Olho Azul 20 Anos Apresenta:

Cada Vez que nos Encontramos,
Cada Vez que nos Separamos


Capítulo 31 — Ligações

Os olhos de Usagi não conseguiam desgrudar da barraca de hambúrguer gigante e sua barriga grunhia cada vez mais alto. Mas tudo o que conseguira juntar de suas moedas, troco do almoço e do trem até o shopping onde se encontrara com Minako, foram duzentos ienes. Mais da metade seria necessária para o trem de volta, como quer que pudesse fazer para voltar. Não sabia onde a estação estava, ou mesmo qual linha seria aquela. O celular em sua mão começou a vibrar e ela o atendeu aborrecida. Havia tentado ligar para Mamoru assim que se percebera perdida e ele a ignorara.

— O que foi? — perguntou, não contendo a irritação.

Onde você está? Acabei de chegar ao quarto do hotel.

— Não te interessa.

Aconteceu alguma coisa?

Ao sentir a respiração falhar em razão das lágrimas que lhe vinham, Usagi fechou o aparelho. Olhou de volta e, antes que Mamoru retornasse, ela abriu apenas para apertar o botão de desligar tempo o bastante para ler a despedida na tela e o fechou como se estivesse desligando mais uma vez na cara do outro.

— Hum! — fez contrariada com a garganta, imaginando a expressão de Mamoru naquela hora, mas não conseguindo nem mesmo sorrir. Estava com fome demais para aquilo.

Retornou sua atenção para a barraca a tempo de ver um grupo de estudantes comprando seus hambúrgueres. Pareciam tão bons... E aquele grupo a fazia se sentir sozinha. Talvez não devesse ter vindo com Mamoru, ainda não estava pronta para aquele tipo de viagem. Precisava de um grupo para que nunca ficasse só, a menos que o desejasse.

— Dois hambúrgueres, por favor. Vou comer aqui, com esta moça — ouviu alguém dizer, um homem de camiseta polo e calça jeans, com uma câmera enorme no pescoço. Ele sorriu para o dono que agora também sorria, mas para o suposto casal que via à sua frente.

— Seiya!? — Usagi exclamou bem alto.

— Eu tava ali na rua comercial quando vi de longe um cabelo bem loiro passando por aqui.

Usagi olhou para a direção oposta da que viera e percebeu haver uma rua coberta, além de uma loja de donuts.

— Você... enxerga bem — disse a moça, sinceramente impressionada.

— Eu achei que estava era doido. O que Usagi Tsukino estaria fazendo no meio de Nagasaki? Você mesma tinha me dito que não devia conseguir folga do trabalho pra viajarmos. Aí a Minako arruma este passeio com a gente também. Pra mim, você estaria direto naquele bar. — Seiya limpou o suor da testa. — Mas, nossa, parece que já é verão aqui, né? Em poucas horas já vai anoitecer, mas eu devo virar suco antes disso.

Usagi não conseguia deixar de encará-lo. Aquele era o mesmo Seiya? O mesmo com quem ela havia terminado tudo havia bem pouco tempo? O mesmo que se recusara a falar com ela no telefone não fosse para reatarem? Era tal como se houvessem voltado ao tempo anterior ao namoro; Seiya estava simplesmente lhe sendo um amigo.

Teria ela desmaiado de fome e aquilo era um sonho?

O dono da loja entregou-lhe uma sacola com os dois hambúrgueres e agora Usagi os olhava incerta de como proceder naquela situação. Era verdade que havia uma longa lista de questão mal resolvidas, mas não podia negar que Seiya mais parecia um príncipe encantado pronto para salvá-la. Talvez percebendo como ela o estudava, Seiya balançou a sacola e lhe sorriu:

— Vamos sentar e comer logo? Você parece que não vê comida há uns dez minutos, deve estar faminta!


Após mais algumas tentativas frustradas de contato com Usagi, Mamoru guardou o celular de qualquer jeito no bolso. Só confirmou que tinha sua carteira antes de descer correndo as escadas do hotel; não havia como ficar parado esperando o elevador.

Havia situações em novelas e livros que o mocinho saía correndo pela cidade para encontrar sua amada em algum lugar com significado para o casal. Infelizmente, ele nem seria o mocinho daquela história. Nem mesmo havia conseguido tirar Usagi das mãos de seu ex-namorado; apenas destruíra de alguma forma o romance dos dois. Neste caso, Mamoru era o vilão? Em algum momento de sua estada em Nagasaki, Usagi o havia percebido e agora estava fugindo dele?

