Olho Azul 20 Anos Apresenta:

Cada Vez que nos Encontramos,
Cada Vez que nos Separamos


Capítulo 28

Era já terça-feira e Usagi estava no bar desde cedo, escalada para a faxina semanal. Makoto também a acompanhava, mas para Usagi aquela era uma punição para a falta repentina em pleno sábado. Por outro lado, Motoki só chegara ao bar quando já era quase hora de saírem, provavelmente para as duas não o terem que fechar em pleno funcionamento.

Makoto a puxou para um canto e perguntou quais as chances de ele estar com a namorada. Usagi mexeu com os lábios, apertando-os em uma careta. Foi uma tentativa sem sucesso de ganhar tempo até Makoto deixar o assunto.

— Acho que sim — disse resignada.

Makoto suspirou, baixando um pouco a cabeça; então, deu de ombros.

— Enquanto ele continuar escondendo que está saindo com ela, não será nada oficial, certo? — Fechou o pulso, exibindo no rosto uma expressão obstinada no rosto. — Ainda tô nesta!

Usagi sentiu uma cutucada no ombro.

— Podem ir, meninas. — Motoki fez um movimento de cabeça para a porta. — Amanhã vocês têm aula, não é?

As duas assentiram e foram pegar suas coisas.

Saindo do bar, o ar não estava mais gelado como quando começara ou até poucas semanas antes. As flores já haviam todas caído no chão e quase já não havia mais pétalas pelo caminho. Aos poucos, a primavera dava espaço para a estação chuvosa.

Então, percebeu um rosto familiar saindo da estação em uma direção próxima à dela, mas em sentido oposto. Usagi diminuiu o passo e cumprimentou Ami, que respondeu sem olhar de volta e seguiu com seu caminho. Algo naquela reação lhe chamou atenção, e Usagi a segui-la num impulso de curiosidade. Provavelmente notando isso, Ami apertou o passo e acabou por correr. Por sorte, mesmo não sendo alta, Usagi tinha pernas mais longas. Ela a alcançou em pouco tempo.

— Eu preciso ir pra casa... — disse Ami, seus cabelos curtos grudando na pele enquanto ela abraçava dois livros grossos.

— Ele terminou mesmo contigo, né?

Ami transpareceu o espanto por um segundo, mas recompôs a expressão como a de quem não compreendera. Em seguida, ela focou os olhos em algo ao lado de Usagi, onde agora percebia estar Makoto. Esta devia tê-las seguida ao ver Usagi disparar atrás de alguém aleatório na frente da estação.

— A própria noiva dele que me contou — Usagi decidiu explicar-se apesar de terem companhia. Ignorando a expressão confusa de Ami, prosseguiu: — Mas eu estou do seu lado. Digo, não que eu esteja contra a Naru...

— Então, não sei do que está falando. — A moça encostou-se a uma parede, era visível não apenas seu cansaço físico, mas o emocional também. Será que Usagi também estaria assim se Mamoru não estivesse apoiando sem pedir nada em troca desde antes mesmo de terminar com Seiya?

Sorriu para Ami e pôs as mãos em seus pequenos ombros.

— Acima de amiga da Naru, eu também sou mulher, né? — Afastou-se para encostar-se à mesma parede. Esticou os braços para o céu com poucas estrelas àquela época do ano e disse: — Sabe, acabei de terminar com meu namorado também. E talvez seja porque gosto de outro. Quem sou eu para te julgar quando estou em uma situação ainda pior? Por isso, eu te entendo...

Ami a olhou em silêncio até assentir por fim.

— Então, foi por isso? — Makoto interrompeu.

