UM CAMINHO PARA DOIS
CAPÍTULO 2
Ela no caminho dele.
Sesshoumaru chegou cedo como de costume, e encontrou na sala a única pessoa que conseguia ser tão participativa quanto ele e chamava a atenção dos professores por causa das excelentes notas: Nozomu Rin. Sentada quietinha em um dos assentos da fileira que escolhera desde que pisara pela primeira vez ali, ela tirava a neve do chapéu, jogando a sujeira no chão.
A capital japonesa estava sofrendo uma nevasca fora de época que já durava mais de três dias, forçando os moradores a tirarem os casacos dos armários e se agasalhassem bem para enfrentá-la. Naquele dia, notou que a colega estava toda de preto, o que ficava bem nela, apesar de estar acostumando a vê-la usar cores mais quentes. Ele tentou uma conversa ao perceber que ela estava quieta demais, achando que, com certeza, ela não o tinha notado entrar.
Ao se aproximar, percebeu o ar cansado e as olheiras. Parecia que havia ficado sem dormir. Tinha um livro fechado em mãos que apertava com força.
-Bom dia, Nozomu.
Rin piscou e deu um suspiro cansado. Depois apareceu uma expressão aborrecida ao perceber que era ele ali, fazendo com que sentisse vontade de rir – se ele fosse dado a tal coisa. Era o que ele costumava ver no irmão.
-Meu dia ficaria muito bom se você não fosse o primeiro que encontrasse hoje.
-Infelizmente não é possível, né?
-Pois é, né?– o tom foi sarcástico.
-Menina...
-Não me chame de menina. – ela rilhou entre os dentes, o que foi evidentemente ignorado. De forma alguma aquilo passaria como uma ameaça a alguém.
-... Você vai a algum enterro depois? Veio toda de preto. – viu que o rosto dela tinha se tornado vermelho de raiva e completou depressa – Se bem que preto combina com esse vermelho do seu rosto e...
-Não interessa nem um pouco. – provavelmente ela ainda quebraria um dente se continuasse rangendo daquela forma.
O dia estava prometendo ser divertido.
-Foi só um comentário. Você fica bem de preto também. – ele falou tranquilamente, não movendo um dedo ao vê-la avançar na direção dele.
-Eu não preciso dos seus comentários. – falou, séria, um dedo mirando o rosto como uma arma enquanto a outra segurava o livro com bordas quase destruídas – Eu entendi o seu joguinho de querer me desconcentrar e me fazer passar vergonha, mas aviso logo que... Isso não vai acontecer.
-Esse plano parece muito interessante – ele agarrou a mão dela e segurou-a com firmeza entre os rostos ao aproximar o dele – E o que eu ganharia com isso? Em... "fazê-la passar vergonha"?
Que pele macia ela tinha...
-Alguma coisa além da minha compreensão. – ela retirou depressa a mão diante do toque dele e a massageou como se ele tivesse aplicado pressão demais nos dedos. Ele tinha certeza que não tinha sido forte demais – Porque eu não entendo o que alguém ganha me irritando tanto.
Espertinha perceptiva.
Os dias tinham ficado tão divertidos com aquelas expressões que ela dava ao ser altamente irritada por ele – e também por Miroku, Sango e Inuyasha. Mas apenas ele era a maior inimizade dela, enquanto via de camarote os outros se aproximarem e conversarem com ela como se fosse já uma velha conhecida de curso.
-Desculpe, mas... – ele tinha já outro plano para ver o vermelho de raiva, os olhos dela queimando de irritação – Tenho agido de forma errada com você. Sinto muito.
Aquilo pareceu ter quebrado uma barreira. Subitamente a expressão relaxou e pareceu ter ficado mais... sensibilizada com o pedido de desculpas. Ainda segurando o livro, ela deixou os braços penderem ao longo do corpo e forçou um sorriso.
-Está tudo bem, então... - ela deu um suspiro. Parecia realmente muito aliviada.
Agora.
-Mas você ainda não me respondeu se vai a algum enterro para vir... completamente de preto.
Foi rápido, mas Sesshoumaru ainda conseguiu enxergar. A mão com um livro mirava o rosto dele, e seria realmente o alvo se Rin não fosse impedida por Sango e Miroku, que entraram na sala a tempo de impedi-la de atacá-lo.
-Ei, ei, ei! Já tão cedo e já estão se matando? – perguntou Miroku.
