EPISÓDIO 6

"É um lugar de muita força e ao mesmo tempo transmite uma sensação de aquecimento." O cheiro de terra úmida chegava pela abertura na passarela do segundo andar, com todas as portas abrindo-se para a visão da mata fechada da montanha. Saori testemunhava os primeiros raios de sol colorirem as folhas e o gramado abaixo. "Fazia tempo que não dormia tão bem."

Ela já ouvia o burburinho nos quartos próximos e voltou para o que utilizara naquela noite, no lado feminino dos alojamentos. Kouga aproveitara o espaço na cama e se espalhara, abrindo pernas e braços. Tomou banho e vestiu a calça jeans e a camiseta baby-look vinho com babados brancos que era uma das combinações mais confortáveis que trouxera.

- Vocês estão prontos? – a voz de Seiya soou quando terminava de prender metade do cabelo com uma fivela. – Ainda está dormindo, rapaz?

- A gente foi dormir tarde. – Kouga bocejou e ela sorriu, adivinhando os cabelinhos vermelhos formando uma auréola arrepiada.

- Você pode ajudá-lo a se vestir? – ela falou, abrindo a porta do banheiro. Os olhos castanhos piscaram ao vê-la e Saori soube que tinha feito uma boa escolha. Um leve sorriso apareceu no rosto dele. – Bom dia. – deu um selinho no homem vestido com jeans azuis-escuros e camiseta verde sem manga.

Por mais inseguro que Seiya estivesse com relação ao próximo passo a tomar com Saori, uma coisa era clara: sua forma de pensar o futuro mudara. Ao contrário de Shun e Shiryu, que sempre buscaram formar famílias próprias, ele tentara ao máximo não se apegar a ninguém. Era o colecionador de namoros do quinteto, fazendo questão de nenhum durar tempo suficiente para se tornar algo mais sério. Até o momento. Ele sentia uma espécie de euforia em apenas estar ao lado dela e de Kouga, como se seu coração criasse asas à simples lembrança dos dois.

- Você não vai sair com esse cabelo, não, garoto. – ele indicou o espelho e Kouga suspirou, pegando o pente.

- Shunrei disse que acabaram de acordar. Vão passar o dia em um santuário próximo e depois lojas de móveis. – Saori informou, colocando o celular no bolso. Ele assentiu, terminando de atar os cadarços do menininho.

- Nós vamos ver o Ryuho hoje? – Kouga esperou os dois na soleira da porta.

- Hoje nós vamos cuidar do Santuário. – Seiya saiu para o corredor. – Para que ele fique sempre bonito e nos acolha bem. – se surpreendeu com a naturalidade com que o garotinho segurou sua mão.

No refeitório, os grupos nas mesas planejavam como seria o trabalho. Assim que entraram, Shion os chamou para sentarem-se com eles.

- Espero que tenha sido uma boa noite de sono, srta. Kido. – ele cumprimentou Saori, que escolhia as porções para Kouga. – Preparada para passar a manhã nos jardins? - ela confirmou com um largo sorriso.

- Vocês terão que me ensinar como se faz.

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- Pegaram tudo que precisam para o dia? – Esmeralda os esperava na porta do carro. – Só vamos voltar à noite.

Os meninos saíram com as mochilas nas mãos, acompanhados do pai.

- Posso levar os meus blocos? – a mochila de Souma estava estufada e parecia pesada. – E a minha bola?

- O que foi que nós conversamos? – Ikki abriu o porta-malas para colocar a mochila de Éden e a caixa com os sanduíches. – Você pode perder os seus brinquedos. – os olhinhos cor de mel estreitaram para o pai.

- Leva a sua bola, mas é melhor deixar os blocos. – Éden sugeriu para o irmão. – Se nós formos andar muito, vai ficar pesado para você.

Souma ficou bravo, mas tirou o grande saco plástico com seus blocos de madeira e levou de volta.

- Vamos direto para o parque e encontramos com eles lá. – o celular de Esmeralda tocou. – "Eiri, já estamos saindo. Onde vocês estão?" – Ikki guiou o carro para a rua principal, buzinando para os vizinhos, que acabavam de sair de casa. Os quatro do carro acenaram para os quatro iniciando a caminhada para o lado oposto. – "Shun e June já chegaram?... Ah, ok. Vocês estão na barraquinha na entrada do templo." – ela olhou para Ikki, que sinalizou saber onde era. Ele abriu a mão, sinalizando. – "Quinze minutos estaremos aí."

- Animados para conhecer a cidade? – o pai olhou pelo retrovisor os meninos no banco de trás. Souma respondeu feliz. Éden continuou olhando a paisagem.

- Se vocês pedirem, acho que seu pai pode mostrar os segredos de Kamakura. – o vento ondulava os cabelos loiros de Esmeralda. – O dia está ótimo para um passeio, não está? – novamente apenas o filho mais novo respondeu. – O que vocês gostariam de conhecer? – ela insistia, trocando olhares com o marido, que suspirava ante o silêncio de Éden. – Ikki, como é o seu local favorito da cidade?

- Não vai ser tão fácil assim eu contar a vocês. – ele comentou, sacudindo a cabeça. – Se for um bom dia, quem sabe o tio Shun e eu mostremos a vocês.

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Havia algo de reconfortante na pequena mão que ela segurava. Os dois andavam devagar, aproveitando a brisa fresca da manhã nublada, mas sem as nuvens baixas de chuva do dia anterior.

- Você está gostando de morar aqui, filho? – Shunrei perguntou depois que o carro dos Amamiya virou a esquina e saiu de vista. Ryuho, usando um boné com o símbolo da entrada do Santuário, desviava de algumas poças deixadas pela chuva na rua de cascalho.

