Esclarecimento: Só reiterando que esta história não me pertence, ela é uma adaptação do livro de mesmo nome, de Sara Wood, que foi publicado na série de romances "Bianca Especial de Férias", da editora Nova Cultural.


Capítulo 3

Sesshoumaru se atrasara, Rin concluiu, consultando o relógio de pulso. Aborrecida, caminhou até o balcão da companhia aérea.

- Por favor, senhorita, poderia verificar se a passagem em nome de Rin Taniguchi está aí ?

Depois de alguns minutos a jovem atendente anunciou, aproximando-se do balcão:

- Está aqui.

- Que bom ! Gostaria de retirá-la agora.

Apanhando a valise de mão, Rin dirigiu-se ao local de checagem de passageiros e despachou a bagagem. Em seguida, foi para o setor de imigração, onde ficou à espera de Sesshoumaru.

Os minutos se escoavam devagar. Rin notava os olhares dos passageiros a caminho do portão de embarque, admirando-lhe a beleza e a elegância. Ajeitou com displicência os cabelos negros que formavam um bonito contraste com o tom suave do clássico conjunto de saia e blazer. Controlava a custo a impaciência.

Talvez estivesse bem vestida demais para o estilo do acompanhante, pensou com certo receio. Se usasse roupas mais simples, diminuiria a inevitável distância entre os dois. No entanto, nem lhe passara pela cabeça tomar um avião sem o traje adequado. Além disso, não possuía nada tão despojado quanto o vestuário de Sesshoumaru. Mesmo não tendo um guarda-roupa muito variado, todas as peças eram de altíssima qualidade.

Consultou o relógio de pulso pela décima vez. Irritada, resolveu passar pelo controle de passaporte. Assim, esperaria Sesshoumaru no saguão interno, muito mais confortável e arejado.

A viagem começava mal, suspirou com raiva. Se ele demonstrasse aquela falta de profissionalismo o tempo todo, qualquer trabalho envolvendo a ambos jamais daria certo.

Perfeccionista e exigente, Rin sempre fizera questão de cumprir os horários. Parecia-lhe impossível desenvolver uma atividade séria sem um mínimo de organização...

- Ora, se não é a Mulher-Aranha ! O que está fazendo aqui ? - ela voltou-se e encarou com indiferença a expressão sarcástica no rosto de Sesshoumaru - Pelo visto, ainda se veste com o mesmo bom gosto de sempre - ele comentou, admirando-lhe o paletó caríssimo com ironia mal disfarçada.

- Pena que eu não possa retribuir o elogio, sr. Taisho.

Com ar de lástima, Rin observou-lhe a velha camiseta cinza e a surrada calça jeans. Entretanto, a perfeição do corpo dele, musculoso e altivo, amenizava a impressão inicial, tornando o traje quase aceitável. E ela se perguntou se as roupas desleixadas não eram apenas um toque de excentricidade.

- Não me culpe - ele pediu com falsa humildade - Nem todo mundo tem o privilégio de usar os truques certos nos momentos certos...

Rin fitou com firmeza os olhos dourados, onde brilhava uma indisfarçável malícia. Não ficaria intimidada com insinuações sobre um incidente ridículo ocorrido tantos meses antes.

- Está atrasado - recriminou-o.

- É, estou mesmo... - ele admitiu, distraído; em seguida, notando a câmera no ombro de Rin, acrescentou, perplexo: - Mas como... você é...

Rin ficou satisfeita com a raiva e a decepção nos olhos de Sesshoumaru. Ele devia ter corrido um bocado para se encontrar com a "senhora" Taniguchi, pois estava suado e ofegante. Até se enfeitara um pouco, cortando os cabelos e tirando a barba tão charmosa de antes. "Tanto sacrifício para fazer uma nova conquista e, no final, encontrar uma inimiga", pensou com ironia. Sorriu e estendeu-lhe a mão:

- Sra. Rin Taniguchi, às suas ordens. Como está o senhor ?

- Não muito bem.

- Dá para perceber... não acha melhor irmos agora, sr. Taisho ?

Enquanto caminhavam pelo corredor, Rin percebeu sobre si o olhar insistente de Sesshoumaru. O modo como a fitava deixava-a perturbada, mas ela disfarçou a excitação e o nervosismo com uma indiferença estudada, sua habitual defesa contra situações embaraçosas. Mais uma herança de tia Shizuka, cuja maior preocupação fora transformá-la numa verdadeira dama...

Já na sala de embarque, Rin notou com certa surpresa como Sesshoumaru chamava a atenção das mulheres presentes. As roupas descuidadas até contribuíam para destacá-lo dos outros homens, transformando-se num elemento a mais para o charme selvagem e despreocupado. No entanto, ele não parecia preocupado com o próprio sucesso com o sexo oposto. Devia ser um fato corriqueiro aquele vaidoso tornar-se o centro das atenções, ela pensou com desagrado.

- Então, sra. Taniguchi ? - ele indagou a certa altura - Fez as pazes com seu marido ? E ele não se importa de você viajar para tão longe, ainda mais em companhia de um estranho ?

Rin sentou-se na única poltrona vaga e respondeu:

- Não disse a ele que viria.

O melhor meio de evitar futuras investidas era Sesshoumaru não saber do divórcio. Pretensioso como era, devia julgar todas as mulheres desimpedidas como alvos potenciais de conquista.

- Ah, entendi... - ele anuiu, com um sorrisinho maldoso.

- Além do mais, sr. Taisho, estamos tratando de negócios. Tirando os assuntos específicos de trabalho, o senhor se manterá no seu lugar e eu, no meu. Respeito muito a privacidade das pessoas e preservo a minha com unhas e dentes. Portanto, não tenho a mínima intenção de discutir meus assuntos particulares com o senhor.