-Foi ele quem começou – ela apontou um dedo acusatório – Esse chato, arrogante, orgulhoso, egoísta... – tentou encontrar mais palavras que fossem ofensivas, mas teve que se contentar em repetir algumas – Chato...
-Rin-chan, controle-se... – Sango tentava conter a mão da amiga que continuava tentando acertar a pasta em Sesshoumaru.
A amiga continuou rangendo os dentes. Como era possível ela perder a calma por algo tão simples? Parecia realmente uma criança.
-Vamos, Rin, vamos... – Miroku começou a afastar a garota, entretanto a mão dele tocou em um lugar que não deveria. O rosto do rapaz ficou aquecido depois de receber, no instante seguinte, um golpe do livro que a garota segurava.
Aquilo fez Sesshoumaru estreitar os olhos em alerta. O que havia acontecido?
-Houshi... Como sempre, você se excedeu. - comentou Sango, afastando uma Rin envergonhada chorando em cascata a sentar-se longe dos dois rapazes – Fique perto de mim, Rin-chan...
Enquanto Miroku massageava, o rosto e Sesshoumaru permanecia com o dele estoico, mas internamente observando o outro rapaz.
Viu Rin sentar-se novamente e reclamar alguma coisa para Sango, tão indignada quanto a amiga sobre o que o rapaz havia feito. Ele não tinha percebido ou previsto. Teria ele mesmo tomado alguma atitude.
Já havia ouvido falar sobre as ações de Houshi Miroku, um rapaz conhecido pelas brincadeiras de gosto duvidoso. O que ele achava de tão engraçado em tocar uma mulher sem consentimento? Não havia noção para ele sobre algumas coisas?
Claro, ele não podia falar nada tão diretamente a alguém com quem tinha pouco contato. Nos anos anteriores de faculdade, o contato era restrito a poucos cumprimentos aqui e ali. Ele, como amigo do irmão mais novo, frequentou algumas vezes a casa da família. Mas era aquilo. Não havia uma relação de colegas com ele ou com aquela moça que sempre vivia com ele.
Deixou passar, mas não haveria uma próxima vez para Miroku assediar Nozomu Rin.
As aulas da disciplina em forma de seminário transcorreram normalmente ao longo do dia. Rin e Sesshoumaru pareciam ser os únicos que entendiam a matéria e faziam comentários durante as aulas. A turma ficava estranhamente calada.
De vez em quando Sesshoumaru olhava para o lugar onde Rin estava para saber qual a expressão no rosto ela tinha naquele momento. E quando os olhares se cruzavam, ele notava faíscas saindo do dela.
-Calma, Rin-chan... –Sango a conteve e colocou o chapeuzinho na cabeça da colega no final do dia, quando Sesshoumaru novamente a tinha provocado - Calma... Que tal irmos ao karaoke pra te animar?
A garota desfez a expressão de raiva e o rosto se iluminou com um sorriso.
-E eu vou poder cantar? Posso, né?
-Francamente, é claro que não. – Sesshoumaru respondeu e Rin respondeu com uma espécie de rosnado.
-Não dê confiança, Rin-chan. Ele só está brincando!- Sango a segurava pela gola do casaco.
-Sesshoumaru-sama, é melhor não irritá-la. Ela não é como Inuyasha. - Miroku fazia um enorme esforço para não rir daquela situação enquanto segurava a garota.
O outro o olhou com uma expressão de "e eu com isso?".
Em algum restaurante com karaoke perto do Toudai...
-Por que ele veio também? – Rin questionou no ouvido de Sango.
-Por quê? Ele não pode?
-É, Nozomu. Eu não posso? –perguntou Sesshoumaru com o rosto sério – Meu irmão está aqui também.
-Francamente, é claro que não. – ela respondeu cruzando os braços.
Entraram no bar e procuraram uma mesa vaga perto do palco. Sango apenas colocou a bolsa e o material em uma das cadeiras e avisou que iria inscrever Rin para cantar.
O silêncio reinou durante algum tempo, até que Sesshoumaru resolveu falar:
-Pensei que você não gostasse de cantar em karaoke. Naquele dia na biblioteca, Kawashima e Houshi mencionaram isso e você não gostou da ideia.
-Como você lembra disso? – ela ficou surpresa, a testa franzida como se ela mesma não lembrasse.
Não houve tempo para responder, pois Sango apareceu para puxar a amiga pelo braço.
-Rin-chan! Eu já inscrevi você! Temos duas músicas!
A amiga a acompanhou alegremente. Parecia contente ali.
Sesshoumaru, Inuyasha, Kagome e Miroku ficaram sozinhos à mesa.
