Conforme o prometido, o treinamento de Quaritch para ter as habilidades necessárias para sobreviver às terras do clã das cinzas e se tornar um verdadeiro guerreiro aos olhos de todos, se iniciou quando ele seguiu a esposa mais uma vez numa longa caminhada.

Chegaram a uma área isolada, sem muitas árvores ou qualquer sinal de vida por perto, apenas a água escura batendo à beira da praia do local onde eles estavam chegando.

-Eu não quero que recorra a mais ninguém para ensiná-lo - Varang se voltou para ele, extremamente séria, muito diferente da esposa discontraída com quem o coronel tinha convivido até agora = você é um estrangeiro e meu marido, essa prática entre nós serve para consolidar nossa ligação.

-Sim senhora - ele assentiu, sentindo que era melhor manter a seriedade também.

-Muito bem, Miles, me ataque com toda força, me mostre sua garra de guerreiro - ela ordenou, ainda mantendo uma postura relaxada, o que soou para ele como uma armadilha.

Ele suspirou fundo, inclinando o corpo em posição de ataque, correndo na direção dela. Varang saltou rapidamente para o lado, e enquanto o marido se virava para encontrá-la no seu campo de visão outra vez, ela pulou em suas costas, agarrando seu torso. MIles esticou um braço para trás para tentar tirá-la de cima dele, mas ela aproveitou seu braço erguido, agarrando e o torcendo com força para baixo, o fazendo cair com o joelho dobrado no chão.

Ele levou uns segundos para recuperar o fôlego, mas se voltou para trás com toda ferocidade, disposto a ganhar aquela luta. Abaixou-se do próximo golpe de Varang, que tentou atingi-lo no abdome, agarrou o punho dela com força, mas ela chutou o joelho que tinha atingido o chão, provocando um pouco mais de dor nele.

Aproveitando sua posição inclinada, ela pulou em suas costas novamente, o que o fez se jogar para trás, se apoiando nas mãos, numa tentativa de se livrar dela. Quaritch deu uma cotovelada para trás, que a atingiu nas costelas, o que a fez gemer de dor. Parte dele se preocupou com seu estado, mas a parte guerreira que estava bem acordada considerou aquilo uma armadilha.

Varang deu alguns passos pra trás, considerando seus próximos golpes. Ao erguer a mão em um soco, Quaritch agarrou seu pulso e a segurou com firmeza, virando Varang de costas para ele, a segurando com força pelos quadris com o braço livre. Ele a ouviu rosnar e então num forte impulso, ela se jogou para trás, colocando seu peso todo em cima dele, os fazendo dar uma cambalhota e cair de uma vez sobre o chão, ambos sentindo a dor do impacto do golpe.

-Já basta - Varang declarou num suspiro cansado.

Quaritch pôde sentir a respiração dela em seu abdome, então ficou imóvel, esperando que ela se levantasse lentamente. Ele fez o mesmo logo em seguida, ao invés de ficar de pé, apenas se sentou na frente dela, esperando que ela dissesse algo.

-Provou ser um guerreiro - ela declarou por fim, chegando até a sorrir de orgulho dele - por mais que seus métodos sejam diferentes dos nossos.

-Eu sei, mas não é menos eficaz - ele respondeu, dando de ombros, um tanto convencido.

-Eu disse para não se conter, e eu vi que não fez isso - Varang comentou e massageou as costelas doloridas.

-Você tá bem, bebê? Eu não queria te machucar - ele confessou um pouco de culpa.

-Era esse o objetivo do treino, queria atestar sua força - Varang voltou a sorrir da mesma maneira de sempre = se considerar seu joelho, estamos quites.

-E quanto às minhas costas? Esse último golpe acabou comigo - ele apontou - aliás, isso é uma coisa que eu poderia aprender, viria a calhar num campo de batalha.

-Tudo a seu tempo, marido - ela se sentou mais perto dele, de modo que suas pernas se encostaram - acho que por hoje é suficiente, eu tenho planos de cuidar dos seus ferimentos.

-Eu vou gostar disso, contando que deixe eu fazer o mesmo por você - ele ofereceu.

-Claro, sempre que quiser - ela sorriu satisfeita com a proposta, chegando até a beijá-lo de surpresa.

Andaram o caminho de volta de mãos dadas, num claro sinal de que estavam muito bem um com o outro. Varang preparou o unguento que serviria de remédio para as feridas deles, mas antes que ordenasse ao marido que se deitasse, ele tomou a vasilha com o remédio das mãos dela gentilmente.

-Você primeiro dessa vez - Miles disse, com preocupação.

-Obrigada - ela percebeu sua gentileza e agradeceu.

Ele molhou os dedos e passou o unguento nas costelas doloridas dela, mexendo os dedos de forma suave, notando o padrão de manchas na pele azul acinzentada dela. Ela era uma bela mulher, tinha que de admitir, e por uma fração de segundo, num momento de devaneio, compreendeu porque Jake Sully tinha se apaixonado por uma nativa.

-Terminou? - Varang questionou, encarando-o em dúvida.

-Sim, sim - ele pigarreou e então voltou ao momento presente, se sentando na frente dela.

Sentiu a temperatura fria do unguento sobre suas costas, enquanto as mãos de Varang deslizavam de maneira uniforme de sua cintura até seus ombros.

Quando ela terminou, Quaritch segurou seu punho e a fez se sentar em seu colo, ao que Varang não recusou, se permitindo ficar confortável ali.

-Quem te ensinou a ser tão boa guerreira? - ele questionou, apoiando as costas delas na dobra de seu braço.

-Meu pai - Varang disse, recorrendo a suas lembranças - fui educada para ser a líder do clã desde muito cedo, fiz meu rito de passagem aos 14 anos, e então fui colocada como líder dos guerreiros, meu pai morreu em um ataque. Nós fomos em busca de novas terras, fomos mal sucedidos. Minha mãe morreu alguns anos depois, doente. Assim eu assumi meu posto desde então, fazendo o melhor para o meu povo.

-A vida não é muito justa, não é, boneca? - ele a trouxe para mais perto de seu peito - você teve que amadurecer mais cedo, mesmo pra padrões Na'vi.

-E a sua vida, Miles? Foi justa? - ela tocou o rosto dele, o fazendo olhar para ele.

-Depende de que vida estamos falando, eu tive duas - ele tocou a mão dela de volta.

-Me conte ao menos sobre uma delas, por favor, ou algo de umw delas - Varang insistiu, massageando o peito do marido com a outra mão.

-Pergunta você alguma coisa específica - ele resolveu devolver a questão para ela, vendo que não conseguiria escapar de novo.

-O que é isso aqui? O que significa? - Varang deslizou sua mão do peito dele para seu braço, sobre a tatuagem de águia e olhou para o desenho e depois para o marido.

-Ah isso, é um símbolo de guerreiro - ele riu orgulhoso - isso é uma águia, uma espécie de animal voador que existiu na Terra muitos anos atrás, era um caçador poderoso, e simboliza a minha... antiga nação.

-Entendo agora porque você o tem - ela sorriu de aprovação - combina com você.

O elogio fez Quaritch sorrir entre os dentes, de um jeito mais Na'vi do que humano. Varang aproveitou a proximidade para beijá-lo, enquanto ele a segurou mais para perto. Ao menos agora, ela conhecia um pouco mais sobre o marido.