PARTE 1 - NÃO É TÃO DOCE O PARAÍSO DA MATERNIDADE

I - o nascimento

Uma fina garoa caía do lado de for a, molhando as janelas do Centro Médico da cidade de Malibu. O tempo estava frio, mesmo para a quente Malibu. No interior do hospital, na ala da maternidade, um homem loiro, cujos olhos azuis estavam aflitos e preocupados, andava de um lado para outro sem parar, tentando disfarçar o nervosismo que tomava conta de seu ser, esmagando seu estômago como se um martelo batesse continuamente em uma bigorna. Ele ainda trajava seu terno brilhoso da última apresentação que fizera em Los Angeles para uma centenas de pessoas ávidas em poder conversar com seu ente querido falecido. Patrick Jane recebeu uma ligação de sua esposa, Angela, anunciando que o bebê deles estava a caminho; ele fez um encerramento apressado de sua apresentação, iludindo a plateia exaltada, dizendo-lhes que havia recebido dos espíritos a informação que sua esposa estava em trabalho de parto, portanto, tinha que deixá-los. Com todo seu charme e carisma, ainda conseguiu sair de lá ovacionado, com vários fãs desejando boa sorte no parto. Patrick apenas deu um sorriso falso de agradecimento, pegou seu veículo e cruzou os quilômetros entre Los Angeles e Malibu em tempo recorde. Provavelmente, no próximo mês ele receberia em casa ao menos meia dúzia de notificações de multa por excesso de velocidade. Mas isso ele deixaria para seu agente resolver, afinal, era para isso que estava sendo pago. E muito bem pago, aliás.

Quando Patrick finalmente chegou ao hospital, largou as chaves do carro de qualquer maneira nas mãos do manobrista e correu para recepção, dizendo o atabalhoadamente o nome da esposa e o motivo por que ela estava lá. A simpática auxiliar pesquisou rapidamente o nome de Angela no computador, informando que ela estava no centro cirúrgico.

'' - Centro cirúrgico? Como assim, ela planejava fazer parto normal.'' Patrick ficou impressionado que pode articular as palavras, pois estava esbaforido e seu coração batia a mil por hora. O suor corria copiosamente por seu rosto e ele respirava forte para recuperar o fôlego.

'' - Houve uma pequena complicação na hora do parto.'' - a agora irritante mulher disse a ele com um insuportável sorrisinho treinado para ser agradável. '' - Logo alguém virá falar com o senhor, não se preocupe. Enquanto isso, não quer completar a ficha de admissão de sua esposa?'' Ela empurrou embaixo do nariz de Patrick uma prancheta com no mínimo dez folhas para preencher.

'' - Ótimo.'' - ele verbalizou – ''papelada inútil''- ele pensou. Devolvendo o mesmo sorriso falso de agradabilidade, ele sentou-se em uma das cadeiras desconfortáveis do saguão, rabiscando distraidamente os quesitos. Devolveu a prancheta 5 minutos depois e voltou a se sentar. Contudo, a ansiedade era demais. Ele balançava a perna direita sem parar, torcendo nervosamente as mãos. Então, para dissipar um pouco da tensão, foi até o fundo do saguão, isolando-se das outras pessoas que aguardavam notícias, e começou a andar de um lado para outro.

Depois de 40 minutos, suas pernas começaram a reclamar por estarem sendo submetidas a um intenso estresse, após terem sido muito exigidas para correr e dirigir por ao menos 2 horas. Todavia, Patrick ignorou os protestos dos seus músculos e manteve sua caminhada ansiosa, tentando não pensar nas várias coisas que poderiam dar errado durante o trabalho de parto. Nesse momento, Patrick amaldiçoou sua prodigiosa memória, pois fatos horripilantes pulavam um sobre o outro, tornando sua espera ainda mais angustiante.

