Olho Azul 20 Anos Apresenta:

Cada Vez que nos Encontramos,
Cada Vez que nos Separamos


Capítulo 24

Ainda estava chovendo quando Usagi chegou ao ponto marcado com Seiya naquela tarde de sábado. Tentou segurar um bocejo assim que o viu acenando em sua direção, mas não conseguiu. Transferiu o guarda-chuva temporariamente para o braço e cobriu a boca com a mão por um instante. Porém, perdeu o equilíbrio entre acenar de volta, bocejar, fechar os olhos e segurar o guarda-chuva, deixando este cair no chão, quase despencando ela própria ao tentar evitar o acidente.

Seiya veio correndo a seu encontro e recolheu seu guarda-chuva do chão, entregando-lhe com um sorriso.

— Você é uma comédia ambulante, Usagi — disse-lhe. Ela sentiu que ele queria beijá-la ou abraçá-la de alguma forma, mas logo percebeu que estavam muito em público, com todos que passavam atentos ao casal. Seiya gargalhou um pouco como que para se distrair do impulso e apontou para uma rua transversal com a em que estavam. — Vamos?

— Você não tá com guarda-chuva?

— Ah, pois é. Não tava chovendo onde eu moro. Posso pegar um pouco do seu emprestado, né?

— Claro... — Usagi sorriu sem graça. Antes esses desleixos a deixavam animada, mas agora a incomodavam. Por que ele não simplesmente comprava um novo na loja de conveniências bem à frente deles, ou em qualquer outra das milhares por que já devia ter passado até ali?

Enquanto Seiya a guiava a uma loja de bolos de que ouvira falar em seu trabalho, Usagi não conseguia não pensar mais nisso. Ela gostava de Seiya. Sempre se divertia com o namorado desde que não fizessem coisas de namorados. Quanto mais o tempo passava, mais se decidia de que gostava dele como amigo. Mas não era apenas isso. Seiya tratava qualquer garota bem, mas o tratamento dispensado à Usagi era visivelmente superior. No momento, se houvesse chegado sem um guarda-chuva, ele teria comprado o mais bonito que visse ali perto, ela tinha certeza. Isto já ocorrera antes. Não era apenas com relação a dinheiro que Seiya demonstrava seu afeto. Naquele dia mesmo, eram já três da tarde, e Usagi teria que ir para o bar às cinco, no máximo às seis. Ainda assim, Seiya não se importava de passar com ela aquelas duas, três horas. Ele sempre lhe mandava mensagens e também ligava. Seiya nunca se incomodara nem no ponto mais crucial de sua dissertação no semestre anterior de ouvir até de madrugada Usagi conversar sobre pessoas que ele talvez nem conhecesse. Ele até incentivava, sem que ela soubesse por quê. Em resumo, Usagi gostava de ser amiga de Seiya, mas também gostava da forma como ele gostava dela. Essa combinação apenas seria possível enquanto fossem namorados. Uma vez terminados, nada garantiria que poderiam se ver novamente.

Ainda assim, uma voz ecoava em sua mente sobre como poderia doer logo após romperem, mas que seria muito mais rápido que passar a vida toda se perguntando sobre o que fazer com Seiya. Usagi não queria dar ouvidos àquela voz. Não podia e não devia. O que Seiya lhe fizera de errado para uma razão tão egoísta de terminarem como achar que não gosta mais de alguém? Ao menos, ele merecia que ela tivesse certeza do que fazia.

Por outro lado, Mamoru vinha usando o mesmo argumento a favor dele. Não, não o Mamoru exatamente. Era ela mesma que vinha aproveitando a mesma desculpa para explicar por que continuava com aquele caso. Não que ela conseguisse começar a explicar como esse mesmo caso podia existir. Sua cabeça mal conseguia juntar Mamoru e ela em uma mesma frase, muito menos no contexto de relacionamento amoroso. Não combinava, e sua mente acabava entrando em colapso.

Assim, Usagi havia chegado a um consenso consigo própria: não pensaria mais nisso até novas informações. Ao menos, não se arrependia de não ter comprado todos os cinco mil ienes em doces ou quaisquer outras coisas. Ela, de fato, havia chamado um táxi logo que saiu do bar e entrou no apartamento destrancado, onde Mamoru se encontrava em sono profundo sobre sua cama.


Na noite anterior Usagi havia entrado no apartamento um pouco hesitante. Tinha dúvidas até se Mamoru realmente o deixaria aberto para ela, por isso, quando a porta veio com seu puxão, ela estava crente que Mamoru já a estava esperando do outro para lhe pregar uma peça. No entanto, tudo estava escuro ainda, apenas um pouco de luz entrava pelas cortinas fechadas da sala. Um cheiro familiar lhe veio em seguida, assim que terminara de fechar a porta. Era o cheiro do Mamoru. Inconscientemente, inspirou-o. Logo sacudiu a cabeça e tirou o sapato para entrar. A essa altura, já sabia onde Mamoru deixava o chinelo para visitas para calçá-lo.