Usagi apenas sorriu como resposta. Antes que pudesse pensar muito em como havia dito algo em voz alta antes mesmo de havê-lo admitido para si mesma, Ami começou a falar:

— Nós nos conhecemos no hospital da universidade onde estudo. Temos algumas aulas lá e quase sempre usamos a cafeteria do hospital para almoçarmos por ser mais vazia e silenciosa. Um dia, ele comentou sobre o livro que eu estava lendo e começamos a conversar um pouco. Eu não levo jeito para conversas, por isso, não achei que Masato tentasse se aproximar de mim novamente se nos víssemos uma segunda vez. Contudo, ele não só veio sentar-se à mesa onde eu estava estudando, como me trouxera um livro que ganhara no trabalho e de que me havia comentado da outra vez. Desde então, ele o tinha com ele na pasta para me entregar. Conversamos muito sobre medicina, eu sobre meus planos para o futuro, ele sobre como não pudera fazer faculdade de medicina, mas que agora trabalhava vendendo equipamentos hospitalares, o que o fazia aprender, às vezes mais que muitos médicos.

— Nossa, vocês realmente combinaram, hein? — Makoto também se apoiou na parede, com os olhos sonhadores. — Eu tive um ex-namorado que estava prestando vestibular para medicina uma vez. Os óculos dele eram bonitos... Eu entendo o charme de alguém que sabe de medicina!

Ami riu sonoramente. E ela nem sabia como Makoto era sempre assim.

— Mas não quero dizer que Masato me enganou nem nada assim. Desde a primeira vez, ou foi na segunda? Não lembro bem, porque eu juro que não começamos com más intenções. Mas desde o início, ele me falou que tinha uma noiva, da minha idade. Que ela estava se formando em inglês em uma faculdade de curta duração e que, depois disso, eles se casariam. Eu sempre soube e ele também nunca tinha outra intenção. Era apenas um ponto em comum entre nós. Sabe, médicos não costumam conversar com vendedores ou com alunos que estavam invadindo seu espaço. Masato sempre reclama de ter que comer sozinho em hospitais e sempre tenta puxar conversa com as pessoas por lá. Era apenas a primeira vez que ele conseguira falar mais vezes com a mesma pessoa e aí nos tornamos algo como amigos.

Usagi se deixou escorregar pela parede até ficar agachada no chão, Makoto a imitou, claramente entretida com a história. Ou, talvez, ainda pensando nesse ex-namorado. Aquilo também fez Usagi pensar em seu caso com Mamoru e em como ele vinha evoluindo para algo sem nome, simplesmente porque ela ainda conseguira chegar a uma conclusão se seria forte o bastante para comprar para si todos os problemas que acompanhariam namorarem oficialmente. Ami, por outro lado, estava bem ali dizendo que havia aceitado Masato por inteiro, inclusive o fato de ele ter uma noiva.

— Eu não recusei nenhum convite para vê-lo fora do hospital, passados alguns meses desde que nos conhecemos. Fomos ao teatro, ao museu, a musicais... mesmo sem nenhum toque físico, chegamos ao ponto de não mais podermos negar o que éramos. Foi quando nos beijamos. Não muito depois a noiva dele nos encontrou em um restaurante, onde almoçávamos. Assim que a vi entrar, eu já sabia. Nunca vira uma foto e Masato já quase não fala dela, como se eu fosse parte de outra vida. Ainda assim, era ela. E a noiva puxou a mão de Masato de uma forma que eu nunca conseguiria fazer, bem ali eu já havia sentido que a ligação entre eles era muito mais forte que a nossa. Ela me pediu para devolvê-lo, mas a verdade é que Masato sempre fora dela... Depois de desistir, ela saiu de lá, mas é claro que não podíamos mais ficar naquele restaurante. Não, nós não podíamos mais continuar os mesmos de antes. Eu me sinto tola, mas acho que até aquele dia eu vinha me enganando que nunca houvera noiva alguma.

— Aquele dia que você foi ao bar com a Rei...

Ami assentiu.

— Rei estava tentando me animar... Mas não apenas ele, eu também decidi que era melhor terminarmos. — Então levou um dedo aos lábios, olhando para o alto. — Pensando bem... Aquele moço contigo era seu namorado, então?

Usagi sabia que sua bochecha estava vermelha. Ao menos, elas não a estavam olhando.

— Ah. — Sem esperar pela resposta de Usagi, Ami desencostou da parede e se posicionou quase no meio da calçada. Um casal vinha correndo por ali e ela parecia esperá-los.

