Nota da autora: As vinte páginas deste capítulo foram escritas à base de medicamentos para dor na coluna. Mandem mimos pelos comentários, por favor. Ou eu não vou saber se valeu a pena me entupir de remédios, hahahaha :)
Agora em fevereiro estarei de férias e poderei atualizar com mais frequência. Aguardem! (gargalhada diabólica ao fundo)
Obrigada a quem comentou no último capítulo. Vou responder com carinho um por um :)
Boa leitura!
UM CAMINHO PARA DOIS
CAPÍTULO 16
Desencontros no caminho
Havia um motivo especial para Rin ter escolhido um novo lugar para morar na capital: o lugar em questão era perto da Universidade, tão próximo que podia fazer uma caminhada tranquila de vinte minutos até a entrada da faculdade de Direito.
No amplo quarto com varanda, separado por uma porta deslizante da cozinha e longe do banheiro e do toalete, ela parou de tirar a roupa de uma das três malas para olhar a vizinhança pela varanda por um momento. De lá, era possível ver o prédio onde estudava e o parque arborizado no meio do caminho.
Os olhos saíram do alto das árvores para o quarto. Havia a cama com mesa de cabeceira e abajur de cada lado, cômoda com televisão, mesa de estudo com cadeira confortável e duas poltronas em amarelo, uma das cores favoritas dela. Foi o que chamou a atenção no anúncio. Havia gostado da decoração. E não havia nada de estranho, como uma banheira no meio da sala ou a cama dentro da cozinha ou debaixo de uma escada. Em dias mais agradáveis, dava para abrir a porta de vidro da varanda e deixar o ar circular pelo apartamento todo.
A cozinha era um pouco menor que o quarto. Tinha uma mesa com duas cadeiras e todos os utensílios que ela precisava para cozinhar: bancada com torradeira, cafeteira, copos, pratos, tigelas, talheres; o fogão, micro-ondas, geladeira. Era possível preparar um jantar para dois com um pouco mais de elegância.
O banheiro também estava equipado com ducha dentro da banheira. A máquina de lavar estava dentro do toalete. Ela não precisaria de preocupar com mandar lavar fora algumas toalhas e peças de cama.
Voltou a olhar o quarto para dar um suspiro cansado. Mais malas, mais livros, mais roupas, mais cansaço. O primo deveria achar que ela morava num castelo para obrigá-la a ter tanta roupa. Hakudoushi e ela não tiveram sucesso no plano que elaboraram para fingir que ela levaria as três malas de roupas da marca dele. Jakotsu, levemente desconfiado, se ofereceu para ir com eles até a estação. Não saiu do lado de Rin. Estreitava os olhos a qualquer movimento do primo. Parecia que conhecia bem o plano secreto dos dois.
E lá estava ela arrumando uma pilha de roupas no armário. As roupas de inverno ficariam na mala. Do outro apartamento, trouxe os livros, as plantas que sobreviveram e os amuletos que Kagome dera de presente. Um deles já estava pendurado no quarto, à mostra em um gancho perto da porta deslizante.
Havia chegado antes do início das aulas para deixar o apartamento arrumado e encontrar os amigos sem preocupação.
Era o último semestre, era o começo da vida depois da formatura.
Mais seis meses pelo menos na capital.
Não havia encontrado ainda Sesshoumaru. Talvez fosse melhor mandar uma mensagem para ele. Agora ela tinha outro celular, presente que aceitou do irmão com promessas de que cuidaria bem dele.
Deu mais uma olhada pela janela. Mais dois dias. Ela tinha tempo de organizar as coisas dela, de pensar no que dizer a Sesshoumaru, em se preparar da melhor forma possível... Na última conversa com Jakotsu, era claro que não dava para saber se um relacionamento daria certo ou não. E ela não era de lá. Se não conseguisse uma renda fixa, não teria como se sustentar depois que acabassem os estudos sem o auxílio da família ou da renda que tinha dos falecidos pais. E ele... bem, ele era Sesshoumaru. Provavelmente ele já tinha uma vida inteira planejada desde os cinco anos.
Havia pensado em começar a procurar um emprego na capital, mas depois considerou aguardar pelo menos até os últimos dois meses de curso. A única coisa que decidiu tentar foi um importante estágio em um julgamento. Havia duas vagas e ela poderia colocar como experiência no currículo. A seleção seria com análise de histórico e cartas de recomendação e intenção. Ela realmente gostaria de tentar, pois poderia ter mais chances de conseguir um bom emprego com aquela referência e não viver para sempre com a pensão dos falecidos pais.
Olhou as caixas de livros. De forma alguma as abriria para arrumar naquele dia. Aquilo poderia aguardar mais um pouco.
Deu um suspiro cansado e voltou-se para as malas. Colocou uma mão em cada lado do quadril e ergueu o rosto:
–Muito bem... o que eu vou fazer com vocês?
Faltavam apenas algumas semanas para começar o outono, mas já havia sinais visíveis da chegada da estação nas árvores e no vento, um pouco mais frio para o verão. Rin teria que se acostumar com as mudanças. Hakudoushi avisara que na capital chegava a ser mais frio que na cidade natal nessa época.
Rin chegou à faculdade pelo caminho que via da varanda do apartamento. Não havia marcado com os amigos para encontrá-los, mas sabia onde encontrar ou esperar por Sesshoumaru. Torcia para que ele não estivesse ocupado. Tinha, dentro da bolsa que carregava, uma lembrança comprada em Nagoya.
Havia se preparado uma tarde inteira e ainda se sentia insegura, mas levou os conselhos de Jakotsu à risca: usava uma roupa que transmitia mais segurança e poder. Ela escolheu um modelo dele, uma blusa de listas e saia de tom azul escuro, colocou os brincos que ele escolhera para ela, os sapatos baixos, arrumou o cabelo.
Durante todo o caminho que andou até a universidade, ela ensaiou e reensaiou o que diria ao rapaz quando a encontrasse... Não. Primeiro teriam uma conversa. O início da conversa seria permeado de brincadeiras sobre a tal vingança ou o telefonema que contou com a participação do irmão.
Dirigiu-se a um dos bancos em frente a um prédio qualquer para dar um descanso aos pés, os novos sapatos ainda apertavam um pouco. Antes de chegar, porém, parou e sentiu o coração acelerar.
O que estava vendo ali? Sesshoumaru e Kagura conversando e ela estava... grávida?
Ao ver que ele virava o rosto para a direção dela, Rin escondeu-se atrás de um dos bancos, longe o suficiente para não ser vista enquanto os observava. Sentia ainda o sangue correr gelado no corpo. Os membros inferiores pareciam paralisados.