Após deixar sua bolsa no balcão, junto com a sacola com as compras para o café da manhã conforme instruída, ela caminhou até o quarto, onde esperava ver Mamoru acordado. Contudo, ele estava em sono profundo, já tendo jogado para o lado boa parte da coberta, se é que a usara durante a noite. Estava com uma regata preta e uma calça moletom cinza um pouco caída; pena que a blusa não cooperou e ficou no lugar, sem deixar à mostra seu estômago; havia apenas uma estreita faixa.

Usagi não pôde conter o sorriso enquanto levantava um pouco a regata até revelar o umbigo. Mordeu os lábios, esperando se ele já acordara com o movimento. Logo, prosseguiu, mexendo na região com os dedos, até sentir alguma reação. Mamoru jogou o corpo para cima, como se repelisse o que fosse que ali estivesse, e sentou-se com os olhos bem abertos na direção de Usagi.

— Bom dia! — disse a ele, com largo sorriso.

— Sua cabeça de vento, e se eu achasse que era um ladrão e tentasse bater em você?

— Você seria um bruto. — Continuou sorrindo, agora sentada na beirada da cama, de lado para ele. Estava curtindo o friozinho na barriga que aquela proximidade lhe causava.

As sobrancelhas de Mamoru se ergueram e ele olhou de volta. Havia algo de fofo naquela expressão ainda sonolenta. Por isso, ela não conteve o impulso de beijá-lo. Jogou todo o corpo contra o dele, ainda quentinho como que febril devido ao sono. Era bom. Após tanto tempo, era ótimo senti-lo contra si. Não era sua intenção inicial. Nem havia qualquer intenção. Estava só ali, seguindo seus desejos. E não pararia apenas nisso. Continuou a empurrá-lo, até sentir que sua cabeça procurava o encosto da cama, enquanto suas mãos já a envolvia, puxando-a sobre seu corpo.

Pouco tempo depois estavam nus. E por muito tempo depois disto ainda ficaram abraçados, como se ainda não tivesse terminado. Suspirando, Usagi fazia movimentos quase circulares sobre o estômago de Mamoru, quando ouviu um barulho alto vindo do seu próprio.

— Não acredito que está pensando em comida numa hora destas, cabecinha de vento.

— Eu não estava pensando em nada. — Ergueu a cabeça para olhá-lo nos olhos.

Mamoru lhe sorriu de volta.

— Sei.

— Eu juro!

— O pior é que soa verossímil.

Com a mesma mão com que o acariciava, deu-lhe um tapa no abdômen.

— E para de implicar comigo. — Levantou-se, puxando a coberta para se cobrir.

— Pra onde está indo com a minha coberta?

— Banheiro. Vou me vestir longe de você.

Após tomar uma ducha de água morna e pôr de volta sua roupa, ela caminhou para a cozinha, onde Mamoru, também já vestido, lhe fazia um ovo frito à moda japonesa.

— O arroz já está quente e eu já nos servi a sopa — disse ele, distraído enrolando o ovo.

O estômago de Usagi ressoou ao sentir aquele cheiro.

— Acho que estou começando a associar sua casa a comida gostosa — falou enquanto se servia de arroz. — E o pão que eu trouxe? Minha parte não era trazer o café da manhã?

— Podemos comer depois na sala.

Usagi então se lembrou do encontro que teria com Seiya às três da tarde. Sabia que não poderia cancelá-lo sem um bom motivo, mas num mundo ideal, ela o teria feito.

— Não posso ficar muito.

— Ao menos, tomemos o café. — Mamoru pôs os ovos na mesa e sentou-se com um copo de leite em mãos. — Na verdade, há um assunto sobre que eu gostaria de conversar contigo.

Mamoru não explicitou o que seria, mas Usagi pôde adivinhar sem sequer ficar curiosa para saber se estaria certa. Não havia muitos assuntos entre eles, a menos que quisessem conversar sobre o que Motoki queria com a ex-noiva, ou se Mamoru tinha mesmo certeza de que vira Masato com uma garota de cabelos curtos. Mas sua entonação tinha sido formal demais para mera fofoca. E aquele não era seu estilo. Só ele ter mencionado sobre Masato havia sido apenas devido à surpresa de vê-lo com sua amiga Naru. Então esses assuntos apenas voltariam se Usagi ou algo externo o provocasse. E como ela ficou quieta durante a refeição, nada mais foi falado sobre o que realmente Mamoru queria.

