, a pele negra e os dentes muito brancos.
Remus voltou os olhos para as torradas francesas em seu prato, puxando discretamente os bombons explosivos de volta para o seu bolso e se lembrando que seus presentes sempre eram simples demais. Baratos demais. E o seu timing era ruim. Péssimo! Definitivamente, no próximo ciclo, o Lobo ia fazer uma festa de terror com acusações terríveis, chamada "Os piores momentos de Lupin". Ou, então, "Pobre Lupin", que economizaria duas vulnerabilidades ou mais em um único tema.
Ok. Talvez Remus estivesse passando muito tempo sozinho mesmo e a sua cabeça estivesse começando a trabalhar de um modo estranho.
Bom, pelo menos ele ainda podia desejar boa sorte aos amigos, antes que alguém os levasse embora. Momentaneamente ou de vez.
O rapaz de cabelos castanhos respirou fundo, ensaiando mentalmente o que falaria, mas um novo alarido se fez presente no Salão Principal. Alguns alunos batiam palmas efusivamente quando os jogadores da Corvinal adentraram o recinto com os seus uniformes azul e bronze. Os alunos corvinos moveram as suas varinhas, entoando o grasnar de corvos e Pettigrew xingou um palavrão, deslizando as mãos por suas bochechas e sujando um pouco os dedos de tinta.
Sirius bufou e James largou os talheres ruidosamente sobre o prato. Até Longbottom e Dayal, que se davam bem com Carlson, tinham os braços cruzados e as expressões pesadas. Apenas Alice Fawley, que não jogava e estava sentada próxima ao namorado, aplaudia educadamente o time.
"Cuzões!" — praguejou Pettigrew.
O time ocupou o seu lugar na mesa de Ravenclaw, recebendo tapinhas encorajadores dos amigos e o reserva Dempster, ao ver o goleiro do time da Corvinal, parecia empalidecer mais e mais, alcançando tons graduais de verde musgo.
O olhar de Remus cruzou com o de Michael Carlson, que olhou em sua direção, sorrindo. E, enrubescendo, ele sorriu de volta porque Remus não era de ferro e não era todo dia que um rapaz bonito o olhava. Apesar de que ele flagrara Carlson o mirando naquela semana um número considerável de vezes
Sinceramente, Michael Carlson era um jovem muito bonito com traços delicados em seu rosto, porém com linhas firmes no maxilar e no nariz reto. Ele estudava no sexto ano e seus olhos azuis-porcelana realçavam o seu cabelo muito escuro. Sendo monitor e popular, as garotas das outras Casas também o bajulavam e o seguiam de lá para cá, apesar de ele nunca ser visto saindo com elas. As suas amigas, além da prima Rebbecca Liljeberg, pareciam ser Lily Evans e Julian Parker, da Grifinória, com quem vez ou outra era visto. Alguns até comentavam que Carlson e Evans eram namorados, porém nada que comprovasse isso fora visto dos dois que se comportavam mais como amigos, conversando e rindo juntos no pátio da Escola, sem qualquer clima de romance entre eles.
Remus sentia o monitor corvinense próximo quando o seu olhar se chocava com o de Michael. E como ele se sentia atraído pela força daquelas pupilas estáticas circundadas de azul! Afinal, Lupin era um garoto que se achava mediano e não estava habituado com o fato de garotos olharem outros garotos, sem tentarem disfarçar. Não estava acostumado com o fato de ser visto. Nem enxergado. Nem cortejado.
O rapaz de cabelos castanhos tomou um gole do seu suco de abóbora e se servia de uma tortinha de chocolate quando ele percebeu, subitamente, Pettigrew muito inquieto ao seu lado. O grifinório de cabelos claros estava com a boca cheia e gesticulando as suas mãos no ar freneticamente. Remus ergueu uma sobrancelha, tentando entendê-lo. Não sabia se ele estava se engasgando ou tentando falar.
"Oi, Lupin!" — disse uma voz um tanto rouca, porém firme, chamando o rapaz de cabelos castanhos.
Remus ergueu o seu rosto, deparando-se com Michael Carlson ao seu lado. Ele estava muito elegante com o seu uniforme impecável e com toda aquela parafernália fetichista de coturnos, joelheiras, braçadeiras, capa e calças brancas super justas. O grifinório olhou por cima do seu ombro como se houvesse algum outro Lupin no raio de um ou cem quilômetros.
"Oi!" — respondeu Remus com um fio de voz.
"Está se sentindo melhor? Não podemos conversar direito naquele dia, mas soube que você ficou ausente um tempo da Escola..."
