Quando o jogo de xadrez entre Spock e Jim terminou, com ela vencendo mais uma vez, ela não pôde deixar de notar a expressão pensativa do capitão. Havia se passado um mês do encontro com o guardião da eternidade e era certo que, deixar Edith para trás para ser morta, tinha mexido com James mais do que ele gostaria de admitir.
-Há algo que o perturba Capitão, certamente – ela observou em voz alta – deduzo que não seja minha vitória.
-Ah está correta – ele chegou a sorrir em resposta – ganhando ou perdendo, me divirto jogando com você, mas eu não quero incomodá-la com meus sentimentos ilógicos.
-Acredita-se que conversar sobre o que sente, para sua espécie, seria lógico, pois ajuda a se sentir melhor – Spock se inclinou mais para frente, unindo as pontas dos dedos.
-Está se oferecendo para ser meu ombro amigo? – Jim deu de ombros, sem acreditar muito no que estava ouvindo.
-Não entendo como apenas uma parte do meu corpo seria considerado um amigo, sou inteiramente sua amiga – ela estreitou as sobrancelhas ao trazer sua resposta lógica.
-Não é bem isso que quis dizer – ele se aproximou mais sobre a mesa também, mas agora estava um pouco mais tristonho – bem, o que acontece é que estou pensando na Edith Keeler, nas possibilidades de... não sei, de apenas viver...
-O senhor sabia que isso não era possível – rebateu Spock.
-Sabia, mas quem sabe num outro universo, há uma versão de mim que ficou com ela, que apreciou sua companhia até o fim da vida – Jim argumentou mais um pouco de suas filosofias – mas esse não poderia ser eu, eu entendo que tenho um dever para com essa nave e a Frota e eu sentiria falta do meu posto, da minha tripulação, talvez eu nunca possa ter os dois...
-O senhor diz, ter uma vida familiar e romântica enquanto ainda é capitão? – Jim assentiu à dedução sincera e certeira dela – talvez isso fosse possível, se o senhor não se deixasse levar pelo seu vazio.
-Vazio? – a curta palavra deixou o capitão em alerta.
-Com todo respeito, eu notei ao longo dos anos em que trabalhamos juntos o quanto aprecia a companhia das mulheres e se deixa levar pelo impulso de paixões passageiras, quanto mais busca o que quer dessa maneira, mas o senhor se frusta – ela continuou sendo honesta.
-Você tem razão, sei que esse é o meu maior defeito, mas não posso evitar... – James suspirou, parecendo um tanto perdido agora – você teria algum conselho para mim, nesse caso?
-Eu não sei se vale de alguma coisa minha experiência, já que sou vulcana, diferente dos humanos, no entanto, o que preenche minha existência são a ciência e meu serviço à Frota Estelar, isso é o que me motiva a continuar e me dá propósito – afirmou Spock sem pestanejar.
-É mesmo? Então, talvez eu tenha que me contentar com essa parte da minha vida – ele riu baixinho, mas a compreendendo – eu amo ser capitão, faz parte de quem eu sou, assim como você é a oficial de ciências, mas Spock, eu devo alertá-la, que talvez você possa mudar de ideia quando se apaixonar.
-Paixão e romance não são motivações vulcanas, mas entendo que façam parte de quem você é – ela desviou o olhar por um momento, refletindo, então olhou de volta para ele – talvez senhor, se focar em encontrar a única que preencha seu vazio, que aceite sua capitania, poderá finalmente se contentar.
A declaração deixou James impactado, o que o fez ficar em silêncio por um bom tempo.
-Desejo uma boa noite, Capitão – Spock se levantou, entendendo que era melhor deixá-lo a sós agora.
Suas declarações podiam ser muito ilógicas para alguém como ele.
Durante um ano de convivência com sua primeira oficial, James Kirk podia afirmar que conhecia Spock como ninguém, embora admitisse que havia um lado dela que ela fazia questão de esconder, junto com suas emoções. Não sabia além do que ela apresentava e do que ele já tinha conhecido dela através da convivência, das inúmeras vezes em que realizaram missões juntos e salvaram a vida um do outro. Ela podia ter achado drástico a primeira vez em que ele se arriscou para salvar sua vida, mas agora, Spock tinha retribuído o favor várias vezes, colocando-se na linha de frente. Quando Jim rebateu sobre ela fazer isso, Spock respondeu na mesma moeda, eles eram amigos e ele seu capitão, era o dever dela zelar por sua vida.