O irmão mais novo de Sesshoumaru não era muito diferente do irmão, com exceção da estatura e ser mais sociável. Constantemente conversava com os demais, independente de conhecer a pessoa ou não. O mais velho evitava conversações a todo custo, preferindo observar. Mesmo estar ali era o limite para ele.
Kagome, namorada de Inuyasha, tinha cabelos negros e olhos castanhos, muito mais sorridente que o namorado. Fazia um contraste com o namorado por ser mais alegre e sorridente – era como se fosse a parte que dava equilíbrio ao relacionamento. Enquanto um era sério, a outra era sorridente.
-Sesshoumaru-sama... – Miroku foi cuidadoso ao falar porque era muito diferente com ele do que com Inuyasha, um amigo – Por acaso você não tem medo de apanhar de Rin? Vai acabar machucado de verdade algum dia. Ela tem a mão pesada: me deu um tapa uma vez que ficou doendo uns três dias. Disse que foi o irmão que a ensinou golpes de autodefesa antes de mudar para cá.
Sesshoumaru arqueou uma sobrancelha ao rapaz. O que diabos ele teria feito para que ela batesse nele? Provavelmente teria passado a mão nas pernas dela.
-O que você fez para ter que apanhar dela?
-Hã... bem... – ele coçou um lado do rosto – Eu acho que devo ter encostado nela em algum momento sem querer...
-Como fez hoje na sala? – o mais velho perguntou.
-Sério, Miroku? – Inuyasha passou muito abertamente a mão nos ombros da namorada e a puxou para perto de si num gesto protetor – Quantos anos você tem? Treze? Quatorze?
Miroku continuou coçando o rosto estupidamente.
-Ei, elas já vão subir. – Kagome interrompeu para evitar uma briga à mesa – Vamos ver, vamos ver!
Sango e Rin subiram ao mesmo tempo e falaram o nome da canção. A garota de Nagoya tirou o gorro da cabeça e deu um sorriso a todos, acenando para os amigos e conhecidos à mesa. Ao vê-la com a cabeça desprotegida, Sesshoumaru percebeu o que o irritava quando usava aquilo mesmo em sala de aula: a peça escondia os cabelos negros e a deixava com o ar mais infantil. Era proposital aquilo?
As duas começaram a cantar, errando aqui e ali algum tom, mesmo assim sendo acompanhada por alguns no recinto que conheciam a canção.
Four scene of love and laughter
I'll be alright being alone
Four scene of love and laughter
I'll be alright being alone
Four scene of love and laughter
I'll be alright being alone
Four scene of love and laughter
I will be OK…
-Rin-chan canta bem. – Kagome comentou enquanto acompanhava a melodia.
-Ah, Sangozinha também. – Miroku atestou sem parar de brincar com os palitinhos da comida que haviam pedido e ainda não havia chegado.
As duas terminaram de cantar e devolveram os microfones.
-E essas foram Nozomu Rin e Kawashima Sango! Palmas para as duas! – o responsável pela parte do karaoke falou ao público.
Algumas pessoas aplaudiram, e entre elas estavam os colegas de turma, a quem ela mandou um aceno e curvou-se numa reverência.
Rin e Sango voltaram para a mesa e se sentaram ainda sob aplausos de Kagome e Miroku.
-Está gostando de participar dos karaokes, Rin-chan? – Kagome parecia mais animada de conhecer mais uma pessoa naquele meio – Você fazia isso lá na sua cidade?
-Sim, com a minha família e...
Com ele.
O sorriso desapareceu por alguns segundos e chamou a atenção dos acompanhantes. Ela percebeu o que fizera e tratou de completar.
-Com a minha família. – ela deu um sorriso forçado.
-A família de Rin-chan parece ser interessante. O seu pai também ajuda nas suas dúvidas nas matérias. – Sango apoiou o rosto na mão – Eu queria que o meu tivesse a mesma paciência.
-Meu pai é aposentado, então ele tem tempo de sobra. – o sorriso foi mais sincero – Às vezes ele me liga só para contar sobre as jogadas da partidas de go entre ele e algum conhecido.
-Ele está com saudades. – Kagome tinha as mãos no rosto – O meu avô faz isso de vez em quando, principalmente se eu passo muito tempo sem visitá-lo.
-E por que você veio pra cá? – foi a pergunta de Inuyasha num tom curioso.
O sorriso voltou a desaparecer do rosto de Rin e ela por precaução desviou o olhar para algum lugar distante.
