EPISÓDIO 9
- Dra. Nishi, eles chegaram. – uma das senhoras da cozinha veio avisá-la no ambulatório.
Shunrei terminava de passar antisséptico no cotovelo arranhado de um dos alunos.
- Pode ir. – encorajou o garotinho de sete anos a levantar e vestir novamente o quimono. – Diga ao mestre Hyoga que você está novo em folha. – piscou para a mãozinha que se ergueu em despedida. – Obrigada, sra. Matsui. Vou até lá.
"Lá" era a maior sala do Santuário, onde estavam os muito agitados recém-chegados estudantes. Assim que Shunrei abriu a porta, o falatório tomou de assalto seus ouvidos. Além das crianças, hoje também era o primeiro dia de aula dos adolescentes. Os garotos mais velhos tinham a missão de trazer a todos em segurança. Ela sorriu ao ver a animação brilhando nos rostos de todos.
- E alguns estavam com medo de ir para a escola, hein? – sua voz ressoou, fazendo Ryuho correr para abraçar sua cintura. – Como foi o primeiro dia? – ela perguntou, abaixando-se para ficar da altura dele.
- Foi ótimo, mamãe! Nós ficamos na mesma sala! – ele apontou para a turminha de onde saíra. – Kouga, Yuuto, Souma e eu.
- E a Yuna e a Arya ficaram na minha turma, srta. Shunrei! – Yuki emendou, feliz. – Éden e Haruto também estão juntos. – apontou para os dois que trocavam impressões encostados no braço do sofá.
- Muito bom! – Shunrei sorriu para eles, passando a mão pelas cabecinhas próximas. – Do jeito que vocês queriam, não é mesmo? Agora, lembram o que combinamos ontem? – o mar de cabelos pretos, loiros, azuis e ruivos assentiu. – Quero que vocês troquem de roupa para as atividades aqui no Santuário. – apontou para os armários baixos, onde estavam os quimonos. – Depois, vão todos para o refeitório tomar o lanche e só depois para cada professor, tudo bem? Ah, e deixem os uniformes e as mochilas juntas!
Como haviam previsto, houve algum tumulto no início, mas logo as crianças saíam em ordem para o corredor.
- Obrigada por ajudarem com elas. – Shunrei se aproximou de Régulus, Selinsa, Yato, Kiki e Teneo. – Espero que não tenham dado muito trabalho na ida e na volta.
- Eles são muito educados, senhorita. – Selinsa comentou. – Não é trabalho algum.
- Ryuho e Yuna pediram para ir com eles até a porta das salas. – Régulus disse, um meio sorriso nos lábios. – Então, acabamos conversando com os professores. Eles já nos conhecem e sabem que somos aqui do Santuário.
- Foi o primeiro dia de Yato e Kiki também. – Teneo lembrou, sinalizando para os garotos, que ficaram imediatamente vermelhos ao serem citados. – Yato ficou conosco e Kiki está na mesma sala da Selinsa.
- Se tiverem qualquer dificuldade, podem falar comigo, tudo bem? – ela e Shun foram encarregados de acompanhar a adaptação à escola e à nova rotina de aulas-treinos-estudos. – Conheço bem a sensação de mudar não só de escola, mas de país também. Quando vim para o Japão pela primeira vez, eu era mais nova que vocês. – ela falava olhando para cada um, sabendo que demonstrar interesse sem imposição era importante para eles nessa idade. - Mesmo que não seja meu dia aqui no Santuário. – piscou para eles.
- Dra. Nishi, - um dos alunos apareceu esbaforido na porta aberta. – pode vir rápido? Parece que Watase torceu o tornozelo.
– O mesmo serve para quem não estreou na escola hoje. – lançou um olhar cúmplice aos veteranos Régulus, Teneo e Selinsa antes de sair.
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# Shunrei Nishi ONU: Acabaram de chegar muito satisfeitos consigo mesmos. Lancharam e agora estão gastando um pouco mais de energia. Já têm dever de casa.
A loira sorriu, vendo a foto das crianças sentadas no refeitório. Reparou que Souma e Éden sentaram-se frente a frente. Suspirou, aliviada pelo primeiro dia estar sendo tranquilo. Ela agradecia ao ver como a relação dos dois irmãos mudou após o acidente. Apesar das personalidades diferentes, ambos passavam mais tempo juntos e Éden descobrira em seu irmão caçula a pessoa a quem queria proteger, como seu pai décadas atrás. Essa descoberta transformara a postura de Éden com o restante da família, como se finalmente ele encontrasse onde se encaixar.