Não podia dizer exatamente que estava "espionando" os dois, mas era quase isso. Não conseguia escutar, mas as cenas dos dois juntos... Kagura estava com uma barriga pequena, quase disfarçável se não fossem as roupas, talvez não tivesse mais de três meses.
Quem seria o pai? Será que ela e Sesshoumaru...?
Balançou a cabeça.
Era bobagem pensar em coisas do tipo. Sesshoumaru já havia expressado ter sentimentos por ela. E Kagura era amiga do grupo. Eles não tinham mais nada juntos.
Confiança era a base de tudo.
Parou de se esconder e aproximou-se dos dois. E parecia que ele também havia sentido a presença dela, pois virou o rosto no momento em que ela já estava no campo de visão da dupla.
–Rin! – Kagura acenou alegremente – Você voltou!
Rin trocou um rápido olhar com Sesshoumaru e deu um sorriso.
–É, eu voltei.
Os dois ficaram em silêncio. Ele continuava sério e bem vestido. Ela continuava da mesma altura e com o mesmo sorriso.
–Chegou quando? – ele perguntou suavemente.
–Ontem à tarde. Mudei hoje de apartamento.
–Você podia ter avisado. Podia precisar de ajuda.
Os dois continuaram trocando olhares como se não houvesse outra pessoa ali.
–Ahem. – Kagura pigarreou para chamar a atenção – Você trouxe o meu presente?
–Oh. – Rin franziu a testa – Eu trouxe sim uma coisa pra você, mas ainda está dentro da mala. E não sabia que estaria por aqui.
–Ah, tudo bem. – ela disfarçou com um aceno rápido – Estou grudada agora no Sesshoumaru. Vai me ver com frequência por aqui.
Rin trocou um olhar confuso com ele e Sesshoumaru limpou a garganta antes de explicar:
–Kagura está me usando como guarda-costas. O namorado dela está rodando a universidade por causa de um pedido de paternidade e ela tem medo dele.
–Eu não tenho medo dele. – ela cruzou os braços – Mas a parte de ele assumir a paternidade é verdade.
–Quantos meses? – ela quis saber.
–Seis meses. – Kagura passou a mão na barriga.
–SEIS? – Rin não escondeu a surpresa, olhos arregalados de incredulidade diante da informação – Você já estava com quatro meses naquele dia do cinema?
Kagura confirmou malandramente.
–Ela não sabia que estava grávida. – Sesshoumaru explicou – E eles se separaram.
–Oh. – foi tudo o que Rin conseguiu murmurar.
–Eu não parecia que estava, né? Eu fazia minhas aulas de zumba normalmente sem sentir nada. – ela começou a mexer os braços como se estivesse fazendo algum momento da dança, cabeça balançando com algum ritmo que ela cantarolava.
–E como está a situação agora? – ela quis saber.
–Oh, ele anda atrás de mim pra me estressar. Mas o Sesshoumaru é meu cão de guarda e me protege.
Rin viu, pelo canto do olho, o rapaz apertar a ponte entre os olhos num gesto de impaciência e disfarçou um sorriso.
–O que veio fazer aqui hoje? – Kagura quis saber.
Rin lembrou do presente de Sesshoumaru e do que iria fazer ali também, mas preferiu omitir a primeira parte. Queria estar à sós com ele e tinha certeza que Kagura iria querer ver o que havia trazido para ele.
–Eu vim conversar com um professor para pedir uma carta de indicação. Quero tentar a vaga de estágio no julgamento.
Por um momento os olhos dele ficaram em alerta e ela notou aquilo.
–Ah... eu não acredito. – ela deu uma risada sem graça ao compreender a situação – Você também?
–Eu entreguei meus documentos ontem. – ele deu um suspiro cansado e apontou para Kagura, que tirou um pacote de batata frita da enorme bolsa colorida que levava para todos os cantos – Quase não consegui porque tive que servir de motorista de alguém.
–Você reclama demais, Sesshoumaru – ela falou já de boca cheia – Nunca vai conseguir uma namorada assim.
O rapaz fechou os olhos e deu um suspiro cansado, depois trocou um olhar com Rin.
–Você está morando onde agora?
–Muito próximo. – ela apontou em uma determinada direção – Consigo chegar aqui em vinte minutos andando.
–Ainda está arrumando as coisas?
–Sim. – ela suspirou – Vou terminar ao longo da semana.
–Quer sair mais tarde para jantar? – ele perguntou sem rodeios.
Rin prendeu levemente a respiração, depois lançou um olhar para a terceira pessoa ali perto deles. Kagura terminava de procurar as migalhas do pacote de batatas e imediatamente remexeu o interior da bolsa para tirar uma banana de lá.
–Eu gostaria sim. – ela colocou timidamente uma mecha mais teimosa atrás da orelha – Eu não fiz ainda compras. A geladeira está meio vazia.
–Podemos ir ao café que você gostou naquele dia. – ele combinou num tom que só ela pudesse ouvir – Vou sair com Kagura agora. Ela tem um problema para resolver com o ex. Você pode ir direto? Eu a encontro depois lá.
–Qual horário?
–Às seis está bom para você?
–Está sim. – ela deu um sorriso.
O Stay Happy Café continuava com a mesma atmosfera agradável do fim do inverno, quando Rin esteve pela primeira vez no local com os amigos. A diferença era que não tinha mais os kotatsu, as mesinhas com mantos aquecidos, por ser ainda verão. Mas não havia problema. A comida e o ambiente ainda eram atraentes para ela.
Chegou alguns minutos antes das seis da tarde, pediu uma mesa para dois e aguardou.
Trinta minutos depois, ainda aguardava por Sesshoumaru.
Olhou o relógio do estabelecimento e franziu a testa. Ele nunca atrasava. Teria acontecido alguma coisa com Kagura? Será que ela estava bem?
Da bolsa, tirou o celular e procurou o número dele, um dos poucos que salvou depois de configurar o aparelho.
Rapidamente digitou uma mensagem:
Oi. Você ainda vem?
Depois de enviar o texto, percebeu que não havia se identificado e que possivelmente ele não saberia quem havia escrito.
Desculpe, aqui é a Rin.
Mais meia hora depois, nada de resposta.
Terminou a refeição que havia pedido ao perceber que ele não viria mais, olhando mais uma vez o relógio. Mais de uma hora de atraso. Torcia para que não tivesse acontecido nada de ruim com Kagura e com o bebê.