Remus engoliu em seco, vendo Pettigrew ao seu lado, mastigando ainda a comida e tomando o suco de laranja para não morrer de tanto tossir. Sirius parara de comer e, sem disfarçar, fitava a cena diante de si, segurando a faca de manteiga em sua mão. E James tinha o lábio superior levemente crispado como se olhasse o cenário de um desaforado tentando chegar no seu amigo, que, aliás, era do que aquilo se tratava.
"Er... Sim! Na verdade, a minha mãe estava doente e eu precisei me ausentar de Hogwarts..."
Carlson assentiu, dizendo:
"Espero que ela tenha se recuperado..."
"Ah, sim! Está tudo bem! Obrigado por perguntar!"— respondeu o rapaz de cabelos castanhos, mexendo em seus óculos.
Carlson ainda fitava Remus e fez um movimento com o seu dedo sobre os próprios lábios.
"Não perguntei também naquele dia, mas foram o Carter e o Tyrone que fizeram isso com você...?"
Remus demorou para perceber que ele sinalizava o arranhão transversal que ainda cicatrizava sobre os seus lábios como um resquício da última lua cheia. Tateando-o instintivamente, o grifinório respondeu:
"Não! Não foram eles! Eu me cortei, praticando um feitiço. Já tá quase curado!"
Carlson assentiu.
"Menos mal! Não perdoaria aqueles dois por ferirem um rosto tão bonito desse jeito..."
Pettigrew, com os olhos vermelhos, deu uma tossida mais forte, expelindo a partícula de algum alimento. Remus, parecendo voltar de um transe momentâneo, bateu nas costas do amigo com tapinhas firmes. Sirius começou a tamborilar a ponta da faca na mesa. E James, em algum momento, colocara a sua varinha sobre a bancada.
Remus, por sua vez, quando terminou de ajudar Pettigrew, observando os traços atraentes de Carlson, ruborizou. Depois, ele mexeu nos seus óculos e olhou por sobre o seu ombro como se procurasse alguém bonito.
Carlson ainda sorria com a confiança de um vencedor. Curvando-se para falar mais próximo de Lupin, ele perguntou:
"O que foi? Nunca disseram que você é bonito?"
Remus tinha um sorriso nervoso no canto dos seus lábios.
"Já sim! A minha mãe diz isso o tempo todo! Ah, e a minha avó também!"
Carlson riu, parecendo se divertir com a espontaneidade do outro rapaz.
"Difícil de acreditar..."
Remus se deteve, encarando Pettigrew com os olhos lacrimejando por haver se engasgado desde o momento que vira o monitor do sexto ano atravessar o Salão na direção do amigo. Sirius e James estavam muito sérios e pareciam tão mal-encarados quanto os corvos que faziam a festa agora em seus pratos.
O rapaz de cabelos castanhos franziu o cenho, antes de confirmar com Carlson:
"Perdão. É difícil de acreditar que só a minha mãe e a minha avó Emma digam isso ou que elas me achem bonito...?"
Meu Deus, Remus! 'Os piores momentos de Lupin' tinha já material suficiente compilado pelo Lobo.
Carlson pareceu mover os olhos, tentando entender a pergunta que lhe era feita. Depois, movendo a cabeça, assentiu:
"Que só a sua mãe e a sua avó digam que é bonito..."
"Ah... Obrigado. Você é o terceiro de uma minoria. Eu acho..."
'Os piores momentos de Lupin'. Estrelando Remus John Lupin.
Carlson mordeu os lábios com a sua roupa impecável, sacudindo o rosto com um ar divertido.
"Ah, certo... Você vai assistir ao jogo daqui a pouco...?"
Remus tateou o seu cachecol com as cores vermelha e amarela, dizendo:
"Vou sim! Eu não perderia essa partida por nada! Só se falou da disputa da Grifinória contra a Corvinal nessa semana."
Carlson ainda sorria quando disse:
"Sei que, naturalmente, vai torcer para a sua Casa. Mas vou gostar de ver você nas arquibancadas de qualquer forma..."
Remus deu de ombros, dizendo:
"Eu voo mal, mas a minha mãe estudou na Corvinal e foi artilheira do time. Acho que puxei ao jeito molenga do meu pai, mas gosto de assistir às partidas e ver os jogadores fazendo aqueles movimentos complicados..."
Não que Lyall fosse molenga, mas o seu voo de vassoura era lento e desequilibrado como o de Remus porque os dois tinham um temor passado de pai para filho que era o medo de despencarem lá do alto e racharem a cabeça. Tanta magia sobrenatural e morrer de causas tão naturais era a ironia da existência de um bruxo. De um bruxo molenga.
"Ah, a sua mãe era da Corvinal! É por isso que a Parker disse que você é tão brilhante. O Professoir Flitwick fala maravilhas sobre a sua capacidade de fazer feitiços..."