Sesshoumaru fitou-a com frieza. Obviamente se perguntava por que ela não fora tão ciosa de sua intimidade seis meses antes. Depois sorriu, exibindo os dentes branquíssimos e saudáveis com evidente ironia.

- Pois não estou nada interessado em sua vida particular, minha senhora. Certos detalhes só me preocupam porque vamos conviver por mais de três semanas e isso acabará interferindo em nosso relacionamento profissional... e a senhora tem um talento todo especial para me fazer passar por idiota. Foi o que aconteceu há seis meses e agora, outra vez. Aposto que sabia desde o começo com quem estava falando ao telefone !

- Não reconheci sua voz de imediato, só depois de algum tempo de conversa. E foi por isso que não me entusiasmei com sua proposta. Ou já esqueceu o quanto teve de insistir para eu aceitá-la ?

- Mas aceitou...

- Somos ambos adultos e profissionais, sr. Taisho. Não teria cabimento eu recusar uma proposta interessante de trabalho por causa de diferenças pessoais, não acha ?

- Acontece que eu não tenho o seu... profissionalismo. Se soubesse de quem se tratava, pensaria um milhão de vezes antes de contratá-la. Só que agora é um pouco tarde para voltarmos atrás, mesmo porque não me restaria outra escolha. Infelizmente, a senhora é a melhor profissional que me indicaram e eu preciso mesmo de sua ajuda. Só lhe peço uma coisa: não me cause nenhum tipo de embaraço durante essas três semanas... pelo menos tente, está bem ?

Rin fitou-o, agastada, cruzando as pernas longas e bem torneadas.

- Não é meu hábito causar problemas enquanto trabalho - declarou - Caso contrário, não teria tantas referências favoráveis, não acha ? No meu ramo, certas informações se alastram com muita facilidade.

- As pessoas sabem ser discretas quando lhes convêm...

- A maioria dos homens não cultiva essa virtude, em especial quando se trata de contar vantagem sobre mulheres. Se eu fosse uma caça-dotes, interessada em dinheiro e prestígio, com certeza o senhor saberia antes mesmo de conhecer minha capacidade como fotógrafa.

- Nem todos os homens se comportam dessa forma desprezível !

- Mas alguns fazem coisa até pior. E eu não conheço seu editor para saber se ele é capaz disso ou não.

Cansado da discussão e da correria, Sesshoumaru sentou ali mesmo, no chão, ao lado da cadeira de Rin. Espantada, ela o fitou com reprovação.

- Sentar-se no chão é uma atitude bem própria de pessoas como o senhor - zombou.

- Desculpe, madame, se não tenho a sua pose. A senhora parece estar numa capa da Vogue.

- Obrigada !

- Diabos ! Isso não foi um elogio !

Tal reação indicava que a indiferença de Rin o tirava do sério. Sem pensar, ele segurou-lhe o queixo, forçando-a a fitá-lo nos olhos. O toque de Sesshoumaru era firme, mas sutil, e ela sentiu-se em perigo ao mergulhar no mar bravio daquele olhar onde, às ameaças, se mesclavam estranhas promessas.

- Escute aqui, nós ficaremos juntos por três semanas. Em geral, seleciono as pessoas com quem trabalho antes do início das atividades porque acho importante para uma convivência produtiva... está escrito na sua cara o que você está pensando e, fique sabendo, é a pura verdade, quando as duas partes estão de acordo. Nunca enganei nem forcei ninguém com falso romantismo e nem por isso as experiências deixam de ser agradáveis. Manter um relacionamento mais próximo até facilita o andamento do trabalho.

- Desta vez eu garanto que dificultaria, e muito !

- Pelo menos nisso nós concordamos. Mas vou ficar muito zangado se digladiarmos o tempo inteiro. Não consigo produzir nada que preste quando me aborreço.

Rin afastou a mão dele e olhou ao redor. A sala ficava cada vez mais vazia, pois os passageiros já se encaminhavam para o portão de embarque.

- Está na hora de irmos - avisou.

- Um momento. Se vamos ficar juntos durante algum tempo, quero que me diga por que agiu daquela forma na galeria de arte.

- Isso é assunto meu, sr. Taisho.

- É meu também, uma vez que me envolveu naquela situação ridícula. Além disso, preciso saber com quem estou lidando.

Rin levantou-se para sair da sala, mas ele postou-se diante dela, barrando-lhe a passagem.

- Não é o momento propício para confissões íntimas, sr. Taisho. Precisamos ir para o avião.

- Só depois que me contar toda a verdade.

Rin fuzilou-o com o olhar. Todos já haviam saído e, pelas portas de vidro, ela via os últimos passageiros se dirigindo à aeronave.

- Pois muito bem, eu conto tudo, mas só quando estivermos dentro do avião - declarou, a voz abafada pela raiva.

Recolheu o equipamento fotográfico e caminhou para a saída, resoluta. Apressou o passo ao ver a pista já deserta. Subiu a escadinha com agilidade e logo acomodou-se, após arrumar a bagagem de mão no devido compartimento. Longos minutos se passaram antes de Sesshoumaru entrar no avião caminhando devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo.

Por fim, ele aproximou-se de Rin e acomodou-se na poltrona ao lado. Os ombros largos e um dos braços ultrapassavam um pouco o espaço reservado a ele. Rin encolheu-se mais à janela, numa tentativa evidente de se esquivar.

- Em vez de me tratar como um leproso, por que não conta aquela história de uma vez ? - ele quis saber quando o avião decolou - Cumpri minha parte vindo para cá, agora cumpra a sua. E, como temos cinco horas de viagem pela frente, podemos muito bem aproveitar esse tempo de maneira útil, colocando nossas diferenças em dia.