# Esmeralda Reyes 'Imprensa ONU': Maravilha, amiga! Lembra que o jantar hoje é aqui em casa. Fala com a srta. Shaina e o sr. Dohko também, por favor. Já comprei os ingredientes para o ceviche, as enchiladas e o guacamole (1). Quero conversar com você sobre a ida a Tóquio. Pavlin e Yuzuriha se ofereceram para ficar com os meninos. Bom dia aí para você. Se precisar de reforços, liga, ok?
- Ainda bem que o planejamento que fizemos deu certo. – comentou enquanto voltava ao texto que estava escrevendo sobre os santuários xintoístas de Kamakura.
O pequeno escritório montado num dos cantos da sala estava repleto de fotos e anotações. Como imaginara, o melhor horário para trabalhar seria à tarde, quando os rapazes estariam fora. Ela se empenhara para conseguir as encomendas dos sites de turismo e de dois jornais no Peru e no México para falar sobre curiosidades, cultura e atualidades japonesas. As primeiras matérias, sobre o verão e as praias, tiveram boa aceitação e os veículos fecharam pacotes maiores.
- Em algum momento, vou precisar viajar. – pensou alto, sua atenção na música que lhe fazia companhia sempre nos momentos de escrita. Foi abastecer a xícara de chá gelado.
Fora difícil tomar a decisão de mudar de vez para uma pequena cidade japonesa. Ela conseguira boas colocações na imprensa mexicana e começara a ter uma reputação de boa repórter política. Entretanto, não ir significaria perder sua família e Esmeralda se vira na iminência de uma crise irreconciliável com Ikki e Éden. Por isso, ela respirara fundo e propusera a travessia. Ria sempre que lembrava a expressão de surpresa e incredulidade do marido.
- Apesar dos altos e baixos, aqui estamos nós, Ikki Amamiya! – exclamou, os dedos voando rápidos no teclado. – O que não nos mata, nos torna mais fortes.
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# Shunrei Nishi: Acabaram de chegar muito satisfeitos consigo mesmos. Lancharam e agora estão gastando um pouco mais de energia. Já têm dever de casa.
Saori encontrou o ruivinho com as bochechas estufadas e a colher cheia a meio caminho da boca. Sacudiu a cabeça, tentando segurar o riso em meio ao almoço de negócios em que estava.
# Saori Kido: Obrigada, Shu. Estava ansiosa por notícias. Preciso conversar de novo sobre alimentação. Ele pode engasgar se continuar comendo tão rápido assim. Sobre a sua pergunta, sim, claro que vocês podem ficar aqui na Mansão. Vou pedir a Tatsumi que arrume seu antigo quarto. Já organizei acomodações para todos. Bom dia e bom trabalho aí para você! (emoji de coraçãozinho)
- Srta. Kido, o que a senhorita pensa sobre essa proposta? – um dos assessores do seu interlocutor chamou sua atenção. Ela sorriu uma última vez para o rostinho do filho antes da tela escurecer.
- Depende de quanto tempo precisaremos para adequar nossas operações, sr. Soudan. – embora sua expressão fosse neutra, ela registrara a leve repreensão no modo de falar do senhor de cabelos grisalhos. – O que vocês estão propondo pode ser uma grande oportunidade, ou pode nos fazer entrar em uma espiral de erros que nos custaria milhões de dólares.
Saori pediu a uma de suas assessoras para entregar o material onde discriminava tempos de execução, planos de contingência, recursos necessários, receitas alocadas, equipes nas duas empresas e os resultados e métodos de avaliação. Estava mais do que habituada a lidar com assessores que subestimavam sua aparência jovem e feminina. Seus olhos violeta brilharam ao ver as expressões de espanto passando muito rápidas pelos quatro representantes à sua frente.
- Vejo que a senhorita pensou além. – o presidente da corporação lançou um olhar enviesado ao assessor descuidado.
- Apenas tento ser o mais objetiva possível, presidente Nakano. – ela deliberadamente usou seu tom inocente. – Temos muito interesse em trabalhar com o senhor, por isso precisamos alinhar os termos para que sejam vantajosos para ambos.
Ela molhou o sushi e o levou à boca calmamente. Seus advogados e a assessora fizeram o mesmo, deixando-os ler o estudo. Sua mente voltou a Kamakura, lembrando da casinha que ela se esforçara em deixar habitável para Seiya e Kouga. Fazia apenas dois dias que os deixara e a saudade se insinuava a cada momento. Conversavam todas as noites por videochamada, entretanto, ela não sabia até quando poderiam manter as coisas assim. E ela não gostava de situações indefinidas.
Viu os advogados dela e de Nakano conversando em voz baixa.
- Soube que a senhorita vai se casar. – o presidente comentou, se mostrando informado. Ela sorriu.
- Sim. Acho que o senhor conhece o meu noivo, pois sei que gosta de campeonatos esportivos. – ela se divertiu intimamente por mostrar ter essa informação. – Seiya Ogawara.