- Sim! Junto com os primos, tios e tias e todo mundo do Santuário. – ele falou, entusiasmado. – O Mestre Dohko disse que tem um telescópio lá! Ele prometeu me mostrar as constelações. – ela riu com o garotinho. A luz do sol, filtrada pelas nuvens, tornava a atmosfera tranquila e ela pôde sentir essa tranquilidade penetrando seus sentidos, ainda mais ao ouvir a alegria nas palavras de Ryuho. - Está sendo uma boa aventura, não é, mamãe?

Shunrei queria gravar a voz fininha dele dizendo 'mamãe', pois sabia que sentiria saudades dentro de alguns anos.

- Está sendo a melhor de todas, filho. Sabe por quê? – ele negou, os cabelinhos pretos começando a ficar compridos como os do pai sacudindo na brisa por baixo do boné. - Porque estamos juntos.

Um pouco atrás, os dois homens conversavam com as mochilas pesadas às costas e os bonés do mesmo modelo de Ryuho. Era um dos produtos que Saori pediu que experimentassem e eles gostaram das cores – branco, dourado e vermelho.

- Esse ar é capaz de recuperar qualquer corpo, alma ou coração partido! – o Mestre afirmou, aspirando ruidosamente. – Há momentos em que precisamos simplesmente existir e viver, sem medo, sem expectativas, apenas seguindo o rio da vida. Lembra desse ensinamento xintoísta, Shiryu? – o jovem ao seu lado confirmou.

- 'Se apenas vivermos o momento presente, com toda a nossa atenção e dedicação, nos tornaremos mais sábios e conheceremos mais a nós mesmos e ao Universo.' – Shiryu recitou as palavras exatas que o impressionaram na adolescência. – A cada dia, eu vejo como essa prática é benéfica, Mestre. Todas as vezes em que agi com a mente no passado ou no futuro os resultados não foram bons.

- Tudo que podemos é fazer o nosso melhor, a cada momento. – os dois observavam Shunrei e Ryuho rindo. Em uma parte da estrada, o garotinho se soltou e saiu correndo, esperando-os na esquina seguinte. - Você sabe, já teve experiências e pôde comprovar por si mesmo. Agora é hora de ir um pouco além. – acenaram para o garotinho, que pulava e os chamava a ir mais rápido. - Na próxima semana, vamos estruturar melhor nossa rotina. – Dohko comentou, impondo um ritmo mais lento de propósito. – Precisamos organizar os horários para não deixar essa sensação de ruptura tão evidente. Isso vai fazer bem a ela. – Shiryu assentiu, vendo a noiva apertar o passo para chegar até Ryuho.

- Vou me esforçar para organizar também o espaço. Quero tirar o peso do que eu puder... Ainda está muito pesado para ela. – ele engoliu em seco, lembrando-se da conversa na noite anterior. – Para mim, aqui são as minhas raízes, mas ela se sente como uma folha solta no vento.

- É natural, afinal, ela está em terreno totalmente desconhecido. – o Mestre percebeu o que ele não conseguia expressar. – Mas não tire o peso dela e coloque em você. Seja mais leve e mostre para Shunrei a nova vida de vocês. Não queira trazer as mesmas regras, as mesmas preocupações da vida que vocês abandonaram. Proponha à sua família uma nova forma de viver. Deixe a vida fluir, sinta-a fluir de você para eles e deles para você.

- O senhor está romântico hoje, Mestre. – Shiryu sorriu, sinalizando para os dois da frente os esperarem. – É o que eu estou pensando? – Dohko riu, batendo nas costas do discípulo.

- Digamos que a minha vida também está fluindo para algum lugar.

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- Lá estão eles! – June sinalizou em meio à multidão que já começava a tomar conta da entrada do santuário Tsurugaoka Hachimangu, o maior e mais famoso de Kamakura. – Conseguiram estacionar aqui perto?

- Não, por isso demoramos. – Hyoga apontou para algum ponto da avenida principal, que se iniciava na porta do santuário. – Procuramos um local sombreado para as comidas não esquentarem muito.

- Hoje vai ser cheio, mas aqui é bem grande, tem espaço para as crianças brincarem e conhecemos alguns lugares mais calmos se quisermos ficar mais distantes dos turistas. – Shun informou para Eiri, que olhava o vai-e-vem de turistas com a testa franzida.

- Ikki, Esmeralda e os meninos estão saindo de casa agora. – June guardou o telefone após falar com a cunhada.

- Hyoga me falou que vocês vinham bastante aqui quando crianças. – Eiri trazia Yuna pela mão. A menininha ainda ficava tímida com os filhos de Shun e June, pois passara apenas algumas horas com eles. O trio, ao contrário, a chamava com animação. – Pode ir, filha. – a menina estava meio escondida atrás da mãe.

- Yuna, sabia que Yuki e Yorie planejaram a noite toda as brincadeiras para hoje? – June informou, encorajando a aproximação. – Que tal se nós fôssemos ali nas rodas de oração para pedir que nosso dia seja ótimo? – apontou para as grandes rodas de madeira que ficavam ao lado do portal de entrada e os visitantes giravam pedindo bençãos e boa-sorte.

A menininha olhou para Eiri, que assentiu e piscou, sutilmente a empurrando para frente.

- Yuna, o seu cabelo é grandão igual ao da mamãe! – Yorie aproveitou e segurou sua mão. – Você quer que ela faça um penteado igual ao dela? – June prendera os longos cabelos loiros num rabo de cavalo alto, deixando o pescoço e a nuca livres. - Senão você vai ficar suada.