Ela deu um suspiro de irritação, aspirando sem querer o perfume suave e agreste do corpo de Sesshoumaru. Cinco horas lhe pareciam uma eternidade ! Especialmente quando aquele braço bronzeado de Sol invadia a todo momento o espaço de sua poltrona com enervante casualidade.

Tudo nele era descontraído, natural, mansamente selvagem. Nele, uma segurança tranqüila se mesclava a uma determinação de aço para formar uma sensualidade envolvente e perigosa. A proximidade entre ambos causava em Rin um estranho desconforto. A explosão de vida e energia de Sesshoumaru a ameaçava mais do que qualquer outro homem que conhecera antes.

Nem mesmo ao lado de Bankotsu ela experimentara tal sensação.

O ex-marido constituía um perigo físico, palpável, contra o qual, no entanto, ela aprendera a se defender. Sempre resguardara de Bankotsu os sentimentos mais íntimos, sua verdadeira vida interior. Em dois anos de casamento, nada abalara a frieza e a indiferença com a qual encarava o marido.

Porém Sesshoumaru lhe inspirava uma confusão de emoções desconhecidas, intrigantes, arrebatadoras. Não havia como controlá-las e isso causava-lhe uma insegurança incômoda. Assustada, Rin percebia que, pela primeira vez, o perigo maior estava nela própria e não no exterior. Por isso mesmo, evitou confissões pormenorizadas sobre o incidente da galeria.

- Em primeiro lugar, eu escolhi o outro rapaz naquele dia - afirmou com calma - As circunstâncias me forçaram a ficar com o senhor, e isso não me causou nenhum prazer.

- Pois eu acho que seu desconforto não foi nada comparado ao susto que eu e meu irmão levamos ! Mas por que escolheu Inuyasha ? Alguma coisa em mim a desagrada tanto assim ?

- Se formos enveredar por esse caminho, passaremos a viagem inteira falando apenas nisso !

Rin fitou-o num desafio, furiosa ao ver-lhe no rosto um sorriso largo, em breve transformado em sonora gargalhada.

- Mas que mulher exigente ! - ele exclamou por fim - Afinal, por que cargas d'água se aproximou de um desconhecido para beijá-lo ?

Ela protegeu-se sob uma máscara de indiferença. Não contaria a Sesshoumaru que o beijo fora o último recurso para terminar um casamento desastroso. Ele não acreditaria e, se acreditasse, a situação só iria piorar. Surgiria entre ambos um clima de cumplicidade e, então, Sesshoumaru se tornaria ainda mais perigoso. Além disso, sempre detestara passar por vítima do destino. Não achava o papel de esposa martirizada adequado à personalidade calculista que forjara para si. Preferia que Sesshoumaru a considerasse uma irresponsável a contar toda a verdade.

Procurou uma resposta ao mesmo tempo honesta e evasiva. Se Sesshoumaru não soubesse do divórcio, manteria uma distância segura e confortável para ela, mesmo que misturada a certo desprezo.

- Fiz aquilo para irritar meu marido - disse por fim - Estava aborrecida com ele...

- Ah, estava aborrecida ! Que coisa mesquinha, sra. Taniguchi, e quanta insensibilidade de sua parte. Agora entendo por que seu marido queria agredi-la naquele dia. A convivência de vocês dois deve ser insuportável...

- Seria bem mais prudente não dar palpites no que não conhece, sr. Taisho. Minha vida conjugal é problema meu, algo que não pretendo dividir com o senhor. O que fiz no passado, numa situação excepcional, não tem nada a ver com esta viagem. Estou aqui como profissional, não como sua amiguinha. Não tem sentido o senhor me cobrar condutas morais, e acho toda essa conversa de um profundo mau gosto ! Aposto que, em suas relações, todos devem ser muito santos, caso contrário não seria tão grosseiro para se arvorar em juiz dos meus atos !

- Então, não aprova a sinceridade, não é, sra. Taniguchi ? Bem, isso não me espanta, pelo que já a conheço. Prefere sempre subterfúgios e armadilhas. Para a senhora, o que conta são as aparências, os maneirismos sociais, a superfície das coisas. Para mim, isso tudo são tolices, mesmo. Pessoas como a senhora jamais se entregam aos sentimentos importantes como amor, amizade, carinho. Passam pela vida sem nunca terem experimentado o real valor de estar no mundo, como verdadeiros mortos-vivos... eu sinto pena da senhora por isso !

- Não se dê a tanto trabalho. Vivo muito bem sem a sua "virtuosa" piedade !

Rin olhou para a janela, com estudada frieza. Por dentro, sentia-se explodir de raiva. Sesshoumaru estava certo em quase todas as afirmações. Ela sempre tivera receio das grandes paixões, das sensações tumultuadas e ameaçadoras capazes de nublar o raciocínio. Bankotsu lhe fizera acusações idênticas muito tempo antes, quando o relacionamento dos dois começara a desmoronar. E, apesar de rebater todos os argumentos dele, restara-lhe uma ponta de medo de que, no fundo, o marido tivesse uma parcela de razão, ainda que fosse mínima...

Mas ela era tão diferente com as crianças da Heritage ! No meio delas, a vida parecia uma brincadeira sem fim. Liberta da couraça de polidez e formalidade, Rin demonstrava sem pudor seus sentimentos mais íntimos. E, em vez de se aborrecer com as aparências, apenas se deixava levar pela espontaneidade dos alunos, usufruindo com prazer daqueles momentos felizes de abandono... agora, perguntava-se por que agia de maneiras tão opostas. Por que não conseguia ser uma só pessoa, em todas as ocasiões ?