Não, não precisava fazer tanto drama. Ela provavelmente apenas havia se aborrecido com sua demora em voltar do almoço. Mas nem ficara tanto tempo. Prometera-lhe voltar antes da janta. Até lhe enviara uma mensagem, para indicar que não a havia esquecido. Mas Usagi não a respondera. Depois, ela lhe telefonara justo quando ele estava no elevador do hotel. Isto poderia tê-la aborrecido. Isto sim era bastante provável. Não obstante a hipótese de que poderia ser só um aborrecimento pontual, a situação indefinida deles agravava o mau pressentimento que lhe descia a espinha.

E era culpa dele. Ele nunca tinha sido realmente honesto sobre seus sentimentos, nem mesmo consigo mesmo. Claro, tinha suas razões; já achava que tinha perdido Usagi naquela noite em que se abriu e lhe propôs um relacionamento. Mesmo que Mamoru encontrasse justificativas, ele sabia que essas razões não eram válidas para Usagi.

Andando a largos passos desesperados pelos arredores do hotel, procurou-a nas poucas lojas de conveniência e lanchonetes. Sem sucesso ainda, voltou para dentro e perguntou no saguão sobre quando Usagi tinha entregado a chave do quarto para a limpeza. Contudo, já se havia passado mais de um turno, e a pessoa que estava atendendo não estava mais ali. Frustrado, Mamoru dirigiu-se aos panfletos turísticos e encontrou aquele que Usagi sempre carregava consigo. Examinou cada sugestão que ainda não tinham explorado. Se ela tivesse decidido passear sozinha pela cidade. Mas não haveria muito mais tempo para passeios; a maioria das atrações fechavam por volta das cinco ou seis da tarde e já eram quase seis.

A razão lhe aconselhava a deixar estar. Usagi estava bem quando se falaram. Aborrecida, mas em segurança. E qualquer problema, ela lhe ligaria. E era certo que Mamoru não havia lhe feito nada tão ruim; nem sequer estivera com ela o dia inteiro. E não ir com ele tinha sido uma escolha dela. Mesmo imaginando que poderia ser um evento chato para alguém como Usagi, ele a havia convidado para conhecer o ex-chefe, havia algo dentro dele de querer que o encontro acontecesse.

Apesar de a razão lhe buzinar os ouvidos, porém, seu corpo estava mais uma vez no lado de fora. Voltou a andar pelo centro, procurando lojas. Seguiu o mapa até uma tal ponte que quando refletida formava uns óculos. Ficava em uma longa rua a quase meia hora do centro. Casas antigas seguiam por lá e havia supostamente um templo mais ao norte, mas que estaria fechado àquela hora. Prestou melhor atenção ao mapa. Havia alguns locais históricos subindo monte Kameyama, mas Usagi não iria lá por conta própria, não quando ela teria que subir aquilo tudo de morro.

Uma vertigem o atingiu e Mamoru quase se agachou no meio da rua. Sua razão estava cansada agora que começava a anoitecer e o desespero começava a lhe tomar conta. Usagi ainda não tinha ligado. O pensamento que ele vinha calando voltava com força.

E se ela não estava mais em Nagasaki?

Ele deveria era ter ido à rodoviária, perguntar lá se alguém vira Usagi. Ela chamava atenção o bastante, certo? Não realmente, concluiu aflito. De fato, uma jovem sozinha indo para o aeroporto no meio da golden week poderia ser curioso o bastante que eles reparassem. Mas não haveria certeza de que seria Usagi. E aí ele faria o quê? Entrar como um louco num táxi pro aeroporto? Pegar o primeiro avião de volta e procurá-la em casa?

Seus olhos estavam ardendo, mas ele se convenceu de que era apenas cansaço. Voltou a conferir o mapa. Ainda havia uma última esperança. A pouco mais de dez minutos dali, havia uma rua comercial chamada Hamanomachi Arcade, um distrito bastante famoso pela vida noturna, dizia o guia. Um destino provável para alguém da idade de Usagi, pois era um lugar para jovens.

Lembrava-se da China Town local de quando estava morando ali e ainda de um shopping perto da estação das barcas. Usagi poderia ter ido a ambos também, tanto por comida como por lazer. Tinha muito campo que cobrir antes de estender a busca pra Tóquio.

Caminhou por uma rua que quase continuava a da ponte. Pouco depois, chegou à rua mais famosa, repleta de fotos de Ryoma Sakamoto, o herói nacional que por um tempo vivera na cidade. Mas não era como se Usagi ligasse muito para ele, lembrou-se. Mamoru tinha mencionado no dia anterior que havia uma estátua dele com uma vista interessante e ainda um mirante com botas que representavam os calçados usados pelo samurai da Revolução Meiji e a reação de Usagi fora entortar o nariz e perguntar se o aquário de pinguins seria caro.

Mamoru logo se sentiu murchar. Eram seis e meia da tarde e Usagi não estava em nenhum restaurante. Não haveria outro destino naquele horário, mas Mamoru também havia conferido até as lojas mais improváveis. Após subir ao segundo piso de um Mc Donald's, quase no final da rua, ele suspirou.