- O campeão mundial? – o sorriso dela aumentou, agora de orgulho. – Claro que conheço! Nunca vi alguém com a postura de luta dele! – os olhos pretos do presidente se arregalaram, como se a vissem pela primeira vez. - E eu que pensava que a senhorita... Bem, que a senhorita não se interessava por esse tipo de coisa...
- Há muitos anos deixei as boy-bands de lado, presidente Nakano. – ele sorriu de volta. Saori aproveitou a brecha e entrou. Aquele contrato seria assinado hoje.
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# Shunrei 'Shu' Nishi: Acabaram de chegar muito satisfeitos consigo mesmos. Lancharam e agora estão gastando um pouco mais de energia. Já têm dever de casa.
Eiri aumentou a foto para ver Yuna entre Yuki e Arya, os longos cabelos loiros presos no coque que ela pedira à mãe. O rostinho sério, escutando o que Arya dizia. Um sorriso involuntário surgiu em seus lábios.
# Eiri Othonos 'Hyoga': Shu, pode trançar o cabelo dela? Assim, ela consegue mantê-lo mais ou menos limpo. Obrigada pelas notícias! Tenho novidades para você. Vou gravar um áudio.
(áudio) "O colega que está me ajudando com a mudança do registro de Ryuho me disse que o chefe da Vara de Família de Tóquio quer marcar uma reunião com vocês. Eu respondi que na próxima semana será ideal porque vocês já estarão lá para outro compromisso e pré-agendei para às 15 horas. Me fala se concorda. Precisamos marcar uma hora para eu orientá-los, junto com o meu colega. Ele pode fazer por vídeo, basta combinarmos quando será, ok? A ex-esposa de Shiryu ainda não respondeu ao convite para se pronunciar sobre a petição. Se continuar assim, será mais fácil, como te expliquei. Espero as definições de vocês do dia e horário para a entrevista na Vara de Família e para a nossa reunião preliminar. Beijos."
Deixou o celular na mesa e se espreguiçou, estalando as articulações. Girou a cadeira no pequeno escritório que ficava em cima de uma padaria, abrindo a janela para deixar entrar ar novo e o cheiro convidativo de pão recém-assado. Decidira começar os atendimentos com horários espaçados para ter tempo de estudar e conhecer melhor as leis japonesas relacionadas ao Direito Civil. Embora seu foco fosse tratar casos de Direito Internacional, quanto antes entendesse a legislação local mais rápido se tornaria conhecida. Eiri se inscrevera em cursos de atualização e extensão à distância da Universidade de Osaka e dedicava metade do seu dia a eles.
- Pode ser que esse arranjo funcione mesmo. – comentou, observando as pessoas entrando para comprar os produtos deliciosos. – As Moiras (2) deviam estar de bom-humor quando teceram o nosso encontro, sr. Yukida.
Lembrava-se do longo namoro que tivera antes de Hyoga e como quase se casara apenas para as famílias pararem de insistir. Seu ex jamais dividiria a responsabilidade por cuidar de uma filha com ela. Ele tinha a mentalidade de que o homem provê e a mulher cuida dos assuntos domésticos. Duas semanas depois de terminar com o sujeito, conhecera Hyoga e sua vida mudara 180°.
Aproveitou a tarde para conversar também com a sessão de adoção internacional de Seul sobre os processos de Yuna e Kouga.
- Junto com o marido, veio uma família enorme e tão barulhenta quanto a minha grega. –procurou o porta-retrato que acrescentara hoje ao aparador ao lado da mesa. Era uma selfie dos três deitados na praia, acenando alegremente. – Nossa primeira foto de lazer.
A campainha tocou e o casal de clientes buscando orientação sobre exportação para a Europa entrou.
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# Shunrei Nishi 'Neuro': Acabaram de chegar muito satisfeitos consigo mesmos. Lancharam e agora estão gastando um pouco mais de energia. Já têm dever de casa.
Shun viu a mensagem piscar na tela. Calculou quanto tempo demoraria para Yorie se cansar da brincadeira que inventara para entretê-la enquanto estudava e buscou os filhos pelas mesas. Yuuto, entre Souma e Kouga, parecia contente. Ele estivera ansioso na noite anterior, pois era o único da turminha que já conhecia o colégio e queria que todos ficassem na mesma sala. Yuki chamava a atenção de Yuna e Arya com alguma observação interessante.
# Shun Amamiya 'Medicina': Notícia boa. Vou deixar tudo preparado para eles fazerem os deveres assim que chegarem. Estou lendo a respeito de técnicas para tonificação de músculos paralisados, Shunrei. Acredito que vai ser bem útil. Podemos conversar com o dr. Heo Im no final da semana, que tal? Se precisar de qualquer coisa, me ligue. Bom dia e bom trabalho!
