II - Os terríveis primeiros 40 dias
Três dias após o nascimento, Angela e Charlotte tiveram alta e foram para casa, acompanhadas por um empolgado Patrick. Ele havia providenciado a cadeirinha de bebê e passou uma boa meia hora tentando colocar Charlotte nela sem acordá-la; sem sucesso, pois ao se ver em um lugar estranho, Charlotte fez um adorável biquinho e chorou forte, exigindo voltar para o colo da mãe. Angela observava divertida a cena do lado de fora do carro, de braços cruzados e balançando ligeiramente a cabeça.
'' - Querido, deixa eu tentar.'' - ela finalmente se compadeceu com ele, aproximando-se do carro para ajustar o bebê na cadeirinha. Ela estava ficando preocupada pois o escândalo de Charlotte estava começando a chamar a atenção dos transeuntes na rua. Carinhosamente, ela aconchegou Charlotte no colo, embalando-a com suavidade, falando baixinho com ela. Charlotte, ao ouvir a voz da mãe, acalmou-se imediatamente, suspirando profundamente, ainda sustentando um biquinho de desagrado. '' - Eu vou com ela aqui atrás, para mantê-la calma.'' - ela disse a um indignado Patrick, que permanecia de boca aberta olhando tudo da calçada, tentando descobrir o que ele havia feito de tão horrível para sua filha se esgoelar como se ele estivesse beliscando o bumbum delicado dela.
'' - Definitivamente, ela é sua filha. Muito voluntariosa…'' - ele disse ao entrar no banco do motorista, emburrado com um biquinho exatamente igual ao da filha, o que fez Angela rir alto com o absurdo daquela observação.
Quando chegaram em casa, Patrick e Charlotte estavam mais calmos; Charlotte parece ter decidido que seu pai era digno de carregá-la no colo, pois ela foi com ele sem reclamar até o quarto que haviam decorado para ela. Angela ia atrás deles, andando devagar, sentindo-se ainda incomodada com as dores dos pontos da cesárea.
'' - Querida, fique aqui embaixo, enquanto eu levo Charlotte para o quarto. Logo mais, desço para te ajudar a subir as escadas.'' - Patrick disse muito prestativo, levando além da bebê, todas as sacolas dela e de Angela. Chegando ao quarto de Charlotte, muito lentamente ele colocou-a no berço, torcendo para que ela não chorasse de novo. Ela apenas o encarou com seus grandes olhos azuis, ocupada demais observando o novo lugar em que estava sendo colocada para iniciar qualquer choradeira.
Patrick desceu as escadas correndo para encontrar Angela parada no mesmo lugar, no meio da sala, fazendo caretas devido ao repuxamento dos pontos.
'' - Angela, você está bem?'' - Patrick perguntou preocupado com a expressão de dor de Angela, que geralmente não costuma reclamar de dor.
'' - Sim, sim, são só os pontos incomodando.'' - ela acenou despreocupadamente as mãos. '' - E Charlotte? Está dormindo?'' Ela perguntou genuinamente curiosa pelo silêncio que reinava na casa.
'' - Não... ela está acordada. Olhando o quarto.'' - Patrick respondeu enquanto circundava a cintura inchada de sua esposa com o braço esquerdo, pegando a mão direita dela, guiando-a levemente em direção às escadas. '' - Vamos lá, devagar, degrau por degrau.'' Ele pacientemente guiou Angela até o quarto deles, ajudando-a a subir na cama, puxando levemente as cobertas.
'' - Paddy, amor, pode trazer Charlotte? Acho que ela está com fome.'' - Angela pediu baixinho, encostando-se nos travesseiros que ele havia acabado de arrumar nas suas costas.
'' - Claro, amor.'' - Patrick deu-lhe um beijo suave na testa. '' - Logo Volto.''. Ele saiu ligeiro do quarto e pouco depois, voltou com um pacotinho de manta roxa aveludada. Charlotte ainda estava ocupada esquadrinhando o novo lugar. Mas ela torceu os lábios em um movimento que lembrava um sorriso ao ser colocada no colo da mãe.
'' - Oi querida, está com fome?''. - Angela acolheu a menina à medida que tirava o seio para oferecer à bebê, que o aceitou com satisfação. Aparentemente, Charlotte estava tão concentrada em olhar tudo à sua volta que não se deu conta de que estava com muita fome, pois ela mamou os dois seios de Angela, inspirando feliz quando finalmente soltou o mamilo da mãe.
'' - Eu posso colocá-la para arrotar e trocar a fralda dela para que você possa descansar.'' - Patrick ofereceu-se, já levantando as mãos para pegar a menina da mãe.
'' - NÃO.'' - Angela meio que gritou, apertando Charlotte em seu ombro. '' - Não, deixa, eu faço isso.'' - Ela tentou remendar com um tom de voz um pouco mais baixo, dando leves tapinhas nas costas da filha. Patrick franziu as sobrancelhas, mas não disse nada.
''- Ok.'' - ele disse simplesmente ao sair. Patrick foi para o banheiro da suíte deles, pensando em trocar sua calça social e camisa por algo mais confortável, como camiseta e calça de moletom.
Ele saiu do banheiro, arriscou um olhar em direção a cama deles, vendo que Angela e Charlotte dormiam profundamente, estando Angela ainda sentada apoiada nos travesseiros e Charlotte com a cabecinha apoiada em seu ombro, com os lábios entreabertos, escorrendo um filete de leite no canto direito. Patrick achou a cena tão adorável que não resistiu a se aproximar das duas, dando-lhes um levíssimo beijo na cabeça de cada uma com uma expressão gentil no rosto. De pé ante pé, ele saiu do quarto, indo para a cozinha para preparar uma refeição para ele e para Angela; ele havia lido de que parturientes precisavam de pequenos lanches e refeições leves ao decorrer do dia para recuperar as calorias perdidas no processo de amamentação. Tendo isso em mente, ele fez para si um sanduíche de pão integral com presunto, muçarela, tomate e maionese, e ao mesmo tempo que comia, elaborava um lanche para sua Angela, consistindo de um sanduíche de queijo branco, suco de laranja natural, um punhado de mix de castanhas e um squeeze de água. Organizou tudo em uma bandeja, e ainda mastigando o último pedaço do seu próprio sanduíche, ele subiu as escadas equilibrando tudo para não cair. Entrou no quarto de costas, empurrando a porta com um dos pés, chamando Angela baixinho:
'' - Angie, amor, acorde. Preparei uma refeição leve pra você.'' - Patrick colocou a bandeja na mesa de cabeceira do lado de Angela, olhando cautelosamente para Angela para ver se ela teria a mesma reação de 40 minutos atrás quando ele tentou pegar o bebê.
