OS MAROTOS: O LIVRO DAS SOMBRAS
CAPÍTULO 13
ARMADILHA DE LOBO
'I'm not going down on my knees begging you to adore me
Can't you see it's misery and torture for me?
When I'm misunderstood, try as hard as you can
I've tried as hard as I could
To make you see
How important it is for me
Here is a plea from my heart to you
Nobody knows me as well as you do
You know how hard it is for me to shake the disease
That takes hold of my tongue in situations like these
Understand me
Understand me'
(Shake the Disease – Depeche Mode)
Naquela noite, Sirius e James haviam trabalhado na limpeza de um dos depósitos da Escola, empilhando algumas caixas com artefatos mágicos dentro e organizando prateleiras com livros de lombadas grossas e títulos herméticos escritos em latim. Filch sinalizara para Black que alguns daqueles exemplares eram destinados à seção restrita da biblioteca e por conta disso, estavam enfeitiçados.
De fato, Sirius e James, ao tentarem abrir um livro com o título "Mors Carmina - Umbra dolor", constataram que as páginas estavam coladas e não podiam ser manuseadas. E outra obra com o título gigante "Quartum Inexplicabile Maledictum - Commutatione corporum" começou a berrar quando os dois garotos a tentaram folhear, obrigando-os a fechá-la rapidamente.
Através da magia conjurada por Potter, os dois alunos terminaram o serviço atribuído bastante cedo. E isso estava se tornando uma rotina naquele mês de Detenção com a trapaça que era James Potter vir ajudar Sirius Black, utilizando a Capa da Invisibilidade e a sua varinha e, invariavelmente, sendo mais fiel ao amigo do que às regras da Escola.
James, sentado um pouco relaxado em uma chair long estofada, utilizando um pequeno punhal, descascava uma maçã que afanara da cozinha de Hogwarts. Sirius, após se espreguiçar, jogou-se sobre o outro rapaz, bem a tempo de James afastar a lâmina e se encolher sob o peso do outro.
"Se quiser se jogar em cima da faca e se matar, não me envolve nesse plano, Black..."
Sirius, ignorando o outro rapaz, consultou o seu relógio de pulso, após um longo bocejo.
"Terminamos hoje bem cedo. E o Filch deve voltar só daqui a uma hora e meia mais ou menos... Então..."
James se deteve, mordendo um pedaço da maçã e oferecendo a outra metade a Sirius.
"Então...?"
"Então, acho que vai dar tempo de sobra da gente se pegar..."
Potter se deteve enquanto mastigava a maçã e após engolir o alimento, sorriu. Depois, ele apoiou as duas mãos sob a cabeça, fitando Sirius.
"Não acha que é estranho o que a gente tá fazendo?"
Black, imitando o gesto do outro rapaz, deitou-se um pouco de lado no espaço estreito da chair long. Depois, ele apoiou a cabeça em seu cotovelo.
"Por quê?"
James deu de ombros.
"Sei lá. A gente é amigo pra cacete desde o primeiro dia que pisou em Hogwarts. Os professores e os outros alunos meio que sempre colocaram a nossa amizade num patamar fraternal. Uns calouros já até me perguntaram se você era o meu irmão ou o meu primo e, na época, eu disse que você era da minha família sim porque pra mim, você é..."
Sirius espreitou o outro rapaz de perto, sorrindo com um rubor em seu rosto. A camisa dele se mantinha um pouco aberta e a gravata, frouxa. Ser um Potter... Sem dúvida, uma honra. Mas não daquela forma permeada por tabus. Os Blacks haviam se tornado incestuosos há algumas gerações, a fim de manterem o que chamavam de pureza do sangue. Sirius gostaria de se distanciar dos Blacks tanto quanto possível. Tanto quanto o impossível também.
"Não me leva a mal, James, mas sei lá... Te vejo diferente do modo como penso no Regulus. Isso o que a gente faz, pra mim, é inimaginável com o meu irmão não somente por ele ser uma criança. Mas mesmo que ele fosse um adulto, eu não teria vontade nenhuma de beijar o Regulus. Mas é legal com você. Então, não... Acho que nunca te vi como esse tipo de irmão. São formas de gostar diferentes... Apesar de você ser família pra mim também."
James se mantinha deitado. As mãos sob a cabeça. O olhar inteligente. Espreitava Sirius afrouxando um pouco mais a sua gravata.
"Meus pais me tiveram com quinze anos e, às vezes, vejo eles mais como irmãos do que como pais. Pra mim, seria abominável beijar qualquer um dos dois como eu te beijei..." — falou Potter.
Black deu uma dentada na metade de sua maçã, deixando o restante da fruta sobre a cômoda e limpando os lábios com o dorso da mão.
"Então, por que seria estranho nós dois?"
James pestanejou, dizendo:
"As meninas que namorei não eram minhas amigas, Black. Sei lá. A Rebbecca foi bem próxima e eu gostei muito dela, mas sempre... Sempre tinha um distanciamento com as outras garotas... Mas você... Você é a porra do Black! Você me conhece bem. Bem até demais..."
Sirius assentiu, tirando a franja mal cortada de seus olhos.
"Você me conhece bem demais também, Potter. E se quer saber, eu nunca consegui me envolver tanto também com as garotas que namorei. Eu gosto de mulher. Tenho certeza disso...Mas parece que sempre tinha uma barreira... Não sei se eu gostava delas suficientemente... Eu só as achava muito bonitas, muito legais às vezes e saía com elas..."
James assentiu, deslizando os dedos pelos botões da camisa de Sirius e fitando, a seguir, o teto alto, os candelabros e a parede coberta por quadros de paisagens bucólicas e desconhecidas de alguma floresta da Grã-Bretanha.
"Mas nós dois nos gostamos. Quero dizer... A gente nasceu pra se gostar. Somos amigos. Somos a porra do Black e do Potter... Somos Marotos!"
"Somos..." —concordou Sirius, laconicamente— "Tá te incomodando isso?"
James deu de ombros.
"Não sei. É tudo sincero demais. Transparente demais. Você sabe de tudo sobre mim, Black, e não temos esse tipo de relação de sair andando de mãos dadas; fazer joguinhos; testar um ao outro; dizer palavras românticas. Acho que não te vejo dessa forma e não tenho vontade de fazer isso com você. Mas gosto pra caralho de me pegar com você..."
Sirius, após um tempo pensativo, disse:
"Não sinto vontade de viver esse tipo de romantismo com você também, Potter. E fico feliz por podermos ser sinceros um com o outro. Mas gosto disso aqui..."
Black se curvou sobre o outro rapaz, depositando um beijo intenso na sua boca. Sirius sentiu a languidez alcançar o corpo morno de James e ele o envolver com os braços. Foi um beijo demorado em que as mãos de Black, com alguma intensidade, percorriam o corpo do outro rapaz por sobre o uniforme de Hogwarts.
Ao descolarem os seus lábios, James prosseguiu, após um tempo em que sentia Sirius morder o seu pescoço, semicerrando um pouco os olhos:
"Então, como definimos isso?" — indagou James, retirando os óculos embaçados da vista e limpando-os na camisa de Sirius.
"Não consigo pensar em nada. Pegação entre amigos; experiência; homossexualidade exploratória; ficada sem compromisso; amigos com benefícios...?"
James se manteve quieto por alguns segundos e falou, dando de ombros:
"Não vou namorar nenhuma garota enquanto a gente tiver ficando assim, ok? Sei lá, eu enganei a Rebbecca na época que saía com ela e me senti um cuzão. Não quero ser um babaca de novo com outra garota..."
Sirius assentiu. Falava com a boca muito próxima a James.
"Eu não tô a fim de nenhuma garota, então, pra mim tá legal assim."
Sirius voltou a mergulhar o rosto no pescoço do outro rapaz e James, após fechar os olhos, sendo tomado pelo prazer daquela carícia, como se se desse conta de algo, afastou o outro grifinório:
"Ei, Black... Não me deixa com marca. Daqui a pouco o Pettigrew vai começar a fazer perguntas. E o Remus também..."
Sirius se deteve, afastando-se um pouco. Depois, retrucou com alguma mágoa:
"Remus não tá nem falando com a gente. Ele não vai perguntar nada. Vi ele hoje almoçando com a Rivers e com a Fraser."
Um silêncio se fez em que Sirius ostentava aquela expressão feroz de rapaz contrariado. James, olhando-o, indagou:
"Por que você, afinal, recebeu o Remus com uma caralhada de pedras na mão quando ele voltou da enfermaria? Não foi um pouco demais?"
Sirius repuxou os cabelos escuros para trás e entortou a boca como se a lembrança o aborrecesse.
"Eu tinha prometido a mim mesmo que não faria uma cena. Mas quando o Remus não voltou na segunda-feira de manhã e achei que ele não voltaria mais por uma semana, fiquei com medo de que ele desse no pé de Hogwarts. O meu sangue subiu. Não consegui me controlar na hora. Porra, quatro anos de amizade e ele ainda não confia na gente... E, agora, pede que nos afastemos!"