-Porque sim. – foi a resposta simples. Era como se quisesse que entendessem que era natural fazer aquele tipo de escolha.
Sesshoumaru notou a forma como ela ficou nos dois momentos. Alguma coisa havia acontecido.
-Hmm... – Inuyasha continuou – Toda a sua família está em Nagoya e só você veio pra cá?
-É. – ela confirmou com a cabeça, esperando que o interrogatório acabasse ali.
-Você podia fazer isso também, né, Sesshoumaru? – o mais novo se voltou para o irmão – Ficar um ano longe. Que tal no Alasca?
O mais novo rosnou ao sentir o pé ser quase esmagado debaixo da mesa, lançando um olhar violento para o irmão impassível.
-Eu sinto saudades do meu irmão. Espero que ele venha me visitar um dia aqui. – Rin apoiou o rosto nas duas mãos e deu um sorriso – Ele e minha família não são fãs da capital. Eles acham que Aichi é o centro de tudo no Japão. Se perguntarem a meu pai sobre o significado de alguma palavra, ele vai dizer que tem origem no nosso dialeto.
Quase todos deram risadas de divertimento.
-E você tem algum namorado por lá, Rin-chan? – Miroku aproveitou para fazer a pergunta que sentia vontade desde que a conhecera, exibindo os dentes brancos e brilhantes de forma quase estúpida.
Pela terceira vez naquela noite, o sorriso morreu no rosto dela. A resposta também demorou alguns segundos a mais a vir.
-Não tenho ninguém por lá. – ela finalmente respondeu.
Ninguém percebeu, mas Sesshoumaru deu um pequeno sorriso ao ouvir aquilo.
-Por que você quer saber, hein? – Sango puxou a bochecha de Miroku, estreitando os olhos para ele.
-Ahh... curiosidade. – ele falou sem graça.
Sesshoumaru e o irmão chegaram ao mesmo tempo na casa, uma mansão em um bairro muito mais afastado do centro e com alta concentração de pessoas abastadas.
As ações pareciam ritmadas – entraram, tiraram os sapatos, penduraram os casacos, tudo ao mesmo tempo. Mas não trocaram nenhuma palavra. Inuyasha sequer disse boa noite ao irmão ao subir ao quarto. Era como se não se conhecessem.
Antes de subir, resolveu verificar se uma pessoa estava acordada.
Passou direto à biblioteca da mansão e observou por uma fresta se o avô estava ali ainda.
Viu-o sentado à mesa de tabuleiro de go jogando com uma prima da mãe – agora governanta da casa. Ele parecia sério e concentrado; ela estava entediada, mas ainda assim jogava.
Deu meia volta e foi em direção às escadas para se retirar.
Todas as noites eram daquela forma: silêncio, concentração, jogos de go. Não se falavam, não trocavam olhares, não havia perguntas sobre como tinha sido o dia. Era cada um por si.
Entrou no quarto e sentou-se na beirada da cama, dando um suspiro.
Sentiu a tensão nos ombros e no pescoço. Girou a cabeça de um lado e de outro, ouvindo finalmente um estalo.
Deitou as costas no leito e ficou observando o teto do quarto, soltando o ar dos pulmões, pensativo.
Na semana seguinte, tudo parecia bem. Haveria um seminário optativo que Sesshoumaru gostaria muito de participar – e viu na lista de alunos selecionados o nome de Rin.
-Ah, você também está aqui. – ouviu a referida garota falar atrás de si. Ela olhava o painel com o nome dos participantes e soltou um lamento – Mas Sango-chan e Miroku não vão participar...
Novamente estava Rin com um vestido azul e com detalhes quadriculados em branco na altura do joelho, com botas quase na mesma altura e o infame gorro que parecia ser feito de algum material sintético que imitava pelo de algum animal – acessório completamente desnecessário, que escondia o rosto e o cabelo, e que de quando em quando ela precisava ajeitar por ficar torto. Se mais atrapalhava, por que continuar usando? Ele nunca ia entender aquela mania dela.
-Eles provavelmente escolheram outra optativa.
-É. Talvez. – ela continuava piscando para o painel, franzindo a testa.
Depois empalideceu e olhou para a esquerda e depois para a direita.
Sesshoumaru nada perguntou, mas ela encontrou o olhar dele e forçou um sorriso. Depois voltou a procurar alguém virando o rosto para os lados.
-Nee... – ela parecia preocupada – Qual é o nome desse professor?
Sesshoumaru arqueou uma sobrancelha.