Pediu mais uma refeição para levar para casa e pagou a conta, agradecendo aos atendentes na saída.
Eram quase onze da noite quando Rin escutou uma melodia suave, demorando a reconhecer o que era, até lembrar-se do celular.
Olhou ao redor, seguiu o som do toque e encontrou o aparelho em cima da cama.
Prendeu a respiração ao ler o nome de Sesshoumaru no display e imediatamente aceitou a chamada, sentando-se na cama.
–Sim?
Houve um silêncio de segundos do outro lado.
–Sesshoumaru? – ela tentou de novo.
–Desculpe. – foi tudo o que ele disse.
–Oh... – ela murmurou – Está tudo bem? Fiquei preocupada. Aconteceu alguma coisa com Kagura?
–Sim. – ele deu um suspiro cansado – Ela brigou com aquele ex-namorado e passou mal. Tive que levá-la ao hospital. A pressão dela subiu.
–Ela está melhor? – ela sentiu o coração acelerar. Aquilo era muito ruim. Lembrou-se de uma prima quase da idade dela e que teve o mesmo problema.
–Sim. Já está na casa dela. – ele deu um suspiro – O celular descarregou e não pude avisar antes.
–Tudo bem. – ela pigarreou – Vai amanhã pra faculdade? Eu preciso pegar minhas cartas de referência.
–Você pediu para quem?
–Uma do Ikeda-sensei. A outra será de Hosokawa-sensei. Os dois disseram que ficariam prontas amanhã.
–Hosokawa? – ouviu a dúvida na voz dele. Ele certamente lembrava da história entre ela e o primo de Aki.
–É. Ele disse que não teria problemas pra escrever uma. – ela deitou na cama, olhos fixos no teto – Ele ficou surpreso com o pedido, mas não recusou. Não encontrei outro professor, então teve que ser ele mesmo.
–Amanhã é o último dia de inscrição.
–Eu sei. – ela soltou um suspiro cansado – Decidi participar em cima da hora. Estou pensando em fazer uma carreira aqui. Fazer esse estágio será uma boa oportunidade pra começar.
–E se você não conseguir aqui? – ele quis saber.
–Hm... bem... – ela lembrou-se do jantar e do momento que a família parou de comer à mesa para discutir o futuro dela – Eu teria que voltar pra Nagoya para trabalhar com algum parente meu. Não consigo me ver sendo sustentada aqui por meu pais de lá.
Houve outro momento de silêncio entre os dois.
–Eu... E-Eu trouxe um presente pra você. – ela falou – Pensei em entregar hoje, mas não tive chance.
–Oh... – ele deixou escapar – Vai levar amanhã?
–Sim. Podemos nos encontrar em qual horário? - ela estava mais animada.
–Infelizmente não poderemos conversar muito lá. – ele deu outro suspiro cansado – Kagura estará me seguindo pelos cantos. Os amigos dela estão de férias ainda. Acho que você deveria ligar para eles para avisá-los. Lembro que costumava ser a "agenda" do grupo. Assim ela pode andar mais com eles do que comigo.
–Ah, eu lembro da época que eles queriam ir pra Yokohama na semana das provas. – ela deu uma risada – Kagura deve se sentir sozinha. E também deve confiar muito em você.
Rin o ouviu zombar o característico "tchi" de desdém.
–É verdade. – ela insistiu, deitando-se de bruços, pernas balançando no ar – Você é amigo dela.
–Você também é. – ele tentou.
Rin deu um sorriso que ele não viu. As pernas balançaram mais.
–Rin, está tarde. – ele falou de repente – Eu não quero falar sobre isso por telefone. Você também deve estar cansada.
–Bastante. – ela olhou as malas num canto do quarto – Não terminei de arrumar muita coisa hoje. Eu estava fazendo minha carta de intenção e arrumando os outros documentos.
–Espero que dê tudo certo para você.
Ficaram os dois em silêncio.
–Boa noite, Rin.
–Boa noite. – ela terminou a ligação com um sorriso e jogou-se de vez na cama, rosto voltado para olhar o teto.
Esperava realmente que tudo desse certo para ela.
Na tarde do dia seguinte, Sesshoumaru estacionou o carro em um lugar próximo ao prédio principal da faculdade de Direito.
Felizmente o dia tinha tudo para ser mais tranquilo. Kagura havia decidido ficar em casa depois do estressante encontro que tivera na tarde anterior com o ex-namorado. Significava então que não teria alguém o seguindo por todos os cantos e confiscando todos os pacotes de biscoitos da sala do Centro como se ali fosse realmente um resort.
Ao passar pela pequena área de bancos para descanso, ele viu, mais cedo do que esperava, Rin sentada em um dos bancos. Ela terminava de calçar um sapato e, de longe, parecia preocupada.
Viu-a levantar-se e pegar uma pasta de documentos e a bolsa transversal que costumava usar. Andava como se estivesse com o pé machucado, mancando ligeiramente.
Não precisou apressar o passo. Ela estava ali, andando com cuidado, na direção das escadas.
Rin amaldiçoava mentalmente o primo Jakotsu pela escolha do calçado. Ela gostava de botas e do pequeno salto. Não imaginava que um sapato de solado baixo não pudesse aguentar uma caminhada de vinte minutos do apartamento até a Universidade. Sentiu os pés doerem em poucos minutos. Agora certamente tinha um calo em um deles e mal conseguia andar.
Apressou-se para entregar os documentos e procurar Sesshoumaru. Teria que recusar qualquer plano que ele tivesse para tratar o pés. Ia preparar uma bacia com água quente para eles assim que voltasse para casa.
–Rin. – ela ouviu uma conhecida voz chamá-la e ela parou, prendendo a respiração.
Virou-se lentamente e viu Sesshoumaru a poucos passos dela.
Por um segundo, ela não conseguiu falar nada. Ela estava se sentindo horrível com aquele sapato maltratando o pé dela, e ele estava ali possivelmente para conversar.
E ela queria tanto conversar com ele, falar o que estava sentindo nas últimas semanas.
Quando foi...
–A-Ah... Oi... – ela murmurou, apertando contra o peito a pasta de documentos da candidatura ao estágio.
–Você está bem? – ele parecia preocupado.
... que comecei a me sentir assim?
–Eu acho que machuquei meus pés na caminhada até aqui. – ela explicou num tom apressado, nervoso – Acho que meu primo não fez uma boa escolha. Queria voltar pra casa e colocá-los na água quente.
Sesshoumaru ficou ali na frente dela, parado, parecendo também preocupado. A testa estava franzida, como se analisasse aquela situação.
