Olhando atentamente para o capitão, dava para notar que tinha vivido momentos de intensa emoção nas últimas horas. Não havia dúvida de que todo aquele torpor era por causa do estado grave dela. Colocando-se em perigo, mesmo que fosse para defender seu capitão, Spock acabou o desestabilizando emocionalmente.

-Eu lamento, Jim – ela disse, antes que ele dissesse qualquer coisa.

-Lamenta? – ele mal pôde acreditar no que estava ouvindo – lamenta por que? Você está bem e viva, é tudo que importa no momento!

-Eu agradeço o apreço que tem por mim – ela replicou, compreendendo – mas foi justamente seu apreço que o deixou em condições tão críticas, eu lamento por ter me colocado em perigo e deixá-lo dessa forma.

-Não, não, não se culpe, eu... nem se desculpe por eu me importar com você – ele tocou o rosto dela, agora sem hesitação, vendo que, apesar de estranhar o gesto, Spock não se opôs a recebê-lo, apenas ficando parada ali – é minha escolha me importar com você, talvez não uma escolha, mas algo que eu não posso evitar.

-Levado por sua emoção humana, mas também pela decisão de me querer bem e me proteger, isso me parece lógico, ao menos aos humanos – Spock assentiu lentamente – lógico ou não, agradeço por isso, só não compreendo o que quer dizer com não evitar.

-Isso... isso tem a ver com a promessa que eu fiz – James tirou a mão do rosto dela, se voltando mais para seus próprios pensamentos e ações agora – em todo o tempo em que eu a conheço o meu... apreço, como você diz, por você, cresceu cada vez mais e ele se transformou em amor. Pode achar o que quiser disso, mas eu a amo Spock, como jamais amei qualquer uma das mulheres que conheci antes, porque você é simplesmente única.

Tamanha declaração não era o que a vulcana esperava. Sentia-se levemente tonta, não entendia como podia ser vista em tão alta conta, sendo que havia visto o capitão dividir sua companhia com tantas outras mulheres quando ela estava bem ali ao lado dele. Justo ela, mestiça, vista como diferente e estranha por decidir seguir os princípios do povo de seu pai. Mesmo assim, nunca considerada parte total de um dos dois povos que lhe deram origem. Ainda assim, Kirk tinha achado graça em quem ela era, por tudo que ela era. O mais espantoso e curioso de tudo aquilo era como o sentimento dentro dela correspondia o dele. Era isso que tinha passado por sua mente quando ele a segurou em Platonius, era o que queria, estar com Jim, compartilhar a vida como mais do que capitão e sua primeira oficial.

Podia não ser lógico, mas a fazia feliz, a deixava em paz, o que não podia negar também.

-O senhor também é um homem singular, capitão – ela declarou, vendo a reação espantada dele, certamente não era isso que esperava ouvir – me surpreende você ver em mim tantas qualidades, quando conheceu tantas outras mulheres, mas ainda assim, mesmo eu sendo uma mestiça, ainda sou sua... escolhida.

-Você ser quem você é, com o que forma exatamente o que você é, é o que me fez me apaixonar por você, lógica, ilógica, não importa, você é você, Spock, e eu a amo por isso. Eu só preciso saber se você me escolhe também, se não fizer isso, respeitarei sua decisão.

-Jim, eu tenho lidado nos últimos anos com os meus sentimentos por você - ela continuou, entendendo que era o momento chegado para aquela conversa - entendê-lo é um pouco complexo, compreendo que é totalmente impulsivo, emotivo, ainda assim, isso o torna um homem bom, um dos melhores capitães da Frota, mas se me permite dizer, você não é só seu cargo, é também meu amigo, minha... família, e saber que você me ama, Jim, é para mim uma grande fonte de conforto e paz, pois, por mais complicado que seja, eu o amo da mesma forma.

-Você ama? - o rosto de James se iluminou por completo.

-Sim, esse é um fato - ela confirmou, com os cantos dos lábios tremendo levemente, um sinal pequeno de um sorriso, o que fez ele sorrir mais ainda.

A vontade que Jim tinha no momento era de tirá-la daquela cama e lhe dar o maior abraço do mundo, porém, lembrando das próprias palavras de Spock que o tinha chamado de impulsivo, ele se controlou, pensando em como expressar sua alegria de modo que respeitasse de maneira melhor a cultura de sua amada vulcana.

-Eu gostaria muito de poder tocá-la agora, ao menos um abraço, acho que um beijo aos modos humanos seria pedir demais agora - ele disse em voz alta o que estava considerando.

-Se permite, Jim, para mim, esse tipo de demonstração de afeto seria possível depois de tornarmos nossa união um tanto oficial - Spock declarou, observando as sobrancelhas dele se sobressaltarem, era quase como se ela pudesse ler seus pensamentos claros de que era cedo para um pedido de casamento - como vocês humanos costumam fazer, um pedido de namoro caberia aqui.

-Ah sim, claro - Jim sorriu e se aproximou mais um pouco, deixando pouco espaço entre os dois - srta. Spock, gostaria de ser minha namorada?

Dizer aquelas palavras deixou James emocionado, apesar de ter tido vários relacionamentos antes, era a primeira vez que fazia a pergunta apropriadamente.

-Sim, eu gostaria - ela assentiu, dando um sorriso um pouco maior agora - acredito que em um relacionamento entre uma vulcana e um humano, vamos ter que fazer algumas concessões, das duas partes.

-O que quer dizer? - aquilo deixou James mais atento e curioso.

-Por ora, eu me contentaria com isso - ela mostrou os dedos indicador e médio unidos, Jim não compreendeu de imediato - isso é o que vocês chamariam de beijo vulcano.

-Me parece justo - ele assentiu e tocou os dedos dela com os seus.

Era um simples gesto, mas dava para perceber o efeito que tinha causado em Spock, ela tinha fechado os olhos ao toque, quase que em meditação. A expressão pacífica dela encheu James de alívio, ela estava bem, viva e ela o amava, assim como ele a amava de volta. Depois de tanta tempestade, o alívio para o coração dos dois finalmente havia chegado na forma daquele doce momento.

Custou a Jim deixar sua namorada descansar, mas o bom senso acabou falando mais alto. Ele prometeu visitá-la assim que pudesse novamente, fazendo uma pequena pausa antes de se levantar por completo. Ele estava a centímetros de distância do rosto de Spock, seu olhar foi parar nos lábios dela. Deduzindo o que ele queria, a vulcana concedeu seu desejo, dizendo em voz alta a conclusão em que havia chegado.

-Não há problema para mim te conceder um beijo humano, talvez a experiência possa ser intrigante, embora ilógica para os vulcanos – ela deixou clara sua opinião sobre o assunto.

Jim apenas ignorou o comentário e fez o que queria há tanto tempo. Spock sentiu os lábios dele sobre os seus de modo delicado, não tão intrusivo quanto ela tinha visto ele fazer com outras mulheres. Era especial, algo reservado somente a ela, até que ele passou a ser um pouco mais incisivo, como ela se lembrava de ver em outras vezes. Ainda assim, a sensação úmida e firme ao mesmo tempo a fez se sentir apreciada, gostando daquele gesto e até mesmo pensando em iniciá-lo da próxima vez que surgisse a oportunidade.

-Eu vejo você amanhã, se cuide, eu te amo – Jim enfim se despediu com um sorriso singelo.

-Eu digo o mesmo, Jim – ela disse de volta.

Enquanto o capitão se afastava, o efeito de seu beijo ainda pairava na mente de Spock de forma positiva. Talvez modos ilógicos dos humanos poderiam ser considerados bons de alguma forma.