O rapaz de cabelos compridos, de fato, parecia muito chateado. Na segunda, quando Remus não aparecera durante as aulas, James propusera que eles dois dessem uma passada na ala hospitalar para ver se ele já havia voltado, mas Sirius, recordando-se de como foi afastado quando o procurou logo após o episódio do Lago, preferiu esperar com aquele medo se instaurando em sua mente.
Black temia que Lupin partisse. Simplesmente, fosse embora como alguém entediado ou como alguém que num dia está lá e no outro, não mais. Afinal, era assim que as pessoas partiam, não é mesmo? E a falta... A falta que elas faziam se alastrava, corroendo os espaços e se tornando um pouco falta de si mesmo também.
James se esticou para alcançar o pedaço de maçã sobre a cômoda e o mordiscou.
"Você foi reativo, Black. No fim das contas, nem eu, nem você e nem o Pettigrew sabemos o que é ser um licantropo e não podemos fazer um bando de cobranças como se a gente fosse a porra dos donos da verdade. Remus é só um garoto. É o Remus Lupin que conhecemos desde o primeiro ano e que se fecha quando surta. Pega leve com ele..."
"Você sempre defende o Remus..."
"Eu não consigo ficar muito tempo bravo com o Remus! Ele é meu amigo! E ele tava quase chorando naquele dia! Isso acaba comigo. Não gosto de ver o Remus triste..." — retrucou James, movendo as mãos como se expressasse a sua limitação em se manter aborrecido— "E, dane-se, eu sinto falta dele..."
Black fungou, mantendo o seu rosto impassível e orgulhoso. Depois, rosnou como se se recordasse de algo desagradável.
"Remus parece que só pensa naquele idiota do Carlson agora..."
James soltou um estalo impaciente com a boca, antes de colocar os óculos de volta na vista.
"Não gosto daquele cara rodeando o Remus. Parece um corvo com fome! O que um velho de dezesseis anos, jogador de Quadribol e corvino quer com um garoto legal como o Remus?"
Sirius, que tinha justamente dezesseis anos, cruzou e descruzou os seus braços.
"Dezesseis anos não é velho pra se gostar de alguém de quinze, apesar do Carlson parecer um caquético de vinte anos com aquela cara meio detonada. Mas não gosto daquele idiota tentando se aproximar do Remus..."
James se manteve um tempo calado. Depois, engoliu em seco, antes de dizer:
"Carlson tava arrastando asa pro Remus na festa dos intercambistas quando ele tava sozinho. Você acha que, talvez, tenhamos nos afastado um pouco do Remus, sem percebermos? Ele nunca havia falado tudo aquilo pra gente e parecia bem sentido..."
Sirius meneou o seu rosto, respirando fundo:
"É... A gente tem ido a muitas festas no quarto ano e eu deixei me levar. Não que goste dos veteranos como se eles fossem os Marotos e tal, mas eu fui aceitando os convites e gostando de fazer parte de tudo... Mas não quero perder a amizade do Remus. Na verdade, eu sinto que ele me evita cada vez mais e sinto falta de quando conversávamos e passávamos mais tempo juntos..."
Um silêncio se fez em que os dois garotos se mantiveram pensativos.
Sirius se recordou dos momentos em que ele permanecia conversando com Remus sob o freixo do pátio da Escola e de como essas ocasiões foram se tornando cada vez mais raras. Assim como os jogos de xadrez; os snaps explosivos; os bate-papos até tarde na Sala Comunal e até as vezes em que os Marotos jogavam Quadribol, sem se importarem com vencer ou perder. Mas só se divertindo juntos e com Sirius e James voando mais baixo e mais devagar para acompanharem Remus e Pettigrew.
O que havia se perdido?
Era sempre legal quando os Marotos roubavam comida da cozinha e testavam feitiços no dormitório até tarde da noite, comendo tortinhas de abóbora ou jogando feijõezinhos de todos os sabores no ar para os ampararem com as bocas escancaradas. Durante os recessos escolares e férias, era desses momentos que Black se recordava na prisão dos seus pais. Era disso que sentia mais falta... O quarto com cheiro de cerveja amanteigada e com o ruído de gargalhadas. Ou com o entoar suave do radinho de James, que tocava música trouxa enquanto todos relaxavam.
Mas Remus estava sempre na biblioteca agora, não estava? Lupin sempre fora o mais cdf do grupo e precisava de distanciamento para se concentrar nos estudos, nas suas metas secretas, no seu mundo silencioso. Nos seus desafios e vaidade.
Ele se afastara também... Remus estava se isolando e se empurrando para dentro de si mais e mais...
Como reflexo talvez... Como um lobo sem a sua alcateia. Sobrevivendo por si só e cuidando de tudo que o envolvesse como se construísse um novo habitat. Remus, com aqueles olhos selvagens por trás das grossas lentes dos óculos, procurando em livros acolhimento e ternura.
Sirius se lembrou da vez em que comemorou o aniversário de James com o rapaz de cabelos rebeldes e alguns veteranos em uma festa da torre norte e quando os dois grifinórios voltaram de manhã para o seu quarto, se depararam com o dormitório enfeitado, o bolo de aniversário e os doces de Dedosdemel sobre as escrivaninhas, intocados.
Lupin e Pettigrew haviam caído no sono esperando e, ao toparem com os amigos de manhã que fitavam sem jeito uma festa surpresa afundada, Remus foi ver o ensaio do coral da Escola com Rivers, parecendo aborrecido e Pettigrew permaneceu emburrado, falando que não queria papo com Black e com Potter naquele dia.
"Como vocês comemoraram o aniversário do James sem a gente?! Que falta de noção! A gente sempre comemorou junto! Eu e o Remus ficamos aqui feito dois idiotas e até fomos falar com outros colegas pra tentar descobrir onde vocês tavam! Que vacilo, caralho!"
Por que eles não haviam voltado para a Sala Comunal da Grifinória durante a noite?
Ah, sim... Sirius permanecera até bem tarde, beijando alguma menina, assim como James.
Nessa ocasião do aniversário, Sirius e James permaneceram quietos diante do sermão de Pettigrew, mas o silêncio de Remus era mais assustador. Porque Remus só assentia diante das explicações e pedidos de desculpas dos amigos, contabilizando com mutismo todas aquelas informações em uma matemática amarga que explodira na última conversa que tiveram.
Sem dúvida, talvez, Remus já estivesse por conta há muito tempo. Principalmente porque ele não ia com a cara de muitas das pessoas com as quais Black e Potter andavam... E ser deixado de lado por essas pessoas, eram uma afronta para o orgulho de Lupin, que lidava com o fato de ser diferente desde os oito anos.
É... Talvez os Marotos estivessem ficando mais distantes do que conseguiam perceber. E não percebiam, principalmente, o percurso que os levara até aquele momento. Havia uma dança silenciosa em que Sirius e James davam dois passos para trás; Pettigrew, um e Remus, três passos. Quando Black e Potter davam dois passos para a frente novamente, Remus, com desconfiança, estava sempre um pouco fora de alcance. O lobo era um animal orgulhoso. Era da sua natureza.
Sirius respirou fundo, esfregando os olhos.
"Eu também sinto falta do Remus. Muita."
James, fitando o outro rapaz enquanto ele tateava o lugar em seu pescoço que Sirius mordera, disse:
"Encontrei o Remus dia desses no corujal. Eu ia falar pra ele que esse afastamento era uma bobagem, mas... Sei lá. Eu não consigo saber o que ele tá pensando. Acho o Remus esquivo até comigo às vezes. Parece que ele tá sempre escondendo coisas..."
Sirius mordeu um pedaço da maçã deixada sobre a cômoda e, após quase um minuto em que ele mastigou e engoliu a fruta, pigarreou e perguntou:
"O que você achou da história do Lago?"
James ponderou por alguns segundos, endireitando os óculos sobre o nariz com as juntas dos dedos.
"Ele disse que era o Lobo agindo, não disse? A gente concordou que o Remus tava diferente naquele dia e que nós também agimos, sem saber bem o porquê."
Sirius assentiu, fungando.
"É... Ele sempre falou pra gente que o Lobo é uma criatura das Trevas imprevisível e persuasiva... Mas o que você acha de nós três termos nos beijado naquele dia...?"
James se manteve um tempo quieto e disse:
"Remus mal se lembra de como foi, Black..."
Sirius assentiu outra vez, tentando parecer à vontade com a pergunta enquanto massageava a sua coluna.
"Você gostou de beijar o Remus?"
James espreitou o rosto do outro garoto diante de si, movendo a sua cabeça de um modo vago.
"É, foi legal... Acho que o Remus foi sorrateiro e já andou beijando alguém antes. Aquele não era o beijo de um principiante... Ou, então, ele levou as nossas brincadeiras de beijo muito a sério e se tornou um cdf nisso também..."
Sirius se recordou da sensação de ter os lábios do rapaz de cabelos castanhos colados aos seus e de como isso o deixara trêmulo e querendo desesperadamente ter Remus perto de si naquele dia. De como ainda estava trêmulo quando fora até a ala hospitalar, sentindo uma perturbação que não conseguia compreender. O beijo de Remus, de fato, não era o de um garoto inexperiente de quinze anos... Por que Black não conseguia se esquecer daquele maldito beijo, sendo que já beijara tantas pessoas?