'' - Hum, que bom, estou morrendo de fome.'' - Angela alegremente passou Charlotte para o colo dele, esfregando as mãos ávida pela refeição preparada por ele. Ela pôs a bandeja cuidadosamente sob as cobertas, escolhendo o sanduíche, comendo quase três quartos em uma só bocada. '' - Nossa, Patrick, que delícia. '' - ela elogiou, esfregando levemente as migalhas da boca.
'' - Ah, oh, bem, obrigada?'' - Patrick ficou confuso, ainda segurando Charlotte em seus braços, que dormia tranquilamente, indiferente a estranha troca entre os pais. '' - Vou trocá-la então.'' ele arriscou.
'' - Sim, sim, por favor…a fralda dela está bem pesada mesmo.'' - Angela deu de ombros, atarefada em escolher uma das castanhas para comer. Patrick levou Charlotte para o quarto, colocando-a no trocador:
'' - Sua mãe está estranha, não acha pequena?'' - ele perguntou baixinho para a filha, sabendo que era uma questão retórica, por dois motivos: 1) Charlotte continuava dormindo profundamente, abrindo pesadamente os olhos apenas por reflexo; 2) obviamente, ela não poderia responder. Patrick trocou a fralda cheia de xixi, limpando-a com um algodão embebido em água, pondo uma nova fralda, impressionado que Charlotte continuava em sono alto, soltando um arroto considerável quando ele a apoiou em seu ombro, sentindo uma estranha gosma quente em sua camiseta.
'' - Charlie, você acaba de regurgitar em mim?'' - ele perguntou divertido à filha adormecida, limpando a boquinha dela com um pano que pegou em uma das gavetas da cômoda do quarto. Ele aguardou mais alguns minutos, curtindo a filha em seu colo. Patrick cantarolou baixinho no ouvido de Charlotte, movendo-se devagarinho de um lado para outro. Uma sensação de intensa felicidade tomou conta dele e pela primeira vez na vida, Patrick sentiu-se orgulhoso em ter feito algo tão precioso. Sua filha era a coisa mais importante de sua vida, e seu coração inchou de uma alegria genuína que não sentia desde que sua mãe morreu quando era criança.
Sua infância foi difícil, controlada por um pai abusivo que via nele apenas um meio de ganhar dinheiro fácil, percebendo seu talento nato de analisar as pessoas. O pai de Patrick, Alex, descobriu muito cedo a nata aptidão de leitura fria do filho, aproveitando para montar o número do Garoto Maravilha, contrariando Anne, mãe de Patrick, causando muitas brigas entre o casal. Quando ela faleceu, Alex não perdeu tempo para dar andamento à criação do show, usando praticamente todo o dinheiro para gastar em jogos e bebidas. Quando fugiu do Parque de Diversões com Angela, Patrick jurou que tentaria ser um pai muito melhor do que o seu fora.
Angela acordou um tempo depois, com os seios doloridos e inchados. Por um momento, ela não soube onde estava e o que estava acontecendo. Segundos depois, ela se lembrou que agora era mãe e tinha uma linda menininha para cuidar. A imagem de Charlotte mamando avidamente, fechando e abrindo os olhos com satisfação a fez sentir uma agonia, como se o coração dela estivesse sendo apertado por uma prensa e ela imediatamente achou que não seria competente o suficiente, não seria uma boa mãe, que certamente ela repetiria os erros de sua mãe, fazendo sua pequena Charlotte sofrer. Angela segurou com força o travesseiro e começou a chorar copiosamente, encharcando a fronha com suas lágrimas quentes.
'' - Angie, querida, você está acordada…Charlotte está inquieta, acho que quer mamar de novo.'' - Patrick sorridente entrou no quarto naquele momento, sacudindo no colo uma Charlotte que estava começando a chorar, balançando com esforço braços e pernas.
'' - Eu não serei capaz de cuidar dela. Não serei uma boa mãe…Patrick, por favor, tira ela daqui, tira, tira…''' - Angela segurou com mais força o travesseiro, chorando alto, virando as costas para Patrick e Charlotte.
'' - Angela, amor, o que está acontecendo? Você está bem?'' - Patrick se aproximou mais, agora lutando com uma chateada Charlotte que começou a chorar alto, protestando para ser alimentada.
'' - Patrick, tira essa criança daqui, o choro dela é insuportável.'' - Angela cobriu a cabeça com o travesseiro de Patrick, cuja atitude só fez aumentar sua sensação de incompetência materna. Sem saber o que fazer, Patrick saiu do quarto, indo para sala, tentando ninar uma faminta Charlotte, que chorava cada vez mais alto.
'' - Charlie, meu bem, por favor, calma, calma…'' - ele estava desesperado, depois de meia hora (o que pareceu a ele uma eternidade), se virou para encarar Angela parada no último degrau da escada, olhando estupefata para eles.
'' - Patrick Jane, o que você pensa que está fazendo? Quer matar essa criança de fome? Dê ela a mim, vamos…'' - Angela movimentou os braços indicando para que ele entregasse o bebê perigosamente à beira de engasgar de tanto chorar. Com a filha no colo, Angela lançou-lhe um olhar irado, caminhando resoluta até o sofá, arrancando um dos seios, brigando com Charlotte para que ela pudesse pegar o peito e então começar a mamar. Charlotte, por sua vez, estava muito brava por ter sido ignorada por tanto tempo, portanto, mexia a cabeça de um lado para outro, negando o seio da mãe, até um pouco de leite espirrou sem querer na boca dela, e percebendo que o alimento estava ali a seu alcance, enfim, pegou o seio da mãe, mamando com vontade.
'' - Angela, eu, eu levei Charlotte até o quarto, mas você estava chorando, disse que não seria uma boa mãe… e me pediu para sair de lá, eu….'''