- Quando você quiser, pode falar. A mamãe faz igual ao meu também. – Yuki mostrou a trança presa com várias presilhas. – Vamos lá enquanto esperamos os tios. – as quatro foram rodar as grandes estruturas e depois voltaram animadas, convictas de que o dia seria o melhor.

Não demorou muito e o grupo estava completo. Seis adultos e seis crianças entrando no fluxo turístico.

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- Cuidado! – Seiya gritou, mas já era tarde. O carrinho cheio de galhos e folhas que Yato levava para a compostagem bateu numa pedra fora do lugar, virando uma parte do conteúdo em cima de Saori. Ela se debruçara para arrancar uma erva daninha que crescia em meio a um arbusto de hortênsias e só teve tempo de colocar as mãos sobre a cabeça e gritar. – Você está bem? – os dois correram para tirá-la debaixo do entulho. – Yato, se você a tiver machucado, é melhor sair daqui. Saori!

- Seiya! – ela sacudiu as mãos até segurar em alguém.

- O que está acontecendo? – Mu, que estivera lavando a estátua de Buda ali perto, veio respondendo a movimentação incomum.

- A Saori está aqui embaixo! – Seiya tentava tirar os galhos e folhas desesperadamente.

- Calma, Seiya. – Mu tocou seu ombro. – Assim você vai acabar machucando-a. Fique ali do outro lado e vá abrindo a folhagem com cuidado. – o indiano olhou para o garoto paralisado. – Yato, fique aqui onde estou e ajude Seiya. Eu vou afastar os galhos maiores.

Com o direcionamento de Mu, em menos de um minuto conseguiram livrar a cabeça de Saori.

- Me desculpe, senhorita! – o aspirante apressou-se a falar. – Eu não devia estar com uma carga tão alta. Não vi o caminho, nem a pedra. – ele falava muito rápido, mantendo-se o mais longe possível da cara raivosa de Seiya.

- Yato, vamos terminar primeiro. – Mu disse em seu tom calmo e objetivo. – Atenção e foco para livrarmos a srta. Saori totalmente.

Mais dois minutos e ela saía do meio do entulho, com folhas e terra no cabelo. Sua primeira reação foi ficar brava com o garoto, mas ao ver a expressão de pesar dele e de preocupação de Seiya desistiu. Ao invés de esbravejar, ela começou a rir. Os três a olharam como se ela fosse doida, o que a fez rir mais.

- Yato, quem deixou você dirigir sem habilitação? – ela disse, quase sem fôlego. O seu riso contagiou-os. – Eu não sabia que poderia sofrer um acidente de trânsito no meio de um jardim. – ela sacudiu os cabelos e bateu na roupa para tirar a sujeira.

- Você não está em condições de dar risada desse jeito! – Seiya ralhou, ajudando-a a ficar de pé. – Tem certeza de que não se machucou? – ela confirmou, ainda rindo. Ele balançou a cabeça, tentando não rir com eles. – Vocês são malucos, sabiam?

- Não se preocupem, foi só um susto. – ela garantiu com lágrimas nos olhos. – Eu vou só lavar os braços e o rosto e já volto. – pegou a mangueira que Mu deixara ao lado da estátua.

- Quando estamos de cabeça quente, é difícil decidir qualquer coisa. – Mu comentou com seu forte sotaque. – Procurem sempre manter a calma e a racionalidade, meus caros. – foi ajudá-la a se limpar.

Os dois jovens se entreolharam, respirando fundo.

- Leve o que tem no carrinho e depois volte que eu te ajudo a recolher o restante. – Seiya comandou, não dando chance de Yato dizer uma palavra. Viu que o garoto fechou os punhos e ergueu as duas sobrancelhas. – Não adianta ficar bravo nem envergonhado. Não ouviu o conselho de Mu? Vamos, ainda temos muito trabalho.

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Àquela hora, eram poucos os turistas que se aventuravam a subir até ali, preferindo os templos e santuários no centro e arredores. Em vinte minutos, os quatro chegaram ao portão, onde uma enorme lanterna vermelha lhes dava as boas-vindas. Após passarem pelo belo jardim e a ponte sobre o lago cheio de carpas, uma escada subia a montanha ladeada de terraços com bosques e locais de oração.

Shunrei precisou sentar-se um momento para recuperar o fôlego e conseguir continuar.

- É tão lindo. – ela comentou, admirando a superfície do lago e as estátuas das duas divindades para quem os visitantes pediam bençãos.

Os quatro postaram-se em reverência, pedindo permissão para entrar.

À medida que subiam, viam vários pequenos templos e santuários, estátuas de divindades tanto budistas quanto xintoístas em meio à vegetação. As centenas de pequenas estátuas de um monge careca com as mãos em oração chamaram a atenção de Ryuho.

- É engraçado, não é, papai? Alguns têm roupinhas de tecido! – ele imitava a postura das estátuas, algumas do seu tamanho e outras com poucos centímetros de altura. – Esse tem cabelinho de grama, olha!... Tem de madeira e de pedra. Ele é um Deus? – os adultos esperavam quando ele saía dos degraus para tocar ou saldar algum conjunto das curiosas peças.

- Se chamam Jizo, filho. – Shiryu explicou, ensinando-o a reverenciá-los apropriadamente, com os pés juntos, as mãos em oração e a cabeça baixa. – Jizo foi um monge budista e as pessoas vêm aqui também para presentear o templo com estátuas dele.

- Quando eles estão em três assim, – Dohko apontou o grupinho de estátuas sorridentes sobre uma pedra chata. – são os ryoen jizo. As pessoas pedem uma companheira ou companheiro adequado para casar. – Shiryu, sorriu, entrelaçando os dedos com os da noiva.

- Você costumava vir aqui? – Shunrei perguntou, aproximando-se reverente.