Para tentar relaxar, ele invocou recordações mais agradáveis, como por exemplo, quando descobriram que seriam pais. Ele e Angela haviam decidido tentar agora que estavam muito bem estabelecidos e o negócio de vidente de Patrick estava prosperando. Angela ainda reclamava sobre o ''trabalho'' dele, mas Patrick rebatia dizendo que era o único ofício que ele sabia fazer, desde que saíram do Parque de Diversões para viverem suas próprias vidas. Ele supôs que Angela deveria dar algum crédito, pois ele realmente tentou diversos trabalhos honestos, mas a falta de qualificação e educação formal eram impeditivos para que ele pudesse ter uma colocação diferente de lavador de carros ou faxineiro de lanchonete. Caramba!, ele não havia saído do Parque, escapando do jugo do seu pai controlador e abusivo para passar a vida inteira enfurnado em um trabalho tedioso. Por isso, depois de três bravas tentativas, ele iniciou seu negócio de vidente, além de aprimorar suas técnicas no jogo de cartas. A partir daí, tudo se desenrolou e o dinheiro começou a chegar e não sair tão rapidamente. Patrick realizou seu sonho de infância, comprando uma luxuosa casa à beira mar em Malibu e começando sua amada coleção de carros antigos.

O próximo passo lógico seria aumentar a família, e mesmo a contragosto, Angela concordou e demorou cerca de dez meses até finalmente engravidar. Patrick sorriu sozinho ao se lembrar de como Angela o xingou cada vez que tinha que correr para o banheiro para vomitar qualquer refeição que havia comido há poucos minutos. Sempre que estava em casa, ele carinhosa e pacientemente, segurava os longos cabelos longos encaracolados de sua esposa, enquanto ela estava abaixada na fria louça do vaso, colocando pra for a o último alface que havia comido. O médico explicou que esses enjoos eram normais e tentou passar uma dieta, mas de todos os alimentos sugeridos, Angela passou os três primeiros meses comendo bananas, queijo branco e suco de limão sem açúcar, perdendo com isso vários quilos, enquanto o bebê desenvolvia-se bem em seu ventre sem nenhuma intercorrência.

'' - Isso é culpa sua!'' - ela apontou o dedo acusadoramente para ele em uma noite, após comer um prato mirrado de queijo branco - '' Da próxima vez, você engravida!''

'' - Amor, você sabe...'' ele tentou, mas sob o olhar assassino dela, completou humildemente '' - Claro querida.''

Ao iniciar o segundo trimestre, Patrick suspirou aliviado por Angela poder comer tudo o que queria sem correr para vomitar. E além do apetite alimentar, o sexual aumentou exponencialmente, tanto que ele estava com dificuldade de acompanhá-la. Em uma noite, depois de terminarem uma rodada intensamente sensual, ele sussurrou no ouvido dela, enquanto se aconchegava às suas costas:

'' - Acho que preciso tomar vitaminas para acompanhar você.'' Angela apenas sorriu, levando desajeitadamente sua mão para tocar na virilha dele, massageando sensualmente seu pênis exaurido. '' - Querida, temo que para uma quarta vez, você terá que dar ao menos 40 minutos para me recuperar, sua mulher malvada.'' Ele mordiscou o lóbulo da orelha dela, levando-a a apertar suas bolas, arrancando-lhe um longo suspiro misto de dor e excitação. Ela tanto cutucou que quando ele estava pronto, Angela simplesmente virou e dormiu profundamente, deixando-o literalmente na mão. Eles riram muito disso no dia seguinte e nesse momento de inquietação, enquanto aguardava notícias, a mera lembrança arrancou uma risada rouca, que ele rapidamente teve que disfarçar, pois as pessoas olharam para ela atordoadas com essa estranha reação dele.

A chegada do terceiro trimestre trouxe frustração: a barriga de Angela ficou enorme e segundo a visão de grávida dela, estava desproporcional ao tamanho dela. Todas as manhãs, Patrick gentilmente passava óleo de amêndoa e rosas no inchado abdome de sua esposa muito brava que as temidas estrias estavam despontando abaixo do umbigo. Angela passava muitos momentos chorando no travesseiro, desesperada achando que Patrick a abandonaria assim que a criança nascesse por que ela não estava mais sensual e seu corpo havia ficado ''feio''.

'' - Angie, querida, você é a mulher mais linda e eu nunca deixaria a mãe do meu filho.''