'' - Paddy, querido, são os hormônios, agora estou bem. '' - ela respondeu da forma que uma professora paciente explicava para uma criança teimosa que dois mais dois é igual a quatro. '' - Senta aqui do meu lado, veja como nossa filhinha adora comer, parece com você, olha…'' - Angela deu um tapinha ao lado dela no sofá, convidando-o para se sentar. Cautelosamente, ele se aproximou, com a festa franzida e um grande ponto de interrogação no rosto; contudo, ao ver Charlotte mamando, apoiando uma das mãozinhas no seio da mãe, resfolegando ainda depois de chorar por tanto tempo.
'' - Ela é linda.'' - ele segurou carinhosamente o pezinho de Charlotte, descobrindo o quanto era viciante fazer isso, bem como sentir aquela intensa sensação de felicidade.
Patrick passou os próximos dez dias convivendo com os altos e baixos da turbulência emocional de Angela, deixando-o profundamente preocupado e sem saber mais o que fazer, ele ligou para a segunda pessoa no mundo na qual confiava com sua vida:
'' - Patty! Há quanto tempo! Como estão você e Angela?'' - uma voz forte e feminina do outro lado da linha o cumprimentou.
'' - Sam… estamos bem. Bom, tivemos um bebê.'' - Patrick comentou, um pouco sem graça, pois há um tempo que não falava com seus melhores amigos do Parque de Diversões.
'' - Como assim?'' - o tom de voz de Sam mudou de animada para brava em questão de segundos. '' - Patrick Alexander Jane, porque você não me disse isso antes? Já basta que você e Angela saíram no meio da noite! Fugiram de todos nós! Tá certo, eu até entendo seus motivos, e dou toda a razão para você. Realmente, seu pai era péssimo, um homem horrível e manipulador, que usava você só para ganhar dinheiro. Daí, você liga uma vez na vida e outra na morte e agora, simplesmente do nada, me diz que tem um filho? Estou furiosa com você que poderia torcer seu pescoço agora mesmo…'' - a cada frase, a voz de Sam aumentava uma oitava e Patrick não pode evitar em abrir um largo sorriso, pois ele e Sam eram fraternos e Sam sempre se posicionou como uma espécie de irmã mais velha dele. Quando ela terminou seu longo discurso de admoestação, ele estava rindo alto, o que deixou Sam ainda mais irritada.
'' - E o que é tão engraçado senhor? Posso saber?'' - a voz dela aumentou a um volume impressionante.
'' - Eu amo você também Sam, senti muito sua falta.'' - ele respondeu docemente, praticamente murmurando as palavras, sentindo-se acolhido por ela, apesar de estar levando uma bronca.
'' - O que? Quem disse que eu gosto um tantinho que seja de você, seu idiota?'' - ele podia perceber a alegria na voz dela, então, ele soube que havia conseguido acalmar a fera. Sem perder mais tempo, ele contou a ela tudo o que estava acontecendo com Angela, suas oscilações de humor, sua constante melancolia e recolhimento. Aflito, ele relatou que ligou para ela quando pegou Angela no deck do trecho da praia da propriedade deles, olhando o oceano com um jeito perdido e triste, ignorando que Charlotte estava chorando ao lado dela no carrinho. Sabendo que ela tinha esses episódios de tristeza, ele pegou o costume de fazê-la bombear o leite materno e guardava algumas mamadeiras na geladeira, para que ele pudesse alimentar a filha deles enquanto Angela mergulhava em sua prostração. Nesses momentos, ele cautelosamente retirava-se com Charlotte, alimentando-a e trocando sua fralda. Os banhos também ficaram por conta dele, Angela recusou-se a fazer alegando que era uma imbecil incompetente e que poderia deixar a criança cair na banheira e se afogar.
'' - Estou angustiado Sam, o que ela tem? O que eu faço?'' - ele perguntou a Sam com a voz embargada e os olhos brilhantes de lágrimas.
'' - Não diga mais nada meu querido. Estou indo para a casa de vocês.'' - Sam disse e imediatamente, ele ouviu o barulho dela afastando o fone do rosto para gritar para seu marido: '' - Pete! Recolha nossas coisas, estamos indo para a Califórnia visitar Paddy e Angie. Sim, agora e não discuta comigo.'' Patrick não pode deixar de soltar um guincho estrangulado entre o riso e o choro ao ouvir as ordens de Sam para seu pobre marido Pete. Logo depois, ele ouviu que ela voltou a falar com ele: '' - Paddy, querido, logo estaremos aí com vocês, não se preocupe, tudo ficará bem.'' E sem se dar ao trabalho de se despedir, Sam encerrou a ligação, não dando tempo para ele dizer que pagaria as passagens de avião deles, ida e volta, bem como o endereço da casa deles em Malibu. Patrick acabou acertando todos esses detalhes com Pete mais tarde; o pobre homem estava desacorçoado, pois justo naquela semana, o Parque receberia um novo filhote de elefante. Porém, como Pete conhecia bem sua pequena e nervosa Sam, preferiu fazer esse comentário só com Patrick.
Dois dias depois, Patrick dirigia seu sedan luxuoso, com uma balbuciante Charlotte no banco de trás em sua cadeirinha, para buscar seus amigos mais estimados no aeroporto de Los Angeles. Angela permaneceu deitada na cama, sentindo-se pior do que nunca quando Patrick lhe disse que Sam e Pete iriam visitá-los. Ao escutar as novidades, Angela simplesmente balançou a cabeça desanimada, esquecendo que estava amamentando Charlotte:
'' - Patrick, mas como poderemos recebê-los aqui?''
''- Angie, eles poderão ficar na casa de hóspedes.'' ele respondeu um tanto confuso com a colocação dela.
'' - Eles saberão a verdade sobre mim e dirão aos meus pais; e eles virão e irão tirar Charlotte de mim.'' - meio inconscientemente, ela apertou Charlotte em seu peito, que reclamou incomodada por ter sido tão rudemente interrompida em sua atividade preferida de bebê de 20 dias, além de que Angela sem querer pode ter machucado Charlotte no processo.
'' - Angie, ninguém irá tirar nossa filha de nós, do que você está falando?'' - ele perguntou ao mesmo tempo que retirou Charlotte do colo da mãe, ninando o bebê para que ela se acalmasse depois de ter sido espremida pela mãe.