- Ei, vocês dois são muito gulosos! – Dohko exclamou, fazendo-os recuar um pouco. – O que vocês querem mais? Quem tem que orar aos ryoen jizo somos Ryuho e eu! Vocês podem ir. Vão, vão! – ele empurrou os dois e puxou Ryuho para perto de si.

Rindo, os dois seguiram pela escada encoberta pela vegetação até chegarem ao topo da colina e às três construções principais, onde estavam as estátuas de Buda Amida e Kannon, além do museu. Novamente Shunrei precisou se recuperar. Eles encontraram um banco ao lado do museu e ficaram sentados de mãos dadas, observando os visitantes caminhando e fotografando, reverenciando as estátuas extraordinárias.

- Jizo é um bodhisattva guardião. – Shiryu começou após beberem água. Esperou a respiração dela voltar ao normal. – Ele guarda as crianças. – Shunrei piscou e se virou para ele, admirando o perfil sério. - As pessoas pedem a ele que abençoe tanto as almas das crianças vivas quanto as almas que se foram. – ela viu a garganta dele engolir. – Foi por isso que viemos aqui hoje.

Ele abriu a mochila pesada em seu colo, mostrando quatro pequenos e sorridentes Jizos de pedra. Os olhos de Shunrei encheram d'água.

- Para Genbu, para Ryuho, para a nossa bebê que se foi e esse, - ele pegou o que pareceu a ela o mais sorridente. – esse é para a nossa bebê que ainda virá.

Shunrei pensou que seu peito fosse explodir. Não conseguia falar porque o coração crescera tanto que ocupava toda a caixa torácica. Tocou cada um dos Jizos com cuidado, os olhos enormes como pires.

- Tenho certeza de que Jizo vai cuidar deles, onde quer que estejam. – ela murmurou. Shiryu sentiu o tremor em suas mãos.

- O Mestre sugeriu o lugar onde vamos colocá-las. – ele guiou Shunrei por uma trilha que passava por uma pequena gruta, com dezenas de Jizos.

À direita da gruta, havia uma enorme canforeira, com o tronco tão grosso que seriam necessárias sete pessoas para abraçá-la. Entre as raízes robustas havia um abrigo meio engolido pela árvore, onde antigamente deveria haver estátuas de divindades xintoístas.

- Sincretismo. – Shunrei sorriu, aspirando o cheiro da floresta úmida e da árvore sagrada.

Shiryu encontrou uma pedra chata e colocou dentro do pequeno abrigo vermelho. Então, acomodou as pequenas estátuas, que eram nomeadas por Shunrei.

- Para o meu irmãozinho, por favor, cuide dele no céu... Para o nosso Ryuho, que ele tenha uma vida longa e próspera... Para a nossa menininha que se foi tão cedo, cuide dela por nós... – ela se emocionou e sua voz soou molhada. – Para a filhinha que ainda virá para nos alegrar...

Os dois ficaram ajoelhados ali até que outros visitantes começaram a chegar. Como não queriam chamar a atenção para seu santuário particular, retornaram para o nível do museu.

- Mamãe, o Mestre Dohko disse que eu vou me casar com uma menina linda como você. – Ryuho ia abraçar as pernas dela, mas parou ao ver as manchas de terra. – Onde vocês estavam? - Shunrei ajoelhou-se e o abraçou bem forte. – Você está me sufocando, mamãe!

- Eu já disse o quanto amo você, meu dragãozinho? – o garotinho ficou encabulado, colocando a mãozinha na boca. Ela o beijou e se levantou, batendo na calça para tirar um pouco da terra.

- Está feito? – Dohko perguntou e Shiryu confirmou.

- Vamos almoçar e depois às compras! – piscou para Shunrei.

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Cinco horas depois, o grupo decidiu instalar-se em uma das sorveterias do centro. Passearam nos principais pontos turísticos, animados pelo fascínio das crianças. June fez questão de mostrar a praça onde eles gostavam de ficar quando eram menores.

- Uma vez os pais de vocês quiseram fugir do Santuário. O Mestre Shion os encontrou escondidos embaixo daqueles bancos ali. – ela apontou para dois bancos na parte sombreada da praça. – Eles tinham passado o dia sem comer, então os mestres Shion e Dohko compraram algumas comidas e deixaram ali perto. Quando eles saíram para comer, foram pegos pela nuca. – June ria tanto que todos riram mais com ela do que da história.

- Calúnias. – Ikki ergueu uma sobrancelha, tentando não rir também. – Quer que eu conte a eles o motivo de você ter o cabelo desse tamanho? – June parou de rir e estreitou os olhos.

- Só se você quiser que eu use o chicote. – foi a vez de Hyoga e Shun rirem alto. As implicâncias entre Ikki e June remontavam à adolescência, sem maiores consequências.

- Eu gostei. – Esmeralda falou, saboreando seu parfait de frutas vermelhas. – Claro que cansa, mas foi tão bom nosso dia juntos! – Shun respirou aliviado.

- Também gostei. Há muitos anos não fazíamos isso. – ele aproveitou a fala favorável. – Aliás, acho que nunca fizemos, não é? – escolhera um sorvete de menta com cookies de chocolate.

- Cada vez que fazemos, a família se multiplica. – June piscou, apontando as crianças sentadas na mesa ao lado. Eiri riu da declaração insinuante.

- Tem uma coisa que me deixou intrigada. – a grega tomou um gole de soda italiana de maçã-verde. – Me expliquem como, numa cidade que tem mais de vinte santuários xintoístas e templos budistas, o nome do Santuário é só esse.

- Acha muita pretensão? – Ikki perguntou, o sorriso podendo ser visto atrás da latinha de cerveja. A expressão de Eiri foi divertida. – Cada um vai te dar uma explicação.