–Vai voltar para casa andando?
–Hm... – ela olhou para a entrada do prédio e depois voltou-se para ele – Eu preciso entregar os documentos. Você... você não se importa se pudermos conversar outro dia? Eu quero muito voltar pra casa. Não aguento mais meus pés.
–Quer que eu leve você? – ele deu dois passos na direção dela.
Rin sentiu novamente a respiração ficar presa na garganta.
Desde quando...
–Rin? – ele a chamou quando a viu paralisada.
... a presença dele ficou tão forte assim?
–Não precisa. Acho que aguento vinte minutos andando. – ela desculpou-se depressa – E eu acho que você acabou de chegar, né?
–Eu levo você. – ele não estava pedindo.
A garota baixou o rosto. Ele não ia deixá-la voltar sozinha. Não adiantava insistir.
–Pode entregar os documentos. – ele estava agora a um passo dela – E eu levo você de volta. Aproveito para saber onde está morando agora.
–Hmm... – ela baixou o rosto para não ter que encontrar o olhar dele – Não vai mesmo atrapalhar os seus planos?
–De forma alguma.
Os dois começaram a caminhar em silêncio e ela sentiu a mão dele tocar as costas dela.
–Você trouxe meu presente? – ele perguntou suavemente.
–Sim. – ela continuava com o rosto voltado para qualquer ponto à frente dela.
–Você pode entregar os documentos e me encontrar na sala do centro? Eu preciso pegar uma coisa lá antes.
–Okay. – ela acenou numa confirmação e o viu afastar-se.
Deu um suspiro cansado. As coisas não deveriam ser daquela forma. Ela não deveria se sentir assustada ao estar próxima dele. Ela não deveria sentir falta de confiança em si mesma.
Entregou os documentos e, cerca de vinte minutos depois, ela estava na frente da porta da sala do Centro. Parecia como na primeira vez que tiveram que conversar sobre aquele beijo inesperado na frente do antigo prédio onde morava.
Inconscientemente, enquanto relembrava os fatos daquela noite, ela deslizou um dedo sobre os lábios enquanto pensava no que falar.
–Rin-chan, eu sabia que era você! Que bom que está de volta! – Sango falou atrás dela e a assustou, fazendo-a sufocar um grito.
–Sango-chan... – ela tinha uma das mãos em cima do coração para tentar acalmar-se – Vocês continuam com essa mania de me assustar.
A amiga franziu a testa sem entender.
–Você voltou quando? – ela quis saber para mudar de assunto.
–Há três dias. – ela tinha aos mãos com a bolsa em frente ao corpo. A pasta com os documentos havia sido entregue no departamento que recebia as candidaturas – Vocês nem mandaram notícias. Não foram me visitar em Nagoya.
–Ah, fica pra uma próxima vez. – Sango massageava um dos ombros – Fomos visitar nossos pais. Eles moram nas montanhas. Ficamos uns quinze dias com pouca comunicação por lá, só fazendo coisas de família. Meu pai subia e descia as montanhas todos os dias. Foi bem exaustivo. Eu voltei pra Tokyo quebrada.
Rin deu um sorriso forçado. O pai dela também gostava de andar pelas montanhas, mas ela sempre detestou praticar aquilo.
–Ah. – ela lembrou – Eu tenho um presente pra você. Na verdade, quem mandou foi meu primo. É um conjunto da nova coleção dele pra você.
Os olhos de Sango arregalaram.
–Não! – ela estava incrédula – Ele fez isso?!
–Eu contei sobre você e como me ajudaram. – Rin lembrou-se da forma como Jakotsu a pressionou para contar sobre cada um dos amigos para poder saber se eram de confiança – Ele quis mandar como um "agradecimento" por você ser minha amiga.
–Eu não acredito! – ela tinha as mãos cobrindo as laterais do rosto e parte das bochechas – Quando posso pegar meu presente?
Rin ficou pensativa.
–Você pode passar em casa amanhã? Estou morando agora perto da Universidade. Não terminei de arrumar as minhas coisas.
–Você quer ajuda? – a outra se ofereceu – Posso fazer alguma coisa, se quiser. Não tenho nada programado pra amanhã.
–Eu adoraria. – Rin forçou um sorriso – E-Eu tenho um celular novo. Meu irmão e meu primo me fizeram prometer que eu tomaria cuidado e não perderia. Vou mandar uma mensagem pra você com o endereço. Estou morando aqui perto.
–Combinado. – Sango dava pulinhos de alegria como uma adolescente – Eu nem acredito que vou ganhar uma roupa assinada por um estilista!
Rin deu um sorriso ao ver a reação da amiga. Ela ouvia a amiga comentar sobre a emoção de ter um presente daquele tipo, sobre como ia cuidar e usar em ocasiões especiais, sobre agradecer pessoalmente algum dia a Jakotsu... Até que os olhos se voltaram para a pessoa atrás da porta da sala do Centro.
–Rin-chan veio falar com Sesshoumaru-sama? – Sango perguntou suavemente.
A outra garota voltou a atenção novamente para a amiga.
–Ah, sim... – ela confirmou um pouco hesitante, mostrando o pé dolorido – Ele vai me levar pra casa. Machuquei o pé com esse sapato novo.
–Oh... – Sango franziu a testa ao olhar o calçado dela – Mas é tão bonito. Será que porque é novo?
–Provavelmente. – Rin deu de ombros – Então... amanhã lá em casa?
–Sim. Qual horário?
–Por volta das cinco? – a outra transformou a confirmação em uma pergunta convidativa – Vou pegar o resultado aqui antes. Não deve demorar muito.
–Perfeito. – Sango bateu palmas, incrivelmente animada com a novidade – Vou resolver alguns problemas de disciplinas agora. Melhoras pro seu pé. Coloque na água quente!
Rin sorriu ao ver a amiga partir, acenando numa despedida.
Voltou os olhos novamente para a porta, respirando fundo como se quisesse tomar coragem.
Bateu levemente na porta e colocou a cabeça para dentro ao ouvir a voz de Sesshoumaru chamá-la.
Ao entrar, viu-o encostado na beirada da mesa, celular na mão. Estava à espera dela.
–Era você conversando com alguém aí fora?
–Oh... – ela pensava que não estava conversando tão forte assim – Incomodei? Sango e eu nos esbarramos e combinamos algo pra amanhã.
–Não. – ele guardou o celular num bolso interno do terno – Só consegui reconhecer a sua voz.
Rin deu um sorriso.
–Você vai ficar aí? – ele perguntou suavemente ao ver que ela continuava parada na entrada da sala.
