Notas da autora
A-ji fica...
Na mansão Daguoshi do reino de Dacheng...
Capítulo 7 – Reunião na mansão Daguoshi
- Eu poderia comer tranquilamente. Ou melhor, qualquer jiaoren faria isso. Mas, como a sua raça é pequena e a maioria da minha espécie é grande, preferimos presas maiores. Agora, se um jiaoren estiver envenenado ou fraco e se houve um humano no oceano, ele provavelmente irá atacar se estiver faminto. Só atacamos para comer quando sentimentos fome.
Ela fica estupefata com a resposta a uma dúvida em sua mente, percebendo que ele falava de forma objetiva, sem rodeios e de forma prática.
De fato, Chang Yi era bem sincero, honesto e objetivo.
Conforme se lembrava que eram raças diferentes, descobriu que não podia achar ruim. Os humanos não pertenciam ao mar. O mar era dos jiaoren e pelo que compreendeu, eles eram uma espécie predadora.
Inclusive, se fosse analisar, friamente, o que podia ser considerado deplorável eram os humanos atacando outros humanos porque eram da mesma raça. Isso sim era condenável conforme analisava sem qualquer sentimentalismo, o que ouviu.
Ela pigarreia, se recompondo, para depois, perguntar:
- Então, é uma alimentação baseada apenas em carne?
- Não porque como alga também como disse anteriormente. Mas, prefiro carne, preferencialmente tenra.
"De fato, ele é um demônio tubarão. Mas, confesso que a parte da alga me surpreendeu. Eu pensei que tinha ouvido errado" - Ela pensa consigo mesma.
- É costume da sua espécie usar espólios da presa abatida? Você citou antes que gosta de usar a casca deles para dormir após devorá-los.
- Sim. Eu não sou o único. Além disso, o gosto por determinado local para dormir pode variar de tribo para tribo, assim como da linhagem como disse antes. Aqueles que não possuem um poder considerável e consequentemente, tamanho, não conseguem comer seres maiores do que eles. Esse marisco que estamos pode ser considerado pequeno em relação ao tamanho da minha verdadeira forma.
Ela suspira e depois, fala:
- Bem, eu acho que nós, humanos, pelo menos, a maioria esmagadora, ainda somos muito razoáveis em alguns aspectos.
Chang Yi pensou por um tempo e após refletir, responde com a sua usual sinceridade:
- Eu não minto para eles. Eu não vou deixar eles viverem em primeiro lugar quando olho para eles. Nós só abatemos uma presa quando sentimos fome. Vocês não comem carne também?
- Sim. Mas, não comemos somente carne. Comemos ovos, legumes, frutas, grãos e outras comidas. Nós somos onívoros e não carnívoros. Nossa alimentação é bem ampla. Praticamente, comemos de tudo.
- É só usam a carne dos seres que comem?
- Bem, nós usamos as penas para encher travesseiros e outros objetos. Usamos o pelo e pele para fazer roupas e acessórios, além de utilizamos ossos e órgãos na alimentação. Inclusive, fazemos uso dos cascos e dos chifres. O bico também é usado. Além disso, usamos... – nisso, ela para de falar enquanto olhava para ele que sorri discretamente, fazendo a princesa suspirar – De fato, analisando por esse ângulo, não há distinção no fato de você usar a concha da sua presa após abatê-la. De certa forma, nós humanos também fazemos isso.
- Não é certo desperdiçar. Tem que aproveitar tudo. Não há nada de errado nisso.
Então, decidindo enterrar o assunto da comida após descobrir alguns fatos perturbadores, ela comenta enquanto se recorda que somente conseguia ficar naquele ambiente e bem, graças a magia do tritão:
- Nunca pensei que os jiaorens tivessem uma magia tão prática quanto a que você usou em mim. Porém, esse não é um feitiço muito útil para você e o seu povo, certo?
- Sim. É a primeira vez que eu uso.
A princesa sorri de canto e pergunta:
- Peixe de cauda grande, nesse curto período de tempo que nos conhecemos, quantas primeiras vezes eu tirei de você? – A jovem pergunta com um sorriso no rosto.
O jiaoren fica em silêncio enquanto pensava na resposta.
Pelo pouco que ela interagiu com Chang Yi, a mestra de demônios sabia que ele havia considerado com seriedade a sua pergunta descontraída.