- É melhor quando não tem uma explicação única mesmo. – Shun opinou. – Um santuário deve significar algo diferente para cada um, não é?

- Eu nunca parei para pensar nisso. – Hyoga sacudiu a cabeça, mastigando um dadinho de melancia em meio ao sorvete de creme.

Os adultos começaram a conjecturar e rir mais, contato histórias e casos pitorescos. As crianças debatiam suas brincadeiras favoritas. Depois de terminarem seus sorvetes, começaram a tirar os brinquedos das mochilas novamente, animados para voltar aos jogos e aproveitar o tempo juntos.

As garotas iniciaram um jogo de tabuleiro, mas os meninos queriam jogar bola. Os três começaram a dar toquinhos de um para o outro, aumentando a intensidade pouco a pouco. Hyoga e Esmeralda, que estavam de frente para eles, recomendaram tomarem cuidado.

Tudo aconteceu muito rápido. Um grito, uma buzina, uma freada brusca.

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- Esse é o seu lugar favorito? – Saori perguntou quando chegaram à beira do lago, junto a um dos pequenos pagodes para meditação. – Poderia facilmente ser o meu também. – ela sorriu para o homem loiro.

Os dois passaram boa parte da tarde cuidando das plantas dos grandes vasos embaixo das janelas. Após o incidente com o carrinho, Camus achou melhor colocá-la num serviço fora da rota de carrinhos de mão desgovernados. Ela, Shaka e Eurídice foram encarregados de adubar, tirar as folhas secas e podar. Trabalho concluído, Eurídice fora ajudar na finalização dos trabalhos e os dois foram descansar.

- Eu gosto do silêncio e da vitalidade que encontro aqui. – ele tinha os longos cabelos loiros trançados. Seus olhos muito azuis refletiam a superfície serena do lado, que, por sua vez, refletia o céu de verão. – Consegue sentir como a mente se acalma e se expande?

Os dois se sentaram na grama e Shaka lhe mostrou como respirar e inspirar, fazendo com as mãos os mudras Sa Ta Na Ma. Depois de praticarem alguns minutos, voltaram a conversar.

- O que fez você vir da Índia para cá? – Saori agradecia a brisa fresca entre seus cabelos lilases. Balançou a cabeça para facilitar o trabalho de refrigeração.

- Eu sou um buscador, senhorita. Apesar de ter nascido na Índia, não me sinto pertencendo a apenas um país ou região. – ele raramente sorria e sua voz raramente se alterava. – Testemunhei muita dor e sofrimento e procuro entender isso.

- As lutas ajudam na sua pesquisa? – Saori via as carpas laranjas e brancas se movendo graciosamente.

- As artes marciais disciplinam nosso corpo, nossas emoções e nossa mente. As competições nos colocam à prova e nos permitem ir além dos nossos limites. – o tom da voz de Shaka era agradável e parecia chamar a mente dela a mergulhar dentro de si mesma. - Sem as distrações da vida regida por desejos fugazes, é possível nos concentrar no que realmente importa: descobrir porquê estamos neste mundo.

Saori piscou, molhando os lábios com a pontinha da língua.

- Então é aqui que vocês se esconderam. – o homem de cabelos azuis-turquesa veio ao encontro deles. – Shion e Seiya estão atrás da senhorita.

- Não pretendia dar trabalho, sr. Camus. – Saori se apressou a dizer. – É melhor voltarmos? – Camus balançou a cabeça, sentando-se do outro lado dela, seus olhos violeta refletindo o sol da tarde.

- Estávamos apenas explorando as possibilidades do desenvolvimento humano. – Shaka informou, recebendo um meio sorriso em reposta.

- O que fizemos hoje é o tipo de trabalho que estimula essas reflexões. – as roupas dos três estavam sujam de terra e suor. A camiseta de Camus, que algum dia fora azul, tinha grandes manchas roxas e marrons. Shaka e sua bata branca tinham listras escuras até nas costas e no rosto. Saori sentia a blusa dura de lama. – É parte fundamental do treinamento.

- Então o que fizemos hoje não era só jardinagem? – os olhos lilases de Saori arregalaram para Camus. O sorriso dele aumentou.

- "Cuidar do jardim é o mesmo que cultivar a mente." – ele recitou, a voz grave dando peso às palavras. - É um ensinamento das antigas escolas de artes marciais, senhorita. Nada aqui no Santuário tem apenas um propósito. Mas cada qual apreende o que está pronto para perceber e aprender. Desde que fundamos a nossa escola, o nosso objetivo vai muito além de ganhar competições esportivas

- Acredito que seja importante que a senhorita conviva um pouco conosco para realmente entender do que se trata este lugar. – Shaka levantou-se, ajudando-a a fazer o mesmo. – Que tal nos juntarmos aos demais para o fechamento do dia?

- É a hora de Shion dar significado ao que realizamos hoje. – Camus os seguiu pelo caminho até o edifício da sede. – Depois podemos descansar pelo restante do dia.

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- Como é que é? – o rosto de Shunrei se abriu de incredulidade nos curtos segundos em que falava com Esmeralda no celular. Segurou o braço de Dohko. – Onde vocês estão? O hospital municipal? Sim, eles devem saber. – ele confirmou, franzindo a testa. Ela tirou o telefone do ouvido. – Quanto tempo até lá?

- Dez minutos, no máximo. Fica há poucas ruas daqui. – Dohko apontou a direção. – O que aconteceu?

- Éden foi atropelado. – Dohko arregalou os olhos castanhos. - Pode chamar os dois para irmos? – Shiryu e Ryuho testavam uma mesa para o quarto do menino.