O pai suspirou, sabendo que teria que lidar com a insatisfação da caçula. Yorie se sentia excluída por ser a mais nova e agora seria mais complicado.
- Nós vamos precisar de muita paciência e atenção. – ele comentou para si mesmo, vendo a cabecinha verde aparecendo do sofá onde ela estava montando um quebra-cabeças de peças enormes comprado pela mãe. – Filha, como está indo aí? – projetou a voz para o outro lado da sala.
A pequenininha levantou o rosto e sorriu para ele.
- Logo vai ter um abacaxi! – Shun fez um joinha com o dedo.
- Mais um pouco e vamos preparar o lanche, tudo bem? – ela balançou a cabeça. – Aí você me mostra até onde conseguiu montar.
Ele se inscrevera numa especialização em medicina tradicional com 70% de aulas à distância. A parte prática seria presencial durante alguns dias a cada três meses. Se as coisas se mantivessem como agora, conseguiriam conciliar com o treinamento de June e as necessidades das crianças.
- Pelo menos não preciso me preocupar mais com Ikki. – a mudança na família do irmão o deixara mais tranquilo. Descobrira que a melhor tática era apoiar a cunhada, pois, apesar de terem muita afinidade e dizerem as mesmas coisas, Esmeralda tinha uma ascendência sobre Ikki que ele jamais conseguira.
- Papai, quando vamos lá para o Santuário? – Yorie perguntou, rolando de um lado para o outro no chão, claramente entediada.
- Só no final da tarde, Yorie. – ela suspirou, imitando o comportamento da mãe. Shun segurou-se para não rir. – Que tal fazer um desenho para dar de presente para a mamãe? – ela piscou os olhinhos verde-claros, pensativa. – Pode usar os gizes de cera. – apontou para a mesinha embaixo da escada, cheia de potes de lápis de cor, canetinhas, giz de cera e pilhas de papel colorido.
Shun teria que renovar seu repertório de atividades infantis se quisesse acompanhar a turma da especialização.
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- Dra. Nishi, eles chegaram. – a enfermeira comunicou pelo telefone.
- Já estou indo, sra. Fujita. – ela terminou o e-mail de resposta a um caso apresentado pela sua querida Unidade Especial de Pesquisa a Traumas Neurológicos Infanto-Juvenis, comentando sobre as propostas de tratamento. – Peça para eles aguardarem já com as fichas dos pacientes, por favor. - respirou fundo, descendo as escadas para encontrar, no andar de internações, os dois residentes que chegavam hoje ao hospital.
A moça chama-se Nyan Aqueronte e o rapaz era Kiew Durahan e ela pensou como eles pareciam jovens e assustados. Eles a cumprimentaram formalmente, a ansiedade palpável no ar.
- É uma grande honra conhecê-la, dra. Nishi. – os cabelos alaranjados de Nyan estavam presos num rabo-de-cavalo apertado, deixando seu semblante animado em evidência.
- Desculpe o atrasado. Ainda não estamos familiarizados com a cidade. – Kiew ajeitou os óculos redondos no rosto afilado e curioso.
- Por hoje, passa, mas preciso que estejam aqui no horário, pois o tempo dos pacientes e o nosso é valioso. – ela assistiu as faces ficarem brancas com a repreensão. - Vocês estão na pensão que indiquei? – eles assentiram e Shunrei começou a caminhar para a visita matinal aos pacientes. – Só estou aqui há três semanas e não todos os dias, por isso, além de mim vocês estarão sob a supervisão do chefe da Neurologia. Temos outros dois residentes veteranos que vocês acompanharão nos casos simples. Nosso primeiro paciente do dia. – parou em frente ao quarto de um garotinho de quatro anos com trauma na coluna por ter caído da escada.
A ronda durou duas horas, com os residentes anotando nas fichas as recomendações da doutora. Eles tinham vindo de Osaka especialmente para passar seis meses aprendendo com Shunrei. Inicialmente, iriam para Gangseo-gu, mas quando descobriram que ela estava mais próxima, insistiram bastante até conseguirem permissão da Universidade e do hospital. Entre um paciente e outro, ela estimulava que eles lhe fizessem perguntas e expusessem suas dúvidas.
A acompanharam também durante as consultas à tarde e no almoço. Shunrei tomara a decisão de passar o maior tempo possível com eles em reconhecimento pelo esforço e persistência. Os dois a lembravam de si mesma quando teve oportunidade de aprender com o autor de seu livro favorito sobre técnicas de cirurgias em crianças menores de 1 ano de idade.
De repente, numa noite em que voltava para casa após deixá-los na pensão perto do hospital, ela se deu conta de que sua vida estava novamente em movimento, embora em um nível diferente da Coréia. Sentia-se cansada física e mentalmente só que de um jeito que a deixava tranquila e não angustiada como estava ao tatear a esmo em seus primeiros dias no Japão.