-O que foi? Não sabe mais ler? – ele perguntou para irritá-la.
Ao contrário do que acontecia com frequência, não houve gritos ou ranger de dentes. Ela estava estranhamente séria e em dúvida.
-Hosokawa. – ele finalmente falou.
Os lábios dela ficaram em uma linha fina. Estavam sendo apertados com força. Mais um hábito inconveniente que ele notara nela.
-Vou entrar. – o que quer que ela estivesse pensando não era da conta dele – Depois nos...
-Rin? – alguém a chamou e ele também, curioso, se virou para ver quem era.
Era o professor da disciplina, um típico homem japonês na metade dos trinta anos, com cabelos e olhos tão negros quanto os de Rin. Ele olhava surpreso para ela, ainda de costas e rosto de perfil para ver.
Rin parecia assustada.
-Digo... Nozomu. – ele tratou de se corrigir ao se aproximar e parecer reconhecê-la, depois deu um sorriso gentil – O que está fazendo em Tokyo?
A garota demorou alguns segundos para responder.
-Eu mudei para cá. – ela disse simplesmente, a voz quase num sussurro.
-Ah... seja bem-vinda então. Vai cursar minha disciplina?
Houve um momento de silêncio, depois ela fez "não" com a cabeça.
-Ah, certo. Bem, nós nos vemos por aqui então. – e ele entrou em sala, deixando a garota para trás. Ela olhava de forma estranha para a porta onde passara o professor. Nem pareceu se dar conta da presença de Sesshoumaru.
-Está tudo bem? – ele perguntou.
Foi só então que ela piscou e notou quem estava ali.
-Ah, sim... – ela mentiu e ergueu a mão para acenar uma despedida – Bem, vou indo.
-Você conhece o professor? – ele quis saber antes que ela sumisse, olhando tanto para ele como se pudesse vê-lo pela porta quanto para ela.
-É... – ela forçou outro sorriso e apertou com força a bolsa que segurava contra o corpo – Ele é primo do... de uma pessoa que conheci. Não lembrava que ele trabalhava aqui.
Os dois encontraram olhares, mas ela foi a primeira a desviar.
-Eu preciso entrar. – ele avisou, ignorando a reação dela e fazendo um aceno de costas.
Na sala, durante a aula do seminário, ele percebeu que o professor, ao ler para si mesmo o nome dos alunos inscritos, olhou para o público como se procurasse alguém.
E ele tinha uma ideia quem era.
Curioso.
Na tarde seguinte, Sesshoumaru encontrou uma cena peculiar ao se dirigir à sala da disciplina optativa.
O professor Hosokawa e Nozomu Rin estavam conversando. Ele passou a mão nos cabelos e ela, mantendo uma distância apropriada, apenas baixou a cabeça e fez uma reverência.
Aproximou-se o bastante para ouvi-lo falar:
-Você sempre pode verificar o nome do professor no sistema de matrícula... Para evitar esse transtorno.
Rin apenas assentiu.
-Bem, a gente se vê por aí então, Nozomu. – o professor falou.
A garota fez outra reverência para ele.
-Desculpe de novo. Espero que compreenda.
-Claro. Sem problemas. – ele sorriu e se afastou – Até mais.
Não houve um "até" por parte dela. Ela observou a figura do professor ir embora no corredor pensativa.
Estava tão concentrada que não viu Sesshoumaru perto dela.
-Boa tarde, Nozomu. - falou ele.
Ouvi-a conter uma exclamação de susto e se virar para encará-lo com os olhos arregalados.
-Ah, é você. – ela estreitou os olhos.
-Você não apareceu na aula ontem. – ele tinha as mãos nos bolsos da calça e observou o traje que ela tinha para o dia: o maldito chapéu de pelo sintético estava lá, praticamente cobrindo a vista dela, o casaco cinzento com enormes botões, as botas de cano curto de inverno – Ficou doente?
-Ah... eu cancelei a matrícula... – ela deu um sorriso meio triste, meio sincero – Acabei de falar com o professor. Vou fazer outro seminário optativo depois.
-Hm. – agora ele tinha a linha os lábios apertados de tão forma que só se via uma fina linha – E cancelou por qual motivo?
Rin o encarou.
-Ele é primo de uma pessoa que conheci. Não ia ficar bem eu ser aluna dele.
Não entendia até ali qual era o problema. Havia alguma coisa entre o professor e aquela menina?
-Ah, entendo. – não entendia realmente, mas não ia continuar a fazer perguntas quando não tinha tempo para conversar. E ela havia falado a mesma coisa no dia anterior e de novo não deu maiores detalhes.