Remus sorriu porque naquele setor intelectual estava mais acostumado com elogios. Sirius, literalmente, bufava feito uma chaleira soltando vapores.
"Eu gosto de estudar e até que sou ok com a maioria das matérias. Mas não é nada como ser um gênio do Quadribol!" — declarou o rapaz, gesticulando com a cabeça para um cartaz sendo seguro por um dos torcedores que escrevera os nomes dos membros do time da Corvinal, chamando-lhes de gênios.
Ouvindo o elogio de Remus, manchas vermelhas tingiram ambas as faces de Carlson.
"B...Bem, Lupin... Você vai estar no jogo de Quadribol e depois... Bom, depois, independentemente do resultado, espero que possamos nos falar outras vezes..."
"Sobre o que...?"— indagou o rapaz, arqueando as sobrancelhas.
Por Merlin, Lupin!
Carlson colocara as mãos no bolso da sua calça branca e apertadinha. Subitamente, elas pareciam enormes. Remus, por sua vez, começava também a sentir-se tenso. Olhar o monitor do sexto ano de longe era algo mais fácil do que trocar palavras com ele. Além do mais, aquele rubor que tingia o rosto do rapaz da outra Casa era de vergonha ou de ansiedade pelo jogo? Garotos bonitos e populares podiam ser inseguros?
"Sobre qualquer coisa que queira conversar..." — declarou Carlson, sustentando o olhar de Remus com alguma tensão.
Remus fitou o rosto de Sirius, que parecia feito de pedra e de James, que tamborilava os dedos na mesa, próximos à sua varinha. Pettigrew, com a mão no queixo, se voltou para Remus, tentando cutucá-lo com o pé por baixo da mesa e acertando, por acidente, Black, que após rosnar, chutou-o de volta.
"Ótimo! Eu preciso tirar umas dúvidas sobre o N.O.M.s! Vou precisar prestá-lo no ano que vem! É sempre bom pegar dicas com algum veterano..."
Carlson sorriu, assentindo. Seu rosto parecia que ia se incendiar.
"Ok. Podemos falar sobre o N.O.M.s então! Bom, vou voltar para a mesa da Corvinal... e... foi bom falar com você..."
Remus sorriu, revelando o seu canino torto.
"O prazer foi meu. Boa sorte, monitor Carlson!"
"Obrigado, Lupin... Pode me chamar de Michael. Eu posso te chamar de Remus?"
O rapaz de cabelos castanhos assentiu enquanto via James retirar os óculos e revirar os olhos nas órbitas com enfado. Atrás do Capitão do time da Corvinal, Remus observou um grupo de garotas olhar em direção a ele com alguma chateação. Lupin já ouvira o boato revelado por Pettigrew de que o rapaz do sexto ano gostava de garotos, mas talvez ele também gostasse de garotas e aquelas torcedoras achassem que Remus estava roubando a atenção dele.
"Acho que o seu fã-clube exige a sua presença agora..."— comentou o rapaz de cabelos castanhos, mordendo um pedaço da sua tortinha.
Michael olhou com desinteresse para as meninas que soltavam risinhos estridentes e cochichavam em sua direção.
"Ah, é..." — e, voltando-se para o rapaz do quarto ano, Carlson se antecipou em pegar um guardanapo sobre a mesa, tocando com o tecido os lábios de Remus— "Você se sujou um pouco com o chocolate. Deixa eu limpar pra você..."
Lupin se sentiu um pouco paralisado diante da ousadia do outro rapaz, mas não protestou quando ele se pôs a mover o guardanapo sobre os seus lábios com um sorriso em seu rosto. Os olhos vívidos dele sustentavam o olhar cor de âmbar do rapaz de cabelos castanhos. Quando ele se afastou, Remus mexeu em seus óculos, muito vermelho e sentindo o seu rosto queimar.
"Obrigado..."
O atrevimento do corvino deixara Pettigrew literalmente de boca escancarada.
Sirius se armara novamente da faquinha para passar manteiga no pão e James olhava para a droga do guardanapo como se ele fosse perigoso. Mas a droga do guardanapo não era perigosa! A droga do Carlson que era!
Por fim, Black não se conteve quando o monitor do sexto ano ameaçava partir pela milésima vez, remanchando ao máximo para usufruir da companhia de Remus. Sirius não refreou o seu ímpeto. Seu gesto foi debochado quando murmurou em voz suficientemente alta para que Michael, ao se afastar, ouvisse.
"Cuidado pra não cair da vassoura no jogo de daqui a pouco, Carlson! Ia acabar atrapalhando as comemorações da vitória da Grifinória..."
