Olho Azul 20 Anos Apresenta:
Cada Vez que nos Encontramos,
Cada Vez que nos Separamos
Capítulo 19
Um alarme dentro de Usagi urgia que ela pulasse do banco daquele parque.
Era relativamente tarde já e havia pouco movimento ao redor, ou melhor, nenhum movimento além dela própria e seu acompanhante no pequeno parque, de modo que o fato de ela ter primeiro parado de respirar e depois começado a fazê-lo com força não passou desapercebido ainda que Mamoru continuasse com a cabeça em seu ombro.
— Espera, casamento arranjado? — perguntou ela, como se duvidasse de seus ouvidos. Queria manter-se calma, era só um caso o que eles tinham, e aquela novidade não lhe dizia respeito. Não era como se ele tivesse acabado de revelar alguma esposa escondida com dez filhos.
— Pois é... — Mamoru confirmou. Para decepção de Usagi, ele ajeitou o corpo no banco, não mais se repousando sobre seus ombros. — Também fiquei surpreso. Digo, essa pessoa me ajudou muito quando eu estava em Nagasaki. Logo que comecei, ele foi algo como meu tutor lá, mas pouco depois recebeu uma bela promoção na empresa. Nisso me prometeu que me traria de volta à capital assim que desse. Ele cumpriu, e agora parece querer continuar a me "promover". Como ele não tem filhos, a esposa morreu e ele já tinha vendido a própria empresa para essa, ele ficou com algumas ações e ficou encarregado de Kyushu. Eu não fazia ideia de nada disso, muito menos de que ele fosse um acionista, até vir para Tóquio e nos reencontrarmos.
— E agora ele tá oferecendo a filha? — Ela precisava pensar se excluindo da situação. Ela nem era parte da situação. — Isso soa muito bem, né?
— Não seria um casamento para agora, ela ainda tá fazendo faculdade e tudo, mas ficaríamos noivos ou algo assim. Bem, ainda não conversei diretamente com ele sobre o assunto, já que ele é bastante ocupado e vive fora em viagens de negócios.
— Fico feliz por você.
— Usagi, ainda não está claro que eu não quero isso?
Ela o olhou de volta, tentando não transparecer suas emoções.
— Aliás — Mamoru continuou —, quem me entregou os dados dessa moça foi meu superior. E aí já sei que amanhã todo mundo já saberá. Se antes as pessoas já não me suportavam, agora que acharão que eu tenho "costas quentes"... Olha a sua cara como ficou? Imagine eles! Acho que preferiam que um deles houvesse sido promovido ao meu cargo e não que trouxessem alguém de fora.
— Oh... — Usagi sentiu-se mal, pois não fazia ideia de como aconselhá-lo naquela situação. Seu problema atualmente se resumia a um namorado que queria dormir com ela e ao fato de ela não se sentir mais atraída por ele. Ela nem sequer estava pensando muito na busca por empregos, período que deveria começar logo logo. Como alguém assim poderia aconselhar um homem já formado como Mamoru, quem vinha sofrendo um nível alto de rejeição no emprego e agora teria que se casar contra sua vontade?
Mamoru mexeu-se mais uma vez a seu lado, e o cheiro de seu xampu dançou em suas narinas para mostrar que ele não apenas havia se aproximado, como sua cabeça estava mais baixa, mais próxima à própria linha dos olhos de Usagi. Ao pensar assim, ela se virou para o moço e notou que essa proximidade era ainda maior do que havia imaginado.
— Enquanto eu não consigo pensar em nada, posso te beijar? — perguntou ele, com os olhos brilhando, fixos nos dela.
— Aqui? — Então, lembrou que não havia realmente ninguém no parque. Talvez dos prédios ao redor pudessem ser vistos, mas... Aqueles lábios bem ao seu alcance valiam a pena.
Então, Mamoru a beijou com intensidade. Não o fazia rápido, não o fazia brusco, mas o fazia como se conseguisse ver tudo por dentro de Usagi. Contou os dias desde seu último beijo, mas o número parecia muito baixo para toda a vontade de mais que o corpo de Usagi externava no momento. Fazia a noite com Seiya parecer haver apenas sido um pesadelo, parte da vida de outra pessoa. Sabia que ao terminarem ali, Usagi voltaria a essa outra vida, da pessoa que era ela mesma, que era naquele momento que ela era outra, a pessoa que podia ser beijada por Mamoru.
