EPISÓDIO 12
- Foi uma ótima noite. – Yuzuriha comentava enquanto escolhia uma das fatias de carne que chiavam na churrasqueira no meio da mesa. Embrulhou na folha de alface e colocou inteira na boca.
- Havia tanta gente ali. – Pavlin passou os palitos de cenoura e pepino no molho antes de morder. – Não esperava algo desse tamanho.
- Para o primeiro evento de vocês, foi excelente! – Dohko os levou para relaxarem num restaurante coreano perto da mansão Kido. Os jovens estavam eufóricos e ele acertou ao ver que não conseguiriam dormir antes de extravasar tanta energia. – A comida é boa, não é?
- Que saudades de kimchi! – Yato respondeu, escolhendo porções generosas de todos os pratos da mesa, fazendo o Cavaleiro de Libra sacudir a cabeça, rindo.
Apesar de não ter sido do mesmo tamanho que o da semana anterior, a imprensa, os fãs e convidados marcaram presença, provando que a estratégia de levar os mais jovens junto com os que tinham experiência em competições independentes fora boa. Se na estréia os holofotes se voltaram para competidores já conhecidos pela Federação, as novidades do Santuário tiveram chance de brilhar dessa vez.
- De forma alguma. – Mu conversava com Pavlin. – Você demonstrou muita maturidade. As suas respostas foram na medida certa. – o tom de voz tranquilo e seguro do Cavaleiro de Áries combinava com sua postura serena, que fizeram a Amazona de Pavão buscar estar perto dele durante todo o evento. – Precisa ter mais confiança em mostrar os seus conhecimentos.
- É diferente de falar para um auditório ou uma banca julgadora na faculdade. – a loira ponderou, provando um dos empanados. – Pensei que não ficaria intimidada, mas foi difícil lidar com a proximidade e as perguntas.
- Pavlin, você não deve temer mostrar a sua competência. – Milo interveio, bebendo um gole de soju. – Todos vocês são grandes lutadores, estejam sempre cientes disso. Existe um orgulho em ser Amazona e Cavaleiro do Santuário que precisa estar presente em todos os momentos.
Dohko trocou um piscar de olhos com Saori, sentada ao lado de Shaka e Yuzuriha.
- Sim, foi satisfatório. – O Cavaleiro de Virgem respondia em voz baixa, aguardando sua porção de legumes grelhar. – Espero que tenha tido boa receptividade da Federação. – ele meneou a cabeça, com certeza se lembrando da curiosidade que despertara nas convidadas mulheres, que não se cansaram de tirar fotos e lhe pedir autógrafos. – Acredito que a minha segunda participação foi o suficiente.
- Com certeza. – Saori apressou-se a dizer, tocando a mão pousada sobre a mesa e fazendo-o abrir ligeiramente a boca. – Sei que você prefere a meditação e a conversa mais íntima, por isso aprecio ainda mais o seu esforço. – o elogio o deixou confuso por um instante, mas ele ergueu uma sobrancelha e agradeceu com uma leve reverência, colocando uma colherada de sopa na boca.
- Foi bom termos vindo na primeira. Facilitou muito. – Orfeu comentou, sentado de frente para Shion no centro da mesa. O Cavaleiro de Lira pegou um camarão grande e montou sua trouxinha com alface e molho de grão de bico. – E as outras patrocinadoras também levaram seus lutadores das mesmas categorias que nós, diferente da estréia. – Shion concordou com um aceno.
- Agora vocês estão apresentados para toda a comunidade das artes marciais. – o Grande Mestre aproveitara a viagem de Kamakura para Tóquio para interagir com os novos integrantes da equipe profissional, deixando-os mais à vontade. Em geral, os jovens tinham pouco acesso a ele. – Como se sentem?
- Com vontade de vencer. – Eurídice respondeu com naturalidade. Não sabia se gostara do pedaço de kimchi e se segurou para não fazer cara feia com os olhos dourados de Shion sobre si. Engoliu rápido e seus olhos encheram de água. – De mostrar o nosso valor. – precisou tomar um copo de água para parar a tosse.
- É assim que se fala. – Shion entregou um lenço para a Amazona de Lince. – Este ano, há mais lutadores e mais dinheiro envolvidos, por isso a pressão será grande. Não permitam que o espírito de vocês tenha dúvidas sobre suas prioridades.
- Nossa prioridade é não deixar ninguém do Subway Army, da Atlantis Team ou da Northern Lights Enterprises passar. – a Amazona de Grou bateu na mesa, fazendo todos pularem da cadeira.
- Você quase me matou de susto, Yuzuriha! – o Cavaleiro de Unicórnio deixou cair seu pedaço de carne no copo de soju. Trovejou com uma expressão de espanto e incredulidade, fazendo a mesa inteira rir.
Foram os últimos a sair do restaurante, já madrugada avançada e tiveram que ficar um dia a mais na capital. Aproveitaram para comprar os presentes de casamento. Dohko passou horas no escritório da mansão, fazendo diversas ligações até conseguir contato direto com Rozan e enviando telegramas para várias cidades japonesas.
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- O que estão fazendo aqui? - a dra. Nishi estranhou os dois estarem na sala de reuniões àquela hora. Franziu a testa para o que lhe pareceu o ocultamento de um celular. – Já souberam o resultado da tomografia do paciente da enfermaria 4?
Shunrei conseguia ver as engrenagens do cérebro deles girando para sintonizar o que ela falava. Não sabia definir bem a impressão que tinha deles após as semanas de trabalho em conjunto. Algo na forma como a olhavam a incomodava, embora sua percepção estivesse turva.
"Deve ser a ansiedade." Passou o dedo no metal do anel de noivado. "Preciso melhorar a minha atenção no que estou fazendo no momento presente."
- Desculpe, doutora. - Nyan Aqueronte se recompôs primeiro, revisando o celular em busca da informação. Trocou um olhar com Kiew Durahan e os dois se levantaram para segui-la pelos afazeres no hospital.
Foi apenas uma impressão, pois ela não viu, mas a neurologista começou a sentir que era observada. Quando se virava, no entanto, era apenas os dois residentes tomando notas sobre os pacientes e tratamentos.
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O intervalo do almoço, já movimentado no refeitório, tornara-se um desfile de novos rostos e as mesas estavam cada dia mais concorridas. Se formou uma onda de procura pelo Santuário tanto de alunos novos quanto de pessoas que queriam retornar. A organização das turmas e a seleção dos candidatos foram assumidas pessoalmente por Shion e Camus.
- Visibilidade é fundamental hoje em dia. – era o mantra de Camus, responsável por acompanhar as publicidades da Federação e da Fundação Graad. Ele encarregara Teneo, Selinsa e Yuzuriha das redes sociais do Santuário e o engajamento crescia à medida que as propagandas, entrevistas e posts eram compartilhados. - Todo mundo precisa ter Twitter e Instagram hoje em dia. E usar! – era o outro mantra do Cavaleiro de Aquário.
O retorno de Jabu Kondo, por exemplo, fora seguido pelo de seus amigos Nachi, Ichi, Ban e Geki. Eles iniciaram o treinamento quase ao mesmo tempo que Shiryu, Seiya, Shun, Hyoga e Ikki, mas tomaram rumos diferentes na vida. Agora voltaram para ter aulas com Ikki, que assumira as turmas de jovens que já tinham experiência com artes marciais.
Outros antigos membros do Santuário precisavam ser novamente acomodados. Por mais que tivessem sido Cavaleiros e Amazonas no passado, deviam passar novamente pelo processo de treinamento, aspiração e investidura.
Numa manhã bem cedo, a campainha tocou e entraram os gêmeos Saga e Kanon Galanis. Eram tatuadores e astrônomos amadores e haviam defendido o Santuário em muitos torneios ao lado de Dohko, Shion, Camus e Marin, mas se ausentaram do país por um período. Ao voltarem, montaram uma loja perto da Sociedade Galáctica Kamakura. Eles eram idênticos à primeira vista e o que os diferenciava era a tonalidade dos bastos cabelos azuis. Kanon tinha os fios mais claros que os de Saga.
Depois, vieram, um por um, muitas vezes envergonhados pela forma como se desligaram anteriormente, outras vezes curiosos sobre a popularidade do Santuário. Afrodite Norgaard chegou com seus dois empregados de sua famosa confeitaria e sorveteria, Misty e Jamian. Shura Navarro veio de Tóquio, onde atuava como ferreiro especialista em forja de espadas para produções cinematográficas e competições. Massimo di Medici e Aldebaran Costa, donos de um restaurante de comida brasileira e italiana em Enoshima, foram os últimos a retornar, junto com seus funcionários Algol, Asterion, Dante e Ptolemy.
Encontraram o Santuário efervescendo, com muita gente pelos corredores, treinamentos e aulas desde às 05 da manhã até depois do pôr-do-sol. Pessoas de várias idades e nacionalidades. Os pedidos de internato começaram a ser negados por falta de vagas, fazendo crescer a demanda nos pequenos hotéis e casas de aluguel próximas. Muitos aspirantes montaram repúblicas para dividir as despesas.