Potter mordeu o último pedaço de maçã e disse:
"Vem cá, essa coisa que a gente tá fazendo aqui de se pegar tem que ser mantida em segredo entre os Marotos? Porque o Pettigrew me perguntou ontem por que voltamos tarde para o dormitório e eu não tenho mais mentiras pra inventar. Aliás, Marotos não mentem uns para os outros. Acho que já quebrei esse voto uma caralhada de vezes nessa semana..."
Sirius se manteve muito quieto, ponderando. O seu maxilar se contraiu um pouco. Depois, ele finalmente falou:
"Eu tava pensando em tentarmos voltar a falar com o Remus depois de amanhã, depois da partida contra a Corvinal. Acho que os ânimos vão estar mais calmos e ele talvez fique feliz com a vitória da Grifinória..."
James sorriu, voltando a apoiar a cabeça sobre as mãos e cruzando as pernas.
"Acho que é um bom timing. Até porque ele ficou assistindo ao treino de Quadribol da Torre de Astronomia, acreditando que a gente não tava vendo ele lá de cima. Isso é tão Remus... Você não me deixou jogar o pomo de ouro na direção da Torre pra dar um susto nele, mas vontade não me faltou..."
Sirius sorriu.
"Você ia acabar irritando mais ainda o lobinho. Eu fiquei feliz de ele ter comparecido ao treino de alguma forma. No sábado, depois do jogo, então, falamos com ele..."
Sirius respirou fundo, pensando que Remus confessara no dormitório o seu desejo por garotos. Certamente, ele não ia achar estranho dois rapazes se pegando. Mas como reagiria se eles fossem os seus melhores amigos? Lupin sentiria ciúme de James? Talvez. Sentiria ciúme de Sirius? Definitivamente, não...
Remus não desejaria Black nem que ele fosse a última criatura viva da face da Terra. E, possivelmente, se perguntaria intimamente o que Potter vira num rapaz como Sirius, cuja família era um bando de puristas com associações com a Magia Negra. Um grupo de bruxos com inabilidades constrangedoras em relação ao afeto e com um sangue que adoecia cada vez mais, graças à endogamia excessiva. Orion possuía amantes fora do casamento, desde que Sirius se entendia por gente e Walburga se tornava mais histérica e mais vil a cada ano. Seu lar era arruinado e as pessoas que viviam nele, arruinavam umas às outras. Não era como o lar cheio de risadas dos Potters e nem como a casa amorosa dos Lupins. Remus moveria a sua cabeça para trás com o gesto soberbo que ele reservava só para as situações mais degradantes e julgaria. Onde Potter estava com a cabeça para se pegar com aquele lixo, filho de puristas? Cambada de sangue-puros decadentes e vagabundos...
"... Vamos contar para ele e, depois, para o Pettigrew..." — declarou Sirius, tentando afastar aquela poluição de pensamentos para longe de si.
James assentiu, retirando os óculos da vista e se espreguiçando na chair long.
"Ok, vamos pensar num modo de contar então... Mas por ora, você vai querer aproveitar esse tempo antes do Filch voltar ou não afinal...?"
Black fitou o outro rapaz, que sorria com os seus lábios enviesados.
O corpo de James era o corpo de um adolescente, mas havia uma energia muito masculina nele. Ele tinha um olhar forte e ininterrupto que não podia passar desapercebido, mesmo que ele quisesse. As suas costas e ombros eram largos e a boca, bem desenhada. Os cabelos despenteados de Potter tinham um ar de despreocupação que o fazia parecer descolado e livre. O corpo magro não era como o de Remus, pálido e retraído. Havia força demasiada em suas mãos e braços. A pele levemente bronzeada devido aos treinos de Quadribol era quente e macia.
James era diferente de Remus fisicamente. Potter tinha o corpo de um atleta que anda nu pelo dormitório. Lupin tinha o corpo de um adolescente, que você se imagina despindo, só após implorar muitas vezes para vê-lo sem roupa.
Sem se deter, Sirius voltou a beijar James. Dessa vez, o rapaz de cabelos compridos sentiu os dedos do grifinório se cravarem em seus ombros e depois, deixou que o outro rapaz puxasse mais a sua cabeça. Abraçados, eles se devoravam com bocas famintas, sem delicadeza, mas tentando dosar aquela rudeza que o desejo lhes impunha.
Sirius, deitado sobre o outro rapaz, sentia que ele estava excitado e sentia o seu próprio membro endurecer em sua virilha. No entanto, eles não haviam se tocado daquela forma ainda, em um acordo tácito. As mãos de Black passeavam pelo corpo do outro rapaz e James também lhe acariciava, mas nunca tão intimamente.
Sexo com o melhor amigo? Sirius não sabia se queria que as coisas fossem tão rápidas assim e não sabia ainda como se sentiria transando com outro garoto. Não qualquer garoto. Com James Potter. Beijo não era sexo. E o movimento suave dos quadris de ambos um sobre o outro não era sexo também... Apesar de que os dois garotos precisariam se aliviar depois daquilo sozinhos em um ato sexual solitário e urgente. Sexo mancharia a amizade dos dois? O quanto aquele vínculo forte suportaria sem arrebentar?
Como se James houvesse lido os pensamentos do outro rapaz, ele partiu o beijo e murmurou com a boca próxima, um pouco ofegante, retomando o assunto que ficara para trás.
"Eu só não quero perder a sua amizade, Black... Posso me pegar com uma garota ou até mesmo com outro garoto se eu quiser. Mas só tenho três Marotos na minha vida. Tenho poucos melhores amigos. Só existe um Sirius Black no mundo e, normalmente, sou um péssimo namorado. Mas tenho tentado ser um bom amigo. Tá me entendendo?"
Sirius se deteve, fitando o outro rapaz e assentiu.
"Eu não vou perder a sua amizade por nada no mundo, Potter. Eu não tenho nada. Só tenho vocês, Hogwarts, Regulus e o meu tio Alphard... Eu não poderia viver em Hogwarts sem o desgraçado do James Potter. Então, nem pense em deixar isso ferrar com a nossa amizade... Senão, eu acabo com você, ouviu bem?"
"Feito!" — determinou James, tomando o rosto do outro rapaz entre as suas mãos e mergulhando os lábios naquela boca macia e com o sabor um pouco doce e um pouco ácido de maçã.
Quando estava próximo do horário de Filch retornar, James guardou o punhal em sua mochila, livrou-se das cascas de maçã e se escondeu sob a Capa da Invisibilidade. Ao ouvir o ruído de Filch arrastando os seus sapatos no corredor, James, espreitando Sirius diante de si, murmurou:
"Black... A camisa..."
Sirius se antecipou em colocar a sua blusa amarrotada para dentro da calça, abotoando rapidamente os punhos e a gola. Havia um tom afogueado em seu rosto e ele tinha o olhar selvagem, masculino, desafiador sob as suas sobrancelhas. Seus lábios estavam um pouco avermelhados.
Filch, retornando, deparou-se só com um adolescente que parecia cansado devido ao trabalho excessivo exigido nas Detenções. O depósito se mantinha bem arrumado e no ambiente abafado, erguia-se somente um suave cheiro de maçã.
Fora da Escola, começava a chover e o ar da noite embaçava as vidraças, escurecendo-as a ponto de refletirem somente o breu entrecortado pela luz bruxuleante dos candeeiros.
"Está dispensado. Pode ir..." — determinou o zelador com mau-humor.
Sob a Capa da Invisibilidade, James apalpava ainda a marca roxa que Sirius lhe deixara no pescoço e, em seguida, arrumou também a sua roupa.
(cut)
Remus rumou para a ala hospitalar, acompanhado de James; Pettigrew; o time de Quadribol da Grifinória e as fãs de Black, que seguiam Hagrid de perto, enquanto o guarda-caça de Hogwarts carregava Sirius ainda desacordado. Na enfermaria, Madame Pomfrey abriu caminho entre as pessoas, segurando um frasco com uma poção de cor cinzenta.
Higia Bhasin surgiu também da sala contígua, manuseando a sua varinha para abrir o cortinado e os lençóis no leito em que Sirius foi posto.
"Preciso pedir a todos que esperem lá fora. Preciso examinar o paciente..." — determinou Madame Pomfrey, abrindo as pálpebras de Sirius para checar as suas retinas.
Higia, solícita, acompanhou o extenso grupo até a saída, fechando a porta dupla com um estrondo e pedindo aos acompanhantes de Black que tivessem um pouco de paciência.
Os alunos se mantiveram, então, no corredor. James fitava o teto com a cabeça apoiada na parede, parecendo tentar elaborar o que presenciara. Remus, encharcado dos pés à cabeça e com os lábios trêmulos, estava parado diante da porta muito quieto, ouvindo com alguma parte distante de si os lamentos e choro das meninas, fãs de Black.
O gosto de sangue na ponta de sua língua se dissolveu. Assim como Fenrir Greyback na ponta de sua memória.