'' - Você sabe como eles são, Patrick. Irão apontar seus dedos julgadores; eles verão que tinham razão sobre mim, não sirvo para nada, a não ser para casar com um vigarista charlatão.'' - sua voz era baixa, cheia de ódio e aversão. A partir deste dia, ela expulsou Patrick do quarto deles, que teve que dormir em um colchão improvisado ao lado do berço da filha. E Angela decidiu que alimentar Charlotte de madrugada não era sua função e sim dele. Por esse motivo, ele estava extremamente aliviado em buscar Sam e Pete no aeroporto e quem sabe os três poderiam descobrir o que estava acontecendo com Angela.
Desde de adolescente, Patrick soube que as mulheres o achavam extremamente bonito e atraente, o que era um bônus para as armações de seu pai. E sendo sincero com ele mesmo, Patrick aproveitou todas as oportunidade que surgiram para ter relações sexuais sem compromisso até que conheceu Angela e se apaixonou perdidamente por ela. Ignorando os comentários ácidos de seu pai de que ele, Patrick, era um frouxo tonto por estar apenas com uma mulher, a partir do momento que Angela aceitou ficar com ele, sua dedicação, atenção e amor eram exclusivamente dela, passando a deixar outras mulheres de lado, mesmo se elas praticamente se atirassem nele. Na vida adulta, Patrick calibrou seu charme e carisma para conquistar mais clientes do sexo feminino e alguns do sexo masculino também, porque não? Dessa forma, ele aumentou significativamente sua clientela e o dinheiro começou a entrar cada vez mais; seu belo rosto com seus quase inocentes olhos azuis e cabelos loiros encaracolados cuidadosamente domados e penteados de maneira que lembrava um anjo refinado. Contudo, o que ele mais gostava era de ser despenteado e arranhado por sua amada Angela sempre que faziam amor.
Logo, ele estava acostumado com encaradas e flertes, simplesmente não dando crédito a qualquer investida mais atrevida. Ao chegar no saguão do aeroporto, vestido com uma calça de sarja preta e uma camiseta azul celeste solta por cima da calça, carregando Charlotte de um lado e uma bolsa de fraldas e mamadeiras por outro, Patrick não pode deixar de revirar os olhos ao notar as frases paqueradoras das mulheres que cruzavam seu caminho, e mesmo ele quando ele estava parado no balcão de chegada, buscando por cima das cabeças das pessoas a sua frente por Pete e Sam, as pessoas ainda insistiam em encará-lo com volúpia, atitude essa que estava começando a irritá-lo.
Patrick acenou contente ao ver seus amigos chegando, aliviado por ter a chance de se afastar da multidão que os cercava.
'' - Olá vocês.'' ele cumprimentou seus amigos com uma felicidade radiante no rosto. '' - Que saudades!'' - Patrick se atrapalhou com bebê e a bolsa ao tentar abraçá-los.
'' - Deixe disso, agora, me dê aqui sua preciosidade.'' - Sam disse desejosa de poder, enfim, segurar a filha de Patrick no colo. Delicadamente, ela retirou a dobra da manta do rosto de Charlotte para vê-la melhor, suspirando de amor ao encarar o rosto delicado e adormecido de Charlotte. '' - Ah, mas não é que é a bebezinha mais linda que a tia Sam já viu?!'' - Voltando-se para o pai babão: '' - Sorte dela que puxou a Angela e não a você.'' - ela disse em tom de provocação, piscando um dos olhos ao mesmo tempo. Virou-se para o marido: '' - Veja aqui Pete, e me diga se não é a criança mais bela e fofa do mundo.'' A mulher negra, miúda, mas com braços fortes e expressão ferozmente carinhosa no rosto, levantou a bebê para que seu enorme marido, com uns bons 30 centímetros mais alto e largo do que ela, pudesse se aproximar e mimar Charlotte, que agora dava sinais de que iria acordar a qualquer momento, pois esfregava uma das mãos continuamente no rosto.
'' - Eu vou buscar a bagagem de vocês e poderemos ir.'' - Patrick disse para o vazio, pois a partir do momento que Sam e Pete puseram os olhos em Charlotte, Patrick foi solenemente ignorado pelos dois, que sequer notaram que o amigo se afastou para buscar suas malas e em menos de 15 minutos estava de volta, ainda mais carregado já que tinha duas pesadas malas nas mãos, além da bolsa de fraldas de sua filha.
'' - Podemos ir?'' - ele perguntou meio desajeitado.
'' - Aqui, deixa que eu levo isso para você.'' - Pete ofereceu-se imediatamente ao notar seu amigo sobrecarregado de volumes. Com uma facilidade que lhe era comum, Pete pegou sem esforço as duas grandes malas e caminhou decidido em direção ao saguão de saída do aeroporto. Logo atrás, seguiam Patrick e Sam, essa última com sua atenção totalmente voltada à pequena Charlotte. Patrick não pode impedir-se de balançar a cabeça, descontraído com o modo ''mãe pata'' de Sam, para em seguida sentir uma forte angústia no peito, pois Angela havia agido assim pouquíssimas vezes desde que voltaram do hospital; sua inquietação deve ter se tornado evidente em seu rosto, pois Sam abandonou momentaneamente sua missão de decorar cada pedaço da face infantil de Charlotte para dizer-lhe:
'' - Angela ficará bem, eu garanto, Paddy.'' - sua voz era suave e tranquilizadora, quase como um raio de sol aquecendo um jardim após uma terrível tempestade. Patrick apenas acenou com a cabeça, e em seu íntimo, torceu para que ela estivesse certa.
O retorno para casa foi tranquilo, regado aos murmúrios de Sam para Charlotte e sua alegria quando a menina acordou. Patrick e Pete sorriam um para o outro quando finalmente Charlotte acordou e Sam felizona, revirou sua bolsa de fraldas para encontrar o porta mamadeira térmico, tirá-la e oferecer a uma agradecida Charlotte que mamou satisfeita, pouco se importando se quem a estivesse alimentando naquele momento não eram seus pais, mas sim, uma mulher negra, com grandes olhos castanhos que pareciam determinados a consumi-la de tanto amor. Quando ela terminou e foi colocada para arrotar, Sam acariciou amorosamente sua cabeça com seus finos cabelos loiros que estavam ficando mais evidentes.