Um bipe os interrompeu e, após alguns mais, Mamoru se afastou. Era seu celular. Usagi não resistiu ao impulso de ver quem ligaria àquela hora da noite: alguma outra amante? Mas não conseguiu ler antes de ele atender a ligação.
Ela ficou fingindo não prestar atenção, mas se perguntando o que poderia ser.
— Era Motoki — disse Mamoru, ao encerrar a chamada. Depois, levantou-se do banco sem explicações.
— Ué, será que ele precisa de mim? — Usagi perguntou distraída.
— Por que ele me ligaria se fosse isso, sua cabeça de vento? — Mamoru deu-lhe um leve tapa na cabeça, como se estivesse repetindo o apelido. — Vamos, que táxis não vão entrar no parque para buscar a princesa do mundo da lua. E eu preciso pegar o trem.
Um sorriso bobo emergiu nos lábios de Usagi, enquanto ela se levantou e apertou o braço de Mamoru.
— Por que tá me segurando? — Ele olhou curioso para ela.
— Por que não vamos juntinhos no trem até lá? Prevejo muitos táxis na frente da estação do Drunken Crown.
Quando estava já certa de que ele recusaria a proposta de andarem agarrados assim, como se fossem namorados, Mamoru apenas virou o olhou e a puxou em direção à estação.
Mamoru entrou no bar já suspirando de desânimo. Era ruim ir lá e não poder esperar encontrar-se com Usagi, já que acabara de deixá-la para trás na estação dali, cheia de homens cansados usando terno. Em pensar que era para ela estar trabalhando hoje, como a mesma confessara no caminho, e ele causara sua desistência, mas havia qualquer outra razão que ela não detalhara, resumindo-se a estar se sentindo bem.
Havia pouca gente se comparado ao movimento de sábado à noite. Motoki estava conversando com um homem familiar, Mamoru com certeza já o vira ali antes, sua roupa de trabalho contrastava bastante com os cabelos ruivos e um tanto longos, o que deixava uma impressão.
— Ah, Mamoru! — Motoki o cumprimentou, um sorriso aberto no rosto incompatível com o desespero de momentos antes ao celular.
O homem também se virou e fez um breve cumprimento.
— Masato, esse aí é meu amigo de que tinha te falado.
Mamoru se apresentou rapidamente, por não haver dúvidas de que Masato parecia ter pressa.
— Eu tenho um compromisso agora, por isso, não poderei ficar mais — desculpou-se Masato, curvando um pouco o pescoço para frente. — Confio o Motoki a você, então!
— Ah, claro. — Mamoru ergueu as sobrancelhas e voltou-se para o amigo, que já o servia um copo enorme com cerveja espumante.
— É por conta da casa, claro.
— Motoki, a emergência era...
— Vamos, senta e bebe um pouco comigo. — Motoki mostrou abaixo no balcão que ele também tinha um copo.
— Eu também não posso ficar muito, trabalho amanhã cedo. — E seu plano era de já estar dormindo havia tempos, por isso sua cabeça estava estalando com o esforço extra.
O outro fez um bico de decepção, sussurrando algo como "poxa" e batendo as mãos do lado do corpo.
— Precisa de alguma ajuda, Motoki? — Uma jovem alta que sempre estava ali nos finais de semana perguntou. Mamoru já tinha se esquecido do seu nome, mas se lembrava de que Motoki já lhe havia comentado de aquela ser seu braço direito no bar.
— Ah, tá tudo bem! Você já conhece o Mamoru, né?
— Claro, seu melhor amigo. — A moça virou os olhos, mas virou-se com um sorriso aberto. — É bom revê-lo, Mamoru! Infelizmente, a Usagi não está hoje aqui. Então, se precisar de alguma coisa, é só me pedir! — E saiu para atender outro cliente, sem explicar por que ligava Usagi a ele. Usgai não teria saído contando para todos de seu trabalho sobre eles, né?
— Ela é uma boa garota... — dizia Motoki distraído.
Mamoru tomou o primeiro gole da cerveja enquanto folheava o cardápio. Não estava com fome após ter que empurrar pela garganta as bolinhas de polvo requentadas da loja de conveniência. Talvez devesse comprar um aparelho para fazer em casa mesmo e nunca mais precisar comer aquele pacote úmido e nojento sempre que Usagi dissesse estar a fim de bolinha de polvo.