A Professora Minerva McGonagall chegou pouco tempo depois, acompanhada de perto do Professor Flitwick e se manteve muito séria, fitando a sala da ala hospitalar trancada e apertando as suas mãos. A bruxa usava uma capa xadrez e não havia uma gota de chuva sequer sobre a sua vestimenta, assim como nem um fio de cabelo fora do lugar. Talvez, ela tivesse usado algum feitiço para enxugar as suas roupas.
Os Marotos permaneciam em silêncio com a respiração presa em suas gargantas. Esperavam que a porta se abrisse e o estado de Sirius lhes fosse informado enquanto o time de Quadribol tentava processar ainda a queda de um jogador experiente como Sirius de sua vassoura. Longbottom passava as mãos por seus cabelos negros, pelo topete encharcado, parecendo desolado.
"A culpa é minha! Eu não devia ter pedido ao Black que jogasse fora da posição dele! Tava uma chuva desgraçada e até um jogador habilidoso como ele encontraria problemas com os balaços..."
Otto Morgan, com o seu braço imobilizado ainda, replicou:
"Não, Capitão! A culpa é minha! Se eu não precisasse ser substituído hoje, o Black não teria que passar por isso e nem a Grifinória sofrer essa derrota..."
Zhang, com as vestes molhadas, puxava a capa para a frente do seu busto onde o tecido da camisa havia se tornado um pouco transparente e as rendas do seu sutiã eram visíveis. Pettigrew olhava a jovem um pouco de soslaio quando ela murmurou baixinho para Dayal:
"Foi o Carlson que acertou o Black! A comissão deve averiguar o registro da cena que foi feito com a varinha da juíza. Se houver irregularidades, saberemos..."
Dayal, com as roupas ensopadas também e respingando água no chão, declarou:
"Eu só quero que Sirius Black fique bem... Ele é um cara tão legal!"
A Professora McGonagall, que conversava com o Professor Flitwick, interveio, dizendo com uma voz firme:
"Black é um rapaz forte. É óbvio que ele ficará bem..."
Remus sentou-se no chão, recostado à parede em que James estava. O rapaz de cabelos rebeldes se mantinha de pé, silencioso, e fitou Remus quando este ergueu o seu rosto. Os olhos de Remus estavam vermelhos e a sua pele parecia muito pálida e gelada.
Silenciosamente, James deslizou os dedos até o ombro do outro rapaz e Remus segurou a mão do amigo. Enquanto fungava e enxugava os olhos, Remus permaneceu segurando a mão de Potter. E, naquele processo, o apanhador do time da Grifinória lhe transmitia aquela força soberba. Os dois Marotos ficaram, então, lá como a família que Sirius tinha. Unidos em seus medos e temores. Unidos em seu amor. Não importava que a amizade estivesse com fissuras. Não importava nada agora.
Os trovões ainda ressoavam alto através das janelas quando Madame Pomfrey e a sua estagiária finalmente reabriram a porta da enfermaria.
Remus, James e Pettigrew voaram em direção às duas bruxas. Mas foi a Professora McGonagall que se antecipou com a voz um pouco alterada:
"Como o senhor Black está?"
"A perna dele direita está quebrada. Houve uma fratura exposta, mas já estamos a tratando com as poções necessárias. Ele vai permanecer desacordado por um tempo, mas está fora de perigo..."
Remus sentiu James apertar com mais força a sua mão e experimentou uma corrente tranquilizadora percorrer todo o seu corpo. Subitamente, o rapaz de cabelos castanhos voltava a se lembrar de como respirar.
"E o balaço que acertou a cara dele?" — indagou Pettigrew com a tinta vermelha e dourada do seu rosto escorrendo devido à chuva.
"Nariz quebrado. Já estamos o tratando também. Higia já fez o processo de colocar o osso no lugar e só está com um pequeno curativo agora. Ele vai ficar bem..."
"Podemos vê-lo, Poppy?" — perguntou a Professora McGonagall, seguida de perto do Professor Flitwick, que era o diretor da Corvinal.
"Claro!"
"Nós também queremos vê-lo!" — disse James, segurando ainda a mão de Remus— "Somos amigos dele!"
Madame Pomfrey olhou o enorme grupo diante de si, movendo os seus olhos verde azulados e declarando de modo enfático:
"Só seis visitantes são permitidos. Os outros alunos, peço que voltem para as suas respectivas Casas e aguardem lá!"
As meninas seguidoras de Sirius protestaram com vozes de indignação estridente e James apertou os olhos com impaciência.
"Madame Pomfrey, precisamos ver Sirius Black!" — insistiu uma das garotas do fã-clube de Black com a voz chorosa e olhando Remus e Pettigrew com algum incômodo.
"Só mais uma pessoa é permitida!" — declarou categoricamente, a enfermeira.
"Alguém do Quadribol!" — cortou a Professora Minerva com alguma rispidez, parecendo perder também um pouco da sua paciência diante da insistência da aluna.
Zhang e Dayal bateram no ombro de Longbottom.
"Vai lá, Frank, representando a gente. Vamos esperar aqui."
Houve protesto do fã-clube de Sirius ainda, mas Higia Bhasin fechou a porta dupla no rosto das garotas que, na ponta dos pés, tentavam ver de relance o leito de Black.
Sirius estava deitado, trajando já o pijama da enfermaria. Seus cabelos haviam secado e a hemorragia do seu nariz cessara. Sobre a cartilagem nasal, havia um curativo que fazia parecer que o impacto do balaço fora menor do que, de fato, o fora há algumas horas atrás.
A perna do rapaz estava imobilizada e enfaixada. A sua respiração ressoava tranquila e suave. Sirius ficaria bem.
Remus, após alguns minutos em silêncio, sucumbindo a um soluço estrangulado, permitiu que o seu corpo fosse assolado pelo pranto. James abraçou-o imediatamente, deixando o rapaz desabar sobre o seu ombro. Os professores e as enfermeiras olharam em direção aos garotos com uma expressão compreensiva e se puseram a conversar baixinho, um pouco afastado.
Pettigrew, espreitando o grifinório deitado sobre o leito, retrucou:
"Que choradeira é essa, Remus? A peste do Black mais uma vez provou que possui tendências para a imortalidade. Vaso ruim não quebra fácil..."
James bateu de leve na cabeça de Lupin, que secava os seus olhos com as costas das mãos, parecendo uma criança de dez anos e não de quinze.
"Se tivermos que morrer um dia, não será, com certeza, despencando de uma vassoura estúpida, Remus. Disso, eu tenho certeza."— comentou Potter.
Remus se sentia cretino por não conseguir segurar o seu choro sobre o ombro do amigo, encharcando-o com lágrimas e ranho. James deveria achá-lo de fato um cretino por ele sempre terminar chorando. E não era de hoje, com certeza, que o amigo o via dessa forma. Um chorão.
Houve um momento em que todos observaram Sirius dormindo e havia uma contração entre as suas sobrancelhas, como se ele degustasse um sonho amargo. Talvez, o grifinório se visse em um pesadelo permeado ainda por chuvas, trovões, balaços e corvos.
Pettigrew, parecendo se lembrar de algo, dirigiu-se ao Professor Flitwick com algum rancor:
"Professor, a vitória da Corvinal vai ser aceita? Já analisaram a gravação feita por Madame Hooch?"
Havia um feitiço que alguns bruxos utilizavam em competições esportivas para legitimar vitórias, que consistia na captura de imagens através de um encantamento complexo. O feitiço também era utilizado por jornalistas em entrevistas e por tribunais bruxos, ao colherem depoimentos de testemunhas através dos Aurores.
Madame Hooch, como juíza das partidas de Quadribol em Hogwarts, encarregava-se de registrar a disputa para o caso de divergências, impasses e inconsistências no resultado do jogo. Principalmente em dias como aquele em que uma chuva torrencial caía e muitos detalhes passavam desapercebidos, a prática era bastante importante.
O Professor Flitwick, um bruxo muito baixinho e com gestos ágeis, disse um pouco sem jeito:
"A vitória foi declarada para a Corvinal pouco depois do jogo. A senhorita Liljeberg pegou o pomo dourado de forma justa. O time se colocou à disposição para o caso de a partida precisar ser anulada, mas, no fim, não foram encontradas irregularidades no término do jogo..."
Pettigrew soltou um grunhido de decepção, levando as mãos ao rosto.
"Mas que caralho, Professor!"
"Senhor Pettigrew, isso é forma de falar com um professor? Atenção ao seu linguajar! Modos!" — interveio a Professora McGonagall com um olhar consternado.
Pettigrew se aprumou de volta, rindo um pouco sem jeito e expondo os seus dentes grandes.
"Er... Desculpa, professores! Mas é que... aquele Capitão da Corvinal não acertou o Black com um balaço? Foi uma jogada irregular porque o Black não tava perto do pomo e nem tava jogando como artilheiro!"
A Professora Minerva pigarreou.
"Houve, aparentemente, uma discussão entre o senhor Black e o senhor Carlson. Black atirou dois balaços em Carlson e no segundo, ele rebateu. Black foi o primeiro a cometer a falta..."
Longbottom moveu o rosto, parecendo intrigado.
