Notas da autora
Em uma vila...
Enquanto isso, em outra vila...
Capítulo 13 – Monges
- Você disse que ele era eremita e que preferia ficar sozinho. Eu imagino que a sua espécie atendeu ao desejo dele.
- Sim. Além disso, o local onde ele se encontra é desinteressante para o meu povo. Não há motivos para ter alguém nos arredores.
- Vamos usar aquela tática quando chegarmos.
- Sim.
O tritão a pega novamente nos braços, com a jovem corando intensamente enquanto o jiaoren podia ouvir os batimentos cardíacos acelerados dela, compreendendo que eram reações que não deveria esperar da humana que disse que somente eram amigos.
Inclusive, ele havia ficado um pouco confuso com a declaração dela por ter visto a suas reações, para depois, acreditar que havia interpretado erroneamente os sinais que ela demonstrava ao seu toque ou proximidade. Mas, agora, em seus braços, era nítido que as reações estavam em contradição com a fala dela, fazendo-o ficar pensativo.
Há centenas de quilômetros dali, em uma vila próxima a capital, os soldados estavam invadindo as casas e saqueando o que desejavam além de recolherem a taxa do imposto que era excessivo para as condições humildes da vila.
Os que não conseguiam pagar o valor exorbitante para a realidade daquele local eram pegos e jogados em carroças, com a família inteiro sendo jogada junto do devedor, fazendo surgir gritos de desespero, de dor e de súplica que permeavam o ar, com os soldados rindo cruelmente porque se divertiam com o desespero dos que eram aprisionados enquanto os demais se encontravam impotentes contra as armas e o treinamento do exército ao mesmo tempo em que o fiscal dos tributos também se divertia, sem deixar de fiscalizar a arrecadação e fazer relatórios.
Em algumas famílias devedoras que tinham garotas e garotos, os soldados entravam e os estupravam antes de jogarem nas carroças, com eles lutando para manterem as roupas no corpo enquanto os demais mantinham a população subjugada, com todos sendo obrigados a ficarem de joelhos enquanto oravam por ajuda ao mesmo tempo em que muitos olhavam em um misto de impotência e desespero os soldados se alterando no controle para que todos eles pudessem se divertir estuprando os jovens aldeões.
Alguns membros da vila tentaram lutar contra a captura apenas para serem mortos de forma violenta ao terem os membros amarrados em cavalos e os mesmos, forçados a correr em direções diferentes, os desmembrando para todos verem ou sendo empalados vivos várias vezes e aqueles que não assistiam eram brutalizados, não poupando nem crianças de assistirem o espetáculo brutal e cruel porque as vítimas eram usadas como exemplos para aqueles que ousassem reagir enquanto satisfaziam alguns soldados que eram sádicos.
As casas daqueles que foram jogados em carroça para serem escravizados por dividas eram queimadas após serem saqueadas e quando tinham criações, elas eram levadas também e passariam a pertencer a corte imperial.
Então, todos observam uma pessoa entrando na vila coberta com um capuz surrado em vários graus, mas, que ainda conseguia ocultar o rosto do seu dono, além de ser visível o fato dele virar a cabeça para os lados, observando o entorno e depois, olhando para a aglomeração de soldados no centro da vila, para depois, caminhar na direção deles.
O líder dos soldados se aproxima e pergunta asperamente:
- É dessa vila?
- Não. Eu sou apenas um andarilho.
- Então, saia. Estamos fazendo o nosso trabalho.
De uma das casas do entorno, uma mulher é arrastada para fora pelos cabelos com as roupas desgrenhadas enquanto chorava ao mesmo tempo em que eram audíveis os gritos de dor e de desespero, além de pedidos de clemência para que parassem porque doía e pelas vozes, a maioria compreendia pessoas jovens e era possível identificar tristemente as vozes de algumas crianças em súplica, fazendo o recém-chegado torcer os punhos enquanto a sua fúria aumentava exponencialmente.
Outras vozes se juntam ao mesmo clamor enquanto eram audíveis vozes masculinas, com ele vendo um rapaz que não conseguia andar por mancar enquanto segurava as calças precariamente ao mesmo tempo em que era arrastado por dois homens corpulentos que exibiam sorrisos perversos em seu semblante, com ele sendo jogado brutalmente na carroça, assim como era com todas as outras vítimas.
- O trabalho de vocês insiste em estuprar e saquear? Além de escravizar os que não conseguem pagar os impostos abusivos? – O homem de capuz pergunta enquanto olhava para as carroças que tinham grades onde várias pessoas estavam amontoadas, com estes grupos contendo bebês, gestantes, mulheres e homens.
- É um hobby nosso com aqueles que não cumprem com as regras e com o pagamento dos impostos. Senão pagar os impostos, eles precisam de punição através da escravidão dele e de sua família e tudo o que eles possuem devem ser entregues a corte imperial. Essas são as ordens que temos. Saia daqui forasteiro ou iremos escraviza-lo também.