— Motoki, qual é o problema, afinal? — Mamoru disse com a voz contida.
O homem à sua frente soprou para cima, fazendo suas franjas voarem.
— Lembra da Reika?
— Claro. — Mamoru lembrava bem como a mesma Reika, ex-noiva do Motoki forçara um passo atrás na relação dos dois após ir estudar na África. E depois, ela resolveu ficar lá mesmo e se casar com alguém que não era Motoki.
— Bem, ela voltou.
— Um dia teria que voltar, né? Já somos grandinhos demais para achar que ver uma ex é o fim do mundo, Motoki...
— É que não é só isso, Mamoru. Ela tá separada do marido, e a gente tem se encontrado de novo.
Ele ergueu a cabeça na direção do amigo, enfim, prestando total atenção à conversa.
— Em que sentido? — perguntou lentamente.
— Naquele em que os pais dela não gostariam. — Havia um início de sorriso com a frase, mas Motoki pareceu lembrar o desespero mais uma vez e aquilo virou uma careta de nervoso.
Um som de estilhaço os interrompeu no mesmo momento. Os dois se voltaram para a moça alta. Ela já estava se apressando para recolher os cacos de um copo cheio de bebida que ela havia deixado cair.
Motoki correu até ela, quase uma repetição de quando Usagi fizera o mesmo, mas agora ele parecia repelido com muito mais ênfase. Mamoru franziu com a cena, mas decidiu não comentar com o amigo que o melhor era olhar melhor as moças que o rodeavam em vez de ficar com a cabeça virada para trás.
A hora seguinte se passou entre descrições de como ele reencontrara a ex e frases curtas em que Mamoru lembrava-o de como aquele relacionamento nunca funcionara como deveria, sabendo que o amigo era bom demais para suspeitar que pessoas pudessem machucá-lo.
Ao final, olhou seu relógio e se levantou para sair. Odiava saber que Motoki estava se metendo em um problema, mas ele próprio tinha que cuidar dos seus. Mas antes de se despedir, Mamoru deixou clara sua frustração por Motoki não lhe dar ouvidos.
Após subir as escadas de volta à estreita rua onde se encontrava o prédio do bar, Mamoru inspirou o vento frio da noite. Os dias já haviam esquentado bastante, mas as noites ainda pareciam ser de inverno naquele início de abril. Mesmo assim, decidiu ir andando até sua casa, a uma estação dali, ou até menos, considerando a distância até seu prédio, não lhe custaria mais que trinta minutos, imaginava.
Ainda irritado com o amigo, passou a comparar aquilo com sua própria situação. Seu caso com Usagi era ainda mais certo de dar errado: ela nem sequer estava disponível para início de conversa. E agora ainda havia o casamento que seu superior e mentor, a quem devia muita gratidão, queria lhe arranjar com a filha, quem nem à foto havia dispensado maior atenção, mas que certamente se importaria se o noivo possuísse uma amante. Mamoru poderia ser demitido, e essa nem era a pior das hipóteses. Então, teria que terminar o caso? Ou esperaria, como vinha fazendo até então, que a própria Usagi se acertasse com o namorado e o dispensasse de vez?
Pensou em entrar em um templo xintoísta escondido pouco mais de cinco minutos do bar e pedir por um pouco de paz de espírito. Mas pensando melhor, sua indecisão residia em um caso com uma mulher comprometida e um casamento por interesse em não ser demitido. Deus nenhum teria paciência com aquele assunto, por isso, continuou a andar em frente.
Foi quando viu um homem familiar. Era o amigo de Motoki, Masato, que conversava com uma jovem de cabelo curto em um banco no ponto de ônibus. Então, aquela mulher era seu compromisso? Não podiam estar esperando ônibus algum àquela hora da noite. Considerou cumprimentá-lo, mas percebeu que apenas interromperia seu momento com a moça.
Não conteve um suspiro irritado, percebendo que não fosse a burrice de Motoki ao se envolver com quem já não dera certo antes, talvez Usagi e ele ainda estivessem assim no parque perto de seu prédio. Agora com rancor, pensou até em dar meia volta e interromper o amigo de Motoki.