"Não é comum o Black cometer faltas desse tipo, mas sei que o Carlson também joga com fair play. O que será que houve entre esses dois?"
Os Marotos se recordaram, então, da situação que ocorrera na mesa da Grifinória durante o café da manhã em que Michael Carlson puxara assunto com Remus e Sirius parecera muito aborrecido. Pettigrew cutucou Remus de leve, movendo a sua boca sem emitir som.
"A culpa é sua..."
Remus se pôs a soluçar com mais intensidade e James interveio com uma voz ríspida, cochichando:
"Para, Pettigrew! A culpa não é do Remus! Vamos esperar o Black acordar e descobrir o que houve de verdade..."
Longbottom moveu o rosto com a sua dignidade de Capitão ao assentir:
"Reconheço a derrota na partida. Estávamos sem um dos nossos jogadores oficiais, as condições do tempo não estavam ao nosso favor e a Corvinal voou melhor do que a Grifinória no fim das contas..."
"Eu deixei o pomo dourado de lado quando vi o Black caindo. Desculpa, Longbottom! Vou precisar me desculpar também com o restante do time..."
"Relaxa, Potter! Até o Dayal deixou o gol vazio. Foi uma confusão dos diabos. Os jogadores da Corvinal também interromperam a partida. Só o Dempster, o Boot e a Liljeberg pareceram perceber o que aconteceu muito tempo depois..."
Após algum tempo em que o grupo fitou Sirius dormindo ainda, Higia ajeitou as cobertas do paciente e os professores trocaram mais algumas palavras. Longbottom deixou a enfermaria, despedindo-se dos que estavam presentes no recinto e indo levar informações ao restante do time. A Professora McGonagall se retirou pouco tempo depois, acompanhada do Professor Flitwick. Ela se comprometeu a enviar uma coruja para a família de Sirius, a fim de notificá-los do acidente. A sua expressão parecia um pouco azeda por, talvez, ser obrigada a lidar com os Blacks.
"Podemos ficar?" — indagou Remus, aproximando-se da cama de Sirius e tocando a sua mão, que, agora, estava quente novamente.
Madame Pomfrey assentiu, parecendo incomodada com a comoção das admiradoras de Black, que permaneciam na porta da ala hospitalar, feito gatos arranhando a porta.
"Vou pedir apenas que não façam barulho... Com licença, preciso lembrar a elas que isso é um hospital e não uma festa da abóbora..."
A enfermeira partiu, batendo a porta dupla atrás de si e a estagiária Higia Bhasin, com o seu rosto gentil e gestos solícitos, conjurou algumas cadeiras para os garotos se sentarem. Logo após ela fez um movimento complicado com a varinha, murmurando:
"Extergimus Omnia!"
Um feitiço alaranjado deixou a ponta da varinha da bruxa e os Marotos sentiram um ar quente lhes atravessar. James olhou o seu uniforme de Quadribol encharcado ser seco com magia, assim como o seu corpo e os seus cabelos. Subitamente, ele não sentia mais frio e não havia mais resquícios da chuva que caía ainda incessantemente lá fora em nenhuma parte de si. O mesmo acontecia com Remus e Pettigrew, que olhavam para as suas roupas secas. A tinta do rosto de Pettigrew também fora limpa e o garoto murmurou, sorrindo:
"Maneiro!"
"Obrigado, senhorita Bhasin!" — agradeceu Remus, tomando um lugar ao lado de Sirius.
James se manteve quieto, antes de trocar um olhar profundo com o rapaz de cabelos castanhos quando os Marotos se viram, finalmente, sozinhos. Pettigrew, sabendo ler o ambiente, informou:
"Acho que vocês vão querer conversar e não vou ficar aqui segurando vela e vendo o Lupin chorar e fungar. Vou almoçar e volto mais tarde..."
Pettigrew deixou a ala hospitalar e os dois garotos se puseram a falar em um mesmo momento:
"Desculpa, James..."
"Desculpa, Remus..."
Remus e James se olharam, engolindo as palavras. Após mexer em seus óculos, Lupin retomou a sua fala, preenchendo o silêncio constrangedor.
"Eu ia conversar com vocês antes do jogo de hoje, mas não encontrei uma forma de fazer isso..." — disse Remus, cruzando os braços.
"A gente ia te procurar depois do jogo e tentar fazer as pazes..." — informou James, um pouco sem jeito.
Remus se acomodou em sua cadeira, fitando o outro rapaz com surpresa.
"Sério que vocês iam falar comigo?"
James, apoiando os cotovelos no espaldar do seu assento, disse:
"Não, Remus. A gente ia manter o climão de dividir o quarto sem mal se falar e ia prolongar essa besteira na qual as nossas vidas se transformou até ficarmos velhos e caducos... O que você acha?"
Remus pestanejou um pouco envergonhado.
"Eu tava precisando de um tempo... Desculpa!"
"E esse tempo serviu pra alguma coisa?"
"Serviu! Eu senti falta de vocês!"
James assentiu, movendo as suas mãos.
"Menos mal! Eu ia ficar puto se você me superasse em menos de uma semana e achasse outros três Marotos pra mendigar o seu afeto."
Remus moveu os seus olhos cor de âmbar.
"Onde eu ia arrumar três homens com quem eu aceitasse dividir um dormitório e não quisesse matar, Potter?"
James sorriu, fitando o rapaz diante de si.
"Eu senti a sua falta, seu licantropo sem coração! Sirius vai ficar feliz quando acordar e ver que você não tá mais bravo..."
Remus se manteve num daqueles silêncios de 'estou-tentando-agir-normalmente-mas-ainda-estou-constrangido-e-sem-jeito-pra-cacete-porque-a-gente-se-beijou na boca'.
Potter, por outro lado, agia normalmente, esticando os pés e os apoiando nos braços da cadeira de Remus, fechando o rapaz em seu assento com as próprias pernas.
"Sorria, Remus. Estamos de volta na sua vida..."
Remus tentou impedir que um sorriso percorresse os seus lábios quando James o puxou mais para perto, prendendo os seus pés na cadeira do outro rapaz.
"Se me derrubar daqui, paro de falar com você de novo, James!" — avisou Remus, sentindo que a sua cadeira era arrastada em direção a Potter.
"Fala que sentiu a minha falta..."
"Eu já falei que senti a sua falta..."
"Não, você precisa dizer 'Eu senti a sua falta pra cacete, James Potter!'"
"Tô começando a me arrepender de ter feito as pazes com você..."
"Quero um abraço seu!"
"Depois!"
"Agora!"
"Depois, cacete..."
"Remus, me abraça!"
"Já te abracei quando tava chorando..."
"Deixa eu chorar agora no seu ombro então..."
"Você não chora nunca! Eu que sou o chorão do grupo!"
"Eu tô abalado ainda pelo susto que passei com o Sirius e pela Grifinória ter perdido o jogo... Preciso de carinho!"
"Você supera!"
"Seu licantropo insensível! Vou dar um jeito em você depois..."
Remus sorriu porque aquele era o jeito de ele e de James resolverem as suas diferenças. Rindo e superando o mal-estar com farpas acusatórias de mentira e de brincadeira. Lupin só percebeu que a sua cadeira fora puxada, de fato, para muito perto e estava colada em James quando sentiu o abraço do outro grifinório enquanto ele despenteava a sua franja. Remus gargalhou quando o outro rapaz envolveu a sua cintura, fazendo-o cócegas por acidente.
"Amigos de novo?" — perguntou James.
"Sim!"
"Amigos pra sempre...?"
"Hum..." — assentiu Remus, sentindo os braços do outro rapaz envolvê-lo.
Quando os dois rapazes se fitaram, tinham os rostos próximos e sorriam um para o outro. O olhar ininterrupto e cor de avelã de James pousava nas linhas suaves das maçãs do rosto de Remus.
O rapaz de cabelos castanhos mexeu em seus óculos e desviou um pouco o olhar, tentando afastar a lembrança da última vez que tivera James perto, muito perto. Ele trajava a porra daquele uniforme magnífico de Quadribol e James desarrumou um pouco o próprio cabelo, fitando ainda Remus.
Sorrindo aquele maldito sorriso potteriano que deixava algumas garotas de Hogwarts doentes e obcecadas, Remus sentiu um arrepio percorrer as suas costas, diante do amigo. Foi nesse momento que o olhar do rapaz de cabelos castanhos se alojou em uma mancha arroxeada e com alguns pontos vermelhos no pescoço de James.
Apontando para o pescoço do amigo, Remus indagou:
"Isso é um chupão?"
O outro grifinório, parecendo um pouco surpreso por aquele hematoma ser percebido, se antecipou em tatear o seu pescoço e ergueu um pouco a gola da sua capa. Seu rosto estava ruborizado.
"Não sei... É?"
"Você tá namorando alguém? Não vi você com ninguém esses dias..."
James cruzou os seus braços, desviando o olhar.
"Não tô namorando ninguém..."
Remus avançou um pouco para o outro rapaz, observando novamente a marca em seu pescoço e a avaliando de perto.
"Nossa, tá bem nítido! Você tá saindo com alguma vampira? Essa garota é um animal vivo..."