- Entendo... Eu gostaria de vê-los tentar. – O homem fala enquanto era visível um sorriso que era um misto de arrogância e de sadismo por baixo do capuz surrado.
O responsável sorri consigo mesmo e fala:
- Pelo visto, a estupidez está em alta. Nós iremos fazer a sua vontade. Homens!
Os que estavam livres se amontoam em volta dele enquanto os demais continuavam jogando pessoas nas carroças, saqueando, estuprando ou queimando.
- Por favor, façam as honras. – Ele fala com sarcasmo enquanto se curvava de forma irônica com um risinho de deboche, fazendo os guardas imperiais ficarem furiosos.
- Bastardo! Quem você pensa que é?
O comandante do grupo de soldados avança contra o seu adversário para ataca-lo ao erguer a sua espada enquanto sorria arrogantemente porque não avistou nenhuma arma nas mãos do recém-chegado que pudesse bloquear o seu ataque.
Porém, antes que pudesse acertar a lâmina fria e afiada contra o andarilho, ele é golpeado violentamente pelo punho do seu oponente que descarregou parte da sua fúria e revolta naquele golpe ao condensar o poder dentro dele para potencializar o ataque. O movimento foi preciso e rápido aos olhos humanos, fazendo com que o comandante não conseguisse detectar o punho do seu adversário, impedindo assim qualquer defesa por parte dele.
O golpe foi tão forte e igualmente brutal que ele voou para longe, subindo vários metros no ar sobre o olhar estarrecido de todos, para depois, o corpo cair violentamente dentre os entulhos fumegantes, fazendo jorrar sangue em todas as direções quando o corpo foi espatifado e cuja quantidade foi suficiente para fazer uma poça pegajosa carmesim considerável no local.
Após vários minutos, alguns soldados saem do estupor que se encontravam com a cena bizarra e exclamam desesperados:
- Senhor!
Todos os soldados gritam e os demais param o que faziam para se juntarem aos que estavam lá, com todos retirando suas espadas enquanto alguns usavam lanças e tomados pela fúria, avançam contra o forasteiro, com este vendo pelo canto dos olhos que muitos soldados tentavam fugir junto do fiscal de tributos.
O mesmo retira a capa, revelando que é um monge que coloca as contas feitas de fragmentos de crânio em seu pescoço e começa a fazer selos, fazendo surgir matrizes no entorno sobre a face embasbacada deles enquanto falava:
- Eu me chamo Kongming. Eu desprezo o mal e jurei limpar o mundo da injustiça.
De uma matriz brota flechas douradas que voam velozmente contra os soldados, com alguns bloqueando com as armas enquanto vários eram perfurados sumariamente ao mesmo tempo que das outras matrizes surgem feixes dourados que atacam os soldados, cortando as armas como se elas fossem de papel e, não obstante, surgem correntes que os imobilizam apenas para serem fatiados por lâminas douradas que voam contra os soldados, matando e retalhando os corpos daqueles que haviam sobrevivido aos feixes.
Os ataques ferozes geravam uma chuva de sangue no local ao mesmo tempo em que surgiam partes de corpos voando que se chocavam contra uma barreira de contenção erguida por Kongming para que os pedaços dos corpos e sangue não se espalhassem demasiadamente, concentrando assim uma poça rubra no local.
Um soldado que exibia um semblante enlouquecido consegue avançar apesar de ter a orelha decepada e um olho perfurado pela flecha que não fincou em seu cérebro porque atingiu lateralmente o seu rosto. Ele conseguiu passar pela barreira porque era fraca.
Afinal, foi criada apenas para bloquear pedaços de corpos e sangue. O monge não despejou poder nela ao contrário das matrizes que criou.
Portanto, o soldado conseguiu fragmentá-la ao usar o peso do seu corpo para rompê-la junto de uma arma que tinha um contorno prateado, evidenciando que não era uma arma comum.
O fato de uma pessoa conseguir sair da formação assassina deixou o monge estupefato. Mesmo assim, conseguiu desviar dos braços do soldado que em seguida, usou o seu corpo para jogá-lo para o lado, fazendo-o cair, para depois, usar a adaga de contorno prateado para acertá-lo lateralmente, acabando por pegar apenas a parte de cima da coxa porque Kongming conseguiu desviar do ataque que mirava o seu abdômen.
Colocando poder espiritual em seu punho, ele golpeia com fúria o crânio do soldado, perfurando o osso e espatifando o cérebro, cessando assim a vida naquele corpo.
O monge se ergue e usa o poder espiritual para reduzir os danos do ferimento, permitindo que movimentasse a perna, para depois, rasgar um pedaço da sua túnica para criar um curativo que envolve a sua coxa e comenta ao olhar para o corpo sem vida ao lado dele:
- Você foi o primeiro a escapar com vida da matriz mestra assassina que desenvolvi e aprimorei ao longo dos anos.
O supervisor que fiscalizava o pagamento dos impostos e alguns soldados que haviam tentado fugir anteriormente estavam presos em uma matriz de aprisionamento que surgiu de baixo dos seus pés.
