Não há vermelho na sua paleta
Capítulo 1: O Abismo
Sasuke puxa sua mão como se estivesse tocando ácido, os pássaros em sua palma silenciando-se abruptamente. Ela sai com um barulho molhado e gotejante. A sensação em seus dedos era vibrante e quente. O líquido que o envolvia era vermelho, tão vermelho. Vermelho como...
Sakura.
Thud - ele escuta o som de seu corpo caindo no chão.
Sasuke olha para baixo. Sem dúvidas era ela. Ele sente o estômago revirar e sabe que está se descontrolando. Seus olhos queimam imediatamente e seus joelhos fraquejam numa queda ao seu lado. Ele a chama, baixinho, como se estivesse perturbando seu sono, como quando ele precisava chamá-la para seu turno de vigia. Naruto o segue quase imediatamente ao se dar conta, tremendo e soluçando, engasgado em um choro que não saía.
— Sakura — ele a chama, mais uma vez, suas digitais sujas mancham sua bochecha delicada. Seus olhos verdes estão fechados, a boca entreaberta. Do canto de seus lábios escorre um fio daquele mesmo líquido vermelho.
— Sakura-chan — Naruto diz ao seu lado, sacudindo-a nos ombros. Ela balança, tão anormalmente maleável.
Sakura está...
O pensamento os alcança mutuamente.
Eles sentem um vazio estranho nos primeiros segundos, as emoções parecem invadi-los em câmera lenta, como se seu cérebro ainda não houvesse decifrado completamente aquela cena. Então, de repente, tudo era simplesmente demais. O corpo de Sakura, o sangue espalhado, seu cabelo rosa avermelhando-se e a terrível consciência de que eles eram os responsáveis.
Eles haviam…
Sufocados, Naruto e Sasuke quase desmaiam, sentindo que poderiam desligar a qualquer momento, sobrecarregados e loucos ao perceberam a verdade.
Sakura está morta. Nós a matamos. Sakura. Sakura. Responda, Sakura. Sakura, Sakura. Sakura!
Os pensamentos estavam tão acelerados que eles não tinham tempo para assimilá-los.
Naruto gritou por ela mais uma vez. E o silêncio que se seguiu ao seu nome foi o pior som que já ouviram.
Eu não quero perder ninguém precioso para mim.
Mas que eles haviam feito?
— Não. De novo não, não — Sasuke se vê dizendo, segurando a mão tão pequena.
Naruto a olha, assimilando inteiramente seu corpo estirado no chão e se afasta com um guincho, as mãos na cabeça. As lágrimas finalmente saem, pesadas e densas. Ele não consegue tirar os olhos de Sakura sequer por um segundo, entendendo a figura antinatural de uma Sakura que não sorria, não se mexia, não brincava e não estava ali.
— Eu a matei. Eu a matei — Naruto diz, a sua voz aumentando de volume, misturando-se em um sussurro desconexo que mal parecia uma frase: — Euamateieuamatei.
Kakashi chega um segundo depois e seu pouso é tão pesado. Ele vê Sakura primeiro. Ele só a vê. O ferimento em seu corpo tão pequeno é tão mortal que ele sabe antes de chegar perto.
— O que vocês fizeram? — ele cospe, desacreditado. Nenhum dos meninos responde ou parece ouvi-lo.
Sempre atrasado. Nunca chega na hora. Porra, Kakashi!
Eu a matei. Naruto murmura repetidas vezes, sem tirar os olhos do cadáver de Sakura.
Sasuke está ao lado dela, em choque, imóvel e completamente absorto. O mangekyou sharingan em seus olhos transmitem puro horror. Ele havia rejeitado suas maçãs. Jogou seu prato longe com uma fúria que não era para ela, mas ainda assim... Por que ele tinha feito isso? Por que ele estava com tanta raiva? Por que isso está vindo a sua mente agora?
Isso não importa mais.
Sakura foi assassinada.
Por ele.
Kakashi chega perto, ele se obriga a olhar os danos além de qualquer reparação. Era a segunda vez que um chidori era usado para ferir um companheiro de equipe no coração e ele se amaldiçoou por ter ensinado esse jutsu a Sasuke. Se amaldiçoou por ter pedido para que Jiraya cuidasse de Naruto, o rasengan estraçalhando sua coluna e seu estômago.
A culpa era dele. O canino branco se ajoelha ao seu lado e o sangue empapa suas calças. Sakura está tão pálida e seu cabelo rosa está quase todo vermelho. Seus dedos passam pela bochecha, aquela que Sasuke não havia manchado.
Ela ainda está tão quente.
Kakashi não percebe as lágrimas que escapam pelo único olho visível, molham sua máscara e se acumulam no chão em gotas livres.
— Eu fiz isso com ela — Sasuke diz, atônito.
— Eu a matei — Naruto continua murmurando.
Um anbu é a segunda pessoa a chegar no local. Ele observa friamente a situação e se afasta em silêncio. O resto é barulho. Tsunade grita palavras. Shinobis agarram Sasuke. O mangekyou ainda não havia se apagado de seus olhos. Ele não solta a mão de Sakura e seu corpo se arrasta levemente quando um jonin o puxa para longe. Mãos desconhecidas separam seus dedos dos dela à força.
— Sakura! — grita, desesperado por deixá-la sozinha. Ele vê alguém segurar Kakashi pelos ombros para levantá-lo e deixá-lo longe. O sensei cede como se estivesse sendo controlado. — Não, não deixe ela assim.
Então, tudo fica escuro e ele sente o calor em seus olhos diminuir. Um selo de contenção para o mangekyou que ele não havia percebido. Sasuke grita mais uma vez, não exatamente como um som humano, agitando-se e tentando se soltar. Grunhe, procura braços para morder, pessoas para xingar.
Mas logo uma dor na nuca o faz consciente de que sua luta era inútil.
Ele sente uma névoa tomar conta de sua mente e o mundo fica cada vez mais distante. Sasuke luta contra a sensação, mas seus pensamentos desaparecem e tudo que fica é um mundo de silêncio.
Naruto imediatamente vê Sasuke sendo nocauteado e percebe que aquele seria seu mesmo destino. Os jonins o agarram com força e ele faz um clone, enviando-o diretamente para Tsunade. Suas mãos a seguram no manto verde em um desespero que ele nunca sentiu antes. Puxando-a, implorando, suplicando:
— Você é a melhor médica que existe, não é? Salve a Sakura-chan. Você pode… você pode curá-la. Eu faço qualquer coisa! Você pode consertá-la! — ele olhou nos olhos castanhos e não encontrou nada mais do que uma resposta óbvia. — Não! Eu não aceito isso! Você é a melhor… Todos dizem isso… você deveria ser capaz de…
Ele olha para Sakura, um de seus pés estava descalço. Ela havia perdido uma das sandálias na briga. Havia ido parar metros longe de seu corpo.
— Naruto — a Godaime o chama, limpando as lágrimas de suas bochechas. É tudo que ela diz antes de tocar no topo de sua cabeça e apagá-lo. Seu corpo original sofre o mesmo destino.
E ele é puxado para o mesmo abismo para onde Sasuke foi empurrado.