Ela estava no aeroporto. Ou em um avião. E iria reatar com o ex-namorado. Agora que começara, a mente de Mamoru não conseguia parar de lhe mostrar todos os pensamentos, uma construção aparentemente racional de o que Usagi estaria fazendo no momento. Mamoru era a transição, aquele que viera logo após um relacionamento intenso e significativo. Nunca daria certo. Pior, era certo de terminar em desastre. Ela não encontraria outro, Usagi simplesmente o deixaria. Eles estavam em um relacionamento em que o sentimento era apenas para conforto mútuo. Não importava o quanto ele havia posto suas próprias cartas na mesa, o quanto ele havia querido mudar isso. Mamoru causara aquela situação e não chegaria a tempo a Tóquio para mudá-la, porque tudo já estava solidificado contra ele naquela primeira noite em seu apartamento. A ordem deles estava errada demais...

Ele chegou ao final da rua. Havia um Mr. Donuts e um restaurante de gyudon, ambos sem qualquer vestígio dela. Notou mais uma rua após o restaurante e ao virá-la achou que estava tendo visões. Usagi estava agachada em um canto, enquanto seu ex-namorado se encontrava de pé, olhando para o alto e lhe falando alguma coisa. Mas olhou novamente e eles dois ainda conversavam tranquilos ao lado de uma barraca fechada.

Seus pesadelos tinham acontecido da forma mais louca.

"Usagi ligou para que ele viesse até Nagasaki?" pensou, segurando o braço com a mão. Apertando-o para controlar sua raiva que fervia em seu estômago de si mesmo, de como deixara a situação lhe fugir do controle apenas por mais umas noites com Usagi. Por que ele fora propor o namoro? Dizer sobre como se sentia? Antes continuassem apenas como um caso. Agora que havia experimentado dias calmos com Usagi a seu lado, como ele conseguiria voltar à sua vida normal?

Uma imagem mental da mala desarrumada de Usagi no chão do quarto do hotel. E se ela estivesse fazendo hora com Seiya para juntar tudo e sumir? Como seria não vê-la quando acordasse no dia seguinte?

Não obstante reconhecer que não possuía qualquer direito sobre Usagi, Mamoru marchou até os dois. Não queria admitir que a havia perdido quando ela mais lhe parecia próxima, como fora naquela viagem, quando dormiram agarrados toda a noite.

Seiya foi o primeiro a percebê-lo, acertando a postura. Usagi se levantou assustada e olhou para os dois. Seus olhos estavam vermelhos. Agora Mamoru se sentia um intruso. Era um intruso. Devia só ter dado a maia volta e esperado por Usagi no quarto do hotel; ela teria que voltar lá pelo menos para a sua mala.

Seiya lhe estendeu-lhe a mão e disse:

— Ainda não fomos apresentados, né? Eu me chamo Seiya Coe. Usagi estava me falando sobre vocês dois.

— Mamoru Chiba.

Não era tão incomum Mamoru apertar mãos com outras pessoas por causa de seu trabalho, mas sentiu-se estranho por ser a daquele homem; novamente se percebia o vilão da história. Olhou para Usagi e engoliu em seco. Voltando-se novamente para Seiya, viu que ele não parecia tão feliz como tentava fazer parecer pelo tom despreocupado de voz.

— Mamoru, pode pagar mil ienes ao Seiya? — pediu Usagi, quando ficou claro que Mamoru não diria mais nada. — Ele me comprou um hambúrguer e um suco, mas eu não tenho dinheiro.

Normalmente, um homem pagava sem esperar que esta lhe devolvesse. Seiya não parecia feliz de ouvir que não seria assim, mas não disse nada sobre "esquecer", "deixar para lá", ou "da próxima você paga pra mim".

Tentando não pensar, porque parecia rude pensar naquilo, Mamoru pegou a carteira e de lá tentou escolher a melhor nota.

Ressarcido, Seiya se voltou para Usagi.

— Foi bom conversarmos — disse-lhe. Em seguida, voltou-se para Mamoru e se curvou um pouco apenas para partir na mesma direção de que Mamoru viera.

Usagi apenas acenava a ele sem sorrir.

— Vamos jantar agora, né? — perguntou-lhe assim que Seiya virara em direção à estação mais próxima. Antes da resposta, começou a andar na direção oposta.

Mamoru não fazia ideia se ela sabia que estava indo para ainda mais longe do hotel e da estação mais próxima, mas a seguiu em silêncio. Não importava.


Notas da Autora:

Muito obrigada pelo incentivo pra continuar! Agora tá em reta final mesmo e daqui a pouquinho enfim acaba, só falta um pouquinho!