'' - Mas Patty...'''

'' - Psiu…chega de falar nisso. Saiba que o fato de você estar carregando meu filho torna você a mulher mais sensual e desejável para mim.'' - ele disse as palavras entre beijos de boca aberta em todo seu corpo, lambendo excitantemente as estrias dela, enquanto massageava carinhosamente seu clitóris…. ele perdera pelo menos um tufo de cabelo pelas mãos de Angela quando ela gozou ruidosamente na boca dele, rebolando sem parar. As ondas do orgasmo foram tão intensas que o bebê deu vários chutes na barriga de Angela, além de reviravoltas que formaram calombos impressionantes na barriga. Patrick se divertiu ao tentar segurar os calombos, tentando adivinhar se era um pé ou uma mão. Ao sentir o toque do pai, o bebê se mexia mais rápido, como se estivesse adorando a brincadeira. Eles admiraram extasiados todas as voltas e remexidas do bebê até que enfim se acalmou e pareceu pegar no sono. Todas as vezes que Angela fazia beicinho, lamentando-se do seu enorme tamanho, Patrick dava o mesmo tratamento sexual, e foram tantas vezes que ele começou a desconfiar que ela fazia de propósito. Tudo bem para Patrick, pois ele estava viciado em brincar com o filho não nascido. No final, todos ganhavam.

Quando Angela entrou no último mês de gravidez, com o parto podendo ser a qualquer momento, Patrick esvaziou sua agenda de apresentações, sob os protestos injuriosos de seu agente, que parecia não entender o porquê Patrick teria que ''paparicar'' sua esposa, já que há milênios mulheres davam à luz todos os dias sem problemas. Patrick optou em ignorar o comentário misógino de seu agente, todavia, fez uma nota mental de despedi-lo assim que fizesse a apresentação em Los Angeles, cujo compromisso ele não conseguiu cancelar.

E aqui estava ele, fazendo um buraco no chão da recepção do hospital, aguardando ansiosamente por notícias, já que ele não conseguiu chegar antes de Angela ser internada. Se alguma coisa acontecesse com suas meninas, ele nunca poderia….

'' - Sr. Jane?'' - uma mulher alta, negra, com os cabelos presos em um apertado coque, vestida com um uniforme rosa clarinho, veio até ele devagar, não pretendendo assustá-lo enquanto ele destruía o piso vinílico do hospital. '' - Sua esposa está no quarto, gostaria de vê-la agora?'' - ela sorriu gentilmente quando ele a encarou surpreso pela interrupção.

'' - Sim, sem dúvida…'' - ele suspirou aliviado para no mesmo instante seu sangue se drenar do seu rosto. '' - E nosso bebê, está bem?''

'' - Sim, ela está bem. Parabéns, você é pai de uma linda menininha. Ela ainda está recebendo atenção médica devido ao parto, mas logo, logo, será levada ao quarto. Por favor, acompanhe-me.'' ela fez sinal com o braço esquerdo, indicando o caminho que deveriam tomar. Patrick sentiu como se duas toneladas tivessem sido tiradas de seus ombros. Pela primeira vez que chegou ao hospital, ele abriu um sorriso verdadeiramente feliz e saltitante, seguiu a enfermeira.

'' - Sua esposa está aqui, pode entrar.'' - ela o parou em frente ao quarto 214, ainda sorrindo amavelmente, como se estimulando-o a entrar. Patrick percebeu que havia perdido momentaneamente sua aptidão para falar e apenas acenou em agradecimento. Muito devagar, expirando várias vezes, ele entrou no quarto para encontrar Angela recostada na cama, com um rosto cansado, olhando perdidamente para a janela. Angela, ao ouvir o barulho da porta, virou-se para ver quem estava entrando, e apesar de não ser sua bebezinha, ela sorriu com um amor tão intenso pelo marido, que Patrick imediatamente sentiu-se o homem mais feliz do mundo.

'' - Patty, você veio.'' - sua voz estava baixa e um pouco rouca.