'' - Que menina linda…. vamos lá, vamos lá, cadê aquele arroto gostoso que a Tia Sam adora ouvir…'' - Sam dava tapas suaves nas costas da bebê, até que Charlotte soltou o maior arroto que Patrick já tinha ouvido ela liberar. Um filete de leite escorria no canto da boca de Charlotte, que esboçou um leve sorriso quando Sam tirou-a do ombro para olhar seu rosto completamente acordado.
'' - Mas você é um doce, linda e especial.'' - Sam arrulhou, deitando dois beijos estalados em cada bochecha da bebê, e esfregou o nariz na barriga da criança, que gritou de felicidade. '' - Hum, acho que alguém fez um presentinho para a Tia Sam cuidar….'' Sam parecia estranhamente satisfeita ao deitar Charlotte em seu colo e com uma facilidade impressionante, trocou a fralda da bebê em um piscar de olhos. Alimentada e limpa, Charlotte não se incomodou em permanecer no colo de Sam por mais alguns minutos, sendo apertada e beijada sem parar.
'' - Agora, essa princesinha da tia vai para sua cadeirinha, onde é mais seguro quando seu pai doido está dirigindo.''Sam conversou com Charlotte como se ela pudesse responder e a primeira, ignorou o revirar de olhos de Patrick que captou pelo retrovisor. '' - Nem comece, você sabe que eu tenho razão.'' - Sam ralhou com ele, perdendo todo o efeito pelo largo sorriso que ela dirigia a Charlotte.
Patrick simplesmente balançou a cabeça, continuando a prestar atenção na estrada. Logo mais, estavam em casa, e Sam saiu do carro com Charlotte no colo, solenemente ignorando os dois homens que subentendem que seriam responsáveis por descarregar a bagagem do carro. Sam entrou como se a casa fosse sua, ainda conversando animadamente com Charlotte, que surpreendentemente, ainda estava acordada e muito concentrada em toda tagarelice de Sam. Elas subiram as escadas direto para o quarto do casal, que Sam não teve nenhuma dificuldade em encontrar na enorme casa de Patrick e Angela. Ela abriu a porta e sorrindo, entrou no quarto com Charlotte no colo:
'' - Angela, querida, há quanto tempo. Você tem uma linda menina aqui, não é!?''
Angela saltou da cama, segurando com força a coberta para cobrir sua camisola que não tirava do corpo há pelo menos três dias.
'' - Sam, oi…como vai?'' - Angela passou as mãos pelos seus cabelos castanho claros encaracolados embaraçados e depois pelo rosto, que ela notou constrangida que estava com remela nos olhos e algum fluido estranho escorrendo pelo nariz, resultado por ter chorado nas últimas duas horas, sozinha em casa, enquanto Patrick e Charlotte foram buscar Sam e Pete no aeroporto. '' - Charlie é linda mesmo… parece muito com Patrick.''
'' - Está louca mulher? Charlotte é sua cara, bela como a mãe.'' - Sam rebateu. '' - E agora, quero saber de você, como está?''
'' - Estou ótima.'' - Angela disse em uma voz estridente que pouco convenceu Sam.
'' - Estou vendo.'' - Sam encarou Angela da cabeça aos pés coberto pelo edredom. Sem dizer mais nada, Sam saiu do quarto, deixou Charlotte com o pai que estava como Pete na sala de estar, conversando animadamente sobre os velhos tempos.
'' - Sam, Angela…'' - Patrick tentou, mas foi silenciado por um aceno impaciente das mãos de Sam.
'' - Fique aqui e cuide de sua filha.'' - ela respondeu, voltando para o andar superior, batendo firmemente os pés. Patrick e Pete deram de ombros um para o outro e resolveram sabiamente ficarem calados.
'' - Angela, saia logo dessa cama para tomar um bom banho. Vamos sair.'' - Sam disse com severidade quando entrou no quarto de volta, pegando Angela de surpresa, por achar que ela havia desistido.
'' - Sair, para onde?'' - Angela perguntou confusa, enquanto Sam arrancava sem cerimônia edredom e lençol de cima dela, sendo puxada meio bruscamente para fora da cama e empurrada em direção ao banheiro da suíte. Sam apenas estalou os lábios, indicando com a cabeça, esperando que Angela tirasse a roupa. Sem saída, Angela deu-se por vencida e devagar livrou-se de seu pijama sujo de vários dias. Envergonhada, ela tentou cobrir seus seios inchados e cheios de estrias da outra mulher, muito consciente de que há muito tempo não ficava nua na frente de alguém, nem mesmo de Patrick. '' - Você poderia sair, por favor?'' - Angela perguntou timidamente a Sam.
'' - Esquece. Tudo que você tem aí não é novidade pra mim.''
'' - Sam…'' - a voz de Angela era moída e úmida com as lágrimas que começaram a cair copiosamente. '' - Eu estou horrível…eu, eu…''
'' - Tá, tá, tá, chega disso. Em frente garota, quero sair logo.''
'' - Com Patrick?''
'' - Não, só você e eu.'' - Sam cruzou os braços e com um olhar intimidador, convenceu Angela a terminar de se despir e entrar no chuveiro. No princípio, ela sentiu-se estranha, como se as mãos que estavam banhando seu corpo não fossem suas, como se ela houvesse esquecido a sensação de sentir a água quente e o sabonete nos braços, pernas, seios e, principalmente, em sua barriga ainda inchada. Muito devagar, ela passou os dedos na cicatriz da cesárea, notando que os pontos estavam secos e haviam sido absorvidos pelo organismo, como seu médico dissera. Ao lavar-se intimamente, ficou incomodada de como havia se negligenciado por tanto tempo. Contudo, a imagem de Patrick e Charlotte surgiram em sua mente e um sentimento de incapacidade e de insegurança voltou e ela recomeçou a chorar, apoiando uma das mãos na parede do box, enquanto a outra enxugava inutilmente suas lágrimas misturadas com a água morna do chuveiro. Angela deu um pulo quando Sam entrou devagarinho no box e apertou seu ombro mais próximo à porta.