- Que tolice ! - ele exclamou de repente, aborrecido - É ridículo nos provocarmos, como duas crianças ! Além do mais, não tenho o direito de julgá-la por coisa nenhuma. Sinto muito pelas bobagens que lhe disse. Que tal colocarmos uma pedra neste assunto e tentarmos ser amigos ?

- Fez comentários muito desagradáveis, sr. Taisho.

- Eu sei, por isso mesmo estou me desculpando - Sesshoumaru fitou-a, consternado, colocando a mão sobre a dela.

Sem refletir, Rin puxou a mão, como se o contato lhe fosse muito desagradável. Imediatamente, a expressão de Sesshoumaru endureceu, e o brilho de simpatia desapareceu como por encanto dos olhos dourados.

- Eu estava tentando ser amável, minha senhora. Mas, pelo que vejo, já se acostumou com outro tipo de tratamento.

Exasperado, afundou-se ainda mais na poltrona. Em seguida, retirou da valise um livro e pôs-se a lê-lo.

Rin voltou a olhar para a janela, zangada com Sesshoumaru e consigo mesma. Jamais fora tão rude com um desconhecido e o clima pesado entre os dois a deixava tensa.

Quando a aeromoça passou com o carrinho de bebidas, ela optou por um vinho branco gelado. Uma temeridade, sem dúvida. O efeito do álcool somado ao cansaço da viagem constituía uma combinação perigosa para ela. Entretanto, o nervosismo daquele momento não lhe deixava lugar para prudência e, aos primeiros goles da bebida, ela sentiu-se bem melhor.

- Não acha que está sendo muito unilateral, sr. Taisho ? - perguntou de repente, cansada do silêncio monótono - Fez um verdadeiro interrogatório sobre a minha vida, mas protege sua privacidade muito bem.

De má vontade, Sesshoumaru ergueu os olhos do livro.

- O que você quer saber ?

- Por que Kagura desistiu da viagem na última hora ?

- Eu já disse, nós discutimos.

- Mas não me contou o motivo da discussão.

- Nem pretendo !

Rin esboçou um sorriso cínico, disposta a tirá-lo do sério.

- Então acho que não se incomodaria se eu tirasse minhas conclusões. Na certa, você queria dela um desses relacionamentos íntimos e proveitosos que defende tanto. Garanto que a convidou para um daqueles jantares de praxe e, depois, fez sua entrevista. A moça se apavorou e desistiu da viagem...

Sesshoumaru soltou um suspiro impaciente.

- Eu a convidei para jantar, sim. Satisfeita ?

- E então...

- Não vou discutir esse assunto com você !

- Ah, quer dizer que eu estava certa ? Você tentou mesmo seduzir a moça...

- Não seja maldosa ! Kagura queria estar comigo, se deseja mesmo saber. Só que...

Sesshoumaru interrompeu-se, irritado diante do olhar incrédulo de Rin.

- Sei, sei... aí, você disse a ela que sentia muito, mas era um rapaz de família, e sexo só depois do casamento...

- Você desconfia de toda a raça humana ou o problema é só comigo ?

- Eu diria que ambas as afirmações são verdadeiras, meu caro.

- O que houve entre mim e Kagura não é da sua conta !

- Eu disse essa mesma frase em relação ao meu marido e você não aceitou o argumento.

- A situação é muito diferente. Eu estava diretamente envolvido naquela farsa da galeria. Tinha o direito de saber por quê !

- Eu também estou diretamente envolvida nesta viagem. E tenho o direito de saber por "quem" !

Sesshoumaru a encarou com raiva. No olhar de Rin havia uma determinação difícil de contornar, ainda mais quando acompanhada por uma lógica irrepreensível.

- Tudo bem ! - ele cedeu, irritado - Se eu não contar, essas suspeitas absurdas não vão sair da sua cabeça, não é ? Foi Kagura quem quis... alguma coisa comigo. Não por mim como pessoa, mas porque está vulnerável, precisando se afirmar como mulher. Tentei fazê-la enxergar isso e ela se zangou, considerando meus conselhos como um pretexto para recusá-la.

- Essa história é bem difícil de acreditar...

- Mas é a pura verdade. Vocês, mulheres, acham que somos máquinas de fazer amor, sem sensibilidade, governados apenas pelos instintos. Mas ninguém gosta de ser usado como um objeto, não importa o sexo. Não forço ninguém a ir para a cama comigo e exijo o mesmo tratamento. Aposto que você também não ficaria lisonjeada com uma situação semelhante... embora eu tenha certa dificuldade em colocá-la em qualquer categoria humana !

- Ainda bem. Gosto que me avaliem pelo que sou, não como parte de um grupo.

- Posso imaginar ! Sabe, você ficaria rica se vendesse um pouco dessa frieza para os fabricantes de sorvete.

- Não é má idéia...

Rin sorriu e voltou o rosto para a janela sem, contudo, enxergar nada. A visão nublara-se por completo e uma vertigem intensa a desnorteou por alguns instantes. Era um sintoma comum quando ficava nervosa demais.

Aproximou-se um pouco mais da janela, encostando-se a ela. Fechou os olhos, procurando sem resultado ignorar os ruídos ao redor. Todos os barulhos pareciam ampliados, chegando-lhe ao cérebro em terríveis agulhadas. Assim, o estalido das páginas de jornais e revistas sendo virados transformou-se numa tortura para ela. Como se não bastasse, Sesshoumaru começou a batucar com os dedos na capa dura do livro, distraído com a leitura.

- Pare com isso ! - Rin exigiu. Ele ergueu as sobrancelhas, espantado.

- Tudo bem, madame, já parei ! Mais alguma ordem ? - Rin fechou os olhos de novo, numa tentativa inútil de se desligar do ambiente. Captava o ruído sutil dos movimentos de Sesshoumaru na poltrona ao lado, observando-a com atenção. As têmporas pulsavam, latejando.