Em poucas semanas, eram mais de 600 pessoas recebendo instruções na nova sensação das artes marciais japonesas. A lista de espera tinha perto de 450 nomes.
Quem estava retornando foi recrutado para montar a estrutura de tenda, mesas e cadeiras, a decoração com flores e folhagens da estação e os arranjos para o casamento. Também ajudaram a trazer as imagens dos kami para o templo do lago e organizar o espaço para a cerimônia. A comida fora encomendada do restaurante de Massimo e Aldebaran; o bolo, os doces e petiscos da loja de Afrodite. Como uma das atrações, Saga, Kanon e a srta. Serenity Elián, que vinha assistir aos treinos dos dois alternadamente, fariam retratos ou caricaturas para os convidados.
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- Você está acompanhando bem a turma, Kiki. – Shunrei terminou a revisão da redação do adolescente, devolvendo o caderno. – Precisa tomar cuidado apenas com a caligrafia. Mesmo os professores permitindo que você responda em inglês, precisa se esforçar para fazer a transição para os kanji. – o ruivinho coçou a nuca, sinal que estava encabulado. Não pela primeira vez, Shunrei pensou o quanto ele parecia mais novo do que era. – Teneo vai continuar ajudando você. – acenou para o moreno sentado do outro lado do indiano.
Eles aproveitavam os finais de tarde, quando o movimento no refeitório e no ambulatório eram menores, para o acompanhamento escolar. Shunrei levara a sério a missão de auxiliá-los, especialmente Kiki e Yato, vindos de outros países, e Régulus com sua hiperatividade.
- Yato, como estão as aulas de Geografia e História? Ainda com dúvidas sobre os períodos históricos? – os olhos verde-escuros leram rapidamente as anotações e ele franziu os lábios. – Tudo bem. As provas começarão em dois meses, então precisamos estar preparados.
- Selinsa tentou me explicar, mas eu prefiro resolver 20 páginas de cálculos. – o coreano falou com sinceridade. – Não entra na minha cabeça essas coisas de datas e locais. O Japão é muito diferente da Coréia. – Shunrei desviou o olhar, pensando um momento.
- Vou pensar numa forma diferente de estudarmos.
- Que tal filmes? – Selinsa sugeriu. – Lembra, Teneo? O sr. Shion passou alguns filmes sobre momentos históricos quando chegamos. – o moreno confirmou. – Vou pesquisar alguns. – Shunrei levantou o polegar, aprovando.
- Excelente! – exclamou, pegando um dos biscoitos da tigela entre os livros e cadernos que eles usavam para fazer as lições em casa. – Régulus, eu gostei muito de como você resolveu essas questões de química e biologia. – os cachos loiros do garoto estavam desfeitos pela mania de passar os dedos enquanto escrevia, o que o deixava com uma aparência de ter acabado de acordar.
- Fiz como a senhorita sugeriu e deu certo. – o sorriso idêntico ao do pai surgiu e Shunrei imaginou o sucesso dele com as garotas. O vira conversando com uma garota ruiva algumas vezes, mas evitava perguntar para não o deixar encabulado. – Enquanto o professor explicava, imaginava os elementos químicos na minha frente e eu mexendo com eles. Foi bom. – Shunrei piscou para ele, feliz por vê-lo mais tranquilo.
Os dois faziam exercícios de concentração em particular e Régulus a acompanhava nas audiências com Shaka sempre que não estava treinando. Os resultados apareceram muito rapidamente no desempenho e no retorno que os professores deram aos pais do garoto. Ambos sabiam que disso dependia o futuro dele, tanto fora do Santuário, como membro da equipe. Na noite anterior, Marin sentara-se ao seu lado para assistir ao treino dele com Shiryu e Shunrei sentiu que ela não se oporia por muito tempo à investidura do filho.
- O que queremos saber é sobre o casamento. – Selinsa falou, varrendo os assuntos da escola das mentes instantaneamente. – A senhorita não está com medo?
- Por que ela estaria? – Teneo ergueu uma sobrancelha. – Eles já moram juntos.
- Mas agora é pra valer, não é? – Yato interveio. – Quer dizer, até agora eles são namorados. Depois do casamento, as responsabilidades aumentam.
- O Mestre Mu disse que é um compromisso sério e que as pessoas precisam estar conscientes disso, pois afeta não só os dois como todos ao redor. – Kiki revelou que o casamento era tema de conversas inclusive entre mestres e discípulos. – Não entendi muito bem o que ele quis dizer, mas me pareceu algo muito sério.
- A senhorita está muito nervosa? – Selinsa tornou a perguntar. – O que acha que vai mudar no seu relacionamento com o sr. Shiryu?
- Meus pais só se casaram depois que a minha mãe engravidou. – Yato revelou. – E foi só no cartório. Não tinham dinheiro para mais nada.
- Os presentes já começaram a chegar lá em casa. – Régulus informou. Marin e Aiolia se ofereceram para receber os presentes que os convidados enviavam junto com a confirmação da presença. – Vai ter muita gente!
- Fui com Mestre Camus e Orfeu comprar as flores e os materiais para a decoração. – Teneo apontou para a entrada da cozinha. – Uma das geladeiras está toda ocupada com elas, para não estragarem. Durante a semana, já temos as escalas para montar os arranjos e os ikebanas.
- Sim, eu e as meninas ficamos encarregadas dos arranjos da mesa principal e do altar dos kami. – Selinsa disse, feliz. – Eles chegaram ontem, vocês viram? – as cabeças balançaram em confirmação.
- O Grande Mestre disse que ali agora é um ambiente sagrado. – Yato reforçou o pedido que Shion fizera em respeito aos Deuses. – O Mestre Aiolia nos avisou que vamos cuidar das mesas lá do templo e do tablado da mesa principal na recepção. – apontou para si e para Régulus, que apressou-se a confirmar.
– Eu e os garotos mais novos fomos logo depois que colocaram as estátuas no altar. – Kiki lembrou-se deles presenciando quando os homens carregaram as liteiras que escondiam as imagens. - Rezamos pedindo que eles abençoassem o casamento de vocês e o Santuário inteiro. É muito diferente e ao mesmo tempo igual à Índia.
- Os quimonos cerimoniais já chegaram? – Selinsa continuava seu questionário. – A senhorita já experimentou? Disseram que eles são em várias camadas, bordados e pintados à mão. Eu nunca vi um quimono assim. Procurei vídeos na internet, mas não vi ao vivo. Acha importante fazer um casamento religioso?
- Meus pais se casaram na igreja ortodoxa grega em Tóquio. – Régulus comentou. – E depois fizeram uma cerimônia aqui no Santuário também. Mamãe disse que será o mesmo sacerdote que fará a cerimônia de agora. Ele é um velho conhecido do Grande Mestre. Na hora da cerimônia nós não vamos aparecer, mas veremos vocês passarem.
Eles falavam muito rápido, deixando Shunrei encantada como era um assunto que interessava a eles. Dohko avisara que nem ela e nem Shiryu deveriam se envolver nos preparativos, entretanto era impossível ignorar como o Santuário pulsava de expectativa à medida que o dia se aproximava. Ela passara a ser cumprimentada por vizinhos que mal conhecia e até na escola pais de coleguinhas de Ryuho vieram confirmar o comparecimento na recepção.
Tentou responder o melhor que pôde, rindo e explicando o que sabia sobre a cerimônia e o significado, para ela, de se casar. Prometeu tirar fotos com eles com os quimonos especiais. Lembrou-se que há poucos meses não queria nem ouvir essa palavra ser pronunciada e agora estava ali, ansiosa pelo momento de assumir esse compromisso solene perante Deuses e humanos.
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Shiryu e Hyoga assumiram duas turmas de crianças de 04 a 08 anos cada. Seiya e June ficaram, cada um, com uma turma de 08 a 12 e outra de 12 a 16 anos. Além das aulas, continuavam com os treinos, agora intensificados pela proximidade do início das competições.
- Sensei, é assim que tá certo? – perguntou a menininha com duas trancinhas pretas e rosto rubro pelo esforço. Era um exercício para melhor a coordenação espacial.
- Vamos devagar mais uma vez. – a voz de Shiryu alcançou o fundo da sala. Ele pedira que as crianças ficassem bem separadas umas das outras para conseguir ver cada uma. – Toquem a mão direita no joelho esquerdo... Isso, a perna levantada. Muito bem... Agora o joelho direito na mão esquerda. – os olhos verdes escrutinavam a turminha, enquanto ele recordava das primeiras aulas que tivera com Dohko. Seu tom era o mesmo que usava com Ryuho quando ensinava a lição de casa. – Sem pressa. – repetiu, gesticulando para eles desacelerarem. – O importante é conseguirem cruzar braços e pernas sem cair. – esperou um minuto e foi acelerando aos poucos, até que a turma quase toda estivesse sincronizada.
