Olho Azul 20 Anos Apresenta:

Cada Vez que nos Encontramos,
Cada Vez que nos Separamos


Capítulo 23

Quando Usagi entrou no bar, a primeira coisa que notou foi que Makoto também não parecia a mesma de sempre. Em vez de andar por todo o local, garantindo que estava da forma que Motoki gostava, aquela devia ser a de confiança de seu chefe estava no canto do balcão próximo à entrada, em frente aonde Mamoru sempre se sentava, passando um pano lentamente sem qualquer razão.

Usagi deixou as coisas e foi até Makoto para perguntar se acontecera alguma coisa, mas a jovem balançou a cabeça sem tirar os olhos do pano.

— Apenas problemas bobos — disse.

No instante seguinte, ouviu Motoki chamar seu nome e engoliu em seco, lembrando estar mais uma vez atrasada. Ele surgiu da cozinha com uma cesta de pão, opção do cardápio que Usagi nunca havia visto e a guiou até uma mesa onde uma moça sentava-se só, olhando para o próprio celular. Motoki pôs a cesta no centro da mesa e deu um leve tapa nas costas de Usagi.

— Você se lembra da Reika, né? — perguntou, sentando-se ele mesmo com ela.

Ao ouvir o nome, a moça levantou os olhos desnorteada até Usagi e ergueu-se prontamente em seguida, sorrindo.

— Usagi, há quanto tempo! É uma surpresa vê-la aqui trabalhando pro Motoki. Ou nem tanto assim. Acho que combina muito.

A própria Usagi olhou para moça forçando um sorriso e, então, seus olhos suplicaram a Motoki uma explicação menos sucinta que somente o nome daquela mulher que parecia conhecê-la.

Ele não percebeu ou a ignorou, mas a mente de Usagi a acudiu com um estalo — imagens antigas lhe vieram como que na frente de seus olhos. Reika era o nome da noiva do Motoki que se mudara para a África e acabara se casando lá. Com outro. A mesma que partira o coração de seu irmão mais velho postiço de tal forma que ele nunca saíra com mais ninguém a sério até aquele dia. Motoki tinha lhe contado tudo quando Usagi perguntou sobre Reika quando retomaram contato.

— Bem, acho que a Makoto tá se sentindo meio mal hoje... — Motoki disse reticente.

Mas o que a mulher casada da África, e casada com outro estava fazendo comendo pão e bebendo chá gelado no Drunk Crown?

— Será que poderia cuidar do bar enquanto os outros não chegam? — ele pediu, ainda ignorando o olhar questionador de Usagi. — Eu realmente preferia que ela fosse pra casa se for pra ficar assim. Tô preocupado com ela dessa forma.

— Motoki sempre age como um irmão mais velho, né? Não mudou nada, — disse Reika para Usagi, quem não tivera opção a não ser sorrir.

— Está bem, Motoki — respondeu a seu patrão, fazendo sinal de continência. — Pode deixar comigo!

Voltou após para trás do balcão e conferiu como estavam os demais clientes, dois homens engravatados bebendo sozinhos tranquilamente. Não fosse aquela mesa quase à sua frente, a noite de sexta-feira teria sido atipicamente calma. Virou-se para Makoto, que ainda passava o pano no mesmo canto. Agora compreendia muito bem qual era seu problema e concordou com Motoki que o melhor seria a moça simplesmente voltar para casa. Ou ele levar Reika para longe dali.


Mamoru fechou o guarda-chuva e desceu as escadas para o bar. Ainda assim, seu paletó estava úmido da chuva de vento que começara a cair depois que ele entrara na estação próxima de seu trabalho. Aquele dia havia sido extraordinariamente sem eventos, talvez para compensar o trabalho que ele teria agora no Drunk Crown, de ficar olhando quieto o amigo fazer uma grande besteira.

Abriu a porta e pensou em seu objetivo maior: ver Usagi. Sabia que, diferente das outras vezes, ela seria capaz de ignorar qualquer mensagem ou ligação. As chances eram de também o ignorar pessoalmente, só bem essas chances estavam mais a seu favor quando a convidasse diretamente. Sua voz foi a que mais se destacou no cumprimento de boas-vindas. Sim. Ela estava bem ali. Mamoru lhe sorriu, guardando o guarda-chuva molhado no lugar perto à entrada e resistindo ao impulso de se sacudir como um cão encharcado.

— Motoki está bem ali — disse-lhe Usagi, parecendo não notar que sua alegria era por vê-la. Ao menos, ela deixava claro no rosto que não aprovava o quadro que se podia observar na mesa que havia apontado.

Mamoru suspirou resignado ao se lembrar de por que havia vindo.

Motoki sorria como um tolo que ganhou na loteria do final do ano. Reika estava de costas para Mamoru, mas não parecia estar tão animada como seu parceiro. E a pergunta vinha-lhe mais uma vez: como Motoki podia achar que aquilo daria certo? As roupas de Reika eram evidentemente caras. Mamoru não entendia de moda, mas reconhecia um bom tecido quando via, e uma mulher trabalhando em escritório não usaria algo assim. A ex-noiva de Motoki devia estar muito bem de vida agora que voltou da África. E ela sempre fora inteligente; não havia motivo para não estar. Por outro lado, Motoki podia estar feliz com seu emprego, e Mamoru sabia bem como isso era o mais invejável que qualquer super riqueza, mas querer estar no lugar de Motoki no seu emprego de sonhos não era o mesmo que querer estar com ele após viver dias de luxo como Reika aparentava. E seu amigo não lhe dava ouvidos, chamando-o de pessimista.