- É porque me sinto útil, sinto que estou seguindo em frente. – ela relaxou no volante, deixando a música suave de Joe Hisaishi (3) entrar em seus nervos. A paisagem já tão familiar acalmando seus sentidos. – E também porque os tenho na minha vida.
Quando estacionou o carro e entrou em casa, o burburinho da conversa de Dohko e Shaina na cozinha aqueceu seu coração. Viu Shiryu revisando a tarefa da escola com Ryuho na mesa, antes do Mestre expulsá-los para servir o jantar.
Nessa noite, a palavra gratidão passou a ter um significado mais profundo para Shunrei, caminhando junto com generosidade e força de vontade.
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A porta da emergência estava tranquila àquela hora. Os últimos raios de sol tingiam os telhados ao redor e ela observava as pessoas passeando pela calçada aproveitando os momentos finais do domingo. Fora um dia particularmente cheio, com duas emergências graves, que a fizeram lembrar do Hospital Graad. O horário de saída fora adiado em várias horas e ela chegou a dizer que tomaria um táxi, mas ele não aceitou.
Tivera o cuidado de levar o vestido de bolinhas brancas em fundo rosa-chá e os sapatos brancos de salto quadrado emprestados de Eiri para o hospital. Resolvera colocar os brincos e o colar de pérolas rosas que o noivo lhe presenteara. Sorriu ao ver o carro estacionar e ele descer, de calça e terno pretos e camisa de seda roxa, os cabelos brilhantes balançando com o movimento do corpo. Trazia um buquê de tulipas vermelhas.
- Qual é a ocasião? – Shunrei prometera não perguntar, mas ele não se aborreceu. Shiryu a abraçou.
- Iniciando uma tradição. – ele sussurrou, sentindo o perfume da nuca dela. – Quero apenas passar um tempo nós dois. – abriu a porta do carro e estendeu-lhe a mão. – Confia em mim? – o sorriso dela ficou maior. – Fiquei esperando o momento certo e, como ele estava demorando, resolvi criar um.
Ele a levou a um pequeno parque no alto de uma das colinas ao redor da cidade. A estrada sinuosa e arborizada estava movimentada.
- Nunca viemos aqui. – Shunrei admirava a paisagem, com árvores muito altas em bosques que pareciam intocados pela humanidade.
- É um lugar que não está nas rotas turísticas mais populares. – Shiryu não queria falar muito. A surpresa sempre fora o melhor.
O estacionamento estava quase cheio. No caminho até o mirante, as lamparinas cor de âmbar iluminavam as barraquinhas de comida e cerâmica artesanal. Shunrei viu algumas esculturas em pedra e trabalhos em madeira que a impressionaram. Diversas barraquinhas de bordados em tecidos finos, quimonos cerimoniais, pentes de jade e braceletes de prata com intrincados e delicados detalhes de flores e pássaros mitológicos. Duas vendiam pipas e lanternas de papel de diversos formatos. Shiryu comprou várias pipas e duas lanternas grandes com aparência de lótus com dezenas de pétalas.
Eles caminhavam devagar, de mãos dadas, conversando com os comerciantes, comprando espetinhos de peixe ou camarão. Shiryu pegou o contato da senhora dos quimonos e da família que vendia namagashi. Pararam para tomar chocolate quente com conhaque e morango quando a temperatura esfriou.
- Está gostando? – ele perguntou, ajudando-a a vestir o casaco azul-escuro. Seu coração batia forte e ritmado pelo contentamento que sentia.
- Não sabia que você era tão romântico. – os enormes olhos azuis transbordavam carinho e alegria ao fitá-lo.
Eles quase não falavam, absortos na presença um do outro e no ambiente em volta. A sensação muito forte de estarem sós. Ao pôr-do-sol, a neblina tomou conta dos vales abaixo e eles tiveram a impressão de flutuar entre as nuvens douradas.
Shiryu a guiou por uma escada até uma comprida plataforma de madeira, reunindo-se a dezenas de pessoas posicionadas. Shunrei só sabia que havia um curso d'água pelo som úmido e macio. Eles se sentaram bem perto da margem e, quando o sol desapareceu de vez, começou. As pessoas acendiam suas lanternas e as soltavam no riacho escuro. As luzes vinham também da outra margem. Ela prendeu a respiração acompanhando a descida suave da procissão luminosa, se espalhando por toda a superfície da água. Shiryu acendeu as lanternas e a segurou pela cintura para ela depositá-las na água, impulsionando-as para se unirem às centenas de outras.