O garoto do sexto ano já estava de costas quando se deteve. Ao se virar para mirar Sirius, seu rosto não demonstrava nem mesmo uma fina linha da insegurança que mostrara antes, diante de Remus. Seu olhar era desafiador.
"Como disse, Black?"
Pettigrew parecia que havia sido estuporado e os seus olhos estavam esbugalhados e eram do tamanho de um pires.
"Eu disse pra não cair da sua vassoura, Carlson! A julgar pelas últimas partidas da Corvinal e o modo como vocês voam sob a chuva, não seria surpresa se todo o time, antes dos primeiros dez minutos, fosse se arrebentar no chão. Não estraguem a nossa comemoração, ouviu? Esperem jogar contra a Sonserina para se estatelarem no chão."
Era como se Remus tivesse levado um soco em seu estômago. Sirius enlouquecera! Surtara antes da porra do jogo! Uma linha de satisfação bruxuleava nos olhos cinzentos do grifinório. Michael Carlson, por sua vez, olhava Sirius com uma indignação veemente e ao mesmo tempo, corajosa.
"Eu controlaria a sua língua se fosse você, Black. Não ache que vou ficar amedrontado com o seu deboche. E lembre-se que sou monitor da Corvinal e o seu veterano. Mais modos! Vai acabar mordendo a sua própria língua, Leão..."
"Veremos, Corvo!"
"Veja você, Black, o papel ridículo que tá fazendo!"— redarguiu Michael, pondo fim à conversa.
Sirius o acompanhou com o olhar até a mesa da Corvinal, parecendo que ia soltar um rosnado. James retornava para a sua expressão com o lábio superior crispado, produzindo um som de escárnio.
Remus fitava os dois rapazes com incredulidade ainda quando Sirius apoiou os cotovelos na mesa, parecendo muito aborrecido.
"E você, hein, Remus..."
A voz do rapaz era pesada como se Remus houvesse lhe desapontado terrivelmente. Como se ele fosse uma decepção viva e ambulante. Sobraria para ele.
"Falta uma hora para o jogo e você ain a minha mãe estudou na Corvinal; ain só a minha mãe e a minha avó me acham bonito; ain gênio do Quadribol... Gênio o cacete!"
Remus estava com a boca entreaberta.
"E que merda foi aquela do Carlson secar a sua boca com o guardanapo?! Você não tem dois anos! Tem quinze, Remus! Pode fazer isso sozinho!" — declarou James.
A hipocrisia de Potter fez Pettigrew selar os lábios, como se segurasse a sua própria língua.
"Eu só tava sendo educado..." — respondeu Remus.
"Ain, você disse que eu era bonito mesmo ou não...? Tururu tananã... Ain, me ajuda com o N.O.M.s. Que saco!" — retrucou Sirius, espantando os corvos do seu prato.
Remus bateu a mão na mesa com chateação.
"Quer parar de me imitar...?"
Pettigrew espreitava o monitor do sexto ano sentado à mesa da Corvinal, cercado pelos jogadores do seu time enquanto as garotas tentavam chegar nele. O desinteresse de Carlson por suas fãs era evidente, visto que ele as fitava como os corvos empoleirados no Salão Principal olhavam os alunos. Apatia era o nome disso. Pettigrew estalou, então, a boca como um ar solene como se tivesse alcançado uma profunda epifania.
"Aquele cara tá a fim de te traçar, Remus..."
"Pettigrew!" — censurou-o Lupin, com as sobrancelhas contraídas e o rosto muito vermelho — "Ele só quer ser meu amigo!"
Sirius, que, ao ouvir as palavras de Pettigrew, tinha os olhos ainda mais ferozes, repuxou os cabelos escuros para trás.
"Eu não tinha que passar por mais essa antes da partida, Remus! Por que tá fazendo isso comigo?"
Remus moveu os óculos sobre o nariz.
"O que eu fiz?! Detesta tanto o Carlson assim?"
"Detesto! Monitorzinho de merda..."
James, que desistira de comer e bebia o resto do leite de dragão da sua taça, declarou:
"Pelo visto, você não precisa mais da nossa amizade, Remus... Está muito próximo da Corvinal... Que traição do caralho!"
O rapaz de cabelos castanhos ergueu a sua voz, sentindo-se injustiçado.
"Não é traição! É claro que eu vou torcer pela Grifinória! Vou torcer por vocês!"
Um silêncio incômodo se fez na mesa da Grifinória. Mais adiante, Lily Evans e Julian Parker cumprimentaram Carlson e Rebbecca com sorrisos, mas com algum distanciamento. Afinal, era dia de jogo entre as duas Casas.
"Chega! Vou indo lá pra fora..." — declarou Sirius, jogando ruidosamente a faquinha de manteiga sobre a mesa e espantando os corvos em uma retirada solene.