Ao verem que detinham a atenção do monge e após assistirem a cena sanguinolenta e brutal da morte dos outros, eles imploram por clemência enquanto choravam até que ouvem a voz fria de Kongming.
- As suas vítimas imploraram por clemência e vocês não deram a elas. Por que eu preciso ter clemência? O meu objetivo em vida é matar o mal e abolir a injustiça. Vocês são o mal e eu devo erradica-los assim como foi com aqueles bastardos que morreram na minha matriz mestra assassina.
Para desespero deles, surge uma nova matriz no chão e dela surgem lanças douradas que os empalam vivos de baixo para cima, fazendo-os agonizar até morrer.
Então, o monge caminha calmamente pela vila, com todos olhando estupefatos para ele que avança nas casas e mata os outros soldados que estavam estuprando as suas vítimas, para depois, ir até as carroças, quebrando os cadeados para libertar as pessoas e após terminar de salvá-los, o monge careca fala:
- Saiam daqui porque a corte imperial irá enviar soldados para saber o que aconteceu e quando descobrirem o que ocorreu, não acredito que mesmo os que pagaram os impostos vão sair impunes. Peguem o que conseguirem levar e fujam daqui. Arranjem outro local porque ficar aqui será uma sentença de morte por tortura ou se vão se tornar escravos. Recuperem o que deram de imposto e saiam. A escolha é de vocês.
Ele fala dando de ombros e vai até os soldados, retirando um pedaço do osso do crânio deles, limpando os fragmentos em seguida, para depois, colocá-los como contas em seu colar, com uma das pessoas perguntando temerosamente:
- O senhor é um monge, mas, mata?
- Sim. Eu mato e como carne. Quanto as outras regras, eu as sigo.
Todos ficam estupefatos enquanto Kongming continuava o seu caminho para sair da vila após recolher os fragmentos dos crânios daqueles que ele matou.
Há alguns quilômetros de distância, outro monge andava por um caminho no centro de uma vila. Ele usava um capuz e tinha uma peruca que foi colocada de forma perfeita para ludibriar as pessoas.
A espécie de manto surrado ocultava as suas verdadeiras roupas enquanto ele comia um espeto que para os demais era de carne quanto na verdade era feita de um legume. Esse artifício era usado puramente para enganar as pessoas quando ele passou perto de algumas delas, fazendo-as julgar que era apenas um andarilho comum e não um monge.
Afinal, ele sabia que os monges eram caçados vivos ou eram executados por ordem da corte imperial e apesar de saber que com os seus poderes, seria impossível capturá-lo, ele queria evitar conflitos e o risco de matar os seus agressores.
Afinal, ele fez os seus votos e fazia questão de segui-los.
Quando os monges precisavam sair dos seus respectivos templos que eram ocultos e de difícil localização, eles usavam esses artifícios para passarem despercebidos porque mesmo que a maioria possuísse poderes, eles preferiam não utilizá-los, limitando a usá-los apenas em último caso.
Enquanto o monge andava por um caminho de terra no centro da vila, ele olhava discretamente para um medalhão de safira em volta do seu pescoço e por baixo do manto, com ele comentando consigo mesmo:
- Ainda sem reação. Pelo visto, será difícil encontrá-la – ele suspira - Mesmo assim, preciso perseverar na minha tarefa. Preciso encontrá-la o quanto antes. Acho que devo ir mais para o sul. Já basta os anos que eu perdi procurando na região errada.
Então, ele termina o espetinho e guarda a madeira em uma espécie de trouxa de pano que trazia amarrado nas costas e que ficava em cima do manto desgastado.
Próximo da saída daquela vila, o monge avista o desespero de uma mulher na porta de uma casa quando um curandeiro saiu pesaroso, negando com a cabeça e movido por pena, o monge se aproxima e pergunta gentilmente a mulher após o curandeiro se retirar:
- O que aconteceu?
- A minha filha está doente. O curandeiro não sabe como curá-la.
- Eu posso olhar ela? Eu entendo um pouco de medicamentos e viajei por vários lugares.
- Claro. Por favor.
A mulher angustiada o conduz pela casa humilde até um quarto onde avista uma jovem deitada. Ela suava profusamente enquanto demonstrava dificuldade para respirar. Ele senta em uma cadeira simples ao lado da cama e após colocar a mão na testa, percebe que a jovem estava muito febril, para depois, pegar no pulso dela e se concentrar.
Em seguida, suas mãos brilham e ele passa elas por cima do corpo dela, percorrendo-o sem tocá-la, para depois, se fixar no tórax.
Então, o monge termina de examinar e fala quando a jovem tosse fortemente ao mesmo tempo em que forçava a respiração.
- Ela está com os pulmões comprometidos. A senhora pode conseguir três potes de água cristalina e uma colher? Eu vou preparar um medicamento.
A senhora consente e corre para pegar o que ele pediu enquanto ele pegava um pequeno potinho de barro que continha algumas ervas que serviam apenas como fortificante.
Afinal, iria curá-la de outra forma.