- É como flutuar no Universo. – Shunrei murmurou, assombrada pelo reflexo das luzes na água e as estrelas no céu. Ele apoiou o rosto no ombro dela, deslizando as mãos por sua cintura.
- É assim que eu me sinto quando tenho você nos meus braços. – ela sentiu o rosto queimar, mordendo os lábios.
Os dois ficaram até as últimas lanternas desaparecerem colina abaixo, compartilhando o silêncio e o calor.
- Precisamos voltar ou a estrada vai ficar perigosa. – a voz dela soou contrariada.
- Tem razão. – ele a ajudou a levantar. No caminho para o estacionamento, recolheram os pacotes que encomendaram, mas, ao invés de tomarem o caminho de volta, o carro subiu mais a colina, indo por uma estrada estreita até alcançar um prédio comprido, de três andares. – Sabia que poderia haver neblina, então reservei um quarto para nós. – pelo comboio de faróis, eles presumiram que outras pessoas tiveram a mesma ideia.
O saguão do hotel tinha o pé-direito duplo e bem iluminado, mesmo à noite. Shunrei deduziu que a abóboda no vão central iluminaria todos os andares com luz natural durante o dia. Não era o tipo de lugar que eles costumavam frequentar e ela precisou afastar o pensamento de que Julian Solo se sentiria à vontade. Shiryu parecia tão feliz por levá-la ali, então ela decidiu não se preocupar com nada.
Os quartos eram grandes e confortáveis, em estilo ocidental, com antessalas com poltronas em madeira escura, mesa para refeições e roupas de cama imaculadamente brancas com delicados pássaros e flores bordados em dourado e prata.
Assim que entrou, Shunrei soube que Shiryu estivera ali antes. Não pelas tulipas em vasos sobre as mesas laterais da cama, nem pelo balde com champanhe e as frutas cobertas de chocolate ou a iluminação indireta que deixava o ambiente numa penumbra acolhedora. Foi a frase escrita na caligrafia fluída do noivo num cartaz sobre a cabeceira.
"Onde não há tempo e nem espaço."
- Era exatamente a reação que eu queria. – ele sorriu ao ver os lábios dela se moverem em um "uau!" silencioso. Capturou os ditos lábios com os seus, fazendo-a cair sobre o edredom fofo. – Podemos ir rápido ou devagar. – ela corou, envolvida pelo brilho quente dos olhos verdes.
- Que tal se formos medindo a temperatura? – Shiryu estava ajoelhado sobre ela e achou adorável a expressão de confusão que surgiu no rosto da noiva. – Você não vai mesmo me contar a razão disso tudo? – a boca dele passeou pela face dela até sua orelha, que ele mordeu de leve, provocando um gritinho de surpresa.
- Percebi que nós já podemos fazer amor a noite toda. – desabotoou os primeiros botões do vestido, beijando o pescoço, encorajado pela respiração pesada de Shunrei. – E pensei que você gostaria de não precisar se conter. – desafivelou o cinto e terminou de abrir o vestido rosa, revelando a lingerie estampada de borboletas e abelhas. – Fiz mal? – ele ouviu a risada abafada e voltou aos olhos azuis. Dessa vez, as línguas se encontraram e Shiryu arrepiou com as pontas dos dedos roçando a pele de seu peito enquanto ela abria sua camisa, deslizando as mãos pelos ombros e braços para despi-lo.
- Quero rápido. – Shunrei declarou, apertando seu corpo contra o dele. Inclinou-se para deixá-lo apenas de cueca e ia tirá-la também quando Shiryu suspendeu seu sutiã, apertando, mordendo e lambendo os bicos extremamente sensíveis dos seios. Ela ofegou, entranhando os dedos nos cabelos sedosos, estremecendo várias vezes. – Assim. – ela murmurava o incentivo para a mão dele continuar o caminho pela sua barriga e para dentro da calcinha.
- Você já está molhada. – ele disse com a boca na dela. Shunrei começava a emitir gemidinhos abafados. – Não precisa conter a sua voz. Só eu vou ouvi-la. – dois dedos deslizaram para dentro dela.
Os corações deles pulsavam em todas as extremidades dos corpos. A mente dela estava em branco, seus músculos das mãos e pés contraindo cada vez que ele mexia a mão ou a língua. O corpo dele se excitava inteiro ao ver a reação que causava, a boca grudada nos seios e a mão provocando aqueles gemidos que o deixavam fora de si. As respirações estavam quentes e curtas, rápidas como o sangue correndo até as plantas dos pés e o alto das cabeças.
- Se você fizer assim, eu vou gozar! – ela exclamou, segurando o braço dele, que intensificou o movimento. – Eu vou... Eu vou... – os olhos azuis vidraram e todo o corpo dela retesou, subindo alguns centímetros impulsionado pelas pernas tensionadas, caindo com um baque no colchão. Ela só percebeu que gritara ao tentar recuperar o fôlego.