'' - O que você está sentindo não é nenhuma vergonha, querida. Vamos, termine seu banho.'' Sam disse simplesmente, encarando-a com os olhos mais carinhosos que Angela já tinha visto. Fungando muito, Angela desligou do chuveiro e aceitou com gratidão a toalha oferecida pela outra mulher. Ambas foram até o closet, tendo Sam escolhido um conjunto simples de algodão de calcinha e sutiã, uma calça jeans folgada e confortável e uma camiseta que Sam tinha certeza que era de Patrick, mas naquele momento, pouco se importava. Suavemente, penteou os longos cabelos de Angela, fazendo uma trança que caía como cascata por suas costas. Enquanto Angela passava um batom cor de pele nos seus lábios rachados, Sam trouxe-lhe um par de sapatilhas cômodas.
'' - Patrick, vamos sair. Pete, venha, você irá dirigir.'' - Sam disse naturalmente como se tivesse conversado com os homens antecipadamente sobre seus planos.
'' - Sim, sim, estamos indo. Quero confirmar o endereço. Ok obrigada.'' - Sam desligou o telefone celular enquanto amparava uma perturbada Angela, que buscou com o olhar o apoio do marido, tendo recebido como resposta um leve levantar de ombros. Sam sentou-se no banco de trás com Angela e durante todo o trajeto, segurou sua mão com força. Pouco mais de 40 minutos, eles chegaram a um prédio amarelo e branco, em um bairro estilo neoclássico do subúrbio de Malibu. Sem dizer nada, Pete estacionou e com ares que sabia o que estava acontecendo, disse:
'' - Vou esperar por vocês aqui.''
'' - Obrigada amor.'' - em uma rara demonstração de carinho, Sam passou a mão agradecida no rosto do marido e saiu com Angela do carro.
'' - Onde estamos?'' - Angela perguntou, observando tudo ao seu redor com um estranho temor de que algo estava errado.
'' - Não se preocupe. A Dra. Sarandon irá ajudar você. '' Sam respondeu sinceramente, guiando a outra mulher para entrar no prédio. Lá dentro, a recepção era simples e aconchegante e uma funcionária séria, mas com o rosto simpático, esperava por elas atrás do balcão.
'' - Boa tarde, hora marcada?''
'' - Sim, Angela Ruskin Jane.'' - Sam respondeu imediatamente e após acertar os detalhes da papelada, sentou-se com Angela em um dos agradáveis sofás para aguardar serem chamadas. Não demorou cinco minutos e uma mulher alta e magra, na casa dos quarenta anos, com longos cabelos castanhos e olhos muito pretos e intensos, vestindo um conjunto simples de sarja de calça e terno azul clarinho e uma blusa branca de seda, saiu de uma das portas, abrindo um largo sorriso:
'' - Samantha, querida. Que bom que veio. '' - as mulheres abraçaram com carinho. '' - E suponho que esta seja Angela.'' - ela virou-se para Angela, dando-lhe um olhar amoroso. '' - Venha, venha comigo querida, acho que temos muito o que conversar.''
Angela olhou questionadora para Sam, que simplesmente a empurrou levemente para acompanhar a estranha que a tratava como se conhecessem há séculos:
'' - Vou esperar por você aqui, querida.''
A sala era composta por um sofá muito parecido com o da recepção, uma poltrona estrategicamente colocada à frente dele e atrás desses dois, uma mesa de escritório cor de ovo com uma cadeira de escritório fixa e outra, de rodas, com espaldar algo, completavam o ambiente, cujas paredes estavam cobertas por estantes repletas de livros. Ainda sem saber o porquê estava ali, Angela aceitou a indicação para sentar-se na cadeira fixa enquanto a outra mulher acomodou-se em sua cadeira, tirando da gaveta um bloco de anotações e uma caneta. Angela viu de relance que no alto da folha foi anotado seu nome completo, e seus olhos acompanharam o movimento da caneta quanto a mulher levantou os olhos para encará-la:
'' - Quantos anos?''
'' - Vinte.'' - Angela respondeu automaticamente.
'' - Há quanto tempo casada?''
'' - Hum, três anos.''
'' - E Charlotte é sua primeira filha?''
'' - Espere, como você sabe o nome da minha filha?'' - Agora isso estava estranho demais. Como essa mulher sabia sobre sua bebezinha? Se não confiasse cegamente em Sam, acreditaria que estava em uma bizarra cena de filme de terror.
'' - Samantha comentou comigo a respeito dos seus sintomas.''
'' - Que sintomas?'' - Angela respondeu alto, em um tom de voz agressivo.
'' - Angela, meu nome é Amanda Sarandon e sou psiquiatra. Sou especialista em saúde da mulher, principalmente aquelas que acabaram de ter filho.''
'' - E?'' - Angela estava perdendo a paciência. Em que Sam a havia metido?
'' - Samantha me procurou preocupada e quando ela me contou sobre você, disse a ela que a atenderia imediatamente.''
'' - Não estou doente.''- Angela protestou. '' - E não sou louca, não preciso de psiquiatra.''
'' - Claro que não, querida. '' - Dra. Sarandon respondeu pacientemente - '' - Você está com depressão pós-parto.''
'' - Não estou deprimida!'' - Angela rebateu alto, mas imediatamente, encolheu-se em melancolia e começou a chorar. '' - Eu simplesmente sou uma péssima mãe.''
'' - De maneira alguma. Essa incapacidade que você está sentindo é normal para algumas mulheres após o parto. Veja bem, nosso corpo, antes, durante e após darmos a luz, passa por um bombardeio de hormônios e algumas reações químicas do nosso organismo pode desequilibrar os sinais recebidos pelo cérebro, causando essas sensações de inadequação, incompetência, insegurança.'' - Ao ouvir essas palavras, Angela arregalou os olhos como se a médica estivesse decretando sua morte iminente. '' - Fique tranquila, o que você tem é passageiro; você precisa de um pouco de terapia e uma medicação antidepressiva leve, pois está amamentando, suponho?'' - o tom da Dra. Sarandon era acolhedor e Angela imediatamente suspirou aliviada, acenando afirmativamente com a cabeça.