–Ah... – ela a fechou a porta e rapidamente tentou resgatar a confiança que sentia em si mesma em qualquer ocasião – Desculpe. Eu estava pensando em algumas coisas.
–Conseguiu entregar o documento?
–Sim. Não sabia que o resultado sai amanhã. Não é muito depressa?
–O estágio começa em dois dias. – ele explicou – Eles estão realmente desesperados para escravizar alguém.
Rin deu uma risada. Devia ser a primeira vez que ele usava um tom irônico para fazer um comentário que soava engraçado para ela.
Ficaram em silêncio por alguns segundos até ela abrir a bolsa para tirar algo de lá.
Aproximou-se dele, mas não entregou o presente diretamente para Sesshoumaru. Decidiu colocá-lo lentamente em cima da mesa.
Ergueu os olhos e viu os delicados traços dela mostrarem algo que só via quando estavam sós: insegurança. Eram as sobrancelhas erguidas em desafio que não correspondiam com o fundo de tristes olhos castanhos. Ela estava insegura se ele iria gostar, talvez?
Pegou a caixinha e abriu. De lá, um globo de neve de cristais se agitavam sobre uma miniatura do Castelo de Nagoya. O vidro era de cristal puríssimo, altamente delicado. E ele viu a etiqueta da embalagem– Joalheria Ginza Tanaka, a mais cara do Japão. Não era um presente qualquer.
Ao erguer novamente a vista, percebeu que ela ansiosamente esperava que ele agitasse o globo para ver como a neve caía em cima do mini-castelo.
–Você realmente trouxe.
Rin sorriu timidamente e desviou o olhar para o canto de café.
–Ué, cadê os biscoitinhos? – ela franziu a testa.
–Kagura comeu quase tudo. Ela é muito exigente quando vem aqui. – ele colocou o presente dele em cima da mesa e admirou o objeto por alguns segundos – Ela também faz alguns pedidos estranhos. Acho que ela pensa que aqui é algum tipo de sala VIP.
–É comum as grávidas sentirem fome assim. – ela colocou a mecha que insistia em cair no rosto para trás da orelha – Com minhas primas também foi assim. Costumam dizer que é porque as grávidas comem por dois.
Sesshoumaru balançou a cabeça em desalento, como se Rin tivesse vencido uma disputa com aquele argumento.
–Vamos? – ele ficou em pé e ela novamente se viu pequena diante dele.
–Ah... sim. – foi a resposta dela, desviando o olhar para a saída.
Cerca de vinte minutos depois, o carro dele estava na frente do novo endereço dela.
Sesshoumaru a observou pelo canto dos olhos. Ela tinha os sapatos em uma das mãos, preferindo ficar descalça dentro do veículo, a bolsa no colo e parecia estranhamente calada. Não havia conversado quase nada, algo que ele percebia que era comum quando ficava nervosa.
–Você está bem? – ele finalmente quis saber.
O rosto dela virou imediatamente para encontrar o olhar dele.
–Ah... eu... Eu só estou cansada da viagem. – ela olhou o prédio com mais interesse do que para ele – Vou ficar aqui agora. Achei bem confortável. Dá pra até duas pessoas. Qualquer dia eu... hm... convido você pra jantar.
Um pequeno sorriso apareceu nos lábios dele.
–Jantar? – ele repetiu como se testasse a palavra.
–Sim. – ela forçou um sorriso – Você já me levou pra comer em outros lugares e na sua casa. Queria também poder retribuir.
Sesshoumaru ficou por um momento em silêncio até resolver perguntar em um tom suave:
–E quando podemos conversar?
Rin começou a torcer nervosamente a alça da bolsa com a mão que estava livre.
–Eu pensei em fazer alguma coisa amanhã... ou depois de amanhã. Eu preciso terminar de arrumar minhas coisas. Você estará acompanhando Kagura em alguma coisa nesses dias?
–Rin, eu apareço no horário que você quiser combinar. O que aconteceu ontem foi uma exceção. Mas foi bom para ver que Kagura não pode pensar que sou o serviçal dela por 24 horas.
–Mas ela está grávida.
–Isso é problema dela e do ex-namorado.
–Ela está sozinha. – ela insistiu.
–Eles brigaram e precisam resolver o quanto antes. – ele rebateu.
Rin engoliu em seco. Sentia-se novamente como no dia que ela o viu destratar a ex-namorada e tentou conversar com ele.
Será que vai ser assim também comigo?
–Bem, eu aviso amanhã se consigo fazer um jantar. Depende mais do meu cansaço e se vou terminar de arrumar minhas coisas.
–Tudo bem. – ele assentiu.
Rin deu um sorriso fraco e pegou os pertences – sapatos na mão esquerda, bolsa com a direita – e abriu a porta do carro.
–Até mais.
Saiu e andou lentamente até o portão do prédio, sentindo a sola do pé doer menos que com o sapato.
–Eu ainda não agradeci o presente. – ouviu Sesshoumaru falar atrás dela, o que a fez soltar um grito de susto e largar os itens que carregava no chão.
Voltou-se para a presença atrás dela com a mão segurando o coração.
–Vocês fazem isso comigo de propósito, né? – ela tinha os olhos arregalados.
–O que os outros fazem de propósito? – ele projetou uma sombra para cima de Rin, os olhos dourados calmamente analisando o rosto dela.
–Nada. Esquece. – ela murmurou e voltou o rosto para os itens jogados no chão.
Ao perceber o silêncio como resposta e que ele continuava extremamente próximo, ela ergueu a vista e o encontrou ainda com o mesmo olhar – intenso e calmo ao mesmo tempo.
–Obrigado pelo presente. – ele finalmente falou, baixando o rosto apenas para beijar levemente o rosto, num ponto muito próximo aos lábios dela.
Ao se afastar, ele sabia que ela estaria surpresa – os olhos imensos em uma expressão cômica.
–Aguardo sua mensagem para conversarmos. – ele se afastou e voltou para o carro.
Segundos depois, Rin o viu entrar no carro e ir embora como se nada tivesse acontecido.
Soltou a respiração e piscou na direção que o carro tomou antes de sumir de vista.
Ele sabia que me deixaria assim.
Deu um suspiro e catou os objetos caídos.
Eu não gosto de... me sentir tão insegura dessa forma.
Rin andava apressada pelos corredores da Universidade, temendo chegar atrasada na divulgação dos resultados.
O pé havia melhorado significativamente e ela decidiu voltar para as antigas e confortáveis botas que não machucavam os pés, combinando com uma saia azul de bolinhas e blusa branca.