- O que você tem ? Está tão pálida...

A voz sonora de Sesshoumaru reverberou-lhe no cérebro e ela encolheu-se toda, cheia de dor. Fez menção de pedir para ele se calar, porém não conseguia mais articular as palavras. Então, lançou-lhe um olhar de súplica, estreitando os olhos para evitar a luz.

- Enxaqueca ? - ele quis saber, preocupado. Quando ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, Sesshoumaru apagou as pequenas luzes destinadas à leitura individual. Em seguida, pediu qualquer coisa à aeromoça que passava e ajustou o ar-condicionado.

- Deixe-me ajudá-la - disse baixinho - Uma ex-namorada minha sofria do mesmo problema. Eu sei como fazer...

Com muita delicadeza, abriu-lhe os primeiros botões da blusa, desapertou-lhe o cinto de segurança e tirou-lhe os sapatos. Imersa em profunda letargia, Rin não teve força nem vontade de impedi-lo. De repente, sentiu uma pressão gelada nas têmporas.

- Pedi à aeromoça um saco de gelo - ele sussurrou - Agora, relaxe. Esqueça a pose para a capa da Vogue, está bem ? Descontraia, solte toda a musculatura e respire bem devagar, absorvendo o máximo de oxigênio.

Aos poucos, a voz mansa de Sesshoumaru a fez melhorar um pouco, pelo menos para dizer algumas palavras.

- O remédio... - começou, vacilante.

- Está em sua bolsa ? Espere um minutinho... é esse frasco ?

Rin confirmou apenas com um leve movimento de cabeça. Depois do que lhe pareceram horas, Sesshoumaru colocou-lhe um copo de água junto aos lábios e, apoiando-a com cuidado, a fez beber alguns goles. Depois, colocou-lhe o comprimido na boca. Segurou-a pelos ombros, encorajando-a até vê-la ingerir o medicamento.

Por fim, quando se recostou na poltrona outra vez, ela estava à beira da inconsciência. Imagens do passado se misturavam aos pensamentos de maneira confusa e desordenada, atormentando-a, como fantasmas.

- Bankotsu, assim não ! Dói - ela gemeu.

- Tente dormir - disse Sesshoumaru, embaraçado diante da expressão atormentada no rosto pálido e delicado de Rin.

- Não gosto disso ! Está me machucando, seu bruto ! - ela protestou com mais vigor, franzindo a testa.

De repente, sentiu dedos tocando-lhe os lábios com suavidade, fazendo-a calar. Em seguida, a pressão gelada voltou-lhe à fronte e, depois, soltaram-lhe os cabelos, presos num elegante coque junto à nuca.

Aos poucos, sentindo uma massagem suave nas têmporas, Rin entregou-se à sonolência. O toque macio e reconfortante a acalmou e, por fim, ela mergulhou num sono tranqüilo.


Sesshoumaru retirou a mão do rosto dela, sentindo um doce perfume de lavanda impregnar-lhe os dedos. "Que mulher estranha", pensou, intrigado. Fria, reservada, tratando-o com o desprezo de quem manipulava um objeto descartável... e, ainda assim, o enfeitiçava !

Havia um mistério inexplicável em Rin. A displicência calculista não combinava com o brilho intenso dos olhos castanhos, ao mesmo tempo cheios de esperança e dúvidas. Ou tudo não passava de pura atração física ? Devia ser isso, ele ponderou. Afinal, tinha perto de si uma das mulheres mais bonitas que já encontrara, apesar do caráter duvidoso...

Observou Rin adormecida, aconchegando-se a ele como se buscasse abrigo. Difícil acreditar que aquela mulher de rosto angelical fosse capaz de tanta frivolidade ! Parecia tão frágil, tão tentadora, os lábios entreabertos como se pedissem um beijo... qual seria o significado das frases incoerentes pronunciadas por ela quando imersa na letargia da dor e do medicamento ?

Sesshoumaru soltou um suspiro, acariciando-lhe o rosto bonito. Talvez aquele mistério permanecesse entre eles durante toda a convivência em Jerusalém... seria tudo bem mais fácil se Rin lhe sorrisse com doçura, como naquele momento. E, imaginando-lhe a beleza dos olhos exóticos, sorrindo para ele sem rancor ou malícia, adormeceu também, abraçando-a, protegendo-a de perigos desconhecidos, quem sabe até imaginários...


Mais tarde, despertou com os mansos movimentos de Rin em seus braços. Sesshoumaru a reteve um pouco mais, num contato íntimo e gratificante. Controlar a atração que ela exercia era quase impossível. E, mais uma vez, os olhos dela lhe desmentiram as atitudes.

Apesar de sobressaltada ao notar onde se encontrava, Rin surpreendeu-o com um pedido mudo de proteção no fundo das pupilas. Então, ele não teve mais dúvidas: algum conflito de sentimentos e emoções dividia o coração daquela mulher.

Ela sentou-se muito ereta na poltrona enquanto Sesshoumaru se distanciava. Não trocaram mais nenhuma palavra até o término da viagem, cerca de meia hora mais tarde.

Quando chegaram ao Aeroporto Internacional Ben Gurion, Sesshoumaru tomou todas as providências necessárias, requisitando-a o mínimo possível. Ela ficou grata por tal iniciativa, pois o barulho e a confusão ainda a incomodavam um pouco.

Tomaram um táxi e, enquanto Sesshoumaru orientava o motorista, Rin observava, distraída, as ruas coloridas de Tel Aviv. O longo trajeto até Jerusalém, pela autoestrada, também foi feito em silêncio. Apenas quando o táxi parou na porta do hotel onde se hospedariam, ela despertou das reflexões e olhou para Sesshoumaru, surpresa.