Eles tinham acabado de escolher os estofados e alguns móveis para o andar térreo e saíram correndo sem concluir a compra.

- Ainda não foram atendidos? – Shunrei continuava falando ao celular com Esmeralda. – Ele está inconsciente?... Não, não mexam com ele de forma alguma... Deixe o corpo o mais reto possível... Consegue sentir se os pés e as mãos estão frios?... Peça para chamar o diretor. Já estamos chegando. Eu vou desligar para fazer uma outra ligação. – procurou um dos seus contatos e ligou. O telefone tocou até cair. Na terceira tentativa, alguém atendeu. – Dr. Yamamoto, boa tarde. Como tem passado? Sim, estou aqui no Japão agora, como lhe falei, lembra? Claro que lhe farei uma visita em breve... – ela tamborilava os dedos, impaciente. Shiryu tirou uma das mãos do volante e segurou a dela. – Desculpe incomodá-lo no final de semana, mas acredito que só o senhor, presidente da Associação Médica, pode me ajudar. Estou com uma situação e preciso atender um paciente no Hospital Municipal de Kamakura. O senhor conhece o diretor? Que bom! – a neurologista-pediátrica suspirou e sorriu para o noivo. – É uma emergência. Estou entrando no hospital. Sim, mantenho o senhor informado. Muito obrigada, dr. Yamamoto. Sim, marcarei um horário com sua secretária. É muita gentileza sua. Tenha um bom final de semana também, doutor.

- Vou deixar vocês na porta e procurar um lugar para estacionar. – Shiryu parou em frente à emergência.

Na recepção, estava uma confusão. A sala estava lotada e foi difícil localizar Eiri e Hyoga sentados com as crianças, que pareciam muito assustadas. Ikki e June brigavam com a recepcionista por não conseguirem atendimento. Shun e Esmeralda tentavam conversar e acalmar os ânimos.

- Parem com isso imediatamente! – a voz de comando de Dohko fez todos se calarem e se virarem para os recém-chegados.

- Amiga, que bom que você está aqui! – um sorriso nervoso passou pelo rosto de Esmeralda.

Shunrei fez uma reverência, apresentando sua identificação e pedindo para falar com o diretor-responsável.

- Me contem o que aconteceu. – pediu enquanto a atendente ligava para o diretor.

- Os meninos estavam jogando bola. – June contraiu os lábios. – Foi um segundo de descuido. Souma foi buscar a bola na rua e seria atropelado se Éden não o tivesse empurrado. Infelizmente, não conseguiu sair da frente do veículo a tempo.

A chinesa viu o semblante fechado de Ikki, os punhos fechados com força. Notou que a camisa dele estava manchada de sangue. Esmeralda percebeu também e envolveu a mão dele com a sua.

- A senhorita pode ir até ele, dra. Nishi. – a recepcionista assentiu. – O diretor virá em seguida.

- Onde ele está? – perguntou a Shun, que a levou até a enfermaria onde Éden estava deitado.

- O carro não estava veloz, mas ele acabou atingido e bateu a cabeça no chão. – ele informou. – Chegamos há poucos minutos, mas nos disseram que o neurologista demoraria a chegar, então resolvemos arriscar. – o tom era um pedido de desculpas. Ela fez um sinal de que isso era irrelevante. Ikki, Esmeralda e June se juntaram a eles.

Shunrei se concentrou no corpinho.

"A respiração parece normal. Não há espasmos." Pousou a mão sobre o peito e aproximou o ouvido do nariz. Ao lado da cama, havia material de primeiros socorros. Vestiu um par de luvas e o examinou. "Pulsação lenta." Franziu a testa. Tocou e observou de perto os arranhões nas mãozinhas, no braço e na bochecha direita. O hematoma na testa ficava maior e arroxeado. "Os membros estão começando a perder o calor." Duas feridas fundas na coxa e na canela. Segurou a cabecinha com muito cuidado, apalpando para ver se havia fraturas. Acariciou os cabelinhos azuis rebeldes.

- Gosto de como ela o toca. – June comentou baixinho. – Demonstra muito respeito e cuidado. – os movimentos precisos e suaves de Shunrei acalmavam sua mente e coração. – Passa muita confiança.

- Ela aprendeu a diagnosticar apenas com o exame físico. – Esmeralda já a vira trabalhar inúmeras vezes apenas com o estetoscópio e o relógio. – Os chefes sempre a chamavam para fazer a avaliação final. – vigiava Ikki, que acompanhava atentamente os movimentos da médica com o rosto petrificado.

- Você é muito valente, Éden. – murmurou, descendo as mãos para a parte de trás da cabeça, onde sentiu o sangue. – Vai ficar tudo bem. Você é um garotinho forte e destemido, sei bem. – viu o bracinho inchado e seu toque lhe disse que estava quebrado. – Prometo comprar uma nova para você. – cortou a camiseta manchada com o sangue que escorreu da testa para ver tórax e abdômen.

- Shun, pode me ajudar a virá-lo de lado? – o amigo assentiu. – Segure os ombros e o quadril. No três: 1... 2... 3 – ela girou o pescoço e a cabeça.

"Não há nenhuma lesão aparente." Ela deslizou a mão pela coluna do garotinho. Sinalizou para Shun deitá-lo novamente. Examinou novamente os olhos e a boca, suspirando enquanto refletia sobre o que detectara.

- Deve ser a doutora Nishi. – o diretor apareceu, com duas enfermeiras ao lado. – É uma honra tê-la em nosso hospital. – ela o cumprimentou formalmente.

– Peço desculpas por estar usando o hospital dessa maneira, dr. Abe. – deixou que ele se aproximasse da maca. - O garotinho é meu sobrinho. Espero que o senhor me permita atendê-lo.