Ao entrar na área de avisos, ela viu que uma equipe terminava de pregar os cartazes e acelerou o passo.
Aguardou a alguns metros da equipe e ouviu uma conhecida voz atrás dela:
–Você não avisou qual horário viria aqui.
Daquela vez, Rin não se assustou. Ela já estava se preparando para eventualmente encontrá-lo.
Virou o rosto e encontrou o sempre tranquilo Sesshoumaru aguardando também a equipe terminar de colar os cartazes dos resultados.
–Como está o pé? – ele quis saber.
–Muito melhor agora. – ela esticou a perna para mostrá-lo – Achei melhor não arriscar e usei minhas botas.
O rapaz nada comentou. Ficou apenas observando o rosto dela.
–O que foi? – ela piscou, confusa.
–Nada. – ele virou o rosto para indicar a parede – Vamos ver?
–Oh, sim. – ela saiu na frente, quase pulando. Estava extremamente ansiosa.
Em poucos segundos, ele também estava perto dela para ver quais eram os nomes do quadro.
Ambos arregalaram os olhos e Rin sentiu o sangue gelar. O nome dela aparecia em terceiro e ele tinha tirado o segundo lugar?
Virou o rosto para encontrar o olhar sério de Sesshoumaru ainda preso no nome dele.
Terceiro lugar..., ela pensou com tristeza.
Haveria provavelmente outra oportunidade para conseguir um estágio ou algo que pudesse abrir as portas para ter um emprego fixo em Tokyo, mas ela realmente queria conquistar pelo menos um das vagas.
–Quem é Aoki? – ele perguntou confuso. O primeiro nome daquela lista...
Terceiro lugar!
–Hmm... É uma colega nossa. Você deve conhecê-la de vista. – ela limpou a garganta e depois forçou um sorriso – Parabéns por ter conseguido a vaga.
A testa franzida em preocupação não desapareceu do rosto dele.
–Você está bem? – ele finalmente perguntou, aproximando-se dela.
–Sim. – ela deu dois passos para trás.
-Você está tremendo. – ele apontou.
Rin olhou para as mãos e notou a forma como estavam trêmulas.
–Você está pálida. – ele conseguiu se aproximar dela e tocar-lhe as mãos – E está gelada. Está passando mal?
–E-Eu não s-sei... – Rin afastou-se assustada – A-Acho que vou pra ca-casa.
–Venha comigo. – ele circulou um braço na cintura dela e sentiu resistência com o contato – Não faça isso, Rin. Vamos para o Centro.
A garota murmurou qualquer coisa e mal percebeu quando entrou na sala amparada por ele.
Sesshoumaru a fez sentar-se no sofá antes de começar a abrir e fechar gavetas e a andar de um lado a outro.
–A sua pressão caiu. – ele falou ao colocar um joelho no chão para ficar na frente dela com um copo na mão direita e uma pequena tigela – Tome um pouco de água. Também tenho aqui os seus biscoitos favoritos. Coma alguns.
Rin silenciosamente obedeceu. Tomou água, comeu alguns biscoitos, respirou fundo várias e várias vezes. Ele a observava sem fazer comentários, apenas de vez em quando verificando alguma coisa no celular.
–Você precisa ver alguém? - ela perguntou suavemente no momento que ele mais uma vez olhava alguma mensagem recebida.
–Kagura e a pessoa que ficou em primeiro lugar estão me procurando. – ele respondeu – Eu falo com elas depois.
–Por que Aoki-san está atrás de você? – ela franziu a testa.
–"Aoki"? – ele parecia confuso.
Rin revirou os olhos.
–A pessoa que ficou em primeiro lugar.
Um momento de silêncio se fez.
–Nós vamos trabalhar juntos. – ele deu de ombros – Deve ser isso. Não sei como tem meu número.
Rin viu quando ele novamente pegou o celular para ver uma nova notificação.
–Você pode ir, eu vou descansar um pouco aqui. – ela sussurrou – Depois eu volto pra casa.
–Você quer que eu leve você?
–Não precisa. – ela dispensou rápido aquela ideia com as mãos – Kagura e Aoki-san devem tomar o seu tempo a partir de agora.
Sesshoumaru continuou com a testa franzida.
–Rin... – ele deixou escapar um suave suspiro que tentou reprimir com todas as forças – Eu estou tentando ajudar.
–Eu falei que não precisa pra não ficar preocupado. Já estou melhor. Você não tem que encontrar Kagura e a sua nova colega de trabalho?
Sesshoumaru ficou em silêncio, maxilar travado como se tentasse controlar o que queria falar.
–Faça o que quiser. – ele deu as costas e caminhou até a porta – Feche a porta ao sair, por favor.
Rin encolheu os ombros ao ouvir a porta fechar com uma força desnecessária.
O silêncio predominou o ambiente por alguns minutos, até que ela ouviu o chiado da própria respiração.
Teria que voltar para casa e desmarcar com Sango. Não teria condições de falar com outra pessoa naquele dia.
Já havia passado uma semana desde a desagradável notícia sobre o resultado da seleção.
Rin, desapontada consigo mesma, preferiu ficar uma semana afastada de todos, evitando contato com Sango, Miroku e, principalmente, Sesshoumaru.
No único dia que foi para a faculdade, não falou com Sesshoumaru porque Kagura e a candidata do primeiro lugar ficaram sempre ao lado dele. À distância, viu-o no primeiro dia que decidiu reaparecer na faculdade, apenas para se sentir ainda chateada e evitar conversas com qualquer um.
Fugir era uma alternativa saudável aos olhos de Rin.
Era, obviamente, a mais covarde também. Mas pouco importava analisar a situação no momento, principalmente quando não ela sabia o que fazer. Ela fugiu depois que Akihito, o primeiro namorado, morreu. Quis fugir da cidade natal e ir para outro canto do mundo tentar esquecer o que passou.
Fugir não era saudável, mas para ela era sinônimo de "tentar resolver os problemas ao sumir, ficar sem dar notícias e pensando a respeito da vida".
Mas, claro, não era possível fugir para sempre. Prova disso é que Sango conseguiu entrar em contato e estava, naquela tarde, no apartamento de Rin ajudando a desfazer as malas para finalmente receber o presente enviado por Jakotsu.
–Eu não acredito que você conseguiu andar com essas três malas naquela estação. – Sango ainda parecia impressionada com a quantidade de roupa que o primo da amiga havia separado só para ela.