— É só se sentar, Mamoru. — A voz de Usagi o despertou, mas só pôde vê-la quando a moça já se virava de volta para o balcão, levando uma bandeja com um copo e uma cesta vazios.

— Espera... — Mamoru lhe segurou o braço com suavidade por medo de assustá-la.

— O que foi? — ela perguntou irritada.

Ele inspirou fundo. Havia ensaiado um discurso eloquente, mas ele não funcionaria ali sentado com Motoki.

— Vá ao meu apartamento quando sair — disse no lugar. E agora que se ouvia, parecia-lhe mais com uma ordem, por isso arrependeu-se.

Usagi juntou os lábios com força e estalou a língua, fazendo movimento de seguir com o que ia fazer.

— Você pode ir? — Mamoru perguntou desta vez, para amenizar o tom.

— Está louco? — perguntou a moça em resposta, os olhos em chamas. — Já te disse que não estou disponível para a sua conveniência. — Seu tom baixo ameaçava aumentar, por isso ela abaixou a cabeça, provavelmente, em frustração de não poder expressar sua ira. Não que Mamoru achasse que precisava de mais indicações.

— Eu terei que ir embora antes do fim do seu turno. Aproveito e descanso um pouco enquanto te espero. Você pega um táxi daqui, que eu deixarei minha porta aberta. — Mamoru puxou a carteira de seu bolso de trás para estender uma nota de cinco mil ienes. — Compre o nosso café da manhã com o troco. — E sorriu.

Percebeu a dúvida no olhar de Usagi, fixo na nota arroxeada.

— Só quero deixar claro que você não está me comprando com comida, que eu posso mudar de ideia e nunca ir ao seu apartamento... — Puxou a nota com rapidez e acrescentou: — Sem te devolver o dinheiro. Ah, e se te assaltarem porque deixou a porta aberta, a culpa não vai ser minha.

Mamoru sorriu com alívio, talvez a vez que ele mais se sentira feliz em perder cinco mil ienes.

— Apenas não compre tudo em bala, cabeça de vento — disse antes de voltar para a mesa de Motoki, mas não estavam mais somente ele e Reika.

Mais um casal havia se juntado: o amigo de Motoki que ele conhecera na outra noite e uma jovem mais nova de cabelos ruivos cacheados na altura dos ombros, quem Mamoru reconheceu instantaneamente como uma amiga de colégio de Usagi.

Usagi lhe mostrava a língua quando ele se voltou para ela de cenho franzido.

— O que foi? — ela lhe perguntou como se não estivesse dando língua para suas costas momentos antes.

— O amigo do Motoki...

— Ah, o Masato! — Usagi sorriu em óbvio reconhecimento.

Era impressão de Mamoru, ou ela o chamava de modo muito íntimo?

— Sim. Ele está com uma jovem hoje...

— Noiva dele. Ah, você a conhece, ela é a Naru, uma amiga minha. Não lembra?

— Noiva? Mas ele não estava com ela quando o vi semana passada.

— A Naru não costuma vir ao bar. — Usagi ajeitou o peso da bandeja e não parecia haver compreendido.

— Não, quero dizer que não era com ela que ele estava. Quando o vi na rua sexta passada, ele estava com outra mulher.

Ela não pareceu se importar com a correção e apenas fazer uma careta com a boca falou:

— Tava tarde quando você veio aqui naquele dia, né? Você viu demais, Mamoru.

— Era ele, tenho certeza. Não era um lugar tão iluminado assim, mas era logo ali, em um templo aqui perto. E a menina tinha o cabelo bem mais curto e, definitivamente, tinha um jeito diferente dessa noiva.

Naquele momento, Usagi pareceu um pouco assustada.

— Disse cabelo curto? Perto de um templo daqui? Xintoísta?

— Sim, xintoísta. Em que isso importa, aliás? Eu acabei de dizer que vi o noivo da sua amiga com outra mulher.

— Mamoru! — Motoki fazia sinal para uma cadeira vaga a seu lado. — Venha aqui, venha logo!

Mamoru desculpou-se com a cabeça para Usagi e atendeu Motoki antes que começasse a desconfiar de sua proximidade com uma das meninas que trabalhavam para ele, e justo quando eles nem estavam realmente fazendo nada errada. Não naquele momento, ao menos. Sorriu, lembrando-se de que às cinco da manhã eles já seriam culpados de todas as acusações. Pensando bem, por que ele fora mencionar daquela traição justo para ela? Ele nunca fora dado a fofocas nem nada parecido e fora dizer justo para Usagi, que se sentia culpada de trair o namorado com ele próprio, que a amiga dela vinha sendo traída?

Ao pensar com essas palavras, uma lembrança lhe veio: "E minha amiga... Ela está noiva e ama o cara, sabe? Mas ele a traiu. Mesmo ela tendo confirmado isso, minha amiga quer continuar com o noivo e se casar com ele. Que espécie de amor é essa?" Usagi lhe havia confessado isso enquanto tentara pôr um fim ao caso. Era da Naru que ela falava?

Então, ela já sabia da traição e mesmo assim ficara espantada quando Mamoru lhe dissera do que tinha visto?

Continuará...