Estivera relutante em assumir como professor, porém precisava admitir que se divertia. Suas duas turmas eram disciplinadas e empenhadas e as crianças adoravam quando ele e Hyoga faziam demonstrações. Além disso, era professor do filho e a oportunidade de ensinar a Ryuho não apenas as técnicas de luta como também a filosofia por trás do treinamento o deixava satisfeito e orgulhoso. Mesmo com alunos bem pequenos, ele fazia questão de sempre falar de justiça, bondade, amizade e coragem.
- Eles trazem os ensinamentos de berço. – Hyoga comentou num dos dias que juntaram as turmas e colocaram cada três alunos para se exercitar sob a orientação de outros. Ryuho, Yuki, Yuuto e Souma ajudavam os colegas a corrigir as posturas.
- Logo eles estarão no mesmo ritmo. – Shiryu acenou aprovando quando Yuuto olhou para ele após explicar para Yuna, Kouga e Arya.
- Provavelmente após o casamento. – Hyoga ofereceu um meio sorriso ao amigo. – Pelo que Eiri e June me disseram, já está tudo confirmado. Nenhum pedido inesperado? – Shiryu deu o comando para trocarem de postura.
- Ontem tivemos uma reunião com o sacerdote xintoísta. – o moreno suspirou. – Não poderíamos deixar de atender o pedido do Mestre. Infelizmente, não conseguimos que a cerimônia fosse aberta. – eles argumentaram sobre o fato de serem órfãos, mas o máximo que conseguiram foi uma flexibilização, não uma cerimônia pública.
- Achei interessante essa etapa mais familiar. – Hyoga ponderou, sinalizando para refazerem o exercício. – Primeiro se harmonizam entre vocês, com as famílias e os Deuses, depois com a comunidade. – Shiryu meneou a cabeça. – E como você está? – o amigo enfatizou o você. – Não tivemos mais tempo para conversar. – o moreno demorou a responder. Deu uma volta completa na sala para corrigir as posturas.
- Procurando controlar a ansiedade. – ele parou novamente ao lado do loiro. – E tentando não duvidar se é o melhor momento. – engoliu em seco. – Ela queria esperar mais, mas eu assumi a responsabilidade de ser agora. – Hyoga franziu a testa.
- Ela me pareceu bastante animada. Ontem mesmo passou horas no telefone com a Eiri conversando sobre maquiagem e planos para a lua-de-mel. – a sombra de um riso sublinhou suas palavras. – As mulheres expressam suas emoções de forma diferente... Quero saber como você está lidando com isso. Sei que leva suas promessas muito a sério. – Shiryu pensou bem antes de falar.
"Isso só comprova o quanto ele está satisfeito." Dohko, a mente por trás de toda a organização, conseguira a adesão de todos os membros e transformando o evento num encontro da vizinhança. Mesmo o Mestre o proibindo de se envolver, ele via a movimentação do Santuário em torno daquele dia. Há anos não havia algo parecido e, se sua intuição estivesse correta, seria apenas o primeiro de uma série. "Mesmo assim, é o meu casamento. 'Eu' assumirei o compromisso perante os Deuses. Quero muito que dê certo entre nós."
– É como o fim de um ciclo ruim. – começou devagar, encontrando palavras para explicar. – Desde que fui morar com ela, sabia que não nos separaríamos mais, se nenhum de nós fizer muita besteira. É uma certeza absoluta no meu coração. O meu primeiro casamento iniciou esse ciclo difícil, mas foi graças a ele que pude encontrá-la e voltar a me encontrar. – virou-se para o amigo. – Você estava certo ao chamar a minha atenção para o que a vida está me oferecendo. Lembra daquela vez no parque em Gangseo-gu? Você perguntou "quem você acha que está fazendo isso tudo acontecer?" – Hyoga confirmou com a cabeça. – Eu não queria assustá-la, mas me esforcei muito para chegarmos até aqui. Nos últimos dias, temos conversado como as coisas têm acontecido rápido desde que viemos para Kamakura e como estamos prontos para dar esse próximo passo, formar nossa família, uma nova família... Eu nunca duvidei, mas agora tenho certeza... Então, é... o seu antigo colega de quarto está apaixonado e querendo gritar isso aos quatro ventos. – admitiu, vendo o loiro disfarçar o riso mordendo os lábios e tossindo.
"É difícil explicar sem parecer piegas." Desde que marcaram a data, Shiryu se via perdido em reflexões. Suas emoções estavam em polvorosa e ficavam quase incontroláveis à medida que o dia chegava. "Será que algo vai mudar dentro de mim como aconteceu com Taeko?" Ele passara a aplicar a técnica de queima toda vez que essa pergunta aparecia das profundezas de sua mente traidora. Imagina a pergunta escrita num pedaço de papel e o atirava numa fogueira. Ele acreditava estar mais maduro e menos suscetível, além da sua relação com Shunrei ser completamente oposta: fora baseada em confiança e carinho, não em vaidade e orgulho.
- Que tal aproveitar esse seu nível de insanidade? – os olhos azuis brilharam de malícia. – Como Shun, Ikki e eu já no casamos e não tivemos essa festa toda e Seiya está seguindo o seu caminho, ele propôs uma coisa...
- Que coisa? – Shiryu se apressou a perguntar. As ideias de Seiya costumavam ser ótimas para outros as realizarem, exigindo uma espécie diferente de coragem que tinha pouco a ver com enfrentar adversários no tatami.
- Ele pediu que nós fôssemos à casa dele hoje à noite, depois do jantar. – Hyoga precisou ir até um dos grupos. – Casamento em cinco dias. Pode ser uma despedida de solteiro. – Shiryu ergueu as sobrancelhas, duvidando. – Um conselho: aproveite diferente esse casamento. No primeiro, você estava tão nervoso que não viu nada. Pode parecer incrível ouvir isso de mim, mas relaxe e curta. Nós queremos que você se divirta e que lembre de cada momento. Isso se você não pensa em repetir a dose... Estou muito feliz por você, meu amigo. – o loiro bateu no ombro dele. Novo comando para troca de postura. – Finalmente está se permitindo viver de novo. Sei o quanto isso é importante para vocês. Não importa se é um casamento xintoísta, grego, norte-americano ou russo. A cerimônia e o compromisso acontecem dentro de nós.
Shiryu olhou de soslaio para Hyoga, os olhos estreitando.
- Você está muito engraçadinho. – sinalizou para os alunos pararem na postura de repouso. - Eu te disse isso após o seu casamento.
- É um bom conselho. Estou retribuindo. – o Cavaleiro de Cisne piscou, indo para o centro da sala para separar as turmas.
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Os dois assistiam um filme na sala escura, numa rara noite onde os afazeres terminaram mais cedo. Shunrei escolhera uma comédia romântica inglesa porque gostava da trilha sonora, então as histórias de 'Simplesmente Amor' se desenrolavam na tela. No sofá, Shiryu deitara-se no colo da noiva, quase dormindo com o cafuné. Piscou para focalizar a visão na mancha clara aparecendo na porta e a luz da TV refletida nos olhinhos que pararam junto à poltrona.
- Não consegue dormir, filho? – estendeu o braço, chamando o garotinho para perto. Ele coçou o rosto e foi cambaleando. – Quer deitar aqui comigo? – confirmou com a cabecinha. Shiryu espremeu-se junto ao encosto, deixando-o se ajeitar antes de envolver o corpinho que continuava pequeno e magro para a idade.
Shunrei acompanhou a movimentação e começou a acariciar os cabelinhos finos que conseguia alcançar.
- Aconteceu alguma coisa, Ryuho? – não era normal ele estar acordado àquela hora.
- Depois de amanhã, vocês vão se casar. – a voz saiu acabrunhada, depois de alguns instantes. – Os meninos disseram que vocês vão ficar juntos para sempre. Eu lembro que falei que também queria ficar com a mamãe Shunrei, papai. Eu posso ficar com vocês para sempre também? Eu gosto muito dela.
Shunrei mordeu os lábios. Estiveram tão atarefados com os preparativos e a correria da rotina que não conversaram com o garotinho. Ele parecia acompanhar bem os acontecimentos, indo com o pai e o Mestre nas provas dos quimonos ou para escolher ou encomendar alguma coisa, entretanto, na iminência do evento, não conseguira mais esconder seu receio.
- A mamãe e eu vamos celebrar a nossa união para ela ficar mais forte. – a mãozinha segurava no antebraço do pai. Shiryu engoliu em seco, o coração apertado por não ter falado com seu pequeno antes. – Antes éramos só nos dois, lembra? – ele confirmou. – Quando a mamãe chegou, não foi bom? – nova confirmação. – Agora, a nossa família cresceu mais e você faz parte dessa união. Vai ficar conosco pelo tempo que quiser.