Virou-se e tirou uma das mãos do bolso e acenou, dando-lhe as costas.
–Bem, então boa sorte no próximo seminário.
A garota ficou apenas parada, observando-o ir embora.
Sesshoumaru chegou em casa e fez o mesmo de sempre - entrou, tirou os sapatos, pendurou o casaco. Não foi recebido por ninguém. Sequer havia alguém para dizer "boa noite".
Antes de subir, resolveu verificar se o avô estava acordado.
Passou direto à biblioteca da mansão e observou por uma fresta duas pessoas jogando go: o avô e uma prima da mãe dele. Ele parecia sério e concentrado; ela estava entediada, mas ainda assim jogava.
Deu meia volta e foi em direção às escadas para se retirar.
Todas as noites eram daquela forma: silêncio, concentração, jogos de go. Ninguém se falava, ninguém trocava olhares, ninguém perguntava sobre como tinha sido o dia. Era cada um por si mesmo.
Entrou no quarto e sentou-se na beirada da cama. Depois deitou-se e ficou observando o teto do quarto, o braço jogado em cima da testa.
Uma coisa povoava o pensamento desde o fim da aula: o que teria acontecido entre Nozomu e o professor Hosokawa a ponto de forçá-la a cancelar a participação em uma disciplina?
Mal ela sabia que ele estava determinado a descobrir.
No dia seguinte, Sesshoumaru encontrou Rin no corredor sentada em um banco da entrada dos jardins da universidade. Não havia neve, mas estava frio e mesmo assim ela vinha com um casaco mais curto e meia-calça e botas de cano longo. As mulheres não sentiam frio assim?
-Olá. – ele se aproximou cauteloso depois do que tinha presenciado no dia anterior. Ficou parado ao lado do banco, colocando as mãos nos bolsos do casaco mais pesado que tinha para aquele tipo de dia.
A garota balançava as pernas, uma de cada vez, cantarolando alguma coisa. Desde que a viu pela primeira vez era frequente aquilo. Ao ouvi-lo, ela virou o rosto na direção dele, piscando suavemente, pernas agora sem balançar.
-Ah... Oi. – ela sempre parecia surpresa ao encontrá-lo. Talvez não estivesse acostumada com a presença dele ainda. – Boa tarde.
-Sem os Kawashima e Houshi hoje?
-Ah... – ela deu de ombros e depois forçou um sorriso – Ainda não conversei com eles hoje.
Conversa encerrada.
-Não está com frio? – ele tinha um xale enrolado no pescoço e estava bem protegido, e mesmo assim sentia o tempo mais seco e gelado.
-É, está frio mesmo. Estou sentindo agora. – ela levou as palmas abertas à boca e soprou um ar quente – Aqui é mais frio que Nagoya.
-É melhor entrar, ficar perto de algum aquecedor. Pode fazer mal ficar muito tempo aqui. – ele recomendou.
-Hm. – ela deu de ombros por um momento. Mas decidiu seguir o conselho dele – Tem razão.
Ficou em pé num salto, pegou uma bolsa e a colocou transversalmente no corpo.
Sesshoumaru observou que pela segunda vez seguida não houve nenhum tipo de ataque. Ela sabia ser calma e comportada quando queria. Talvez as reações mais exageradas que tinha eram uma forma de entrar no clima das brincadeiras dele e dos outros dois colegas.
Ao passar perto dele, o rapaz instintivamente levou a mão ao fim das costas dela para guiá-la, até lembrar-se que aquele tipo de contato não era muito comum entre pessoas apenas conhecidas. A mão recolheu e ele a observou de soslaio para ver se ela havia notado alguma coisa.
Felizmente, não havia.
-Qual foi o problema entre você e o professor? – ele foi direto ao ponto. Não gostava de rodear sobre um assunto.
-Professor? – ela virou o rosto para ele enquanto caminhavam, a testa franzida – Ah, você quer dizer o Hosokawa?
O silêncio dele veio como uma confirmação.
-Não há nenhum problema entre nós. – ela respondeu com um sorriso meio triste.
-Mas você cancelou a matrícula. – ele insistiu.
Os dois alcançaram uma das portas giratórias e finalmente estavam dentro de um recinto mais aquecido.
–É que aí seria problema para mim. – veio como resposta por parte dela com uma expressão mais melancólica.
Algum momento depois ele comentou:
-Entendo.
Não. Não entendia ainda.