Estavam numa rua da periferia da Nova Jerusalém. De um lado da calçada, viam-se lojas de aluguel de automóveis. Pouco adiante, havia um bar e outros estabelecimentos comerciais, na maioria lojas de lembranças da Terra Santa.

O hotel era um prédio de dois andares, de tijolos aparentes na fachada e porta de madeira rústica. Mais parecia uma casa antiga, cujo dono não se preocupava muito com detalhes estéticos. E, sem querer, Rin o comparou às roupas de Sesshoumaru: limpas, embora velhas, gastas, sem nenhum atrativo.

- Vamos ficar aqui ? - perguntou desolada, ao saltar do táxi.

- Por que não ?

- É tão... triste ! Sombrio, antigo...

- Mas a comida é muito boa. Além do mais, ficaremos só uma noite. Amanhã, vamos para a Cidade Velha... deixe que eu levo as malas.

Desanimada, Rin observou-o carregando a bagagem para a portaria. Depois de uma viagem tão longa e cheia de incidentes, ela esperava algo mais confortável ! E, quando entrou no quarto, a sensação de desconsolo aumentou, mesclada à irritação contra Sesshoumaru. A descrição mais adequada às acomodações era "despojada". Havia uma cama de casal, um pequeno guarda-roupa e uma mesa perto da janela e nisso se resumia toda a mobília, antiga e escura como o próprio prédio.

Aquele lugar lembrava a Rin o tempo em que vivera no Oriente Médio. Hospedara-se em muitos hotéis baratos e afastados, onde passara momentos de tristeza e solidão. E, além de o ambiente não lhe trazer recordações agradáveis, habituara-se ao conforto da época de casada. Era difícil se readaptar àquele cenário simplório.

- Você está bem ? - Sesshoumaru perguntou, já de saída, após deixar as malas.

- Não estou, não ! E vou piorar depois de uma noite nessa cama ! - ela reclamou, apertando o colchão - Olhe só, de tão duro até parece uma tábua. É a mesma coisa que dormir no chão !

- Eu devia ter adivinhado que a madame preferia um hotel cinco estrelas !

- Sr. Taisho, se está acostumado a viver mal, sorte sua, mas eu não estou ! Sinto muitíssimo, mas gosto de conforto. Espero que o próximo hotel onde nos hospedarmos seja bem melhor do que este. Senão, eu me recuso a trabalhar para o senhor.

- Este hotel é limpo, as pessoas que o freqüentam são agradáveis e a comida, uma delícia. Você pode reclamar o quanto quiser, para mim está excelente. Mas pode ficar tranqüila, o outro hotel se adequará melhor a suas exigências, eu garanto.

- Espero que sim ! Pelo jeito, teremos mesmo de comer aqui...

- Exatamente ! Que tal daqui a uma hora ?

- Para mim está bem.

- Eu venho chamá-la, então. Meu quarto é aqui ao lado. Se precisar de alguma coisa é só gritar.

- Obrigada... queria agradecer também por ter me ajudado durante a viagem...

- Foi um prazer. Pelo menos, agora sei que é humana, embora não pareça... e, a propósito, você fica muito mais bonita com os cabelos soltos.

Sesshoumaru sorriu e retirou-se. Rin mirou-se no pequeno espelho pendurado na parede com olhar crítico. Os cabelos negros anelavam-se sobre os ombros, emoldurando-lhe o rosto delicado. Talvez ele estivesse certo...

Tomou um banho demorado, lavando e secando os cabelos com capricho. Por força do hábito, porém, não conseguiu deixá-los totalmente soltos. Prendeu-os nos lados da cabeça com um par de discretas fivelas. Mesmo assim, sua aparência ficou bem mais jovem e descontraída.

Quando os dois desceram para o restaurante, a refeição começara a ser servida. Sesshoumaru tinha razão: a comida era saborosa e o atendimento, excelente, apesar do ambiente simples.

Sesshoumaru, como sempre, vestira uma calça jeans e uma camisa limpa, ambas muitíssimo surradas, em contraste com as roupas elegantes de Rin.

Para romper o silêncio constrangedor, ele começou a traçar planos de trabalho para o dia seguinte. No entanto, o cansaço de Rin a impedia de memorizar qualquer instrução. Notando-lhe o desânimo, ele interrompeu a conversa com um sorriso compreensivo.

- Acho melhor discutirmos esses detalhes amanhã, enquanto trabalhamos - concluiu.

O jantar transcorreu sem maiores incidentes. Apesar de a companhia de Sesshoumaru não aborrecê-la tanto quanto durante a viagem, foi um alívio para Rin ir para seu quarto. Trocou de roupa depressa e enfiou-se sob as cobertas. Perguntou-se de onde ele arranjava energia para um passeio noturno depois de uma viagem tão longa.


Adormeceu logo, mas, pouco tempo depois, acordou assustada. Um ruído semelhante ao estampido de um disparo de revólver ecoara dentro da noite.

Ela levantou-se de um salto e bateu na parede do quarto contíguo, chamando Sesshoumaru. Não ousou chegar até a janela para ver o que estava acontecendo. Logo a seguir, sirenes ensurdecedoras confirmaram-lhe as suspeitas: havia ocorrido um crime na vizinhança. Quando Sesshoumaru bateu na porta, ela abriu imediatamente.

- O que houve ? - ele perguntou, espantado, ao entrar no quarto - Por que está tremendo tanto ?

- Ouvi um tiro !

Ele sorriu e fechou a porta.

- Fique calma, estamos bem protegidos aqui. Agora, vamos ficar em silêncio. Quem sabe descobrimos alguma coisa...

Os dois ficaram quietos por algum tempo. Agitada, ela andava de um lado para o outro.

- Será que alguém morreu, Sesshoumaru ? Às onze horas da noite, um barulho desses não pode ser coisa boa ! Senão, por que as sirenes ?