- Por favor, faça o que for preciso. – ele era jovem, talvez da idade do dr. Lee Kang, e parecia sobrecarregado. – As nossas instalações estão à sua disposição. – Shunrei sorriu. – As srtas. Kondo e Maeda vão auxiliá-la. – as duas eram bastante jovens também, recém-formadas pelas contas de Shunrei. – O dr. Yamamoto me disse que a sua especialidade é a neurologia pediátrica, o que é uma felicidade pois o nosso neurologista não está aqui hoje. – ela fez uma nova reverência. – Não vou atrapalhá-la mais. Quando tiver terminado, por favor vá até a minha sala.

Quando o diretor saiu, ela pediu para uma das enfermeiras tirar as roupas de Éden e limpar a perna que seria suturada. Pediu à outra para preparar a medicação intravenosa e o soro. Recomendou firmemente para manipulá-lo com gentileza. Despachou pedidos de sangue, tomografia, ressonância e raio-x dos membros e do tórax.

- Eu gosto muito de vê-la atuando. – Shun comentou baixinho. – É como se ela regesse uma orquestra.

- Ela parece tão tranquila e se move muito rápido. – June a observava com curiosidade. – E a delicadeza com Éden?

Ikki assistia a tudo sem nem piscar. Ele não dissera nada desde o acidente. Shun via a garganta e o peito do irmão se moverem ostensivamente, evidências da sua perturbação.

- Éden, a tia vai mexer, mas logo a dor vai passar, tudo bem? – aplicou a anestesia e suturou os ferimentos, lutando com o tremor na mão. Monitorou a respiração e os batimentos cardíacos enquanto as injeções eram aplicadas. O tempo todo segurava a mãozinha na sua. – Está mais corado. – a expressão dela ficava mais suave à medida que o corpinho reagia. – Você é realmente muito forte. Daqui a pouquinho iremos fazer os exames. - Se afastou para ele ser limpo e vestido com a camisola hospitalar. Só então ergueu os olhos para os amigos. Foi até eles.

- Como ele está? – June apressou-se a perguntar.

- Os ferimentos na coxa e na canela estão limpos e fechados. O braço esquerdo está quebrado. Foi o que ele caiu em cima, não foi? – ela assentiu. – Tem vários arranhões e o braço onde o carro bateu vai ficar bastante dolorido. Vamos fazer uma ressonância para ver como está a cabeça. No meu exame, não aparece nenhuma fratura, apenas os cortes, que sangram muito mesmo. – ela sorriu para eles. – São boas notícias. Ele é um garotinho muito resistente. Vou acompanhar os exames.

Ikki se aproximou da maca, respirando fundo para se acalmar.

- Obrigado, Shunrei, por cuidar do meu filho. – fez uma careta ao tocar a cabecinha. – Desculpe o trabalho quando você ainda está se recuperando. – apontou para a mão rebelde. Ela balançou a cabeça. - Por favor, faça com que ele fique bom. – ela assentiu, notando como as mãos dele estavam trêmulas.

- Farei o meu melhor. – ele notou o tom afirmativo e ergueu os olhos úmidos. – Ele é importante para mim também. – os músculos curvaram os cantos da boca dele. – Assim que tiver novidades, aviso. – ela sinalizou para as enfermeiras e as três levaram a maca.

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- Eiri e Hyoga precisam de espaço para estruturarem a rotina. – Saori comentou, caminhando devagar para o anfiteatro. – Eles foram muito gentis em me receber, mas não me sinto bem ficando lá. Pelo mesmo motivo, também não quero ficar com Shunrei e Shiryu, embora eu queira ficar perto dela.

Seiya suspirou, acariciando com o polegar o dorso da mão que segurava.

- Ainda não consegui fechar negócio. – a voz dele soou insegura. Os dois tomaram banho e, depois de deixarem Kouga brincando com Haruto, aos cuidados dos aspirantes, ele a chamou para conversarem. – E você pensou no meu pedido? – ele pensou ver um brilho nos olhos lilases.

- Sim, eu pensei. – os dedos dela apertaram os dele. – Você acha que realmente pode dar certo? Isto é, ficarmos indo e voltando de Tóquio?

- Foi o que consegui pensar para conciliar as nossas rotinas. – ele ergueu uma sobrancelha. – E Kouga poderá estudar aqui em Kamakura. A nossa casa fica perto da casa de Shun e June. A base ser aqui é melhor para ele, com a presença das outras crianças e...

- A rede de apoio é maior. – ela completou, lembrando-se das conversas anteriores. – Você tem razão, claro. É só que eu ainda não consigo me enxergar aqui, entende?

- Quando você precisar ir a Tóquio, pode ficar na mansão sem se preocupar conosco. – Seiya continuou o raciocínio. – É mais ou menos a mesma situação de Eiri, não é?

- Eiri vai poder trabalhar daqui sem muitos problemas, mas a Fundação não vai mudar de endereço para facilitar a minha vida. – Saori mordeu os lábios. Chegaram ao anfiteatro e ela olhou para a construção impressionante de pedra clara cercada pela mata da montanha. Pararam no meio do palco. – De qualquer forma, não podemos dormir no Santuário para sempre. – os dois coraram levemente.

- Saori, eu...

- Seiyaaa! – Kiki veio correndo. – Srta. Saoriii! – ele parou ao lado deles, respirando com dificuldade. As faces coradas pela corrida intensa. – Aconteceu um acidente!

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- Onde ele está? – Seika passou como um furacão pela porta da emergência. Foi até o pequeno grupo que aguardava na recepção. – Vim o mais rápido que pude.

June e Dohko levaram as crianças embora, de modo que a ruiva encontrou Ikki, Esmeralda, Shun e Shiryu ansiosos. Eles se levantaram ao ver as duas mulheres.