- Você está realmente contando, certo? – A jovem pergunta em tom de confirmação.
- Sim. Eu ainda não terminei de contar.
A princesa ri levemente enquanto abanava a cabeça para os lados, achando divertido o fato dele ser tão sério, inclusive com assuntos triviais.
- Você é mesmo um peixe de cauda grande muito sério.
- É bom ser sério
- Além de rígido.
- Também é bom ser rígido. Foi assim que eu fui ensinado.
Então, ela lembra que ele era o príncipe herdeiro do oceano e comenta com um sorriso:
- De fato, como príncipe herdeiro é necessário ter essas duas características, dentre outras.
Então, vendo que ele esqueceu da pergunta trivial dela, a jovem pergunta após suspirar:
- Parece que o oceano é bem tranquilo embaixo das ondas. Todos os jiaorens gostam de falar?
- Sim. É tranquilo. Quanto a falar, nem todo mundo gosta de fazer isso e quando conversarmos, costumamos usar o nosso próprio idioma.
A-ji se lembra de como o tritão cantou em uma linguagem que ela não conseguiu compreender.
Então, a mestra de demônios se vira para o demônio e pergunta:
- Você poderia cantar para mim novamente? A sua voz é linda.
- Gostaria de algo em especifico?
- Não. Pode ser a sua canção favorita.
Então, o jiaoren começa a cantar uma música linda em seu idioma, fazendo-a fechar os olhos enquanto apreciava a bela música que dura algum tempo até que ele termina.
- O que é essa canção? É tão linda.
- É a canção do tubarão e é um elogio à liberdade.
A princesa fica fascinada ao saber disso e concordava que os jiaorens deviam ser sempre livres.
Após alguns minutos, a jovem tenta se ajeitar melhor onde estava sentada e acaba escorregando, fazendo com que apoiasse uma das mãos na cauda de Chang Yi, para depois, retirá-la, percebendo que quando tocou na cauda dele ao escorregar levemente para o lado, o tritão se afastou para trás como se estivesse em transe.
- Eu toquei onde não devia? – A mestra de demônios pergunta com visível preocupação perante a atitude dele – Se foi isso, eu peço desculpas. É que eu perdi momentaneamente o equilíbrio.
- Não.
A humana viu que ele olhou para ela, para depois, inclinar a cabeça enquanto hesitava por algum tempo, fazendo-a ficar confusa com essa reação porque até aquele instante nunca o viu ficar daquela forma.
A jovem nota que a face dele demonstra um pouco de confusão ao olhá-la, para depois, perguntar:
- Você gosta de mim? Não é a primeira vez que você toca em mim, embora desta vez tenha sido por acidente enquanto que no passado, uma das vezes que você me tocou foi para ajudar a tratar os meus ferimentos ao executar aquele feitiço longo de tocar para curar.
A princesa ficou atordoada enquanto assimilava a pergunta inesperada ao mesmo tempo em que olhava para o belo jiaoren, com a jovem lutando para controlar o rubor nas bochechas ao se lembrar das vezes que ela o tocou.
Nesse interim, há dezenas de quilômetros dali, na mansão Daguoshi do reino de Dacheng, mais precisamente na sala usada para reuniões, o rei e a rainha estavam juntos do general, além do Grão-Mestre de demônios, Ning Qing. Também se encontrava no local o chefe das tropas defensivas do castelo, Zhu Ling, cujo título era Comandante da torre Ling Shuang. Ele também era primo das princesas por ser filho do falecido irmão da atual rainha.
Todos eles estavam sentados em volta de uma mesa de mogno com detalhes dourados e cravejado de joias preciosas. No tampão havia um mapa e um ponto assinalado. Havia também alguns pergaminhos antigos espalhados na mesa e que se encontravam abertos contendo grifos no texto ao ser usado pincel para destacar aqueles pontos. Outros, estavam parcialmente destruídos.
- É incrível você ter conseguido resgatar esses textos antigos. – O rei comenta em tom de gracejo.
- Obrigado, vossa majestade - Ning Qing se curva respeitosamente.
- Você acha mesmo que o nosso alvo está naquele local? – A rainha pergunta com descrença em seu olhar – Não é a primeira que somos enganados.