- Não são sirenes, são os alarmes de uma loja.

- Mas faz um barulho terrível ! Fica impossível dormir desse jeito !

- Tem razão. Acho que nem os moradores da rua, que convivem sempre com isso, conseguem.

Só então Rin se deu conta de que Sesshoumaru usava apenas um robe. Descuidado como sempre, deixara a parte de cima aberta, desnudando o peito forte e bronzeado. Também ficavam bem visíveis as pernas musculosas e firmes, como se esculpidas em bronze.

Por sua vez, ela vestia apenas uma camisola leve, trabalhada em fitas e rendas. Uma situação delicada, comprometedora, não restava dúvidas... "Dane-se !", ela pensou, saturada das próprias regras de comportamento.

- Será que essa confusão ainda demora muito ? - perguntou.

- Vou verificar. Acho melhor você esperar aqui.

Ele saiu e voltou alguns minutos mais tarde, anunciando:

- Foi um cano de gás que explodiu por causa de vazamento. Como aconteceu numa das lojas, é um problema delicado, o conserto pode demorar horas. Por isso, passei no meu quarto e peguei o meu tabuleiro de xadrez. Quer jogar um pouco para passar o tempo ?

Rin o fitou, estupefata.

- Jogar ?! São onze horas da noite, Sesshoumaru ! Estou morta de cansaço, não posso dormir e você me fala em jogar xadrez ? Não podia escolher um hotel num lugar mais decente ?

- Até ao lado do Hilton as lojas têm canos de gás - distribuindo as pedras sobre o tabuleiro colocado na mesa, ele indagou: - Quer as brancas ou as pretas ?

- Não quero jogar !

- Deixe de ser boba ! Vai ficar aí sentada, ouvindo essa algazarra pela madrugada adentro ? Não seria melhor se distrair enquanto espera ?

Rin soltou um suspiro de exaspero. O dia estava completo ! Como se não bastassem o reencontro desagradável com Sesshoumaru, a viagem, a crise de enxaqueca, o quarto desconfortável, ainda por cima aquela balbúrdia infernal... contudo, reconheceu-lhe o esforço para amenizar a situação e se resignou.

- Fico com as brancas - respondeu, por fim - Mas você não poderia vestir algo mais decente antes de começarmos ?

- De jeito nenhum. Com esse calor, o máximo que posso fazer é isso... - e, fechando o roupão, acrescentou: - Melhorou ?

"É melhor evitar mais problemas", Rin pensou, olhando-o de relance. Concentrou-se no jogo, demonstrando grande habilidade e malícia na competição. Surpreso, Sesshoumaru precisou aguçar a atenção para acompanhar-lhe as jogadas ousadas e inteligentes.

Só após um bom tempo o alarme das lojas foi desativado. Mesmo assim, o ruído entrecortado das britadeiras continuou martelando-lhe o cérebro até alta madrugada.

Recostada na cama, Rin encontrava cada vez maior dificuldade de se concentrar no jogo. Uma lassidão crescente dominou-lhe os sentidos até que ela se deixou vencer pela fadiga. Fechou os olhos, dizendo a si mesma que iria cochilar só um pouquinho, enquanto Sesshoumaru pensava no próximo lance...

Em meio a uma deliciosa sensação de bem-estar, mergulhou num mundo suave e aconchegante, onde alguém a acariciava devagar, provocando-lhe um arrepio. Com um sorriso, dobrou o outro braço sob a cabeça. Depois, aproximou-se mais do calor vindo de um outro corpo, agora bem junto ao dela. Uma boca tocou-lhe os lábios num misto de tentação, excitação, gozo...

Ansiosa, perdida em meio à inconsciência e ao desejo eternamente represado, ela tateou às cegas, tocando algo macio e quente, a pele sedosa de alguém. Um homem de ombros másculos e fortes, que ela afastava de si com as mãos e, ao mesmo tempo, acariciava. Um homem esvaziando-lhe a alma com beijos ávidos, sedutores. O sonho... a realidade... tudo se somando num redemoinho de emoções desconhecidas.

Mas a magia desvaneceu quando Rin sentiu aquele corpo colar-se ao dela, pressionando-a com paixão.

- Não !

Ainda sonolenta, debateu-se, procurando se libertar. Diante da mansa insistência, um terror intenso a invadiu. Socou o queixo dele com os punhos cerrados, gemendo de angústia e de repugnância.

- Não me toque, entendeu ? Nunca mais !

- Quieta ! Quer acordar o hotel inteirinho, é ? - atordoada, Rin sentou-se na cama, de repente acordada por completo. Quem estava ali era Sesshoumaru, não Bankotsu !

- Bom dia, sra. Taniguchi - ele cumprimentou, sorridente.

- Saia já da minha cama ! - ela gritou, horrorizada.

Sesshoumaru observou-a por alguns momentos, resquícios de desejo ainda brilhando nos olhos dourados. Depois, ergueu-se devagar, ficando em pé diante dela com uma expressão de luxúria.

- A noite foi excelente, obrigado - murmurou.

- O quê ?

Confusa, Rin olhou para si mesma e, vendo a camisola intocada, fitou-o numa indagação muda.

- Eu já havia perdido as esperanças, mas, enfim... você é mesmo imprevisível, hein ? Logo na primeira noite...

"Que homem detestável", Rin pensou, nervosa, amedrontada. O que ele teria feito... o que "eles" haviam feito ? Até que ponto o sonho se aproximara da realidade ? Será que estivera mesmo tão abandonada enquanto dormia ? O pior era não se lembrar de nada !

Sesshoumaru soltou uma gargalhada quando Rin cravou sobre ele os olhos castanhos, agora retratos fiéis do desespero.