Após lavarem os pratos, ele fez um chá quente e levou as xícaras em uma bandeja para a mesinha no centro da sala. Era interessante ver como se movimentava; deixava nítido que não era seu costume levar comida para aquela parte da casa, apesar de ser tão perto da cozinha. Após ele pedir, Usagi caminhou até lá com a sacola que havia trazido da loja de conveniências próxima do bar e tomou um lugar no sofá de frente para a televisão.

Mamoru sentou-se então a seu lado e lhe serviu a xícara com fumaça ainda saindo. O calor naquela preguiçosa manhã de primavera e o cheiro de rosas do apartamento exerciam um efeito magnético quase que imediato na moça.

— Espero que goste, é um chá alemão que encontrei noutro dia perto do meu trabalho. — Ele tomou um gole, apesar de estar quente demais até para o nariz de Usagi sentir o aroma de perto. — Eles só tinham uma caixa sobrando; espero que reponham o estoque logo.

Usagi assentiu sem saber o que dizer. Não se lembrava de já haver comprado qualquer chá na vida além de garrafas de chá gelado.

— Desde que cheguei de Nagasaki, nada realmente tem dado muito certo. Até o chá de que gostei não parece ser muito fácil de ser encontrado. Por isso, esta semana tomei uma decisão.

— Procurar outro sabor de chá? — Era uma resposta boba, mas queria quebrar aquele tom.

Mamoru sorriu brevemente, então balançou a cabeça.

— Eu liguei para meu antigo chefe em Nagasaki e estou tentando voltar para lá. Irei visitá-lo durante a golden week para conversarmos melhor.

— Nagasaki? E o casamento?

Ele riu da mesma forma e continuou:

— Gostaria de pensar nele como a penúltima opção. A última seria largar tudo e conseguir vaga no Drunk Crown. — Agora ele gargalhou sozinho. — Vamos, seria péssimo eu ter que ficar bebendo sem vontade e engolir a cantada de todas aquelas senhoras que o Motoki atura.

— Não é tão ruim e as pessoas podem ser tão interessantes. — Usagi começou a imaginar como seria trabalhar ao lado de Mamoru. Não segurou o riso ao perceber como ele não se encaixaria. Tinha razão em reservar aquela como a última opção.

— Como vê, eu realmente preciso convencer meu antigo chefe.

— Mas e a Rei? Ela deve ter alguma expectativa também.

— De toda forma, o casamento não ocorreria agora, só depois que ela se formasse. E eu ainda não o aceitei.

— Acha que ela sabe?

— Também venho me perguntando isso... Talvez não saiba meu nome. Não pareceu naquele dia. Imagino que ao menos saiba dos planos de o pai casá-la.

— Eu conversei com uma amiga dela e soube que ela não se dá bem com o pai e que por isso mora com o avô materno.

— Bem, o senhor Hino morava lá em Nagasaki quando o conheci e raramente comentava sobre a filha; não me surpreende que sejam distantes. Mas o que eu queria conversar contigo era sobre o que me pediu na terça-feira.

Usagi lembrou-se de seu pedido desesperado para que terminassem o que fosse que tivessem um com o outro. Engoliu em seco e acenou com a cabeça que ele prosseguisse.

— A menos que esteja certa sobre pararmos mesmo, eu gostaria de um tempo mais — disse Mamoru. Após uma pausa, ele ajeitou o corpo no sofá e continuou: — Até que tudo se acerte, vamos continuar como viemos fazendo.

— Quer dizer então um tempo juntos? — Usagi franziu a testa, olhando em sua direção sem esconder a surpresa. — Mamoru, eu realmente não entendo os problemas de seu trabalho, eu só fui conseguir meu primeiro meio-período agora com o Motoki. Então, não importa quanto tempo ei te dê, não vou poder te ajudar, nem te entender. Não sei como estar junto comigo pode ajudá-lo. — Baixou a cabeça, percebendo os centímetros de distância entre ambos enquanto sentados no sofá.

Aquela distância não era grande. Era bastante curta se fossem considerar sua relação oficial. Se bem que desconsiderando todo o caso, Usagi sequer deveria saber onde Mamoru morava, provavelmente. Ainda assim, lá estava tomando chá com pão a seu lado. Após haverem feito sexo.

Mamoru acabara de tomar mais um longo gole de seu chá e fez um som como "hmm" para o que acabara de ouvir.