James se afastou, repetindo:
"Não tô namorando ninguém! Mas, depois, em outra ocasião, te conto o que foi isso, tá bom?"
Remus observou durante um tempo o amigo. James parecia um pouco nervoso e ele não entendia o porquê. Não era a primeira vez que Lupin o via com marcas daquele tipo, deixadas pelas garotas com quem ele ficava feito trilhas de pegações ou marcas de território.
Meio que para dissolver o constrangimento, Remus fez um gesto, apontando para o seu próprio pescoço coberto pelo cachecol da Grifinória.
"Eu acho legal..."
"O quê?"
Remus ruborizou um pouco, antes de fazer um gesto com a cabeça para a marca de James e apontar para o seu canino ligeiramente torto.
"Não sei se é uma parte minha ou do Lobo, mas eu acho que deve ser legal morder e ser mordido..."
Nas suas fantasias secretas, Remus se sentia inflamar quando pensava em morder e ser mordido daquela forma íntima. Os dentes, o hálito a respiração ofegante da pessoa em sua pele. O seu canino se forçando contra a carne arrepiada de um amante... O prazer de morder e de ser mordido. De marcar alguém como seu e de ser marcado. E depois disso, o fascínio lascivo da foda para alguém que nunca havia chegado sequer perto de uma.
Remus afastou de si a sensação mórbida que sentira no campo de Quadribol e o cheiro férreo de sangue que o Lobo farejara através de Fenrir Greyback. Afastou também o gosto. E aquela ligação que era só um eco do seu criador bárbaro.
Era estranho como aquele incidente e o do corujal incutiam em Remus o senso de importância de ele falar daquilo com alguém. Mas, subitamente, essa necessidade se dissolvida como quando você sabe que precisa fazer algo, mas procrastina porque talvez não queira fazer isso de fato.
A quem ele estava sendo leal?
James se endireitou em sua cadeira, parecendo em dúvida se perguntava algo a Remus ou não. A amizade dos dois já havia, de fato, voltado às boas? Recarregara a sua força e cumplicidade? No fim, o rapaz de cabelos rebeldes pareceu tomar coragem e indagou:
"Você já tinha ficado com algum garoto antes de a gente se beijar?"
Remus ruborizou um pouco mais e sacudiu o rosto.
"Eu não menti sobre isso. Eu nunca fiquei com ninguém. Eu só não contei pra vocês que era gay, mas o meu placar de relacionamentos é o que conhecem! Zero!" — respondeu Remus, fazendo um círculo com os seus dedos.
James assentiu, parecendo se debater na escolha entre expor o que pensava ou dar um tempo para Remus se acostumar novamente com a sua presença. No fim, ele falou:
"Mas você beija bem..."
Remus arregalou brevemente os seus olhos, com um sorriso nervoso. Gaguejou ao indagar:
"E...eu b..beijo?"
James assentiu, voltando a desarrumar o seu próprio cabelo.
"Aham..."
Remus ponderou alguns segundos, cravando os dedos nos braços de sua cadeira. Depois, sacudiu o rosto.
"O Lobo beija bem... Não era eu..."
James, então, tocando os joelhos de Remus com a sua perna ao se endireitar na cadeira, retorquiu:
"Não conheço o seu Lobo e não convivo com ele. Mas pra mim era você. Você beija gostoso... Lento e demorado."
Remus desviou o seu rosto, que estava muito quente, e mexeu em seus óculos.
"Ah, ok então. Obrigado?"
"O prazer foi meu..." — replicou James com um sorriso enviesado— "Quer que eu te dê um chupão como agradecimento?"
Remus fechou as mãos sobre o próprio pescoço, um pouco agitado.
"Agora que as fofocas da Escola ao meu respeito diminuíram? Acho que não..."
"Você pode dizer que foi uma fada mordente!"
"Uma fada mordente da Grifinória..."
"Esconde a marca com esse cachecol aí!"
"Não..."
"Deixa, vai... Posso fazer num lugar em que ninguém vai ver..." — insistiu James, entreabrindo a sua boca e inclinando a cabeça para trás ao revelar os seus caninos muito brancos. Ele deslizou a língua pelo dente pontiagudo enquanto arqueava as sobrancelhas.
Remus fitou o amigo, sentindo uma pontada em seu baixo ventre. Grifinório safado do caralho!
"Se você não fosse o meu amigo, James Potter, eu acharia que você tá dando em cima de mim..."
James voltou o seu rosto para perto.
"E se você não fosse o meu amigo, Remus Lupin, eu acharia que você tá deixando..."
Um silêncio se fez entre os dois rapazes.
James estava impossível e se tornando mais confiado.
"Sabia que a Mia Estivalet fez sexo oral em mim?"
Remus pestanejou, tendo o seu pé tocando no de James.
"Claro que sei! Você fez questão de contar."
"A língua dela era como a sua. Lenta e devagar."
Remus ruborizou e cruzou as pernas, achando que as brincadeiras de James estavam cruzando um limite maior.
"Posso te perguntar uma coisa?"
James assentiu.
"...Você sabe... Você foi até o fim... na boca dela?"
"Não, Remus. Eu sou um cavalheiro."
Remus, com as bochechas matizadas de vermelho perguntou:
"E é bom... receber?"
"Claro. Mas não tem como explicar."
Os dois garotos se fitaram e Remus se indagou o que o Lobo diria daquela conversa toda. E se sentiu ruborizar mais diante do olhar ininterrupto de James Potter.
Havia a tensão no ar de dois amigos que brincavam com coisas tão pessoais falarem de coisas que resvalam em uma intimidade profunda e obscena.
Potter fitou Remus dos pés à cabeça e ele parecia, subitamente, outra pessoa. O que o mudava tanto? Por que Potter parecia atirado quando Remus se encontrava sozinho?
Mais do que atirado. Excitado até. Assim como Remus.
O instante foi interrompido por Madame Pomfrey, que retornava para a ala hospitalar, movendo-se até o aparador com frascos de poções e findando aquele assanhamento. James afastou as suas pernas de Remus, desviando o seu olhar quando o outro rapaz ajustou os óculos sobre o nariz. Findando o assunto abruptamente diante da enfermeira, Potter disse:
"O que vamos fazer agora sobre o Black?"
Aquele parecia os momentos em que eles praticavam beijo na Sala Comunal vazia quando eram crianças e eles giravam a chave para uma mudança brusca de temperatura quando alguém aparecia e quase os flagrava. Eles não eram tão inocentes. Mas a suposta inocência os encobria.
Remus espreitou o rosto de Black adormecido no leito. James se aproximou dele, acariciando a mão pálida de Sirius.
"Podemos nos revezar pra tomar conta dele. Madame Pomfrey disse que o Sirius vai ficar dormindo por algum tempo e, talvez, só desperte amanhã... Mas quero ficar por perto..." — disse Remus
"Eu também..." — declarou James.
Os dois grifinórios permaneceram, então, ao lado do rapaz de cabelos compridos, velando o seu sono e vendo Madame Pomfrey e Higia Bhasin, de hora em hora, checarem o estado de Black e registrarem os dados no seu prontuário. Quando Pettigrew retornou para a ala hospitalar depois do almoço, os dois amigos se revezaram para ir ao Salão Principal comer alguma coisa.
Remus não pode deixar de perceber que o time da Corvinal e os torcedores da Casa de Ravenclaw seguravam um pouco a onda, reservando a comemoração da vitória do time de Quadribol possivelmente só para a Sala Comunal e deixando o Salão Principal mais neutro. Tal atitude, talvez, se devesse ao fato de Sirius ainda estar hospitalizado. Era uma forma de respeito ao time da Grifinória.
Lupin respondeu às perguntas de Raven Fraser e Winona Rivers sobre a condição de Sirius, assim como às perguntas de Lily Evans e Julian Parker, com quem ele esbarrou em um dos corredores. Havia um clima de enterro na Sala Comunal da Grifinória e os alunos, apesar de terem aceitado a derrota para a Corvinal, permaneciam chateados e taciturnos.
"Achei que ia fazer a dança do frango hoje pra irritar esses cuzões, mas vai ficar pra próxima!" — lamentou-se Pettigrew, sentado em uma das cadeiras da enfermaria e folheando uma revista de Quadribol como se quisesse arrancar as páginas.
Era comum os veteranos de Hogwarts receberem os calouros no início de cada ano letivo, encenando com eles uma coreografia que parodiava as músicas do Chapéu Seletor, cuja cantoria costumava prestigiar os fundadores das Casas. Na reprodução burlesca, os corvinos cacarejavam feito galinhas; os lufanos se movimentavam feito fuinhas; os sonserinos se arrastavam como minhocas e os grifinórios miavam assim como gatinhos.
Sempre era divertida a festa da recepção das Casas para os novos alunos. Remus e Pettigrew haviam quase perdido o ar de tanto rir ao verem Sirius e James com um bando de crianças, fazendo a coreografia em que batiam os seus braços, imitando um frango. A essa celebração de boas-vindas, seguiam-se alguns trotes inofensivos para os alunos do primeiro ano, propostos pelos veteranos e com o intuito de reforçarem os laços e a cumplicidade de cada turma.