O rapaz rumou até a saída, mas se deteve, olhando para o céu enfeitiçado que reproduzia nuvens escuras, trovões e uma chuva forte que começara a cair. O cheiro de alvenaria, terra e árvores encharcadas adentrava o Castelo. Então, Sirius voltou para o seu lugar porque permanecer sozinho na tempestade não era uma saída triunfal, mas uma idiotice. E foi bom que tenha voltado porque ele esquecera os óculos de voo no assento ao lado.
O time da Corvinal, por sua vez, talvez por Carlson ter contado para os jogadores sobre a provocação de Black, tinha os olhos faiscando, fitando o grifinório de cabelos compridos. O ar pesava uma tonelada.
Os Marotos se mantiveram comendo quietos e Remus, constatando que era impossível estabelecer algum diálogo ou trégua com os amigos antes do jogo, perdeu também o seu apetite e se deteve olhando o céu tempestuoso enquanto erguia o cachecol até o queixo, sentindo o ar gelado da manhã.
(cut)
As condições climáticas não melhoraram e a manhã avançou chuvosa e com fortes ventanias. O ar gélido soprava úmido e alguns relâmpagos podiam ser vistos sobre as extensões bucólicas do vilarejo de Hogsmeade, fragmentando o céu e iluminando brevemente um horizonte entrecortado pelas figuras de árvores, telhados, ameias e morros fantasmagóricos.
A despeito do mau tempo, no entanto, as arquibancadas se encontravam lotadas e nem mesmo o aguaceiro atrapalhava a animação das duas torcidas, que utilizavam capas, guarda-chuvas ou feitiços para se protegerem da chuva. De um lado, a massa de alunos vibrante erguia sobre suas cabeças a bandeira azul estampada com um enorme corvo sobre o letreiro que reluzia com a ajuda de magia: "Vai, Corvinal!"
Do outro lado, alunos sacudiam faixas rubras e douradas, entoando os nomes dos jogadores da Grifinória. A bandeira com o leão era sacudida por mãos eufóricas enquanto o animal rugia por meio de um feitiço.
A plateia, por si só, já parecia travar uma acirrada competição de qual lado era capaz de produzir mais barulho. Winona Rivers soprava uma corneta ensurdecedora que acabou assustando o batedor Otto Morgan. Com o braço enfaixado, o grifinório viera assistir ao jogo do qual fora impossibilitado de participar, parecendo miserável e culpado.
Garotas, fãs de Sirius e James, sacudiam pompons com as cores de sua Casa e, vez ou outra, soltavam gritinhos estridentes ao interpretarem uma coreografia um tanto quanto ridícula. O fã clube de Michael Carlson também mexia os seus quadris freneticamente quando este, conduzindo o time, entrou no estádio.
Em seguida, Sirius e James, acompanhando de perto o Capitão grifinório, Frank Longbotom, também entraram em campo. Todos vinham montados em suas vassouras e acenavam, percorrendo o estádio num voo enquanto os seus nomes eram anunciados pelo narrador esportivo.
As arquibancadas explodiram em gritos. Remus sentia um arrepio percorrer a sua espinha enquanto o chão tremia e o rosnar do leão produzido por magia parecia reverberar em cada canto do campo, misturando-se ao crocitar de corvos. Parecia que os dois animais se engalfinhavam mesmo a uma curta distância.
Remus observou os jogadores voarem perto das arquibancadas, enquanto ele usava um feitiço para protegê-lo e a Pettigrew das insistentes goteiras das vigas e das pontas dos guarda-chuvas ao seu lado. O rapaz observou Madame Hooch dar aos Capitães de cada time instruções e em seguida, pedir para que todos os jogadores se cumprimentassem quando eles desceram até o chão.
No momento em que Sirius dirigiu-se a Carlson, após James apertar a mão deste último como se quisesse quebrá-la, olhou-o com desprezo e ignorou-o completamente.
"Black não quer saber de fair play!" — pontuou a voz do narrador lufano, que mantinha a sua neutralidade perante o jogo e parecia achar um pouco opressora aquela animosidade à flor da pele.
Após montarem novamente as suas vassouras, o jogo teve início.
Os gritos das duas torcidas permaneciam com a mesma empolgação. A chuva se intensificou um pouco mais e se transformou em uma maciça tempestade que encharcava completamente o campo.
"Talvez devessem ter cancelado o jogo de hoje. Tá muito forte essa chuva!" — comentou Raven Fraser perto, fitando o céu escuro.
Lá em cima, enquanto James perseguia o pomo dourado, Sirius, ocupando a posição de batedor, rebatia balaços, protegendo o time.