- Você é nosso, filho. – a mãe completou, inclinando-se para alcançar uma das mãozinhas e apertar. – Não vamos largar você nunca. – Ryuho apertou de volta. – Aliás, conto com você para não deixar o papai se atrasar para a cerimônia. Você sabe que ele dorme muito às vezes. – ele deu uma risadinha.
- Vou emprestar o meu despertador para ele, mamãe. – Shiryu bufou, fingindo exasperação. Apertou o corpinho contra o seu e beijou o alto da cabecinha. – A tia Esmeralda disse que vocês vão para a lua-pão-de-mel.
- Lua-de-mel é uma viagem que as pessoas fazem depois que se casam. – o pai achou graça da forma como ele pedia explicações. – Nós vamos e você vai ficar com o Mestre Dohko. São poucos dias. Você pode escolher um presente.
- Quero um irmãozinho. – Ryuho respondeu prontamente, fazendo os adultos abrirem a boca e erguerem as sobrancelhas. – Souma e Yuuto têm irmãos, mas se eu puder escolher, prefiro um irmãozinho porque se for uma irmã pode ser como a Yuki e ela é muito brava. O Éden ganhou o Souma no México, mas o Yuuto ganhou a Yorie aqui, então acho que pode ser um irmão daqui mesmo.
Eles fizeram um grande esforço para não rir porque o garotinho falava sério. Parecia ter pensado muito no assunto.
- Meu amor, talvez não consigamos atender o seu pedido tão rápido. – Shunrei começou a explicar. – Que tal escolher outro presente para o caso de o irmãozinho demorar?
- Huuuummm... vou pensar em alguma coisa, mamãe.
- Ryuho, se for uma irmãzinha você vai cuidar dela como um bom irmão mais velho e um bom Cavaleiro? – Shiryu via na tela o final de uma das histórias, do escritor inglês que se apaixona pela faxineira portuguesa.
- Claro! – o garotinho afirmou, convicto. – Vou cuidar dela como você faz, papai.
Assistiram aos finais das tramas, hipnotizados pelas músicas pontuando as mais diversas histórias de amor. Shiryu o pegou no colo, apoiando-o no ombro. Shunrei pediu para colocá-lo com eles naquela noite. Tinham que aproveitar enquanto ele queria ficar no meio dos dois.
Um casamento nunca é entre duas pessoas apenas.
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"Há algo de mágico no dia do nosso casamento." Shunrei pensou ao abrir a janela do quarto que ocupara naquela noite. "Parece que o mundo brilha diferente." O sol nascera há pouco tempo. Aos seus olhos, parecia que o próprio ar faiscava, como se uma corrente elétrica perpassasse o que sua vista alcançava, as cores mais intensas e pulsantes. "Nem acredito que arrumamos tudo em vinte dias."
Eles tiveram muito trabalho no dia anterior, o que foi ótimo porque o corpo exausto não deu ouvidos à ansiedade da mente e desligou assim que caiu na cama. Os amigos chegaram da Coréia e foram instalados no sobrado verde. A decoração do local da cerimônia e a tenda da recepção foram montados. Nos últimos momentos, à contragosto de Dohko, eles tiveram que ajudar, embora para ela fosse ótimo abstrair a ansiedade e se concentrar em amarrar direito arranjos de flores atrás da mesa principal da recepção e deixar toalhas de mesa, pratos, talheres, copos à mão para organizarem enquanto acontecia a cerimônia religiosa.
Queria deixar as acomodações acolhedoras para os hóspedes e acabou escrevendo uma pequena carta para cada um que viera: dr. Lee Kang e Moon Cha Young, que estavam noivos, o dr. Heo Im e sua namorada e a srta. Park A-Ha e seu namorado. Após deixá-los instalados o melhor que conseguiu, pegou os cabides com os quimonos e sua maleta e viera dormir no Santuário.
Shunrei respirou fundo, tomando um banho demorado e depois aguardando, tentando controlar a respiração.
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Shiryu respirou fundo várias vezes antes de sair da cama, repassando o que faltava ser preparado e lutando contra vontade de ligar para saber como estavam as coisas no sobrado.
"Eles também devem estar acordando agora." Lembrou-se de Ryuho na tarde anterior, dizendo para ele não se preocupar com os hóspedes pois ele cuidaria de tudo. "Sinto como se meu corpo estivesse com uma fonte inesgotável de energia." Seus sentidos afiados pareciam captar os mínimos detalhes do ambiente: a textura dos lençóis, a luz tênue, os sons de passos no assoalho, a brisa da manhã, as batidas de seu coração, os impulsos elétricos em seu cérebro. "É como se a vida estivesse sendo renovada em mim."
Seus pés em contato com o piso frio o acordaram por completo. A tarde anterior fora corrida com os últimos preparativos. Ele precisara garantir as acomodações para os convidados vindos de Tóquio e mais longe. Seika e Miho ficariam na casa de Seiya e Saori e os outros em duas pensões próximas e Shiryu precisava garantir que fossem bons quartos. E, principalmente, não deveria contar a Shunrei. O Mestre buscou-os na ferroviária, deixando para ele a tarefa de verificar as entregas de comidas, bebidas e a playlist. Ele se divertiu com as músicas escolhidas e acrescentou algumas, de modo que teriam 72 horas de som ininterrupto e sem repetições.
Antes de se recolher, fora ao sobrado verificar se Ryuho estava bem e o encontrara mostrando o canteiro que plantara no jardim à Moon Cha Young e Park A-Ha e contando sobre o Santuário e a escola nova. Seu coração se acalmara um pouco ao caminhar à noite pelas ruas vazias e conseguira adormecer.
Tomou um banho frio e pôs-se a pentear os cabelos para deixá-los brilhantes. Mais uma vez, checou os dois quimonos que usaria durante o dia, pendurados na porta do guarda-roupas, rindo ao imaginar o que estava prestes a realizar.
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- Acho que assim está ótimo! – Saori afastou-se um pouco para ver o efeito da maquiagem.
Escolhera tons de rosa e cobre bem suaves, realçando os olhos e os lábios da forma discreta que Shunrei pedira e fugindo do branco-porcelana preferido pelas japonesas. Deixou-a contemplar o resultado junto com o arranjo de flores amarelas e brancas do lado esquerdo da cabeça.
- Hora de vestir o primeiro traje. – Marin ajudou-a com as quatro camadas de seda branca que compunham o primeiro quimono, o da cerimônia formal. – Você está tão quieta, o que foi? – Shunrei respirou fundo, segurando a última peça, ricamente bordada com grous e símbolos de prosperidade e abundância em linha perolada, para a amiga fechar os laços.
- O seu casamento foi assim também? – o coração dela batia mais rápido à medida que a noiva surgia no espelho à sua frente.
- Eu também fiz um shinzen kekkon, embora o meu fosse bem mais simples. Nós éramos poucos. – Marin piscou para ela. – Treinou caminhar com os tamancos? – apontou para os calçados de madeira. Shunrei assentiu e a ruiva sorriu, ajeitando seu próprio quimono formal preto com um grande pavão dourado pintado em toda a metade inferior. – Acredito que você saiba o quanto esse dia é especial e o quanto nós estamos felizes por vocês. Aiolia e eu torcemos demais para que vocês se acertassem. – a voz dela começou a ficar embargada e Shunrei se viu num abraço forte da amiga. - Muito obrigada por ter me chamado para ajudá-la. É uma grande honra. – fez uma reverência emocionada. – Vejo vocês daqui a pouco.
Marin saiu, deixando as duas sozinhas. Saori se aproximou, colocando o wataboshi gentilmente na cabeça de Shunrei.
- Você está tão linda, Shu! – Saori exclamou, o rosto radiante de felicidade. – Sinto como se o casamento fosse meu. – abraçou-a, unindo coração com coração. – Obrigada por confiar em mim. Minha irmã de vida.
Shunrei, com a garganta fechada pela emoção, conseguiu apenas retribuir o abraço bem apertado.
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- O que você acha, Ryuho? – Dohko perguntou para o garotinho sentado na cama, observando atentamente como vestiam a camada branca, depois a jaqueta e o montsuki pretos e a hakama riscada de branco e preto.
- Papai é o mais bonito do mundo! – o próprio Ryuho vestia seu terno tradicional chinês verde-clarinho com detalhes do punho e da gola verde-escuros. – Parece um samurai dos filmes! - Ergueu o polegar em aprovação, fazendo os três adultos rirem.
- Como está se sentindo? – Seiya perguntou, devolvendo o cabide para a porta e pegando os tamancos de madeira. Shiryu ajeitou as calças largas antes de calçar, movendo os longos cabelos diante do espelho. – É como você esperava?
- Borboletas no estômago. – olhou para os dois de fraque já prontos para a cerimônia religiosa. – Com vocês aqui, é mais fácil. – confessou, mais uma vez agradecendo por terem aceitado acompanhá-lo naquele momento.
Bateram três vezes à porta, o código para descerem. Shiryu olhou instintivamente para seu Mestre, abrindo e fechando a boca ao ver o filho ali também.