- O meu antecessor não era cuidadoso e nem mesmo atencioso com esse assunto. Se tivesse investigado mais atentamente os fatos, veria o seu erro. Eu não sou assim. Pesquisei em muitos locais e encontrei uma informação crucial em um templo budista abandonado próximo a capital.
- Pelo que me lembro, esses monges demonstravam clemência pelos demônios. Foram contra a decisão de escravizar e matar todos eles, senão me engano. – O general fala com raiva em sua voz – E pensar que eles se julgam seguidores de Buda! Mereceram o fim que tiveram, assim como toda a perseguição das gerações anteriores e atuais da família real. Agora, não passam de párias com autorização para serem executados.
- É uma pena que ainda existam monges por aí. Eles se assemelham a baratas. – A rainha fala com desgosto.
- Defender um demônio é inadmissível! Eles merecem serem mortos por protegê-los enquanto que os demônios têm que ser mortos ou escravizados! – O rei exclama batendo o punho na mesa.
- Por favor, acalmem-se, vossa majestade. Qualquer monge será morto por um soldado assim que for avistado. - Zhu Ling fala respeitosamente – Para ajudar, até colocaram recompensa pela cabeça de um monge.
- Mesmo assim, faz algum tempo que alguém vem buscar alguma recompensa.
- Com certeza, eles estão sendo cuidadosos. Ouvi boatos de templos extremamente isolados. Todo e qualquer templo avistado é destruído e se os aldeões tentam proteger o local são presos e executados por traição.
- Excelente! – O rei exclama com satisfação.
Ning Qing apenas observava a conversa enquanto questionava mentalmente quando será feito o comentário sobre um incidente de anos atrás e que atualmente era considerado uma dor de cabeça para o reino.
Ademais, as atitudes deles contra os monges ainda provocam indignação popular, mesmo fazendo uma campanha os difamando como protetores dos demônios.
O problema da campanha é que a perseguição aos demônios foi tão intensa e igualmente implacável ao longo dos séculos que não havia restado nenhum nas proximidades e mesmo as aparições deles eram raras, com essa raridade aumentando gradativamente ao longo do tempo. Essa campanha teria um peso maior para mudar parte da opinião pública se houvesse ataques frequentes de demônios.
Portanto, com um peso quase irrisório, a campanha não mudou a opinião da maioria esmagadora das pessoas e a aceitação da família real pelo povo era a menor de todos os séculos, com essa insatisfação popular aumentando a cada geração, agravando o fato dos reis terem tomado decisões demasiadamente impopulares. Havia também o fato de que a princesa, Ru Ling, que aparecia ao lado deles frequentemente por ser a princesa herdeira, era considerada antipática e mimada ao extremo gerando indignação popular ao mesmo tempo que a princesa mais nova, A-ji, era tão suprimida que muitos consideravam a existência dela como meramente um boato.
Para o povo, só havia uma princesa no reino e ela se chamava Shunde porque o nome real dela, Ru Ling, era apenas falado por pessoas próximas ou membros da família real.
Os impostos altos apenas prejudicavam a vida das pessoas e fazia com que a arrecadação do reino caísse vertiginosamente ao longo dos séculos junto do êxodo das pessoas para locais afastados visando a sobrevivência deles ao tentarem fugir dos impostos brutais.
Para agravar a insatisfação popular, aqueles que não conseguiam pagar os impostos eram convertidos em escravos junto da sua família.
Ao ver dele, se a família real não fizesse nada, iria estourar uma imensa e incontrolável revolta civil porque a insatisfação popular apenas aumentava gradativamente e com a declaração da escravidão em vez da prisão, o sentimento de insatisfação pela família real foi convertida em ódio. A fome que avançava entre os mais vulneráveis e pobres era outro fator que instigava a raiva do povo.
Tudo isso levou ao endurecimento das leis, com as punições sendo extremamente rígidas para qualquer um que tentasse convocar um levante contra a família real ou que estivesse envolvido em traição. O atendente pessoal do rei, o oficial Zhang, que também atendia a rainha e a princesa herdeira Shunde, foi especialmente criativo nas punições que eram extremamente sádicas, visando provocar o máximo de dor antes da morte.
Por isso, que muitos procuravam se suicidar na prisão. Era menos sofrimento.
Porém, com tantos suicídios, eles criaram meios de impedir que os prisioneiros continuassem se suicidando.