Com bastante destreza, ele e o outro batedor protegeram Zhang e Dempster de serem arremessados para fora de suas vassouras com bolas que os atingiriam em alta velocidade. Zhang passou a goles em sua posse para Longbottom, que foi fechado por dois artilheiros da Corvinal. A goles foi passada, então, para Dempster, que estava diante do goleiro corvino, tentando achar uma brecha entre as balizas para acertar o aro. Prendendo a respiração, o rapaz mirou o gol.
"E Boot defende o arremesso de Dempster! Egwu tem agora a posse da goles!" — narrou o comentarista lufano, acompanhando a tensão dos jogadores.
Longbottom e Zhang voaram rapidamente em direção ao gol da Grifinória defendido por Dayal, a tempo de verem o rapaz proteger a sua baliza. O rosnar do leão e a corneta de Winona Rivers reverberaram fortes.
"Dayal faz uma defesa espetacular! O jogo segue equilibrado..."
Sirius rebateu um balaço que voou em direção a Dempster e viu Wood proteger Longbottom de outro que passou rasante ao cabo de sua vassoura.
"Black, protege o Potter! Carlson tá voando do lado da Liljeberg pra rebater todos os balaços que atiramos para o lado deles! O Potter tá solto no campo. Cuida dele que eu cuido da artilharia!" — advertiu o outro batedor mais experiente.
Sirius assentiu, ao mesmo tempo que ouvia a plateia gritar quando Longbottom enterrou a goles no aro. Ponto da Grifinória!
Fazendo um gesto de vitória com a mão, Black alcançou James, que vasculhava o campo em busca do pomo. O brilho dourado parecia inexistente sob a forte chuva.
James havia enfeitiçado os óculos de voo para terem grau e para repelirem a água que se acumulava nos aros. Com uma agilidade impressionante, ele desviava dos outros jogadores, procurando o pomo.
Rebbecca Liljeberg, com destreza também, parecia determinada em vislumbrar o pomo dourado, que garantiria cento e cinquenta pontos de vantagem para o seu time, encerrando a partida.
"Boyd marca um ponto impressionante, furando a muralha de Dayal! Ponto da Corvinal! Ótima jogada! Mas Zhang tem posse da goles! Grifinória quer jogo! Olha a Zhang vindo aí... Falta em cima da Zhang cometida por Egwu!"
Sobrevoando o campo e se desviando de um balaço solto, Liljeberg recuou e James cortou a frente da jovem, que se deteve.
"Sai da frente, Potter!"
"Ouch! O campo é livre, Rebba!" — retrucou James, instintivamente.
Com os dentes cerrados, a garota vociferou:
"Não me chama assim!"
James e Rebbecca haviam namorado há algum tempo e o término entre os dois fora um dos piores vistos pelos Marotos. Na época, Potter recebera críticas severas de Remus. Até mesmo Sirius, que sempre ficava do seu lado, lhe sinalizara que a sua conduta não fora das mais dignas. Uma ferida se estabelecera, então, e Potter e Liljeberg sempre eram rudes no seu trato um com o outro quando eram obrigados a interagirem. Dentro e fora de campo.
James, perante a resposta ríspida da corvinense, se deteve, engolindo em seco. Mas os seus olhos se fixaram no pomo dourado que voou próximo ao rosto de Rebbecca no mesmo instante em que ela também o viu. Lá estava ele. Um raio dourado e veloz. Os dois adversários voaram em direção ao pomo e a jovem do quinto ano mergulhou no chão em alta velocidade, seguida de perto de James. Havia uma entrega perigosa no modo como os apanhadores se moviam em direção ao pomo de ouro. Porque se não conseguissem frear as suas vassouras, encontrariam o chão em uma aterrissagem mortal.
O pomo dourado ganhou velocidade e, após pairar no chão por um segundo, subiu rapidamente muito alto.
Um balaço rebatido por Wood cortou a frente de Liljeberg quando ela refreava a sua vassoura e Carlson, por sua vez, o rebateu, rapidamente, em direção a Potter, arrancando cerdas da vassoura do grifinório. A bola em alta velocidade teria acertado James em cheio se Sirius não a tivesse repelido com o seu bastão. Michael xingou um palavrão e se voltou rapidamente, olhando por sobre o seu ombro ao ver Zhang marcar mais um ponto para a Grifinória.
"Os batedores Black e Carlson protegem de perto os apanhadores. Mas Potter e Liljeberg parecem ter perdido o pomo dourado de vista...Zhang faz um arremesso em direção à baliza! Lá vai ela! Gol da Zhang!"
Rodopiando o seu bastão na mão, Black arqueou as sobrancelhas com deboche, fitando Carslon, ao mesmo tempo que o Capitão do time adversário tinha o seu bastão apoiado sobre o ombro, fitando, aborrecido, a baliza de Boot que fora invadida.