- Vamos, Ryuho, precisamos encontrar os nossos lugares. – Seiya era o melhor amigo que ele poderia ter. – Vamos ver se a porta para o lago está aberta.
- Muito diferente da primeira vez, hein? – Dohko se aproximou, ajeitando o montsuki e emitindo um meio sorriso. Shiryu assentiu, subitamente sem conseguir falar. – Essa união já aconteceu aqui dentro, filho. – tocou o peito do noivo, que engoliu seco, registrando o uso da palavra filho. – E eu não poderia estar mais feliz. Os Deuses sabem que não mereço um presente de aniversário desses. – Shiryu conseguiu sorrir.
- Claro que merece, Mestre. O senhor é um dos maiores responsáveis por esse casamento. – fez uma grande reverência. – Obrigado por nunca desistir de mim e ter acolhido Shunrei. – sentiu a mão de Dohko em sua cabeça.
- Dou a minha benção a você, como discípulo e como filho. – Dohko pontuou cada palavra, sua voz firme entrando pelos nervos de Shiryu como uma injeção de amor.
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A pequena procissão percorreu o trajeto entre a sede, onde os noivos passaram a noite, e um dos pequenos templos à beira do lago. Ladeando o caminho de pedra, dezenas de vasos de flores com tabuletas com palavras como 'prosperidade', 'harmonia', 'união' e 'felicidade'. Era o presente de Camus e Milo para os noivos. Eles enrubesceram ao pensar nos dois religiosos lendo alguns dos desejos e se esforçaram para não rir, torcendo para levarem "fogo", "disposição" e "suspiros" em significados mais ingênuos.
Shiryu e Shunrei caminhavam logo atrás do sacerdote que viera do Santuário Tsurugaoka Hachimangu atendendo a um pedido especial de Shion. Os passos dos dois eram seguros e altivos e eles procuravam estar atentos um ao outro, as respirações e pulsações aceleradas deixando difícil a tarefa. Atrás deles, a sacerdotisa levava uma grande sombrinha vermelha sobre suas cabeças, indicando a sacralidade da cerimônia.
Como os dois eram órfãos, o sacerdote flexibilizara a regra das famílias que acompanhariam a procissão. Dohko e Marin vinham logo atrás de Shiryu e Saori e o dr. Lee Kang seguiam Shunrei. Saori também vestia um quimono preto, com a metade inferior pintada com a lenda do tsuru, a ave que simboliza paz, vida longa, amor conjugal e fidelidade. O dr. Kang e Cha Young ficaram tão entusiasmados com o convite para estar na cerimônia íntima que chegaram três dias antes, trazendo um presente muito especial para os noivos.
Em seguida, vinham Aiolia e Moon Cha Young e Seiya e Ryuho. Fora um debate acirrado sobre abrir a cerimônia para os outros amigos, mas o Grande Mestre explicara que era algo muito pequeno e íntimo e que todos sabiam como funcionava. Mesmo assim, Shunrei ficara incomodada e falara com cada um em particular. Ela não vira ninguém no caminho e se preocupou que os tivesse magoado. Torceu para que os visse na recepção e pudesse se desculpar novamente.
O templo fora preparado para a curta cerimônia, com imagens dos Shichi Fukujin, os "Sete Deuses da Fortuna", no pequeno altar improvisado. Os noivos ajoelharam-se em frente ao altar, com o sacerdote e a sacerdotisa de cada lado. A família do noivo tinha uma mesinha na lateral direita e a da noiva na lateral esquerda. Aiolia, Moon Cha Young, Seiya e Ryuho sentaram-se perto da entrada.
Os sacerdotes os guiaram em reverências e oferendas de purificação, enquanto liam a Amatsu Norito – Oração do Céu, pedindo que os kami viessem testemunhar, purificar e abençoar o novo casal. Eles escolheram previamente objetos que seriam oferecidos como demonstração de suas sérias intenções. Shunrei escolheu seu anel de noivado e Shiryu a carteira de onde tirara o dinheiro que emprestara a ela em seu primeiro encontro. Os movimentos dos religiosos pareciam uma dança lenta e harmoniosa, precisos e profundamente reverentes e os noivos procuravam acompanhá-los o melhor possível.
Então, os dois trocaram e beberam três xícaras de saquê três vezes, acompanhados pelos familiares, simbolizando a criação do forte vínculo entre as famílias. Havia uma pequena jarra de água para Ryuho. Foi a primeira troca de olhares do dia e eles sorriram um para o outro, sentindo-se numa redoma de vidro, seus sentidos envolvidos pela presença um do outro. A cada gole, sentiam que a benção divina entrava em seus corpos, atingindo cada célula. Por um momento, sentiram-se acolhidos entre os Deuses e fizeram promessas silenciosas, certificando-se de selar o compromisso entre si nas trocas de xícaras.
A sacerdotisa devolveu as oferendas e o sacerdote ressaltou que deveriam ser valorizadas, pois foram abençoadas com poder sagrado. Para finalizar, todos fizeram uma profunda reverência aos kami e a cerimônia de casamento foi oficialmente encerrada.
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Quando os noivos saíram novamente da sede, dessa vez para o gramado em frente ao edifício, foram surpreendidos por uma chuva de pétalas de flores. Passaram correndo por um corredor humano em meio a palmas e assobios, chegando à mesa um pouco mais alta que as demais, onde receberiam os cumprimentos de todos.
Shiryu sabia que Dohko e Shion haviam enviado convites a todos os alunos e vizinhos e mesmo assim se impressionou com a quantidade de pessoas. Balançou a cabeça, um sorriso largo no rosto, percebendo alguns alunos seus, com os pais, colegas da faculdade de farmácia e ex-companheiros de treinamento.
- Como ele encontrou essas pessoas em vinte dias e as convenceu a vir? – perguntou admirado para Shunrei. Ela parecia se fazer a mesma pergunta.
Os dois haviam trocado seus quimonos cerimoniais por outros encomendados das senhoras da pequena feira de artesanato perto do rio de estrelas. Fora ideia de Shiryu e ficaram realmente bons. O dele tinha a camada mais interna preta e a externa era azul-claro, com um cinto largo preto e uma faixa de seda azul-escura no meio. A camada interna do de Shunrei era branco, com uma gola de babado e a parte externa lilás-claro, com cinto branco com uma faixa violeta no meio. O que os unia eram as bordas idênticas: azuis-escuras com delicadas pinturas de ramos dourados.
A foto que estaria desde aquele dia tanto na carteira dele quanto nas mesas dos escritórios dela era uma tirada quando Shunrei se virara para responder a pergunta do marido e o olhar intenso dele a paralisou por um momento, fazendo-a ruborizar e rir bobamente.
- Não faça isso. – ela mordeu os lábios sem conseguir tirar os olhos dele. – Como você quer que eu continue agindo normalmente? – ele a segurou pela cintura.
- Ninguém espera que você aja normalmente hoje, senhora Nishi Suiyama. – Shiryu enfatizou as palavras com orgulho. Eles haviam recebido os novos registros no dia anterior.
- Então, muito bem, senhor Nishi Suiyama. – Shunrei imitou o mesmo tom, ruborizando. Fora algo que a deixara impactada e sensibilizada: ele, órfão que recebera um sobrenome de uma lista, decidira que a família deles precisava de uma nova identidade e dera entrada no pedido de alteração nos registros.
- Shunrei! – a voz a fez se virar para os convidados e abrir a boca de espanto. – Shunrei! – a mão que acenava era da senhora alta e esguia. Os cabelos estavam prateados e as roupas não eram as da camponesa dos arrozais de Rozan, mas o rosto de traços marcantes permanecia quase inalterado.
- Sra. Huang! – Shunrei levou a mão à boca e foi até o casal que se destacava dos demais. – Sr. Huang! – viu o senhor de pele curtida pelo sol, os cabelos e a barba brancos no rosto bondoso que ela aprendera a amar desde criança. Abraçou demoradamente os dois, o coração batendo tão rápido que fazia suas mãos tremerem. – Como vocês...? Quando chegaram? Meu Deus, que surpresa maravilhosa!
- Dohko nos avisou. – a sra. Huang explicou, segurando uma das mãos da noiva. – Não poderíamos faltar. Satsuki queria vir também, mas não podíamos deixar a plantação sozinha tanto tempo. – os olhos escuros moviam-se como se quisessem decorar o rosto de Shunrei. – Você está tão bonita. Parece saudável.
- E como você acha que ela estaria no dia do próprio casamento? – o sr. Huang questionou, erguendo uma sobrancelha e sorrindo. – Você poderia nos visitar mais, não é, Shunrei? Assim nos polparia dessa emoção desmedida após tantos anos. Cartas e ligações não substituem a presença física. Como vamos saber se você está fazendo as coisas direito? – Shunrei abriu a boca para responder.