- Gosto tanto da sua expressão nesses momentos. – o comentário a fez ficar mais vermelha, embora ele não desse tempo para protestos. Tirou-lhe a calcinha e passou a beijar o interior das coxas. – Se você sentir qualquer incômodo, me avise.
Ondas de choques quentes inundavam seu corpo à medida que a língua dele a explorava.
- Shiryu, eu acabei de gozar. – ela tentou ponderar, embora seu corpo se abrisse para ele. – Não precisa... – voltou a gemer alto quando a língua entrou dentro dela. Suas mãos seguravam a cabeça dele. Suas pernas tremiam e os choques se intensificaram, mergulhando sua mente numa nuvem quente e opaca. Ele segurou seus quadris com firmeza ao sentir o orgasmo fazer o corpo dela se esticar e sacudir.
As mãos de Shiryu correram o abdômen, subindo para sentir as costelas expandindo e contraindo, verificando se não havia sinal de dor. Seu corpo estava tão quente e tenso que ele mal conseguia raciocinar. O cheiro e o gosto dela acendiam um fogo que se espalhava do seu peito em todas as direções. Se ajoelhou entre as pernas ainda trêmulas, seus dedos também trêmulos com dificuldade em tirar a cueca box preta. As mãos de Shunrei afastaram as dele com delicadeza, despindo-o completamente.
- Eu quero você. – ela declarou com naturalidade. Ele acariciou os cabelos curtos, segurando-a para beijá-la com muita fome. – É quase como a nossa primeira vez. – ela riu quando ele a deitou, acomodando suas coxas sobre as dele.
- Você está pronta? – havia um leve tom de divertimento nos olhos verdes faiscantes. Ela moveu os quadris de encontro aos dele.
- Você está sendo mau de propósito. – os dois gemeram alto quando ele entrou de uma vez. Shiryu começou a se mover devagar, atento ao rosto corado dela. Apoiou as mãos ao lado dos ombros de Shunrei.
- O seu interior está quente e molhado. – ele murmurou, a voz entrecortada. – E está pulsando muito.
- Isso está ótimo. – Shunrei enlaçou seu pescoço, trazendo-o para beijá-lo. – Sinto você crescer dentro de mim. Está muito fundo. – as bocas tremiam, roçando uma na outra. As respirações se misturando.
- Me excita muito ver você assim. – eles intensificaram os movimentos. – Se você continuar me apertando, eu vou gozar rápido. – ele ofegava, estimulando os pontos sensíveis dela.
- Sinto que vou derreter! – ele estreitou o contato dos corpos, desejando como nunca se fundir com ela. – Eu não aguento mais!
- Também estou no meu limite! – o orgasmo veio como um jorro de energia incrivelmente intenso, fazendo os músculos convulsionarem e os gemidos ecoarem pelo quarto. Shiryu caiu sobre Shunrei, o suor fazendo as peles deslizarem.
Eles conseguiram se mexer voluntariamente à medida que as ondas de tremores diminuíam.
- Está com fome? – Shiryu pegou o balde com as taças e a caixa de frutas cobertas de chocolate. Colocou uma cereja na boca dela, sugerindo mastigar com o champanhe. – Bom? – Shunrei fez o mesmo, escolhendo algo parecido com um gomo de laranja para ele.
Ela abrira a cama e os dois entraram embaixo do edredom, brincando de explorar os sabores doces e azedos com a acidez do champanhe.
- Admito que você conseguiu me surpreender, sr. Suiyama. – os olhos azuis cintilavam ao oferecer-lhe um morango. – Espero que esse chocolate não esteja te tirando da dieta ou o Mestre vai pegar pesado com você. – ele sorriu, beijando-a, movendo os lábios em carícias pelo rosto delicado e ainda afogueado dela.
- Foi o Mestre quem sugeriu que nós saíssemos um pouco. – Shunrei balançou a cabeça, rindo. – Ele disse algo como "vocês parecem um casal de mais de 50 anos, só indo do trabalho para casa". – ela riu mais da imitação da voz de Dohko. Os cabelos pretos ainda estavam úmidos de suor e o cheiro forte de Shiryu dominava os sentidos dela. – Quando é que você vai se casar comigo?
Shunrei prendeu a respiração pela pergunta inesperada, sentindo a mão quente do noivo pousada em seu joelho. Resistiu à tentação de quebrar a conexão com os olhos cujas pupilas tomavam quase todo o verde. Instintivamente, passou os dedos pelos cabelos ainda curtos demais para ela, roçando a incômoda cicatriz do lado direito, escondida pelos fios pretos.