"Cuidado pra não perder a cabeça, Carlson! Isso mancharia a imagem de um gênio do Quadribol!"
Sirius dizia isso, fazendo questão de enfatizar as últimas palavras enquanto crispava um pouco os lábios.
"Ah, não enche o saco, Black! Não sei por que o Lupin costuma andar com valentões feito você e o Potter. O que tavam pensando quando agarraram ele no Lago? Queriam brincar com ele?! Expô-lo diante da Escola?!"
Neste instante, Sirius pareceu atordoado e não percebeu quando dois jogadores da Corvinal tomaram a goles de Dempster e um deles marcava mais um ponto para o time de Ravenclaw.
"Eu não agarrei o Remus! Nem eu e nem o Potter fizemos isso! Não abre essa sua boca pra falar do que não sabe! Remus é nosso amigo!"
Mas Black agarrara Lupin. Potter não. Provocado pelo Lobo, Sirius beijara Remus com fúria e sentia os seus lábios ainda queimarem com aquele beijo.
Carlson soltou um ruído de escárnio com a boca e voou para perto de Rebbecca, defendendo um balaço que ia em sua direção.
"Você, por acaso, agora é amiguinho e defensor do Remus, Carlson?"— insistiu Sirius entre dentes, acertando o seu bastão na bola que ia em direção a James.
"Não é da sua conta se eu for!"— respondeu o Capitão corvinense, falando por cima da forte chuva. Seu cabelo encharcado caía sobre a testa.
Sirius olhou o outro rapaz com indignação. Ele estava disposto a ser o mais desagradável que podia e não deixar de confrontar Carlson, após o que presenciara na mesa do café da manhã. Voando para o lado do corvinense, Black insistiu:
"O que quer dizer com isso? Fala como se estivesse apaixonado. Você tá a fim do Remus, seu imbecil?! É o namorado dele agora?"
Black, sentindo o cabelo ensopado em seu rosto, observou num borrão, a briga de Longbottom com Egwu pela posse da goles enquanto Madame Hooch usava o seu apito, aplicando uma falta.
Carlson tinha um ligeiro rubor em suas faces perante a pergunta feita por Black. Contudo, ele se manteve firme, antes de retorquir, olhando para o lugar da arquibancada onde Remus estava sentado.
"Só depende dele..."
Ouvindo isso, o barulho da plateia, subitamente, pareceu muito distante para Sirius. O som da chuva. A corneta de Rivers. Rugidos e grasnar. Apito. Alguém arremessando a goles contra o aro de Dayal e ele o defendendo... Fragmentos entre o caos e o silêncio.
Remus corando diante do rapaz do sexto ano. Remus que não desejaria Sirius nem que ele fosse a última criatura viva sobre a face da Terra. Não desejaria nem mesmo o Sirius que se descobria gostando de garotos também. E que vinha pegando o seu melhor amigo, James Potter, noite após noite em Detenções que se transformaram em uma trincheira para beijos e toques rudes de garotos que aprendiam a se tocar.
Mas Remus... Remus sempre estaria lá, não estaria? Remus era um Maroto. Era um dos seus. Era seu...
Carlson estava tentando se aproximar de Remus. Gostava de Remus e queria ser gostado de volta. E isso era assustador. Tocava o ciúme de Sirius em lugares que ele achava que era vazio. Oco. Sirius. Aquele garotinho de seis anos olhando o seu rosto e o seu nome numa tapeçaria de família, querendo colocar fogo nela para poder experimentar alguma emoção.
Sirius, que fora punido por tocar em um trouxa quando tinha seis anos, experimentando o terror de fazer parte de algo que o machucava de dentro pra fora e de fora pra dentro. O menino, com seis anos, na Mui Antiga Casa dos Blacks.
Enquanto o sangue puro de Black entrava em ebulição, foi com revolta que ele rebateu um balaço em direção a Michael Carlson. Deliberadamente, ele mirou e usou o seu bastão para ferir um oponente que não estava com a posse da goles ou próximo ao pomo de ouro. Carlson, por pouco, desviou-se. Cerdas de sua vassoura foram arrancadas junto de uma lasca de madeira. Michael vociferou com raiva:
"Qual é o seu problema, Black?!"
Acima de suas cabeças, James e Rebbecca voavam rapidamente em busca do pomo dourado, que conseguiram distinguir entre as nuvens densas e escuras e o clarão de relâmpagos.
"Fica longe do Remus, monitorzinho de bosta!"
"Você parece que também é a fim dele!" — retrucou Carlson, saindo do caminho da artilheira corvinense, Anna Boyd, que tinha posse da goles.
Sirius vociferou com raiva:
"ELE É MEU AMIGO! MEU! FICA LONGE DELE!"