- Olá. – Shiryu se aproximou, curioso, fazendo uma breve reverência em cumprimento. Os dois idosos corresponderam.
- Shiryu, esses são o sr. e a sra. Huang. – Shunrei sentia um calor na boca do estômago por ter os três tão perto, como se as suas vidas estivessem enfim se encontrando. – São meus anjos da guarda desde que eu era criança em Rozan... E esse é o meu marido. – ela não cabia em si de alegria.
- É uma grande honra conhecê-los. - Shiryu curvou-se várias vezes. Sabia do carinho da esposa pelos Huang e sentia gratidão pelo acolhimento e segurança que ofereceram a ela. – Shunrei fala sempre dos senhores. – sorria quase tanto quanto ela.
Os Huang ficaram um pouco tímidos, embora Shunrei visse os dois avaliando Shiryu.
- Estávamos ansiosos para conhecê-lo. – o sr. Huang disse, os olhos castanhos atentos aos movimentos dos dois. – Ficamos aliviados quando soubemos que era discípulo de Dohko. – Shiryu piscou, confuso por um momento. – O jovem Dohko nos explicou tudo e nos manteve informados.
- Viemos para dar a nossa benção à união de vocês. – a sra. Huang afirmou, aparentemente satisfeita pela postura respeitosa de Shiryu. – Não somos os pais de Shunrei, mas a conhecemos desde que nasceu e nos importamos muito com ela.
- Papai! – o grito anunciou a chegada de Ryuho e de Dohko. – Mamãe! – o garotinho soltou a mão do adulto e foi abraçar as pernas dos dois.
O sorriso de Shunrei ficou maior e ela agradeceu com uma grande reverência o arranjo desse encontro enquanto os Huang eram envolvidos num dos abraços típicos do Mestre.
- Ryuho, quero que você conheça duas pessoas muito importantes. – Shiryu segurou os ombrinhos e os apresentou. Ryuho os cumprimentou e seus olhinhos azuis esperaram, curiosos.
- Eles me conhecem desde que eu era menor do que você, filho. – Shunrei informou e os olhinhos arregalaram, fazendo os adultos rirem.
- Não quero atrapalhar, mas a fila está grande. – Shaina chegou, apontando para o pessoal esperando para cumprimentar os noivos.
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Recepções de casamentos japoneses em geral são tranquilas, com atividades para todos fazerem por duas ou três horas, alguns discursos dos amigos e músicas serenas.
Não era bem essa a proposta dessa recepção.
Uma pista de dança foi montada em um dos cantos do gramado. Havia um buffet de pratos japoneses, chineses, brasileiros e italianos, inclusive um rolinho primavera de feijoada e arancini de sushi, invenções do chef Aldebaran. As mesas estavam animadas com as músicas e as bebidas de várias regiões do mundo e a conversa corria solta.
Perto da pista, alojaram-se os artistas que faziam retratos preto-e-branco com variadas técnicas de desenho. Shunrei e Shiryu paravam em cada mesa para agradecer a presença, conversar um pouco e tirar fotos. Quando chegaram, Haruto, Souma e Arya tinham acabado de receber suas imagens em forma de caricatura.
- Para os noivos, vamos fazer diferente! – exclamou Serenity, entusiasmada com a chegada deles. Pegou sua prancheta e sentou-se no meio dos gêmeos.
- Como querem sair? – Saga perguntou, pegando a prancheta também. – Mais tradicionais ou podemos ser mais criativos?
- Não sei. – Shunrei olhou para o marido, que deu de ombros, vendo exemplos dos trabalhos deles expostos ali. – O que vocês sugerem?
- Você ficaria confortável sentada no colo do Dragão? – Kanon mordeu o lápis, olhando os dois. Provocou um leve rubor em ambos e sorriu. – Ou preferem sentados lado a lado. – Shiryu deu um sorriso abafado. Ajeitou a cadeira para os dois ficarem emoldurados pelo grande arranjo de flores nos arbustos trançados atrás da pista e puxou a esposa para seu colo.
- Que tal assim? – a fez rir, amparando-a junto ao peito. – Ou assim? – pediu que ela olhasse para ele, seus dedos tocando com suavidade seu pescoço e queixo. – Ou talvez... – beijou sua testa, a mão dela segurando seu pulso, os olhos fechados. Serenity riu.
- E vocês me dizendo que eles eram tímidos! – seus longos cabelos pretos caiam em ondas cacheadas ao redor do rosto fino e seus brilhantes olhos castanhos pareciam vermelhos. – Que tal se fizessem as poses por três minutos de cada vez? Aí cada um faria um retrato e vocês teriam três diferentes. – os dois toparam. – Primeiro você, querido. – cutucou Saga.
- Quero a pose dos dois se olhando. – indicou onde a mão e os dedos de Shiryu ficariam melhor. Enquanto se posicionavam, os dois viram que Serenity encostava-se em Kanon, a mão acariciando sua coxa. – Não riam! – Saga exclamou porque os noivos ficaram subitamente encabulados em se encararem. - Imaginem que estão sozinhos e tentando seduzir o outro.
Shiryu fechou os olhos e respirou fundo. Assim que suas pálpebras levantaram, foi capturado pelo brilho dos enormes olhos de Shunrei. Sentia a pulsação no pescoço sob sua palma, os lábios entreabertos pintados de batom cereja.
"Deuses, como eu a amo!" Engoliu em seco, piscando rápido para não perder nenhum detalhe.
- Não se beijem ainda. – a voz de Serenity quebrou o encanto. – Agora você, amor. – mudou de lado para deixar Kanon livre, entrelaçando seu braço ao de Saga e apoiando o queixo em seu ombro para observá-lo trabalhar concentrado.
- Além de apoiar a cabeça no peito dele, tente enlaçar o pescoço. – ele ficou estudando a pose um tempo. – Não, melhor se você a abraçar, Dragão. Fica mais romântico. – piscou para os dois.
Shunrei podia ouvir as batidas fortes do coração de Shiryu, sentindo seu perfume e sua respiração. Ela o percebia tão vivos sob suas mãos. Puxou uma das mechas dos cabelos dele e ficou brincando, vendo como brilhava e como era macio ao toque.
"Me faz lembrar depois de fazermos amor." Ruborizou mais, olhando para Kanon cujos olhos azuis-escuros pareciam se divertir e adivinhar o que ela pensou.
- Podemos mudar a última pose? – Serenity perguntou. – Que tal se você a erguesse no colo? Consegue segurá-la por três minutos?
- Até mais. Ela é muito leve. – Shiryu se ergueu de uma vez, pegando Shunrei de surpresa.
- Ótimo! Mantenha essa expressão de espanto. – a artista começou a desenhar rápido enquanto os dois tentavam manter os rostos congelados.
Shunrei balançava os pés, provocando Shiryu e piscando para ele, movendo os lábios para dizer que o amava. Shiryu respondia que sabia e revirava os olhos, apertando os dedos na coxa e no ombro dela.
- Prontinho, noivos! – Saga anunciou. – Como será nosso presente para vocês, vamos dar uma caprichada e entregamos no final da festa, tudo bem?
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Os colegas das crianças não queriam ir embora de jeito nenhum. Brincavam dentro e fora da sede, entre as árvores da entrada, indo e voltando do lago. Shunrei e Shiryu tiraram fotos com todas as famílias de colegas da escola e de treinamento, afirmando que não teria perigo neles circulando pela propriedade pois as crianças do Santuário saberiam até onde chegar e o que poderiam fazer. Perceberam que sempre havia no mínimo dois adultos observando-os à distância e mesmo assim ficaram aliviados por terem reforçado as orientações com os pequenos.
Ryuho ficou particularmente feliz quando o pai deixou o protocolo de lado e brincou com eles. Ele, o trio Shiroi Amamiya, Haruto, Éden, Souma, Kouga, Arya e Yuna lideravam todas as explorações aos terrenos, voltando com flores para colocar nos cabelos das mães ou com estranhos tesouros que os adultos tentavam adivinhar o que teriam sido no passado.
Os adolescentes se reuniram em discussões acaloradas sobre temas que os adultos pouco conheciam. Quem já tinha idade para bebidas alcóolicas aproveitava a oferta variada e Milo chegou a comentar que sentia saudades de seu fígado jovem.
Aliás, cinco casais que não saiam da pista de dança: Shaina e Dohko, Camus e Milo, Ikki e Esmeralda, Shun e June e os Huang. Dançavam em pares e em grupo, seguindo os mesmos passos. O ânimo deles contagiou grande parte das pessoas, que passaram horas se divertindo.
E, como todo bom casamento, novos casais foram flagrados. Os quase tímidos demais Pavlin e Mu ousaram dançar algumas vezes juntos, quando a música era mais lenta. Miho e Jabu até se beijaram em algum momento. Régulus foi arrastado para a pista por uma jovem que começara recentemente no Santuário. Ela, mesmo sendo mais baixa que ele, o puxava sem dificuldade pela mão, parando na frente dele assim que chegaram. Discutiram um pouco e então, para surpresa de quem acompanhava a movimentação, ele a puxou com força pela cintura e começou a dançar parecendo que tinha engolido uma barra de ferro.