— De fato, você não entenderia as peculiaridades de um emprego normal, mas ninguém espera que o faça. Enquanto está na faculdade, você tem é que aproveitar esse resto de irresponsabilidades, não é? Antes eu o tivesse feito, em vez de não me contentar com ofertas razoáveis de emprego. Aproveitado a vida. Por isso mesmo, eu já te disse para terminar com seu namorado. Não o digo por interesse próprio. Todo esse tempo que você passa em dúvida se o melhor é ficarem juntos ou não quando você já admite que nem consegue ir para a cama com ele é tempo perdido. Termine, sofra um pouco e se recupere. Sei que não é meu lugar falar de sua relação, e eu tinha me prometido não me intrometer na primeira vez que dormimos juntos, mas foi você mesma que me trouxe o assunto. Você já não está mal por tudo isto? Ao menos, se terminarem, poderá se divertir comigo sem pensar que tem que encontrá-lo daqui a não sei quantas horas. Termine com ele e continue comigo. Eu te distraio do coração partido até ele se remendar. Se não quiser, eu reconheço que não me diz respeito. Mas... continuemos ao menos até eu conseguir definir minha vida: se me casarei ou voltarei a Nagasaki.

Usagi não conseguiu interromper quando tinha suas objeções e, agora que ele terminara para tomar mais chá, ela também não sabia o que dizer. Chegou a abrir a boca em uma tentativa de, pelo menos, preencher o silêncio, mas acabou por tomar ela mesma o chá de rosa. O que mais a incomodava não era a forma fria como Mamoru tratava sua relação com Seiya, mas a distância que ele demonstrava sentir com ela. Ressoava como, para ele, Usagi era nova demais, apenas uma criança a quem ele devia educar com a própria experiência.

Não que ela sentisse raiva pela condescendência. Era pior: Usagi a aceitava, e essa sua passividade a incomodava profundamente. Não havia como argumentar contra isso: Mamoru estava em outro estágio da vida. Tinha o próprio apartamento, não parecia depender financeiramente dos pais, ou até contar com o apoio emocional deles. Era a verdade que sempre ficaria entre os dois. Não eram apenas os seis anos de diferença, a cabeça de Mamoru sempre havia sido à frente da própria idade. O mesmo valia em sentido oposto para Usagi, pois chegava a ter orgulho da própria infantilidade por vezes, tanto quanto ele esbanjava maturidade, como se estivesse com cinquenta anos e ainda não tivesse uma vida inteira pela frente.

O caso dos dois era uma aberração no histórico de ambos, ocorrida por circunstâncias particulares que não voltariam a acontecer. Independente de tudo, Usagi gostava de estar com Mamoru. Ela até queria fazer sexo com ele. Mesmo naquele momento em que ela não se sentia bem consigo mesma, Usagi aceitaria caso Mamoru lhe pedisse.

Ao mesmo tempo, não queria dizer nada com seu atual namorado. Ela só não conseguia conjugar Seiya naquele seu presente.


Mamoru já estava com a luz apagada, tentando dormir naquele sábado chuvoso. Havia considerado ir até o bar de Motoki, mas depois da manhã tranquila que tivera com Usagi, uma que o fizera até mentir para seu chefe para justificar chegar ao trabalho apenas após o almoço, não queria arriscar perder o pouco de chão que conseguira pôr naquele relacionamento.

Enquanto ele pensava em toda sua situação, a campainha tocou.

Mamoru nem havia notado que seus olhos já estavam fechados até abri-los e olhar desfocado para seu celular na cabeceira. Onze da noite. Motoki estaria à toda no seu bar junto com Usagi. Já os pais de Mamoru nem moravam na cidade. Quem mais bateria à sua porta àquela hora? Levantou-se tonto de sono com o segundo toque e o som da maçaneta virando. Tinha certeza de haver trancado a porta daquela vez, apesar de haver se arrependido de não haver pedido para Usagi viesse mais uma vez.

Caminhou até a entrada e do outro lado enxergou um vulto no escuro do corredor. A pessoa tinha estatura baixa e cabelos longos. Ainda que seus olhos não conseguissem identificá-la, ele sabia que se tratava justamente de Usagi. Escancarou a porta no mesmo momento em que o percebeu e a fez entrar.

Usagi não apenas o obedeceu, mas pulou em seus braços. Estava gelada, encharcada.

— Você não disse que tinha guarda-chuva? — perguntou confuso, segurando-a nos braços. Que pergunta mais idiota, mas a mente de Mamoru não conseguia formular uma hipótese para como ela poderia estar tão molhada e trêmula.

— Mamoru... — Apertou-o ainda mais, como se seu corpo fosse uma tábua da salvação. — Eu terminei. Nós terminamos... — E, ao dizê-lo, começou a chorar copiosamente em seu peito.

Talvez os dois soubessem que aquele momento era um daqueles em que a vida mudava, mas ainda não havia como saber para que direção. Ou aquele seria um encontro inevitável após tantos desencontros que vinham sofrendo sem nem se darem conta?

Sem pensar nisso, sem calcular consequências, Mamoru a abraçou de volta com toda a força desta vez.

Continuará...

Anita