–Meu irmão pediu pra arrumar só uma. – Rin passou o braço na testa para limpar o suor, depois apontou para as malas abertas no chão do quarto – Ele ia deixar essas duas no meu quarto. Já estávamos quase pra sair pra estação quando meu primo apareceu em casa. Queria ir junto. Meu irmão teve que subir pro meu quarto pra pegar e voltou com elas morrendo de raiva.
Sango começou a rir ao imaginar a situação. Ela e o irmão também eram próximos, assim como Rin descrevia o relacionamento com Hakudoushi.
–No final, Jakotsu não nos deixou nem por um segundo. Não tivemos escolha além de colocar toda essa bagagem no trem. Eu tive que pedir ajuda quando cheguei aqui.
–Se você tivesse avisado sobre a sua volta, Miroku e eu poderíamos ter ido te ajudar. Sesshoumaru-sama também, não?
Rin forçou um sorriso ao ouvir o nome sugerido. Sentou-se no chão, perto da cama, apoiando as costas nela e abraçando as pernas, cabeça apoiada nos joelhos.
–Vim direto pra cá deixar minhas coisas, depois fui buscar o que tinha no outro apartamento. Foi só uma trabalheira inicial, não quis incomodar ninguém.
–Eu achei tão bonito aqui. – Sango olhava os detalhes com curiosidade – Eu passava na frente do prédio e nunca me dei conta que poderia ter um lugar tão legal assim perto da Universidade...
–Minhas primas me ajudaram a encontrar. – Rin deu um sorriso – Elas entendem mais do que eu sobre como encontrar um apartamento pela internet.
Ficaram as duas em um confortável silêncio. Além das malas, o chão do quarto estava tomado por roupas e sapatos.
–Você não quer experimentar a sua roupa? – Rin sugeriu.
Sango olhou o presente aos pés dela – um conjunto social envolvido ainda na capa protetora.
–Vou usar amanhã na aula. – ela falou decidida e agarrou o pacote, abraçando-o possessivamente – Mal posso esperar. Aí você tira a foto que o seu primo pediu.
–Oh... – Rin queria vê-la com a roupa assinada por Jakotsu, mas não tinha interesse em ir para a faculdade.
–Você vai amanhã, né?
Rin optou pelo silêncio.
–Você quer conversar sobre alguma coisa? – Sango fez a pergunta com um enorme sorriso.
Rin moveu a cabeça na diagonal e ficou observando a amiga curiosamente.
–Não... Não quero. – é claro que queria. Mas como alguém poderia ajudá-la se ela ainda estava tentando entender o que a estava aborrecendo? – Bem, você pode pedir pra Miroku-sama tirar uma foto sua. Ou Ses...
Pausou. Até mesmo dizer o nome dele causava uma sensação estranha nela.
–Sesshoumaru deve cuidar um pouco de Kagura, não sei se ela vai ao médico. De novo. Você sabe, é bem difícil quando o pai abandona e não quer assumir. Os amigos devem ficar próximos, né?– Sango completou o pensamento de Rin.
Ah... aí está o problema... Parecia algo que pesava no peito. Era um sentimento estranho. Com Akihito nunca havia se sentido assim.
Seria aquilo o que os outros chamam de ciúmes? O irmão dela era ciumento, mas... essa coisa chegava àquele ponto?
–Você ficou chateada com o resultado da seleção pro estágio? – Sango tentando mais uma vez manter a conversa.
Rin deu um suspiro e optou por levantar-se do chão para sentar-se na beirada da cama, cruzando os braços.
–Eu preciso arrumar alguma coisa aqui depois de me formar... ou terei que ficar em Nagoya. Mas eu percebi agora que pode ser bem difícil, sabe? Eu estava muito confiante até receber essa notícia.
–Mas é só uma primeira tentativa, Rin-chan. – Sango ainda segurava o presente dela como se fosse extremamente precioso – Claro que você pode receber propostas boas ou conseguir um emprego aqui. Isto é, se quiser mesmo ficar por aqui.
Rin levantou-se e deu um suspiro pesado. Depois pegou algumas peças para colocar em cabines no guarda-roupa.
–Não sei. Se ficar mesmo muito difícil, vou trabalhar pra minha família.
–Você pensa mesmo em voltar pra Nagoya?
–Acredito que é a melhor opção até agora. – Rin deu outro suspiro.
–Que pena... – Sango comentou em um tom de voz muito diferente do usado antes, quase como se estivesse testando alguém – Sesshoumaru vai ficar sozinho aqui.
Rin paralisou por alguns instantes, a mão segurando um cabine prestes a ser pendurado.
Recuperou-se lentamente e disfarçou numa fraca tentativa de mostrar indiferença:
–Ah, é?
–É... – Sango tocava o queixo com o dedo indicador lentamente, como se estivesse pensando num grande problema – Como será que vocês dois resolveriam isso?
–Isso o quê? – Rin parou o que fazia para observar a amiga. Ela tinha um sorriso tão largo no rosto que começava a irritá-la.
–Bem... – a outra deu de ombros – Você gosta dele e ele gosta de você também, então vocês estão preocupados com uma possível separação. Ele deve ter percebido isso também, porque atacou Miroku e Inuyasha todas as vezes que passava por eles nos corredores esta semana. Ele está bem irritado por você não aparecer da faculdade, sabe?
–Por que eu me preocuparia com Sesshoumaru se eu tivesse que ir embora daqui? – de novo, a dor no peito atacou. Rin queria manter a voz calma, embora estivesse começando a tremer com o nervosismo que não entendia por que estava sentindo – O que está insinuando?
–Eu não estou insinuando nada. Se eu falar por meios termos, você não vai entender mesmo. – ela deu de ombros e esperou pela reação da outra.
As duas trocaram olhares em silêncio. Rin ainda segurava a roupa pelo cabide e Sango abraçava a dela como se fosse um bem precioso.
O tremor de nervosismo ainda dominava Rin. Ela sentiu um instante de náusea como se temesse o rumo da conversa:
–Do que está falando, Sango-chan? – ela tentou suavemente num fio de voz.
–Você gosta dele. É isso o que quero dizer.
Não, não, não, não, ela repetia mentalmente.
–Não! – a garota largou a roupa no chão, meneando a cabeça com veemência – Isso não é verdade!
–Não deve ter gostado no início... – Sango deu de novo nos ombros, olhando algum ponto sem muito interesse até encontrar novamente a figura trêmula da amiga se apoiando no guarda-roupa – Mas agora deve pensar muito nele, né?
As coisas não são tão simples assim, Sango.