Foi pensando em zelo que Jim se preocupou com o estado repentino de Spock. Muito mais calada e reservada de repente, ele ousou perguntar o que estava acontecendo, no que ela apenas desviou do assunto.
-Por favor, não questione meus motivos, eu só quero uma licença para Vulcano, há um assunto urgente que depende de mim e que não pode esperar - ela afirmou, irredutível.
-Você confia em mim, não confia? Por que esconder isso de mim? - o capitão questionou, confuso.
-Confio, sabe que confio, mas o assunto que tratarei não lhe diz respeito, eu peço mais uma vez que entenda minha decisão - ela continuou insistindo.
-Eu entendo que está sendo teimosa - Jim suspirou - eu só gostaria de saber porque talvez eu possa ajudá-la de alguma forma, só gostaria de entender o que está acontecendo.
-Esse é um lado da minha vida, capitão, que eu não gostaria de expor, acontece que chegou o tempo de eu resolvê-lo - ela respirou profundamente, tentando manter a calma e a compreensão - há anos eu fui prometida como noiva de um vulcano chamado Stonn, de 7 em 7 anos acontece o Pon Farr, que é o tempo de reprodução nos homens do meu planeta. Eu recebi uma mensagem de Vulcano dizendo que o tempo de Stonn chegou, portanto eu devo cumprir com o meu dever.
As informações deixaram Kirk atônito, fazendo até com que cambaleasse um pouco para trás.
-Realmente esse é um lado da sua vida que eu nem imaginava existir - ele comentou com surpresa sinceridade - e por cumprir seu dever, você quer dizer... se casar com ele?
-Sim, eu devo participar da cerimônia imediatamente, quanto mais demoro, mais risco Stonn tem de morrer - Spock foi clara, o que deixou o capitão ainda mais assustado.
-Eu não quero correr o risco de provocar um acidente diplomático mantendo você aqui - Jim compreendeu, estando mais calmo agora, ele recorreu ao comunicador mais próximo - atenção leme, traçar curso para Vulcano, ordens do capitão, Kirk desliga.
-Obrigada, capitão - Spock fez questão de dizer, percebendo que apesar das implicações da situação, sempre poderia contar com a amizade dele.
Antes que ela descesse, Jim fez questão de desejar boa sorte. Mas algo mais o fez ser impulsivo outra vez, talvez fosse um instinto de proteção, ou até mesmo querer estar presente no casamento de sua primeira oficial, por mais às pressas e de forma estranha que isso estivesse acontecendo.
-Eu poderia te acompanhar até lá embaixo? – Jim perguntou, com cautela, esperando não ofender a cultura de Spock.
-Na verdade, é direito meu convidar quem eu queira e seria uma honra se me acompanhasse – ela falou solenemente, o que o deixou lisonjeado e lhe arrancou um pequeno sorriso vitorioso – também gostaria de pedir a presença do Dr. McCoy.
-McCoy? Tem certeza? – o pedido deixou Kirk desconfiado, além dos dois discutirem frequentemente, a presença de um médico o fazia imaginar se não teriam problemas maiores nessa tal cerimônia misteriosa.
-Eu confio no doutor também – Spock reiterou.
Depois de uma convocação surpresa, McCoy ficou sem compreender nada, mesmo depois da explicação.
-Como assim você vai se casar? – ele perguntou incrédulo, encarando a vulcana com os braços cruzados.
-É uma questão biológica dos homens do meu planeta, eu fui prometida a um deles e seguindo as condições que Stonn está sentindo, a cerimônia tem que ocorrer o mais rápido possível, antes que ele morra – ela recitou de cor, sem pestanejar.
-Certo, mas você... amar talvez seria muito forte nesse caso, aprecia o seu noivo? Você quer fazer isso? – Leonard precisou perguntar para que fizesse algum sentido para sua cultura humana.
-Isso não é relevante aqui, eu tenho um dever para com a minha família, para mim, quanto mais cedo resolvermos isso, melhor – Spock disse prontamente, beirando à leve irritação.
-Mas seu papel para com a Frota? E você, Jim? Por que não está questionando nada disso? – o médico, agora um tanto irritado se voltou para o capitão.
-Por que deveria? Ela tem seus motivos – Jim improvisou uma resposta, pego de surpresa pelos questionamentos.
-Mesmo? – McCoy fez uma careta, entendendo que era o único a entender o que se passava com os dois – se não há nada que eu possa fazer pra impedir, só me resta acompanhar vocês.
-Eu agradeço, Doutor – disse Spock, ainda serena.