'' - Claro amor, claro que viria.'' - ele se aproximou rapidamente, tirando o incômodo paletó ao mesmo tempo. Vendo um frasco de álcool em gel na mesa de cabeceira, ele parou ali para desinfetar as mãos antes de dar um beijo longo e apaixonado em sua linda esposa. Ele segurava carinhosamente o rosto dela, à medida que seus lábios se tocavam, com um entrelaçamento gentil de suas línguas. Quando a respiração tornou-se necessária, Patrick quebrou o beijo para acariciar delicadamente as madeixas de Angela que estavam um pouco desarrumadas, obviamente pelo esforço do parto.

'' - O que houve querida? Quando cheguei, disseram que estava no centro cirúrgico e ninguém me disse mais nada. Fiquei aflito.'' - ele disse baixinho, encostando sua testa na dela.

'' - Sua filha resolveu na última hora desvirar e tiveram que fazer uma cesariana de emergência.'' - Angela devolveu com um sorriso desdenhoso.

'' - Se ela fez isso, então é sua filha, pois se fosse minha, iria chegar nesse mundo da forma mais tranquila possível.'' - ele retorquiu com um largo sorriso em meio às lágrimas. Eles se encararam bobamente por alguns momentos, trocando carinhos e leves beijos. Um bater na porta tirou os dois de seu transe amoroso.

'' - Olha só quem quer ficar com a mamãe…'' - a mesma enfermeira negra que buscou Patrick na recepção, entrou no quarto empurrando um berço de acrílico e dentro dele, mexendo seus braços para escapar do aperto do cobertor roxo que a envolvida, a filha deles estava resmungando, logicamente reclamando que estava com fome. Angela desvencilhou-se de Patrick, estendendo os braços para receber a filhinha deles. A pequena estava agitada, batendo as mãozinhas impacientemente no rosto, dando os primeiros sinais de que iria abrir o berreiro a qualquer momento. A enfermeira aproximou-se da cama, ajudando Angela a acomodar a bebezinha no seio direito para amamentá-la; a menina pegou o seio de primeira, fechando os olhos satisfeita por estar sendo finalmente alimentada.

'' - Que lindeza, tão esperta.'' - a enfermeira elogiou com olhos cupidos de paixão.

'' - Ah, essa inteligência ela certamente puxou de mim.'' - Patrick se manifestou do outro lado da cama, balançando-se orgulhoso para frente e para trás na ponta dos pés.

'' - Patrick, silêncio.'' - Angela censurou, mas a bronca perdeu todo o efeito quando seus lábios teimosamente abriram um sorriso.

'' - Vou deixá-los curtir sua filha. Com licença...'' - a enfermeira despediu-se, saindo silenciosamente do quarto.

Patrick chegou mais perto da cama, e extasiado, contemplou sua filha: uma bebezinha branquinha como a neve, com finos e poucos cabelos loiros na cabeça e intensos olhos azuis, os quais estavam focados no rosto de sua mãe enquanto ela chupava animadamente seu seio.

'' - Ela é tão linda... com certeza, puxou isso de você...'' - ele declarou apaixonadamente, profundamente encantado por terem feito juntos um ser tão belo. Angela apenas retribuiu com um sorriso leve, ainda muito fascinada por sua filha.

'' - Como vamos chamá-la?'' - Patrick perguntou, agora acariciando suavemente o pezinho de sua filha coberto pelo macacão amarelo berrante felpudo. Ele e Angela deram muitas risadas quando viram a peça na loja durante as compras do quarto da bebê. Acharam que seria uma ótima ideia que a extravagante roupa fosse a primeira que o filho ou filha vestisse ao nascer.

'' - Charlotte...'' - Angela disse baixinho, ainda mirando sua filha. Ela desgrudou o olhar da filha para encará-lo. ''Charlotte Anne Jane, Anne em homenagem à sua mãe.'' Angela disse isso com lágrimas nos olhos. A garganta de Patrick ficou apertada de emoção e ele engoliu a seco, muito emocionado com a linda lembrança a sua mãe há muito falecida. Ele acenou concordando, dando um leve beijo na cabeça quase careca de sua filha. Naquele momento, nada no mundo poderia tirar a intensa felicidade que sentia.