— Rei? — perguntou Makoto, levantando-se ao mesmo tempo em que Usagi o fez.

O casal diminuiu o ritmo e parou logo à frente de Ami. O homem a cumprimentou enquanto Rei, com os longos cabelos presos em um rabo de cavalo observou com estranheza as duas companhias da amiga naquela noite.

— O que fazem aqui? — ela perguntou, sem esconder que se sentia contrariada, sabia-se lá por quê.

— Encontrei com a Usagi quando saía da estação.

Rei olhou ao redor, seu rosto suado se contorceu.

— Mas aqui não é bem a saída da estação.

— Estávamos conversando apenas. — Ami voltou-se para o homem que acompanhava Rei. Usagi podia jurar que era um mendigo, com a barba por fazer e o cabelo bem longo bagunçado. — Yuichiro parece bem em forma.

Ele levou a mão a nuca e soltou uma risada alta.

— A Rei diz que vai me dar a disciplina necessária, preciso acompanhar o ritmo dela, né?

— Mas já está tarde. Amanhã você tem que acordar cedo para cuidar do templo, certo?

— Eu não sou desocupada, Ami, — interrompeu, Rei. — É que precisei estudar antes, e se deixasse os livros pra depois estaria cansada demais.

— Não podiam deixar pra outro dia? — perguntou Makoto.

— A ideia é disciplina. Ensinar isso adiando compromissos não me parece um bom método. — Rei ajeitou o prendedor no cabelo.

— Então, o Yuichiro acabou de entrar no templo? — Usagi tentou falar alguma coisa, em vez de apenas olhar para a provável futura esposa de Mamoru.

— Já faz um ano, né? — respondeu o moço, gargalhando.

— A Ami te falou do templo do meu avô? — Rei ergueu as sobrancelhas.

— Ah... — Usagi congelou. Mas ao menos isso tinha sido mesmo a própria Ami quem lhe revelara, então, confirmou com a cabeça e um sorriso nervoso.

Rei suspirou, esticando os braços.

— Acho que não poderei cuidar do templo depois que me formar. Como somos apenas nós três, meu avô, eu e Yuichiro, preciso garantir que o Yuichiro esteja pronto.

Pelo jeito, ela já devia saber sobre o casamento. No entanto, não havia esboçado qualquer reação ao conhecer Mamoru. Talvez ela ainda não possuísse nenhuma informação sobre o noivo. Usagi queria saber, mas não tinha como perguntar.

Por isso, só olhou para o chão, engolindo o gosto amargo de ver em quantos níveis estava perdendo para Rei.

— Quer dizer que não vai assumir o templo depois, Rei? — perguntou Makoto, distraída com o visor do celular.

Rei baixou a cabeça e Usagi teve algo como uma confirmação: do casamento ela devia saber. Que logo teria que sair do templo do avô e ir morar com seu marido, ser uma boa esposa, como se espera de um casamento arranjado tradicional.

— Mas a Rei pode contar comigo! — Yuichiro levantou a mão em uma pose de vitória.

Makoto sorriu, e Usagi teve que se esforçar para replicar o gesto. Rei, por sua vez, empurrou o homem pelas costas.

— Vamos voltar à corrida pra não perdermos o ritmo. Anda.

E sumiram pela rua.

Ami também parecia sorrir distraída quando Makoto voltou-se para a direção oposta à que Rei havia seguido.

— É melhor irmos pro trem, Usagi.

Usagi olhou com os olhos sem focar para onde a amiga apontava com o dedo, mas concordou e se despediu de Ami.

Por que ver Rei a machucava tanto? Não era mais a irritação usual. Era aquele sabor amargo que lhe vinha à boca junto à sensação de estar com o nariz entupido. Ela já havia cogitado antes a possibilidade, mas agora começava mesmo a acreditar que talvez estivesse mesmo apaixonada por Mamoru. Justo por Mamoru... A pessoa mais próxima dela fisicamente e tão mais distante em qualquer outro aspecto.