- Ele ainda está fazendo exames. – Shun respondeu após os cumprimentos. - Nós ainda não tivemos notícias.

- Como foi que isso aconteceu? – Miho respirou fundo, os olhos arregalados.

Shun contou a elas e Seika insistia em olhar para Ikki, que permanecia calado.

- Onde você estava, Ikki? – mal esperou Shun terminar a narração para levantar o queixo para o ex-marido. – Como permitiu que isso acontecesse? – Os olhos azuis do homem estreitaram e os lábios se comprimiram, mas ele não disse nada.

- A minha noiva o está atendendo, Seika. – Shiryu informou, querendo preencher o silêncio incômodo. – Ela é neurologista pediátrica. Logo virá nos comunicar as novidades.

- É uma das melhores na área. – Esmeralda completou. – Estive com ela em várias missões da ONU. – ela se calou ao ver o olhar frio da mãe de Éden.

- Como é que eu posso deixar meu filho com você desse jeito? – ela se voltou novamente para o pai de Éden. – Fale alguma coisa! – ele respirou fundo.

- Se você acredita que eu sou negligente com o garoto, não há nada que eu possa fazer sobre isso. – a voz dele estava rouca e baixa. – Não se esqueça que quem pediu para ele morar comigo foi você. – ela abriu a boca de indignação. - Ninguém poderia ter previsto o que aconteceu. Shun já disse que aconteceu em segundos.

- Olha aqui!... – Miho segurou o ombro de Seika, que tinha a respiração descontrolada.

- Seika, estamos aqui pelo Éden. Não adianta brigar pelo que já aconteceu. – a ruiva suspirou, fechando os olhos.

- Ele precisa começar a agir como pai! – exclamou entredentes.

- Desculpem a demora. – Shunrei apareceu e o grupo se voltou para ela. Piscou para as caras nervosas, olhando confusa para Shiryu. Ele franziu os lábios e fez sinal que conversariam depois. – Podem me seguir.

O quarto de Éden ficou apertado quando os adultos entraram. Ele dormia, com uma faixa na cabeça e o braço imobilizado junto ao tórax, engessados, curativos na testa e nas bochechas. Ao vê-lo, as lágrimas brotaram nos olhos de Seika e ela buscou a mãozinha sob as cobertas. Ikki se alojou aos pés da cama e Shunrei foi para o outro lado.

- O raio-x mostrou uma costela trincada, por isso o engessamos desse jeito. – ela começou, acariciando os cabelinhos azuis que espetavam acima da faixa. – Não foi preciso raspar os cabelos todos, apenas na nuca. Coloquei a faixa por causa do ferimento atrás da cabeça. Vai ser retirada em dois dias. Não teve nenhum dano neurológico. – ela sorriu para os pais. – Ele é um garotinho muito forte e resistente. Os ferimentos na perna e o bracinho podem doer bastante quando ele acordar, mas nós vamos administrar. Acredito que em três ou quatro dias ele poderá ir para casa. – fez uma reverência para Seika e Ikki. – Ele vai dormir até amanhã. Se vocês quiserem dormir com ele, eu informarei à enfermagem.

Seika virou os olhos úmidos e vermelhos para Ikki. Aguardou alguns segundos e depois bufou.

- Por favor, doutora, pode informar que eu ficarei. – Shunrei assentiu, saindo.

- Miho, você pode ficar conosco. – Shun ofereceu. – Está muito tarde para voltar a Tóquio.

A morena vigiava a amiga, concentrada no rostinho do filho. Esmeralda e Shiryu permaneciam um pouco afastados.

- Nós ainda não organizamos a casa ou você poderia ficar conosco, Miho. – Shiryu informou ao vê-la encará-lo. – Amanhã trarei você e Shunrei.

A doutora Nishi voltou acompanhada por uma das enfermeiras, trazendo lençóis e uma manta. Apresentou Seika e Ikki para ela, reforçando as instruções para a noite. Informou o número do celular à mãe de Éden, fingindo não ver o mal-estar no quarto.

- O estado dele não é grave e a noite deve ser tranquila. Tente descansar enquanto pode. – Shunrei disse para a ruiva. - Qualquer alteração, pode me ligar. Amanhã logo cedo estarei aqui. – Seika assentiu, suspirando. Os demais se despediram.

Foi uma longa noite.

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Bodhisattva – do sânscrito, 'bodhi' significa despertar e 'sattva' significa um ser senciente. Alguém em busca do despertar, movida por grande compaixão e o desejo espontâneo de atingir o mesmo status de Buda para o benefício de todos os seres.

Mudras Sa Ta Na Ma – meditação que combina entonação de um mantra e a realização de mudras, trazendo equilíbrio mental. SA é o nascimento, o início. TA é vida, existência e criatividade. NA é morte, mudança e transformação. MA é renascimento, regeneração.

Santuário Tsurugaoka Hachimangu – dedicado a Hachiman, o deus patrono dos samurais, o santuário xintoísta tem mais de 800 anos e é considerado a alma de Kamakura. A cidade cresceu em torno dele.

Templo Hasedera – é o templo budista que Shiryu e Shunrei visitam, lar das milhares estátuas de Jizos. Procure as fotos na internet para ver como é belo.

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Olá!

E então, gostaram desse capítulo mais movimentado? Momento de visitarem alguns locais sagrados, cada qual apreendendo o que conseguiu, como disse Shaka. Agora as meninas do orfanato chegaram de vez em Kamakura, por um motivo ruim, mas que poderá ter boas consequências.

Quero agradecer muito a todos que estão acompanhando. Vocês são demais!

Beijos e até o próximo episódio.

Jasmin