Quando ingressaram em Hogwarts, os Marotos também cumpriram trotes estabelecidos pelos veteranos e, num deles, todos os alunos da Grifinória do primeiro ano tinham que andar de mãos dadas por um dia inteiro, a fim de irem se conhecendo melhor. A ideia não deu muito certo porque quando Severus Snape se aproximou de Lily Evans para falar algo com ela, uma discussão acalorada se formou dos dois com Potter e Black. E, no fim das contas, a turma do quarto ano, definitivamente, não era unida.
James arqueou as sobrancelhas, esfregando os seus olhos, que pareciam um pouco cansados ao fitar Pettigrew. O grifinório jogava snaps explosivos com Remus.
"Deixa pra lá, Peter! Hoje, a Corvinal levou a melhor. Na próxima, a gente garante a nossa vitória. O time da Corvinal deve tá andando de quatro e miando feito gatinhos recém-nascidos na Sala Comunal deles, fazendo o nosso leão parecer inofensivo e digno de pena."
Pettigrew bufou e, ao virar a página da revista com violência, de fato, a rasgou.
"Aqueles fodidos!"
Sirius, ainda adormecido, em seu sono, murmurou então:
"A ponte de Londres vai cair. Vai cair, vai cair. A ponte de Londres vai cair. Minha senhora..."
Remus mexeu em seus óculos, dizendo:
"Sirius sempre canta 'A Ponte de Londres está caindo', quando murmura algo dormindo..."
"A Ponte de Londres já caiu, bonitão! Aliás, falando em corvinos, vi mais cedo aquele monitor da Corvinal que quer te macetar, Remus..."
Lupin moveu o seu rosto com as bochechas muito vermelhas, logo após uma das suas cartas de Tronquilhos explodir.
"Ele não quer me macetar, Pettigrew..."
"Bom, que seja! Ele perguntou se o Black já havia acordado e que vinha pedir desculpas pra ele quando ele estivesse se sentindo melhor. Sorte dele ele ser o dobro do meu tamanho porque senão, eu mandava ele enfiar as desculpas dele... Mas deixei passar e o Carlson ficou olhando por cima do meu ombro no Salão Principal, com cara de idiota. Acho que ele esperava te ver, Remus..."
O rapaz de cabelos castanhos evitou olhar os amigos, tendo as suas bochechas mais e mais vermelhas. James o observou de soslaio.
"...Ei, Lupin! Por que tu não se pega com o tal de Carlson já que o teu negócio é homem?" — indagou Pettigrew, atirando a revista de Quadribol em um canto.
Em seu sono, Black, contraindo com mais profundidade as sobrancelhas, moveu os lábios, murmurando: "Impedimenta."
A ponta da varinha de Sirius, deixada ao seu lado sobre a cômoda, iluminou-se brevemente em um tom turquesa, antes de ela se apagar novamente.
Os Marotos se detiveram, fitando Sirius, mas o rapaz de cabelos compridos parecia apenas estar sonhando e depois, voltou a se silenciar, mergulhado em seu sono.
"Não é tão simples assim, Pettigrew..." — respondeu Remus, voltando-se para as cartas.
James espreitou o rosto do amigo, indagando ao ter a sua carta de Manticoras explodindo.
"Por que não?"
Lupin fitou os amigos, meio que sem jeito.
"Porque eu mal o conheço e não sou do tipo que me pegaria com alguém só por pegar. Mas eu tenho que admitir que..."
Remus se silenciou, fazendo um movimento com a carta do Verde-Galês-Comum que cuspia fogo dentro da sua moldura com arabescos dourados. Depois, completou a sua frase, hesitante:
"...Mas eu tenho que admitir que é legal ter alguém que se interesse por mim pra variar..."
"O Carlson não deve ser o único cara da Escola que é a fim de você..." — comentou James, jogando a sua carta de Ciclope sobre a cama vizinha que os dois garotos usavam como mesa — "Ele não é a porra de um pomo dourado de uma final da Copa Mundial de Quadribol..."— prosseguiu Potter, entortando a boca um pouco para o lado.
"Bom, e eu não sou nenhum príncipe de Hogwarts se você não percebeu ainda, James." — retrucou Lupin, parecendo um pouco sem jeito.
Pettigrew interveio, abrindo a embalagem de um sapinho de chocolate.
"Tá aí uma verdade! Eu não ligo pra homem, mas aquele tal de Carlson é tido como bonitão entre a mulherada da Escola e não tô vendo uma fila de caras interessados em você, Remus. Já que vocês são dois morde-fronhas assumidos e ele é jeitoso, se peguem logo de uma vez..."
James interveio com um tom de voz ríspido quando a sua última carta explodiu e ele reuniu os naipes que não haviam se deteriorado em um único maço, declarando:
"Chega, Pettigrew! Vamos mudar de assunto! Aliás, tá na hora de você ir jantar pra gente poder ir depois!"
No restante da noite, James, finalmente, parecia dar sinais de cansaço, após um dia exaustivo em que ele já jogara pela manhã sob uma forte tempestade. Ainda trajando as suas roupas de Quadribol, ele exibia olhos vermelhos e a expressão um pouco desfocada por trás das lentes dos seus óculos. Pettigrew cochilava em sua cadeira, movendo a cabeça para a frente e para trás.
Remus, percebendo o que acontecia com os seus amigos, ofereceu-se para ficar parte da madrugada com Sirius enquanto James e Peter descansavam no dormitório. Madame Pomfrey, em breve, se recolheria também aos seus aposentos do andar de cima do seu escritório, sendo despertada por seu relógio mágico nas horas da medicação de Black. Um leito havia sido providenciado por Higia para um dos garotos, pouco antes da estagiária vestir o seu casaco e partir para a estação de Hogsmeade, a fim de tomar o último trem com destino a Londres.
James, despedindo-se de Remus, retornou, então, para o dormitório por volta da meia-noite, prometendo voltar à enfermaria às quatro da manhã, a fim de assumir o posto do rapaz para que este também pudesse descansar em sua cama.
A sós, Remus observou Sirius adormecido quando Madame Pomfrey fechou a porta da ala hospitalar e, em seguida, da sala contígua, recolhendo-se. Mesmo o curativo no nariz de Black não lhe roubava a beleza tão estonteante e tão selvagem. Seus cabelos escuros e mal cortados estavam soltos e caíam pesados pelo travesseiro branco. A boca entreaberta do rapaz expelia um pouco da sua respiração serena e a sua face macia sem pelos e lisa era delicada. Remus percebeu, então, que aquele rebelde incurável deitado à sua frente ainda era apenas um garoto. Imprevisível e encrenqueiro. Feroz e indócil. Mas, ainda assim, somente um garoto.
No interior daquela sala clareada apenas pelos raios de laranja destilada de um solitário lampião e do fogo dos candelabros, as cortinas de tecido branco permaneciam fechadas com um feitiço. Apesar da friagem externa que embaçava as vidraças, Remus se sentia aquecido.
Talvez tenha sido a reaproximação de James; talvez fosse a adrenalina e o alívio produzidos pelo dia ou alguma força adquirida que perambulava incógnita pelo fluxo sanguíneo de Lupin. Talvez fosse o fato de o rapaz de cabelos castanhos ter exposto coisas pessoais sobre o seu próprio desejo para os amigos, não precisando mais ocultar o gênero pelo qual se sentia atraído, mas algo em si o aquecia agora. Nutria-o. Entorpecia-o.
Remus acariciou a mão de Sirius.
Sirius, que declarara guerra para Michael Carlson nos céus, sendo arremessado até o solo. Sirius, que era colérico e arrastava as suas desavenças em seu coração, rosnando para os seus desafetos reais e imaginários, feito um cão raivoso. Ele, aquela força impulsiva, verdadeira. O descontrole genuíno. A desmedida. Gêmeo do sanguíneo James Potter e amado pelo fleumático Remus. O Maroto que, quando voava na sua vassoura, fazia metade de Hogwarts suspirar.
No entanto, naquele momento, adormecido, tudo o que Sirius exalava era a calma profunda de sua respiração lenta, seus lábios entreabertos, seu rosto com resquícios de uma infância que ainda não passara. Reinava a atmosfera incoerente e morfeica do inconsciente.
Com o que Sirius sonhava? Com a sua queda? Com leões e corvos? Serpentes e texugos? Sonhava com meninas e voos acima de suas cabeças? Com a ponte de Londres ruindo? Com árvores genealógicas intricadas, não obedecendo as leis do amor e do ódio? Com garotos sob e sobre o freixo do pátio de Hogwarts? Com a sensação de se apaixonar que era uma queda, sem saber se o outro lado o ampararia ou não?
Os olhos de Remus não respeitavam aquela paz. Passeavam por Sirius com atenção. Vontade. Quase ânsia. Poderia olhá-lo por horas. Estavam sozinhos.
Sirius, inconsciente, não lhe oferecia restrições. Remus não precisava disfarçar a sua admiração. Estava livre de julgamentos. Poderia apaixonar-se mais uma vez. Estava se apaixonado por Sirius de novo. Sempre o estivera, na verdade. Desde que se viram pela primeira vez em uma plataforma envolta em vapor e expectativa.