O peito de Shiryu mostrou-se resistente por não rasgar com a violência das batidas de seu coração. Manteve a expressão neutra enquanto esperava ela terminar de lhe mostrar toda a fragilidade que escondia no dia-a-dia. Ele pensava no quanto ela confiava nele por permitir que ele soubesse o que ainda a machucava.
- Pensei em esperar um pouco. – Shunrei começou. – Esperar os cabelos crescerem mais um pouco, para que eu queira sair nas fotos. – tentou sorrir, embora ele não a acompanhasse. – Fazer mais alguns exames...
- Eu não quero esperar. – Shiryu a interrompeu. – Sinto que você está me enrolando. Por que está fazendo isso? Desistiu de casar porque viu que a minha vida não é aventureira nem excitante como você imaginava? – bebeu de um gole o restante do champanhe e tirou balde, taças e pratos da cama. – Isso é muito injusto, se quiser saber. – ela gaguejou algumas sílabas. – Você se arrependeu de ter vindo comigo? – ela negou com a cabeça. – Eu não quero saber de exames. Vou dizer quantas vezes for preciso: é você que eu quero. É a mulher perfeita para mim. Pare com essa bobagem.
Shunrei o beijou para calá-lo. Atirou-se contra ele e sua boca pressionou a dele a se abrir para sua língua.
- Você fala demais. – sua mão começou a tocá-lo, envolvendo-o e movendo-se devagar. Shiryu gemeu e a apertou contra si. – Vamos nos casar daqui há dois meses. Está bom assim? – ele engoliu em seco, a respiração aos solavancos porque os dedos finos acariciavam pontos sensíveis. – Eu mal toquei e já está pronto novamente.
- Que dia? Onde? – ele tateou e começou a manipulá-la também, sentindo a umidade em seus dedos aumentar à medida que a acariciava e provocava. – Você está tão sensível que meus dedos deslizaram facilmente. – os quadris dela começaram a se mover sob sua mão e ela apertou mais os dedos em volta dele, acelerando o movimento de subir e descer.
- No aniversário do Mestre. – ela ofegou cada sílaba. – Na arena do Santuário. – sua outra mão segurou o braço dele para não cair. – Quero meus amigos aqui. – a respiração deles se misturava na curta distância entre os rostos. – Devemos fazer de novo? Vamos nos atrasar amanhã.
- Não precisamos estar cedo no Santuário. Amanhã não teremos aula por causa da cerimônia. – ele lembrou, puxando-a para sentar em seu colo. – Quero que você o coloque. – ela piscou, rosto ainda mais vermelho, e o atendeu. Gemidos longos e guturais até que ele estivesse completamente dentro dela. Shunrei abraçou-o pelo pescoço, sentindo todo o seu interior tremer.
- O Mestre cuida de Ryuho. – as mãos dele subiram por suas coxas e bumbum. – Está muito fundo. – gritou a última palavra porque ele começou a chupar os bicos dos seios ao mesmo tempo que se mexeu. – Vamos devagar?
- Você está me apertando e pulsando em ondas ao meu redor. – ele a abraçou, lambendo seu pescoço e mordiscando sua orelha. - Temos a noite inteira.
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(1) Ceviche, enchiladas e guacamole – comidas típicas do Peru e do México. Gosto de pensar que o pessoal do Santuário mantém uma ligação gastronômica com suas terras natais.
(2) Moiras - as três irmãs Deusas que, na mitologia grega, determinam o destino tanto dos mortais quanto dos Deuses. Elas fabricavam, teciam e cortavam o fio da vida.
(3) Joe Hisaishi – compositor de várias trilhas sonoras. Minhas prediletas são as das animações do Studio Ghibli. Obras-primas do cinema mundial. Procure Joe Hisaishi em Budokan e seja feliz! Já apareceu na primeira temporada. ;-)
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Olá!
Chegamos à metade da história. Quis deixar esse episódio quase totalmente do ponto de vista da Shu para mostrar que ela está conseguindo se estruturar física e emocionalmente. E também trazer um Shi mais aberto e ousado. O relacionamento dos dois evolui à medida que os dois amadurecem, com a convivência com a grande família Santuário.
Confesso que a história está indo diferente do que eu imaginei e estou animada com ela. Ainda temos mais um tempo para acompanhar a jornada de cada um, então continuem por aí!
Beijos,
Jasmin.
No próximo episódio:
"Ele não se esquecera da emoção e dos detalhes da cerimônia de investidura das constelações. Nas memórias do Shiryu de 17 anos, as tochas brilhando na escuridão do Santuário espelhavam as estrelas no céu. O coração dele batia tão forte que seus pulmões quase não conseguiam respirar. As pernas tremiam, mas os passos eram firmes. Sensações que ele imaginava estarem acometendo os aspirantes que caminhavam nas fileiras do meio."