'' Ótimo, vamos começar…'' - Doutora Sarandon fez várias perguntas a Angela sobre seu relacionamento com os pais, com o marido, sobre seu casamento, sua vida. No início, Angela respondeu com monossílabos ou frases curtas, como ''sim'', '' está tudo bem''. Suas barreiras emocionais eram muito altas e ela preferiu sempre se preservar de qualquer investigação de suas emoções, pois até mesmo de Patrick, ela esconde alguns segredos, o que por si só era uma vitória, visto que o homem era um detector de mentiras e descobridor de segredos natural. Quarenta minutos depois, Angela estava se sentindo um pouco melhor do que quando chegou, convencendo-se que afinal, não havia sido uma completa perda de tempo.
'' - Aqui, sua receita. Tome esse remédio à noite, antes de dormir. Ou antes de cochilar, já que com um recém nascido em casa, sabemos que dormir é um luxo para poucos.'' - Doutora Sarandon falou empática. Angela aceitou o papel e quando saiu, uma ansiosa Sam levantou-se do sofá para encontrar com ela.
'' - E então?'' Sam perguntou um pouco aflita a Angela.
'' - Acho que tudo ficará bem, Sam.'' - Angela respondeu dando de ombros, recebendo de volta um olhar de puro alívio. Sem se alongar muito na conversa, Sam respeitou a privacidade da amiga, voltaram silenciosamente para o carro, tendo Sam optado dessa vez a ficar no banco da frente com o marido, que também guardou silêncio até chegarem em casa, após uma breve parada na farmácia.
Ao chegarem, foram recebidos por Patrick e Charlotte que estavam no sofá da sala de estar. Sam notou que Charlotte estava com outra roupa e tinha um cheiro maravilhoso de sabonete de bebê. Angela, um pouco mais animada do que quando saiu, estendeu os braços para pegar sua filha no colo, aquele pacotinho de alegria, cujos olhinhos azuis se iluminaram ao encontrar os de sua mãe. Angela, emocionada, levou a mãozinha de Charlotte aos lábios, estalando um leve beijo em seus dedinhos fechados.
'' - Minha pequena, que saudades.'' - Angela acomodou-se em uma das poltronas da sala, admirando sua filha, percebendo o quanto ela estava afastada dela. Patrick não disse nada, mas perguntou com os olhos o que estava acontecendo. Sam acenou a cabeça indicando para irem até a cozinha.
'' - Sam, você pode me dizer para onde levou minha esposa?''
''- Levei Angela para alguém que irá ajudá-la a passar por essa fase pós-parto com mais facilidade.'' - Sam respondeu afetuosamente.
'' - Eu fiz algo de errado? Por que ela estava tão estranha?'' Patrick ficou preocupado, com sua familiar mania de se culpar por tudo.
'' - Você não fez nada de errado meu doce menino.'' - Sam colocou suas mãos no rosto dele.'' - Não é culpa de ninguém, algumas mulheres têm depressão pós-parto e isso é normal. Com terapia e medicação, logo Angela estará bem. Você agiu corretamente ao me ligar. Vou ficar com vocês por mais um mês para ajudá-los, mas tenho certeza de que tudo dará certo.'' - Sam puxou Patrick para um abraço apertado: '' - Você é um ótimo marido e pai, Angela e Charlotte são sortudas por terem você por perto, Paddy.'' - Patrick percebeu que essas palavras saíram engasgadas, pois Sam não conseguiu segurar as lágrimas e tinha um olhar de puro orgulho quando ela o encarou, encerrando a conversa com um leve beijo em sua bochecha. '' - Agora, saia daqui e vá ficar com sua esposa e filha, vá. Eu vou preparar o jantar. Se é que nessa casa tão chique terá os ingredientes de que preciso para cozinhar.'' - Ela dispensou Patrick da cozinha desdenhosa, dirigindo-se aos armários, abrindo um a um para encontrar o que precisava para fazer o jantar.
Naquela noite, jantaram um ensopado marca registrada de Sam, além de uma saborosa salada de frutas. Ao terminarem, Sam expulsou o casal da cozinha:
'' - Xô, xô, vão ficar com sua filha. Eu e Pete daremos conta da louça. '' Sem alternativa de discussão, Patrick e Angela saíram sorridentes da cozinha, e ao chegarem no pé da escada, ouviram os resmungos de Charlotte, indicando que a bebê estava acordando, logicamente querendo ser alimentada e trocada prontamente.
'' - Eu cuido disso.'' - Angela disse brilhantemente, subindo as escadas com pressa para encontrar a filha; ao chegar no quarto dela, Angela retirou Charlotte do berço com carinho, sentando-se na poltrona que estava ao lado do berço e que ela não havia usado desde que chegara do hospital. Amorosamente, ela retirou o seio para oferecer à filha, que pegou seu bico com prazer, mamando com vontade. Patrick ficou na porta, observando a cena emocionado. Depois que Charlotte terminou, ele adiantou-se para tirá-la do colo de Angela, oferecendo-se para colocar a bebê para arrotar e logo após, trocou a fralda. Angela gesticulou com os braços, indicando para ele devolver-lhe a filha, e ela embalou Charlotte até pegar no sono.
'' - Nós fizemos uma linda filha, não acha?' - ele perguntou, sentando-se no chão ao lado das duas, fazendo sua segunda coisa favorita do mundo: acariciando delicadamente os pés da filha.
'' - Patrick, eu, me desculpe, eu não tenho agido bem…'' - Angela começou a falar com a voz embargada de lágrimas.
'' - Não, não Angela, está tudo bem. Sério. Eu entendo, não se preocupe. Só quero que você fique bem.'' - ele ficou de joelhos, beijando-a nos lábios amorosamente.
'' - ok.'' - ela disse simplesmente, a palavra saindo de seus lábios entre um bufo de lágrimas e sorriso.
'' - Eu amo muito você.'' - ele levantou-se e deu outro suave beijo em sua testa. '' E também amo essa pequenina'' - também beijando a filha na testa.''-Está segura, você é amada e é sábia.'' ele disse baixinho no ouvido da filha, lembrando-se com carinho de quando ouvira aquelas mesmas palavras de sua mãe, há muito tempo atrás.