Sirius rebateu mais um balaço na direção de Michael quando este foi deferido por Wood contra Boyd, utilizando toda a sua força.
O que aconteceu a seguir foi totalmente inesperado. Instintivamente, Carlson rebateu também o balaço que fora mandado em sua direção, fazendo-o mudar o seu curso e voltar para Sirius.
O rapaz de cabelos compridos, por sua vez, julgando que o adversário apenas se desviaria como da outra vez, permaneceu imóvel. De maneira que, quando Sirius percebeu o que acontecera já era demasiadamente tarde.
O balaço atingiu em cheio o rosto de Sirius. Um barulho surdo sobrepujou o ruído da tempestade que era como grãos sendo derramados em um caldeirão.
James ouviu o grito da multidão, acompanhando o som abafado emitido pelo narrador lufano, que havia posto a mão sobre a própria boca para estrangular o seu terror. Voltando-se para olhar para baixo, Potter pode ver ainda os respingos grossos de sangue flutuando no ar, misturando-se a chuva. Viu o balaço ensanguentado se voltar para os outros jogadores de forma sombria.
Sirius perdeu o equilíbrio. Sua vista escureceu. A dor que sentia era enlouquecedora. Os gritos da plateia se elevaram e algumas meninas fecharam os olhos quando Black caiu da vassoura. Remus sentiu que as suas entranhas se afundavam no chão e que as suas pernas perdiam completamente a força.
James deu meia volta, ignorando o pomo dourado e Rebbecca, que, concentrada, ainda o perseguia e esticava a sua mão na direção da bola alada e dourada. Dempster também parecia demorar para perceber o que acontecera e tinha os braços no ar, comemorando o primeiro gol que marcara na partida.
Rebbecca agarrou, então, o pomo dourado entre os seus dedos delgados e se virava assustada para fitar a comoção que se formava lá embaixo.
Potter já alcançara o gramado encharcado e se ajoelhava ao lado de Sirius. Os outros jogadores dos dois times deixavam os seus postos, voando para perto do grifinório desmaiado no chão.
A palidez de Remus, agora, era quase fantasmagórica e ele não podia respirar. Ele só percebeu que pulara por sobre a arquibancada, passando por cima dos colegas, descendo a escadaria espiralada sem se preocupar com mais nada, quando se viu ajoelhado ao lado de Sirius com o corpo trêmulo e as roupas encharcadas.
Os olhos arregalados de Remus miravam de modo incrédulo Black estirado no chão, cercado por James, pelos professores, pelos jogadores com uniformes vermelhos e azuis e por colegas estarrecidos.
No chão, Sirius, desacordado, nada sentia. Uma poça de sangue ao seu lado era diluída pela água da chuva. A chuva que encharcava os seus cabelos.
Seu rosto era um borrão de beleza, selvageria e sangue.
Remus sentiu a bile se formando em sua garganta e as lágrimas em seus olhos. Ele tocou a mão de Black. Tocou o seu mindinho, entrelaçando o seu dedo no dele.
Sirius estava gelado.
E, enquanto ainda nervoso pelo que se sucedia, Remus sentiu um latejar na sua têmpora, uma náusea em sua garganta quando experimentou algo em seu íntimo. Algo privado.
Aquela conexão era mais sentida no primeiro ano da licantropia de Remus. Logo após a mordida e o vínculo formado entre criador e criatura ser instaurado. Fazia muitos anos que Remus não sentia a ligação entre ele e Fenrir Greyback. Mas ele reconheceria aquela conexão em qualquer lugar.
Foi um lampejo.
Fenrir Greyback arrastava alguém pelo cabelo e soltou os fios com um movimento brusco em um descampado.
"Aqui está o meu tributo, Lorde das Trevas. A porra de uma Auror que estava tentando obter informações na Albânia."
A bruxa estava com o rosto desfigurado, as vestes rasgadas, mas os seus olhos ainda se mexiam e ela respirava.
Uma voz fria como aço que ressoou em alguma instância indagou:
"Livre-se dela! Ou prefere levá-la para a sua alcateia?"
Fenrir Greyback fitou a mulher semimorta e retorquiu com um ruído de desprezo.
"Já extraí o melhor que pude dela, Lorde das Trevas!"
E, então, num átimo, Fenrir pulou sobre a mulher, devorando o restante de seu rosto e de sua jugular. O rasgar de tendões, o dilacerar de veias umedeceu a boca do licantropo e um raio de sangue, o gosto férreo, singular, foi experimentado na ponta da língua de Remus.
O grifinório se sentiu tonto. E enquanto os professores se amontoavam para ajudar Sirius, o seu olhar pousou no vermelho vivo do rosto de Black.