Afinal, Zhang os queria vivos para praticar os seus atos sádicos e igualmente cruéis. O ato de implorar pela morte ou por clemência apenas aumentava o prazer dele pelo sofrimento das suas vítimas.
De fato, a família real decaía a cada geração. De um reino extremamente próspero e de uma família real amada pelo povo em um passado demasiadamente distante, as várias gerações seguintes junto da atual família real fizeram o reino decair, o enfraquecendo enquanto o sentimento do povo era de desprezo e de ódio.
Inclusive, só não foi invadido por outro reino porque no passado distante, o antigo rei conseguiu conquistar todos os pequenos reinos, os subjugando e os outros reinos que podiam tentar conquistar Dacheng estavam além-mar, fazendo com que houvesse a desvantagem da distância.
Porém, no ritmo que estava caindo a capital, na visão de Ning Qing, era questão de tempo para que o reino estivesse totalmente fragilizado.
O reino somente se mantinha atualmente pelo fato de conseguirem escravizar demônios junto do poder do pulso duplo de um mestre de demônios que concedia a capacidade de usar magia, além de fazer com que os corpos deles fossem mais resistentes junto do fato de terem uma força física acima dos demais humanos, conseguindo assim usar o poder dos demônios e dos mestres de demônios contra qualquer invasor e para subjugar qualquer tentativa de rebelião do povo junto do endurecimento das leis.
Tudo isso fez com que as pessoas odiassem não somente a família real. Os mestres de demônios também eram odiados e desprezados junto do grão-mestre de demônios que era temido pelo mundo e odiado pelo povo.
Ning Qing arqueia o cenho ao ver Zhu Ling olhar para ele com um sorriso de escárnio.
- Vossas majestades, devemos lembrar o grão-mestre do grave erro que ele cometeu anos atrás ao permitir a fuga de Ji Chengge da sua seita e que atualmente mudou o seu nome para Kong Ming ao se tornar um monge, trazendo problemas para nós? Ele tem um irmão de sangue que ainda está na seita, certo? O nome dele é Ji Chengyu.
- Se você está especulando que não fiz a minha parte, saiba que eu fiz tudo o que podia. Inclusive, usei uma matriz da verdade para verificar se ele sabia do paradeiro do irmão e a técnica revelou que ele falou a verdade quando disse que não sabia e que também, nunca soube dos planos do irmão mais velho. Tudo indica que Ji Chengge agiu por si mesmo. Quanto a fuga dele, tomei medidas adicionais para evitar isso, além do uso do Frost. Eu também não compreendo como ele não foi afetado pelo efeito da maldição. Talvez, foi algo que aprendeu com os monges. Por causa da perseguição implacável, o conhecimento sobre os monges se perdeu ao longo do tempo. O que sabemos sobre eles é bem estrito.
- Como ousa argumentar que...!
- Silêncio! – O rei exclama e Zhu Ling para de falar prontamente enquanto se encolhia – Estamos aqui para discutir a descoberta e não para ficar trocando acusações e acontecimentos que não podem ser mudados.
- Sim, vossa majestade. Perdoe-me, por favor. – O sobrinho do rei se curvava enquanto se ajoelhava sobre um joelho.
- Levante-se e não toque mais nesse assunto.
- Sim, vossa majestade. Eu agradeço a vossa misericórdia.
- Você tem que aprender a se conter. Como quer chegar ao título de general sendo desse jeito? – O avô paternal dele que era general fala em tom de censura enquanto o fuzilava com os olhos, fazendo-o se encolher novamente com o olhar colérico do mais velho.
- O senhor está certo. Perdoe-me.
- Domine a si mesmo antes de tentar dominar os soldados. Se não consegue dominar a si mesmo, nunca conseguirá ter êxito como general.
- Eu vou fazer isso.
- Eu quero ações e não somente palavras.
- Então, Ning Qing, os dados estão precisos? E o conhecimento também? – A rainha pergunta para que o foco voltasse ao mapa da mesa.
- Quanto aos dados sobre o local, sim. Em relação ao que está selado lá, não. Mas, encontrei indícios de que é bem poderoso.
- Um demônio tão poderoso pode ser subjugado? – O rei pergunta – Já foi domado algum demônio desse nível?