No decorrer das sessões, Angela foi baixando sua guarda e confidenciando à médica a infância difícil no Parque de Diversões, como fora criada para que casasse com alguém da aristocracia circense e como seus pais reagiram mal ao descobrirem seu namoro com Patrick Jane, um conhecido vigarista e seu pai trapaceiro. Como Angela teve que lutar muito para vencer seus medos e sair do Parque em uma madrugada chuvosa, fugindo com seu amor Patrick para que juntos pudessem ter uma outra vida. A médica ouviu tudo com atenção, fazendo algumas anotações esporádicas, aconselhando-a ao final de cada sessão de que muito da nossa infância poderia sim influenciar o modo com qual tratamos nossos filhos, e apenas pelo fato dela, Angela, ter aceitado que precisava de ajuda era um enorme passo para que sua relação com Charlotte fosse totalmente diferente com a que tivera com sua filha.
Após duas semanas, Patrick notou que Angela apresentou uma melhora significativa em suas oscilações de humor - tempo estimado pela médica para que o remédio começasse a fazer efeito. Claro, houve ainda alguns momentos de profunda melancolia, nos quais Ângela recolhia-se em si mesma, recusando-se a sair da cama ou então da cadeira do deck do trecho de praia da propriedade. Ela ficava contemplando o teto ou a imensidão do oceano, refletindo sobre sua dura infância, viajando de cidade em cidade, sem possibilidade de fixar amigos ou ter uma educação formal continuada. Sua mãe se esforçava em tentar ensinar as primeiras letras, mas ela tinha pouca paciência com Angela e Daniel; o final das aulas eram sempre marcadas por gritos e expulsão dos dois do trailer, cada um com um tapa na bunda. Até que sua mãe desistiu e deixou que os filhos fizessem aulas com Margareth, a malabarista que um dia fora professora e ensinava as crianças do Parque de Diversões. Angela sempre foi seduzida pelo mundo das letras e números. Ela adorava ler e devorava todos os livros em que pudesse por as mãos, especialmente quando estavam na parada de inverno do Parque de Diversões.
Em uma dessas pausas, Angela visitava a biblioteca da cidade todos os dias, até que, em uma tarde ensolarada, mas fria por causa da brisa gelada soprada pelo vento, ao chegar na biblioteca, ela ouviu um som encantador, uma música belíssima que alegrou seus ouvidos. No saguão, uma mulher branca, de longos cabelos pretos caídos pelas costas, tocava uma peça de Tchaikovski, com seus longos dedos dedilhando com elegância as teclas de um belo piano de cauda colocado estrategicamente no centro do saguão. A maioria das pessoas, passava ao largo do instrumento, alguns murmurando rabugentas por aquilo estar atrapalhando o fluxo de passagem. Mas não Angela, ela ficou apaixonada pelo tom suave e ao mesmo tempo firme da música que a pianista produzia com tanta maestria no piano; ela ficou ali, parada ouvindo todas as obras tocadas e voltou todos os dias, religiosamente na mesma hora, só para apreciar a boa música. No último dia de apresentação, ao final, a pianista se aproximou de Angela com um grande sorriso no rosto:
'' - Olá.'' - ela cumprimentou jovialmente.
'' - Oi…'' - Angela por um momento pensou em fugir, constrangida pela situação.
'' - Notei que você veio todos os dias ouvir minha música.''
'' - Sim…''
'' - Sabe tocar, querida?'' - a pianista perguntou com um certo ar de curiosidade.
'' - Não, nunca aprendi, mas gostaria muito.'' - Angela respondeu animada como uma criancinha na manhã de Natal. A pianista sorriu benevolente, pois ela tinha reparado nos trajes simples de Angela, adivinhando que Angela provavelmente não teria dinheiro para pagar pelas aulas de piano. Contudo, a empolgação genuína de Angela era tão inocente, tão pura, que a pianista não quis quebrar seu coração. Apenas acenou com a cabeça e disse:
'' - Tenho certeza que conseguirá.'' - ela recolheu as partituras, guardou as folhas em uma pasta de couro preto, estendeu a mão para se despedir de Angela. '' - Boa sorte criança.'' - e saiu em direção à porta. Angela, porém, não desistiu do sono, mesmo com a disfarçada descrença daquela pianista que ela nunca soube o nome. Ela conseguiu, claro, fazer suas tão sonhadas aulas de piano, contudo, só depois que ela e Patrick fugiram do parque.
Todas essas lembranças dolorosas voltaram com força quando Angela estava em puerpério, e essas emoções tão profundamente enterradas e supostamente esquecidas afloraram durante os temíveis períodos de tristeza. Angela olhava para sua filha tão pequena, tão delicada e tinha dúvida se conseguiria ser uma mãe melhor do que sua fora com ela. E Patrick, era um marido excelente, dedicado, paciente, amoroso, que várias vezes ela se perguntava o que ela tinha feito para merecer um homem tão bom. Por isso, ela se sentia tão mal, mas, graças a Sam, e a Dra. Sarandon, ela estava conseguindo superar e encontrar seu caminho de paz com a família.
Sam e Pete ficaram com eles até que se completassem os 40 dias pós-parto e Angela apresentar real melhora com o tratamento. A despedida foi mais difícil do que Patrick e Angela poderiam imaginar; eles acompanharam o casal amigo até o aeroporto, com uma extremamente curiosa Charlotte nos braços de Angela,a bebezinha sorrindo para todos que brincavam com ela no saguão do Aeroporto até o portão de embarque.
'' - Paddy, Angie, meus queridos, vou sentir muitas saudades.'' - Sam deu um abraço forte nos dois. '' - E você, minha pipoquinha, cresça e seja uma menina muito feliz.'' - Sam deitou um estalado beijo em cada bochecha de Charlotte, arrancando risadas felizes da criança. Angela e Patrick tinham lágrimas nos olhos e os corações apertadinhos, pois tinham pela mulher negra um carinho muito especial. Pete, por sua vez, não conseguia segurar as lágrimas que rolavam copiosamente em seu rosto:
'' - Paddy, meu menino, cuide-se e tome conta dessas bonecas, hein?!'' - ele abraçou Patrick como se fosse um grande urso. '' - E vc, minha doce Angie, nunca se esqueça que amamos você.'' - Outro abraço de urso, do qual Charlotte escapou por estar no colo de Sam pela última vez. '' - E você pequenina, dê bastante trabalho para seus pais.'' - ele apertou delicadamente as bochechas da bebê, que estendeu os braços para Pete pegá-la no colo. A pequena família despediu-se de Sam e Pete, sentindo que nem todos do Parque de Diversões os odiava como imaginavam.