- Parece você, querido. – Marin provocou, pegando uma taça de uma bebida rosa na bandeja do garçom. Aiolia olhava satisfeito a cena.
- Parecem nós dois, você quer dizer. – mordeu um rolinho primavera de feijoada, decidindo se gostava ou não. – Até ruiva a garota é. Que sina a dos homens dessa família. – levou um tapa no ombro. – Se não me engano, o nome dela é Shoko. Está na turma da June. Vamos lá mostrar como se faz. – ofereceu a mão e os dois foram para a pista.
Aiolia piscou para o filho, que ficou mais vermelho ainda, mas decidiu tentar acompanhar o pai. Rodou Shoko e a aparou pela cintura e começou a mexer mais o corpo até estarem os dois num balanço cadenciado.
Os convidados coreanos dividiam-se em conhecer o Santuário e aproveitar a festa. Moon Cha Young e Lee Kang deram aos noivos uma semana de estadia em Singapura.
- Nós fomos lá há algumas semanas e gostamos muito. – a agora chef profissional disse quando entregaram o envelope. – Imaginamos que seria bom passar mais tempo, então resolvemos dar esse tempo a vocês.
- Muito obrigado pela gentileza. – o tom de Shiryu era de admiração. – Vamos utilizar bem o presente.
- Estou tão aliviada por vocês estarem bem! – os olhos amendoados cintilaram. – Shunrei, o seu cabelo deixa você com cara de menininha.
- O dr. Abe me ligou. – Lee Kang parecia mais novo, sem muitas das rugas de preocupação que antes franziam sua testa. – Eu o ameacei se ele não a contratasse logo. Espero que você ainda tenha tempo para nós de vez em quando.
- Sempre, senhor diretor-presidente! – Shunrei estava muito feliz em ver os amigos que sempre a apoiaram no Hospital Graad. – Aliás, precisa conhecer os meus residentes. – apontou os dois, sentados junto com o pessoal do hospital que pôde comparecer. – Vou apresentá-los.
Os médicos entabularam uma conversa animada sobre tendências do mercado internacional, mas Cha Young se interessou em conhecer Massimo, Aldebaran e Afrodite. Ela queria trocar experiências gastronômicas. Park A-ha, Heo Im e seus pares fotografavam tudo e ficaram bastante à vontade com a turma mais nova do Santuário. Vieram para passar quatro dias conhecendo a cidade e redondezas e a turma de Selinsa, Teneo, Kiki, Yato e Yuzuriha se dispôs a dar dicas e acompanhá-los quando possível. Heo Im passou muito tempo conversando sobre a especialização com Shun, trocando figurinhas sobre medicina tradicional.
Por incrível que pareça, o taciturno Shura ganhara a atenção de uma parte dos adolescentes. Assim que descobriram que ele trabalhava no show business, cercaram sua cadeira e o encheram de perguntas. Os noivos passaram rapidamente por ali, acenando para ele.
Shaka fora tirado para dançar vezes sem conta e as mulheres não se importavam se ele sabia dançar ou não. Shunrei o salvou uma vez, pedindo para a moça trocar de lugar com ela, que ficou encantada em dançar com o noivo.
- Se você não gosta, por que aceita todas as vezes? – ela sussurrou, segurando o riso quando ele suspirou e pousou as mãos em sua cintura.
- Me disseram que eu não poderia recusar. – ele disse entredentes. – Que traria má sorte para o casamento de vocês.
Shunrei o abraçou, tentando não pensar mal dos amigos. Lágrimas escorriam na tentativa de ficar séria.
- Obrigada por ser tão generoso e se preocupar conosco. – ela conseguiu dizer. – Mas não precisa mais fazer isso, ok? Não afetará em nada a nossa felicidade, eu juro. – Shaka respirou fundo, continuando a se mover com dois passinhos para um lado e para o outro.
- Milo e Aiolia não perdem por esperar. – ele disse no mesmo tom monocórdico, mas não parou de aceitar os convites. A diferença é que agora ele convidava também.
Shion ficara boa parte da festa conversando com os sacerdotes e com os vizinhos. Ele era o proprietário legal do Santuário. Era herança antiga da família de sua mãe. Com o tempo, fora adquirindo fama de sábio e muitos vinham lhe pedir conselhos pessoais e consultá-lo sobre assuntos importantes para a própria Kamakura. Portanto, ele conhecia a maior parte das pessoas ali. Desde que instalara a escola de artes marciais, integrava o Conselho da Cidade. Shiryu contara que ele viera da Índia muito novo, após a morte do último parente materno, para cuidar da herança e tinha a mesma idade do Mestre Dohko.
- Quem é aquela que está ao lado dele o tempo todo? – Shunrei perguntou enquanto se aproximavam da mesa onde também estavam Dohko, Shaina, Mu e Pavlin.
Era uma mulher de longos cabelos castanho-escuros repicados em camadas sem simetria, olhos cor de mel e uma expressão de desafio constante, mesmo quando ria, como fazia agora ao escutar algo de Shion. A pele morena e os traços do rosto a identificavam como originária de alguma região da Índia.
- É a esposa do sr. Shion. – Shiryu diminuiu o passo para explicar antes de chegarem ao grupo. – A sra. Mayura. – o queixo de Shunrei caiu. – Às vezes, ela passa muitos meses fora, na Índia ou na Europa. É a Mestra de Marin e Shaina. Elas se parecem um pouco com ela. – a chinesa não conseguiu pedir maiores explicações antes de chegarem. – Estou muito feliz de tê-la aqui hoje, senhora. – ela acompanhou o marido na longa reverência em sinal de respeito.
- Eu jamais faltaria a um acontecimento desses, Dragão. – a voz dela era grave e comedida, com uma energia que parecia vir do fundo da garganta. – E, de qualquer forma, já era hora de voltar. – tocou os ombros dos dois. – Espero que você já esteja recuperada. – Shunrei sentiu um calor anormal vindo dela.
- Sim, senhora. – sorriu para os olhos que a observavam atentamente. – É um grande prazer conhecê-la. Obrigada por estar conosco nesse dia. – a mulher assentiu.
- Quando você voltar, conversaremos. – os olhos inquiridores passaram a analisar Shiryu. – Você mudou. Voltou a acreditar em seus sonhos. É preciso ter coragem para isso. – o rosto continuava impassível. - Trouxe presentes para vocês. Deixei com Dohko.
- Está na cama de vocês. – o Mestre informou, piscando para eles. – Acredito que vão usar muito na lua-de-mel.
- Vocês dois os estão deixando encabulados. – Shion interveio, indicando as cadeiras vagas. – É o casamento de vocês, não liguem para esses dois. Como está a festa?
- O senhor podia ir dançar um pouco, não gosta? – Shunrei queria mostrar que não estava constrangida.
- Estou falando isso há horas! – Dohko riu, batendo na mesa. – Mu e Pavlin já experimentaram e gostaram, não foi? – os dois acenaram rapidamente e Shunrei notou que estavam de mãos dadas.
- Vamos todos! – Shaina exclamou, puxando o namorado pela manga do fraque.
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- Tem certeza de que isso vai dar certo? – Shiryu perguntava pela vigésima vez, observando a mesa com as garotas em frente à pista de dança. Elas conversavam e riam.
- O máximo que vai acontecer é nós desafinarmos. – Seiya insistia que era o momento perfeito. Conseguira reunir todos ali e a pista acabara de ficar vazia.
Era meio da tarde e algumas mesas já estavam vazias. A temperatura estava amena e a maioria fazia o lanche da tarde, conversando despreocupadamente pelo gramado.
- É o máximo de desastre que você consegue prever? – Hyoga disse, bebendo um grande gole de vodka com limão e gelo.
- Estou totalmente dentro! – Aiolia disse, entusiasmado. Deixou o copo na mesa e se levantou para espichar o corpo.
- É agora ou nunca. – Shun balançou a cabeça, abrindo dois botões da camisa embaixo do terno cor de chumbo para liberar os movimentos. – Ikki?
- Nem acredito que estou aqui. – ele emitiu um sorriso irônico. – Se alguém postar algo sobre isso, eu mato cada um de vocês. – se levantou e ligou o microfone sem fio.
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- Atenção! – a voz potente de Ikki trovejou nas caixas de som espalhadas pelo local. – Haverá uma apresentação especial agora na pista de dança. – ele via Yuzuriha e Teneo apontando os celulares, além de outros convidados que considerava irrelevantes. – Oferecemos essa performance para as garotas sentadas na mesa aqui em frente. – apontou para elas, que pararam de conversar e se entreolhavam, fazendo gestos de não saber do que se tratava. – Lembrando que é algo 'privado' e não deve ser compartilhado sem expressa permissão de todos os envolvidos. – Shun apressou-se a tirar o microfone do irmão quando o tom se tornou ameaçador.