–Sango. – a garota tentou controlar inutilmente controlar a angústia e responder com uma voz calma – Você sabe que eu não gosto dele nesse sentido que está falando.
–Não gostava, né? – Sango a corrigiu – Porque se isso fosse verdade, não estaria triste por achar que não vai encontrar nada aqui e ter que ficar longe dele.
Rin voltou a pegar a roupa do chão e a pendurou, voltando a dar atenção à tarefa de arrumar as peças.
–Sesshoumaru é apenas um amigo, Sango-chan. – ela quis parecer indiferente enquanto arrumava as coisas – Ou um colega, se ele considerar isso. Nós mal nos conhecemos.
Como não ouviu uma resposta de Sango, ela olhou por cima do ombro e a viu estranhamente sombria.
–Você não sofreria tanto... – ela começou com um sorriso – Se admitisse pra si mesma que gosta dele.
Rin parou o que fazia e piscou lentamente, um calafrio percorrendo o corpo.
Não, não, não, não, ela voltou a repetir para si mesma.
–É verdade, Sango-chan! – Rin fechou os olhos e balançou a cabeça de novo – Nós não... Ele... Eu não...!
Sango viu a garota lacrimejar e tapar a boca para impedir que a palavra saísse. Arqueou as sobrancelhas ao ver Rin apoiar-se novamente no guarda-roupa para se sustentar enquanto se impedia de chorar.
Diga, complete a frase. Vamos, complete.
–Descobriu, foi? – foi o comentário ao escutá-la soluçar.
Um momento de silêncio depois, Sango escutou-a falar:
–Todo mundo... todos sabiam... – Rin soluçava – Só eu que não...
Sango não se mexeu do lugar e deu um suspiro cansado enquanto ouvia o choro de Rin.
–É doloroso, não?
Rin ergueu o rosto e a amiga pôde sentir o que ela estava sentindo através dos olhos castanhos.
–Chega a ser doloroso gostar tanto de alguém, né, Rin-chan? – Sango fechou os olhos e sorriu – Depois vira uma sensação muito agradável: sentir a pessoa por perto... perceber que é amada...
Depois de uma longa pausa, Sango continuou:
–Eu não sei o que aconteceu com você antes, mas... Eu espero que você consiga conversar com Sesshoumaru... e que tomem alguma decisão sobre o caminho que querem seguir, seja lá qual for.
Rin não respondeu e deu as costas para Sango, uma das mãos envolvendo a cintura enquanto a outra ainda tapava a boca, as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto.
–Depois que Rin-chan apareceu no curso, a gente notou que Sesshoumaru-sama mudou tanto... Ele me parece tão... bem... ao seu lado. É injusto o que ele está passando também. É injusto o que você está fazendo consigo mesma.
Sango deu outro suspiro e levantou-se, tirando uma poeira imaginária da roupa com uma das mãos, segurando o presente de Jakotsu com a outra.
–Já vou embora, tá? Se você for amanhã, vai me ver usando minha roupinha nova.
Lançou um último olhar em direção da amiga e a viu sentando-se em seiza no chão, ainda chorando muito.
Rin não viu quando ela foi embora, apenas ouviu o som da porta da entrada do apartamento fechando.
Durante alguns minutos, só se ouvia no quarto os soluços de Rin, até que ela mesmo teve coragem de falar com a voz embargada:
–Eu gosto dele...
"–Porque era algo que eu queria e estava pensando em fazer há algum tempo.
–Há quanto tempo?
–Tempo bastante para entender que precisava ser ontem."
–Gosto tanto... dele...
"–Os meus sentimentos por você não mudaram, Rin."
–Eu nunca gostei tanto de alguém...
Rin olhou o relógio na cabeceira da cama mais uma vez e o celular em mãos, franzindo a testa ao olhar um nome e um número em especial no display.
Não era realmente tão tarde assim para ligar para alguém. Só tinha medo do rumo que a conversa teria e quanto tempo levaria para ter uma resposta concreta a uma pergunta que faria, se existisse uma.
Apertou o botão do celular e fechou os olhos, escutando o som da chamada.
Em Nagoya, Nozomu Jakotsu estava quase para entrar em sono profundo quando despertou subitamente com o celular tocando. Confuso e um pouco nervoso, ele pegou o aparelho e piscou várias vezes até entender quem estava ligando e decidir atender.
–Rin? – ele murmurou com uma voz rouca e sonolenta.
Houve primeiramente silêncio antes de ouvir a voz da prima.
–Ah... De-Desculpe, Jakotsu... – ela se desculpou. Pelo quê, ele não sabia ainda – Você estava dormindo?
–Hmm... É... – ele olhou novamente o relógio na cabeceira e suspirou em alívio quando viu que ainda era cedo – Vou pegar um voo de madrugada pra Hong Kong.
Novamente, fez-se silêncio.
–Aconteceu alguma coisa, Rin?
Outro silêncio. Desta vez, mais curto, porque foi quebrado por um soluço trêmulo no outro lado da linha.
–Rin. – ele falou, desta vez mais sério. Ergueu-se num cotovelo e rapidamente pegou o fone da extensão no quarto. Iria ligar no mesmo instante para Hakudoushi e os dois iriam juntos para a capital se por acaso tivesse acontecido alguma coisa com ela – O que aconteceu?
–Eu... – escutou-a engolir o soluço e limpar a garganta.
Houve mais um instante de silêncio antes de ela realmente continuar.
–Eu gosto dele, Jakotsu.
A voz saiu fina, fraca, como em uma confissão. Ele conseguia visualizar o rosto dela inchado e vermelho, sentadinha na cama de algum minúsculo apartamento da capital, num conflito de sentimentos.
Precisou sentar na beirada da cama, segurando o celular em uma das mãos e esfregando os olhos com a outra. Apoiou depois os cotovelos nos joelhos, inclinando o corpo.
–Gosta, é?
–Demais... – outra vez a voz saiu fraca – Eu prefiro arriscar do que não tentar nada com ele.
–Isso é... bom, não é? – ele quis soar positivamente, tentando ainda entender o motivo para ela ter ligado.
–Não sei como dizer isso... – ela finalmente falou. E ele a imaginou com os lábios num beicinho, achando que aquele problema não tinha solução – Tenho medo de ele rir de mim, de dizer que não tem mais interesse... Eu não sei o que faço.
Dando um suspiro, Jakotsu novamente esfregou os olhos. Ao abri-los, viu as horas na cabeceira e voltou a deitar-se, ainda com o celular colado à orelha.
–Bem... você sabe sim o que fazer, não?
E a conversa continuaria por mais algum tempo.