Por que Remus não conseguia superar Sirius Black e toda vez que ele tentava afastá-lo, o rapaz de cabelos compridos entrava mais fundo? De alguma forma, aquilo já não era fodê-lo? Em seu coração, em seus pensamentos, em seus sonhos e fantasias, sem ao menos precisar tocá-lo, Sirius estava sempre indo mais fundo. O corpo de Lupin já era a morada de Black e isso era assustador. Havia algo que o prendia?
Naquela tarde no Lago, Sirius o beijara. Seus lábios o tocaram. Remus havia sido dominado pela vontade e força de Sirius. Havia sido beijado. Beijado pelo rebelde Sirius. Não se lembrar disso era imperdoável.
Mas ouvir Black dizendo que o beijo não fora nada de especial puxava Remus para uma queda também sem rede de proteção ou sem um feitiço que o amparasse. Ele não devia se importar. Afinal, Sirius já namorara inúmeras garotas bonitas em Hogwarts e nenhuma fora importante. Remus só se posicionava naquela longa fila de expectativa e desilusão. Das conquistas e troféus de um príncipe inacessível.
Remus pestanejou, observando o outro grifinório. Sirius adormecia profundamente. Remus poderia também dominá-lo se quisesse. Deveria. Estavam sozinhos. Estavam em posições trocadas.
Foi de súbito que Remus se descobriu muito próximo de Sirius. Não notara o momento em que se levantara e caminhara até ele, assim como em seus sonhos mais secretos. Simplesmente, ele estava lá. Seus dedos tocaram o rosto de Sirius. O rapaz estava quente. Os dedos de Remus dançaram pela face do amigo, afastando a sua franja e depositando um beijo em sua fronte. Black não se mexeu.
"Você nunca vai descobrir, não é mesmo Sirius? Nunca vai saber o que sinto por você..."
Remus, sentando-se na beirada da cama do outro garoto e tomando cuidado com a perna fraturada dele, afagou com maior insistência os cabelos de Black.
"...Por que eu gosto tanto de você afinal? Por que diabos naquele dia no Expresso você me deu ouvidos? Eu tava tão sozinho, mas você apareceu..."
Sirius ainda tinha a sua respiração lenta.
"...Eu tava sozinho e você também tava, não é, Sirius? Fizemos companhia um para o outro. Eu tentei te enxergar apenas como meu amigo. Eu juro. Mas eu não consegui. Ainda agora, eu tento e fracasso..."
Remus descia suas mãos para o pescoço lívido de Sirius.
"...O que deu na cabeça do Lobo pra provocar você e o James daquela forma no Lago? Não acredito que nos beijamos e eu não consiga me lembrar. Não consigo acreditar que você me beijou..."
Remus deslizou os dedos pelos lábios do outro rapaz.
"...Eu tava guardando o meu primeiro beijo pra você, Sirius, assim como eu guardo todas as minhas primeiras vezes. Sem esperanças. E isso é tão patético, mas é com você que sempre quis estar. Você não precisava me roubar um beijo enquanto o Lobo me possuía. Era só pedir. Pedir com os olhos, como pede para todas essas meninas que correm atrás de você. Eu deixaria..."
As mãos de Remus pouco a pouco desciam mais para o peito de Sirius. Seus dedos entrelaçavam-se nos botões de seu pijama alvo.
"...Eu queria ser uma das suas meninas. Queria ser uma delas pra você poder me enxergar. Pra você poder aceitar o meu afeto ainda que fosse por algumas semanas, alguns dias. Mas você nunca vai saber. Você não sabe, Sirius. Não sabe que eu te amo..."
A pele de Sirius arrepiava-se com o contato das mãos de Remus. Os dedos do grifinório passeavam pelos mamilos rosados do garoto adormecido que intumesciam ao seu toque.
"... De maneira que, eu vou pegar aquele beijo de volta. Vou fazê-lo ser especial e não uma provocação do Lobo. Você pode esquecer que me beijou no Lago, já que aquilo não significou nada pra você, Black. Mas eu preciso dele. Preciso me lembrar. Preciso tê-lo pra mim. Porque ele seria o meu primeiro beijo. Você nunca saberá desse. Você não deve saber..."
Remus retirou os seus óculos e colocou-os sobre um pequeno espaço que sobrara na mesa de cabeceira.
Sirius se mexeu levemente em seu sono. Remus se curvou então. Beijou o outro rapaz. Sua boca passeou sem perícia pelos lábios de Black. Estes eram doces, macios, febris. Remus sentia-se febril. Seu coração parecia querer romper as paredes de seu peito e ressoar em cada canto do universo.
Ele estava beijando Sirius! Estava tomando de volta o beijo que Black lhe roubara! Estava se utilizando da inconsciência do outro rapaz para tocá-lo. Suas mãos ainda o acariciavam.
Remus sentiu o corpo sob si se mexer um pouco. Sentiu aqueles lábios sob os seus murmurarem algo e constatou que aqueles olhos cinzentos se abriram. O garoto de cabelos castanhos observou Sirius, ainda embalado por aquele momento.
Não era um sonho. Nenhum sonho, por mais prazeroso que fosse, poderia ser melhor do que a realidade de toques e carícias. E era seu. Aquele beijo seria para sempre de Remus. Não pertencia a nenhuma plateia de alunos de Hogwarts no Lago. Não pertencia ao Lobo. Era só seu.
Sirius espreitou Remus com os olhos entreabertos. Olhos inconscientes. Sonolentos. Sua voz foi fraca ao murmurar:
"Remus... É você?"
"Consegue me enxergar agora, Sirius Black?"— murmurou Lupin com a boca quase colada na do outro rapaz.
Sirius parecia fazer grande esforço para se manter acordado.
Remus beijou os olhos de Black enquanto ainda acariciava o seu peito. Sua respiração já não era mais tão suave. Beijou-lhe também as maçãs do rosto. Os cantos dos lábios. A fronte. O pescoço.
Os rostos dos dois rapazes ainda estavam muito próximos. Sirius mirava Remus como se o espreitasse de um mundo distante. Sentia a sua respiração. O seu calor.
Remus permanecia abraçado a Black. Permanecia lhe afagando. O seu tatear era lânguido e delicado. Remus, com as bochechas muito vermelhas e a pele muito quente, murmurou no mesmo instante que o fogo do lampião tremeluziu e se tornou uma chama maior, antes de se apagar como se o oxigênio lhe fosse roubado.
"Me beija, Sirius."
Remus voltou a se curvar para um novo beijo. Sirius sentiu os lábios do amigo comprimindo os seus. Era tão suave. Remus era suave. Lânguido. Macio. Fleumático. Com os lábios úmidos e ávidos por algo.
Sirius, dessa vez, correspondeu ao beijo. Correspondeu aos movimentos de Remus, tateando o seu rosto e o puxando mais para si. Seus braços envolveram os ombros de Lupin como se quisesse que ele se fundisse nele. Os dois garotos mantiveram-se beijando até que Sirius novamente perdesse a consciência e fosse levado ao mundo dos sonhos por uma força superior à sua.
Remus, ao partir o beijo, tinha os olhos umedecidos. Estava umedecido. Cuidadosamente, ele abotoou o pijama de Sirius e depois de olhá-lo por mais um longo tempo, ergueu-se.
Sirius não se lembraria. Seria aquilo apenas um sonho pálido e sem importância entre as suas memórias entrelaçadas e confusas. Seria como os sonhos que teria com as suas adoradoras. A única diferença é que esse, ele talvez fizesse questão de se esquecer.
Remus, porém, jamais o esqueceria. Remus o nutriria todos os dias de sua vida para que sempre vivesse. Para que vivesse nele.
Mesmo quando superasse o seu amor por Sirius Black, ele guardaria a recordação da doçura daquele primeiro beijo. Mesmo quando toda aquela torrente de emoções fosse pilhas de desatinos adolescentes, escombros, e ele fosse um adulto sensato, Lupin se recordaria de como desafiou a si mesmo e beijou Sirius Black.
E quando os dois pudessem se encarar como amigos apenas, Remus recuaria com carinho, tendo aquele beijo ainda guardado em algum lugar de seu coração, não é mesmo? Poderia se libertar agora. Poderia seguir em frente. Poderia superar aquela paixão adolescente de anos transcorridos e sentidos no fundo da alma.
Agora, bastava, não? Chega!
Tateando os próprios lábios, Remus permanecia preso em sua própria tentativa de colocar um ponto final em seus sentimentos.
Atado em sua fuga por algo que não compreendia. Imóvel por um gancho de lobo dentado que se prendia em sua pata com frio metal enferrujado.
Por fim, com uma dedução quase irritada, Remus murmurou:
"Acho que me apaixonei de novo..."
E enquanto experimentava o seu coração tentar retomar o compasso, Remus olhou para baixo quando viu Sirius, em seu sono, estender a mão e prendê-lo pelo tecido da camisa do pijama. Puxando-o. Segurando-o como uma criança segura o pedaço de um adulto que está prestes a partir.
Como se quisesse que ele não fosse embora.