- Esperamos que gostem! – exclamou, desligando o microfone e acenando para o responsável pelas músicas.
As garotas viram os seis posicionando-se na pista assim que soou um trovão e sons de pratos de bateria e teclado. Da direita para a esquerda, de costas para elas: Shun, Ikki, Shiryu, Aiolia, Hyoga e Seiya. Levantaram os braços e começaram a mexer as pernas. A performance começou.
I was born to love you
With every single beat of my heart
A voz de Freddie Mercury ecoou e alguns aplaudiram e gritaram, assobiando.
Yes, I was born to take care of you
Every single day of my life
Na repetição do refrão, eles pularam juntos, ficando de frente para a mesa de June, Esmeralda, que estavam com as mãos na boca; Shunrei, que ria enquanto seu rosto queimava; Marin, segurando o rosto nas mãos apoiadas na mesa; Eiri e Saori, que batiam palmas acompanhando o ritmo.
Os rapazes sacudiam os corpos, de pernas abertas, cantando a plenos pulmões, os braços subindo, gesticulando para elas.
Então, Shun, Shiryu e Hyoga se adiantaram para cantar:
You are the one for me
I am the man for you
June escondeu os olhos com as mãos, corando furiosamente quando o marido parou na sua frente, sinalizando para ela prestar atenção no corpo requebrante, gesticulando para ela. Assobios e aplausos.
You we're made for me
You're my ecstasy
Shunrei sentiu o corpo ardendo em fogo com Shiryu, que trocara o quimono por camiseta e calças pretas, usando os polegares para evidenciar seu tórax e fazendo uma onda com o corpo. Gritinhos e celulares apontados para eles.
If I was given every opportunity
I'd kill for your love
Eiri puxou os lábios com cordas invisíveis para formar o enorme sorriso que ofereceu, junto com coraçõezinhos feitos com polegar e indicador, no melhor estilo dorama coreano, para o loiro que parou batendo os pés na plataforma e a encarando com a expressão séria e intensa.
Agora foram para frente Ikki, Aiolia e Seiya:
So take a chance with me
Let me romance with you
Esmeralda batia palmas e assobiava, sem nem piscar, para incentivar o homem de cabelos azuis espetados para todos os lados a continuar com o esforço de elevar a voz de barítono. Aos gritos de "lindo!" e "sexy!", mandava beijinhos para ele.
I'm caught in a dream
And my dream's come true
Marin apoiou os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos, cantando junto com o marido, que era o mais flexível e parecia totalmente à vontade no palco. Ele se aproximou da mesa, se inclinou e deu-lhe um selinho, voltando correndo para o grupo.
So hard to believe
This is happening to me
Saori levantou-se e começou a pular e cantar junto com Yuzuriha, Eurídice, Selinsa e Shoko perto da plataforma, esticando a mão para o noivo beijar, gesticulando com os braços abertos enquanto apontava para ela e a olhava sedutoramente.
Os seis perfilaram à frente, pulando e gesticulando, cantando juntos:
An amazing feeling
Comin' through
As crianças chegaram bem perto, observando abismadas. Seiya e Shun incentivaram-nas a pular e dançar também e elas subiram na plataforma. Até Éden e Haruto faziam passos desajeitados, puxados por Yuna e Yuki.
Freddie Mercury voltou a cantar enquanto eles faziam poses, chacoalhavam os quadris e riam:
I was born to love you
With every single beat of my heart
Yes, I was born to take care of you, honey
Every single day of my life
Shiryu avançou sozinho e cantou de frente para Shunrei:
I wanna love you
I love every little thing about you
I wanna love you, love you, love you
Os outros cinco ficaram atrás entoando "born" e ele respondendo "to love you":
Born, to love you
Born, to love you
Yes I was born to love you
Born, to love you
Born, to love you
Every single day, day of my life
Ele voltou para o meio deles e os seis se uniram pelos ombros:
An amazing feeling
Comin' through
Muitos alunos e aspirantes cantavam e pulavam perto da plataforma, animadíssimos. Quem ficou nas mesas ou ria, ou filmava ou batia palmas ou as três coisas.
I was born to love you
With every single beat of my heart
Yeah, I was born to take care of you
Every single day of my life
Yeah I was born to love you
Every single day of my life
Aplausos e assobios. Os seis agradeceram, as respirações aceleradas, o suor escorrendo e os olhos brilhantes da missão bem-sucedida.
Shunrei correu para se atirar no pescoço de Shiryu, quase derrubando os dois. Viu de relance as outras garotas virem falar com seus amados, seu foco no homem que vibrava intensamente junto dela. Podia sentir a pulsação galopante nas mãos que a seguravam e no peito que arfava. Encostou a testa na dele, segurando-lhe o rosto com as duas mãos. Não conseguia encontrar palavras, então agradeceu com um beijo que o fez girá-la no ar. Ouvia o burburinho e mais aplausos.
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Shinzen kekkon – casamento tradicional xintoísta. Significa "casar diante dos deuses".
Wataboshi – capuz branco usado pela noiva.
Montsuki e hakama – quimono formal masculino e as calças do quimono.
Kami – Divindade. No xintoísmo, é utilizada tanto para se referir a um Deus como a uma infinidade de Deuses que estão presentes na natureza de diversas formas. As pedras, árvores, montanhas e demais elementos da natureza são habitados por deuses.
Shichi Fukujin, os "Sete Deuses da Fortuna" - Benzaiten (correspondente de Saraswati, a Deusa Hindu do Conhecimento. Patrona das gueixas, artistas, músicos e outras profissões que envolvem as artes. Personificação do talento, beleza e fortaleza.); Bishamonten (baseado em Kubera, o Senhor Hindu da Riqueza, é o guardião de locais sagrados, Deus da fortuna para guerras e batalhas.); Daikokuten ("Grande Deus da Escuridão", sincretismo do Deus hindu Shiva. Traz riqueza e fortuna e é um patrono da cozinha.); Ebisu (Deus da Prosperidade, Negócios e Abundância Agrícola. Único membro de origem puramente japonesa.); Fukurokuju (baseado no folclore chinês "Três Estrelas da Fortuna, Prosperidade e Longevidade".); Hotei (protetor das crianças e portador de fortuna.); Jurōjin (baseado no Sábio Chinês do Pólo Sul, é o portador da longevidade. Frequentemente acompanhado por grous e tartarugas e segurando um pêssego. Todos os três são símbolos de vida longa.).
Amatsu Norito, Oração do Céu – Sua composição remonta a tempos imemoriais e evoca as divindades da purificação e todos os entes divinos para estarem presentes naquele momento.
Arancini – petisco tradicional italiano. Bolinho de risoto recheado com molho de carne, de tomate, queijo mozzarella, ervilhas ou outros ingredientes.
Novas personagens – muita gente aparecendo nesse casamento! Algumas vindas de outras obras do Multiverso de Saint Seiya. Shoko e Mayura são de Santia Sho e vieram especialmente abrilhantar o elenco feminino. E novos casais! Tem um easter egg entre Shion, Mu, Pavlin e Mayura. Alguém sabe o que é? Serenity é uma amiga que deu uma idéia ótima para apresentar Saga e Kanon e entrou também! Ela é escritora e tem várias fics ótimas. Procurem 'Serenity Elián'. Os Huang apareceram pela primeira vez na minha fic "A Flor e o Dragão". Eu os adoro e Shunrei também.
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Olá!
Como eu gostei de pensar sobre esse momento! Me diverti muito imaginando as interações dos personagens, mesmo as que não estão descritas aqui.
Numa festa de tantas horas, com tanta gente, a autora confia na imaginação dos leitores para preencher o que o espaço não permite abordar. Afinal, tem gente que aparece para marcar presença, mas com certeza foi alvo da atenção dos noivos, como os Huang. Com certeza, Shu e Shi conversaram muito com eles para aproveitar a oportunidade. E Shi reviu colegas de faculdade! Então, coloquem a imaginação para funcionar. ;-)
Quis fazer uma cerimônia xintoísta porque essa história gira em torno de um Santuário no Japão e gosto de refletir sobre o significado de "sagrado" para cada um dos personagens. Achei apropriado que eles adotassem muito da filosofia xintoísta pelo modo de vida que escolheram ter.
Me contem o que acharam e se faltou alguém nessa recepção.
No próximo episódio, a tão aguardada lua-de-mel.
Até mais!
Jasmin Tuk
No próximo episódio:
"- Muito obrigado. – Shiryu despediu-se do carregador, suspirando ao fechar a porta. A visão da esposa, destacada na paisagem magnífica, o fez sorrir de contentamento. – Eu sei exatamente o que dizer a eles. – em cinco passos a alcançou, abraçando-a por trás. – Mas terão que esperar porque minhas prioridades são outras no momento. – sua voz grave provocou choques nas extremidades do corpo dela."