- Pode ir falando tudo o que aconteceu aqui - ela ordenou, zangada - Senão eu pego o primeiro avião para Londres !

- Não se lembra, de verdade ? Quer dizer que estava mesmo dormindo ? Ah, sra. Taniguchi, que decepção ! Se eu soubesse, não teria me esmerado tanto. Mas a culpa também foi sua. A senhora também me quis... ou então fingiu muito bem !

Rin, cada vez mais perplexa, recordou com um arrepio de pavor a sensação de volúpia que experimentara durante o sono. Teria mesmo se entregado àquele desconhecido ? Depois de alguns instantes, porém, recobrou o sangue-frio. Ele não parecia capaz de tal baixeza e, se fosse, nunca conseguiria provar, muito menos repetir a façanha. Pensando assim, ela ergueu o queixo e enfrentou o cinismo dele.

- Seu mentiroso ! - exclamou, com desprezo - Pode acabar com a sua brincadeira de mau gosto, meu caro, eu não sou sonâmbula ! E, mesmo que fosse, você não faria essa tolice !

- Ah, não ? Quem é que lhe garante ?

- O bom senso ! Isso seria estupro, e dá cadeia em qualquer país do mundo. Além do mais, você depende de mim para entregar seu guia no prazo, esqueceu ? Uma violência como essa me liberaria de qualquer compromisso profissional com você...

- A quem está tentando convencer, sra. Taniguchi ? A mim ou a si mesma ?

- Este não é o momento para jogos de palavras, e eu...

- Poupe-me de outra dose desse seu "bom senso", por favor ! Tem toda razão, eu não faria essa tolice, não por causa das leis ou do trabalho, mas porque não sou capaz. Mesmo se não tivéssemos nenhum acordo profissional, eu não seria sórdido a esse ponto.

- Eu não o acusei de nada...

- Verbalmente, você quer dizer ! Mas o pavor estava nos seus olhos de um modo tão evidente que até um cego o enxergaria !

- Por que está tão zangado, afinal ? A idéia de começar essa conversa absurda foi sua, não minha !

Sesshoumaru olhou-a, num misto de desânimo e exaspero.

- Tem razão, foi uma brincadeira estúpida - reconheceu, com um suspiro - Não resisti à tentação de vê-la sem esse narizinho empinado, me acusando toda hora de ser libertino... no fundo, só materializei por alguns instantes a imagem que você tem de mim... - fez uma pausa, pensativo, então perguntou à queima-roupa: - Por que você só consegue ter reações normais quando dorme, hein ?

Sesshoumaru ainda sentia o calor do corpo dela se aproximando, roçando nele como se o desejasse muito... por um momento, perdera a cabeça e a beijara. Um fogo intenso o consumira inteiro diante da beleza do rosto adormecido, os lábios entreabertos num pedido mudo. Controlara os impulsos para não ofendê-la, e, agora, recebia aquela recompensa !

Antes tivesse aceitado Kagura como companheira de viagem. Ela também não o compreendera, sentindo-se rejeitada quando ele queria apenas poupá-la. E, agora, ardia de desejo por uma mulher que só sabia acusá-lo e agredi-lo sem razão !

- O que você quer dizer com "reações normais", sr. Taisho ?

O tom desconfiado de Rin tirou-o desses pensamentos.

- Ora, nada ! - exclamou desanimado - Você me deu um xeque-mate, e não foi só no tabuleiro de xadrez. Devorou minha rainha, meus peões e minhas fantasias em grande estilo... e com a frieza que lhe é peculiar !

A ambigüidade das respostas de Sesshoumaru deixou-a indignada. Por que aquele prazer mórbido em assustá-la ?

- Você é mesmo um idiota ! - desabafou entre dentes.

- Não me fuzile com esse olhar, sra. Taniguchi. Ele me queima, e duvido que você queira me incendiar, não é mesmo ? - Sesshoumaru caminhou até a porta e, antes de sair, olhou-a com seriedade - Eu já estava indo embora quando você dormiu - informou - Estava mal acomodada e eu a ajeitei na cama. Fiquei um pouco ao seu lado e acabei também pegando no sono. Passamos a noite na mesma cama, só isso. Só peço desculpas pelos beijos de bom dia. Eu ainda estava tonto de sono e não raciocinei direito, do contrário não a teria molestado. Antes de adormecer, fiquei olhando para você. É muito bonita, sra. Taniguchi, eu diria mesmo perfeita... se não fosse casada. E tenho um bloqueio muito forte em relação a situações perigosas. Você não vai tirar proveito de mim, pode ter certeza.

Boquiaberta, ela fitou-o sem entender.

- E como eu faria isso, sr. Taisho ?

- Sei que está precisando de dinheiro em sua agência, além de querer sustentar seu gosto tão exigente. E, na certa, já descobriu que não sou nenhum mendigo, embora pareça, pelos seus padrões. Está acostumada com o luxo e não quer abrir mão dele, não é ? Mas não pense que vai me virar do avesso apenas movendo esse seu lindo dedinho. Não vou me submeter a seus caprichos nem servir de brinquedinho para você. Viemos aqui para trabalhar e é isso o que me interessa - e, consultando o relógio de pulso, acrescentou: - São seis horas. Às sete em ponto tomamos café. Leve todo o equipamento, por favor. No máximo às oito horas eu quero estar na rua.

Fora de si, Rin atirou o travesseiro na direção dele, que fechou a porta a tempo. Arrasada, ela atirou-se na cama em completa confusão mental. Raríssimas vezes se sentira tão mal como naquele momento. A fronte começou a latejar de novo e ela massageou-a, aflita. Como aquele homem conseguia transtorná-la daquele jeito ?


P. S.: Nos vemos no Capítulo 4.