III - Reconciliação e ajuda
A noite já havia caído há algumas horas, a casa estava praticamente às escuras, com Patrick e Angela recolhidos cada qual em um canto diferente (Patrick no quarto de Charlotte e Angela sentada em uma das espreguiçadeiras do deck) . Quando ela por fim se acalmou, ela entrou, chamando por ele baixinho, procurando-o por todos os cantos do andar térreo, e ao não encontrá-lo, supôs que ele estaria no quarto da filha. Chegando à porta, Angela não teve coragem de acordá-lo, apesar da posição torta em que se encontrava sentado ao lado do berço da filha deles. Ela soltou um profundo suspiro, decidindo ir para o quarto deles para pensar; Angela ficou fitando o teto, envolta em seus pensamentos, buscando um jeito de fazer as pazes com seu marido, pois, mesmo o que ele fazia para ganhar a vida e garantir o sustento deles a deixasse muito triste, ela o amava e nunca iria abandoná-lo. Justo agora que as coisas pareciam estar se encaixando, que ela estava se sentindo mais capaz com a maternidade, eles tiveram essa briga infeliz. Angela não se incomodou em acender as luzes e esperou ansiosa que Patrick fosse se deitar, porém, voluntarioso como ele era, Patrick saiu do quarto de Charlotte, e ao invés de ir para a suíte principal, preferiu descer para o andar de baixo, trancando a casa e se recolhendo na casa de hóspedes para evitar Angela.
Tudo o que ela poderia fazer é abraçar o travesseiro dele e chorar ainda mais. Horas depois, Charlotte a acordou chorando e meio tonta, ela cambaleou até o quarto dela, retirando-a do berço. Trocou a menina, amamentou e não querendo ficar sozinha na enorme cama, ela trouxe a menina para o quarto principal, arrumou uma barreira de travesseiros e edredons de modo que ela não rolasse em cima da criança caso dormisse ou que Charlotte caísse da cama. A bebê acordou mais duas vezes antes do amanhecer, como era de costume, e em virtude disso, Angela estava muito mais cansada e sentiu-se profundamente aborrecida quando os raios do sol da manhã bateram em seu rosto. Ela tinha se acostumado com Patrick revezando com ela as mamadas noturnas, que nunca percebeu o quanto ele ajudava para que ela pudesse descansar. A casa estava tristemente silenciosa, e Angela não encontrou energia para descer e procurar pelo marido; ela simplesmente virou para o lado da filha e voltou a dormir, exausta pelo sono intermitente e pelo desânimo após a discussão deles.
Ela acordou de novo, algum tempo depois, sobressaltada, para encontrar a cama vazia; assustada, ela levantou-se correndo, imaginando se Charlotte tivesse caído no chão ou pior, alguém entrara na casa e levou sua filhinha. Com o coração acelerado, ela desceu correndo as escadas para encontrar Patrick com Charlotte mamando alegremente no sofá. Dando um meio sorriso inseguro, ela se aproximou dos dois e sentou no outro canto, mantendo uma certa distância de seu marido ainda estava emburrado, porém, Patrick olhou para ela com arrependimento:
'' - Sinto muito pelo que eu disse.'' - ele começou ' ' - não falei sério quando disse para você ir embora. Você e Charlotte são minha vida, eu morreria sem vocês, sabe disso não é?!''
'' - Patrick...''
'' - Não, Angela, você tem razão. O modo pelo qual eu ganho dinheiro não é honesto e não é justo impor isso a você e aos nossos filhos.'' - ela franziu a testa e arregalou os olhos quando ouviu a expressão ''nossos filhos'', afinal, não haviam discutido se teriam ou não mais filhos. Ele percebeu o espanto dela e se apressou em emendar: '' sei que não falamos sobre isso, mas eu quero ter mais filhos e quero tê-los com você. Eu juro Angela, vou deixar de enganar as pessoas, só tenha um pouco mais de paciência, ok?''
'' - Paddy, não minta pra mim. - ela respondeu com a voz embargada.
'' - Angela, eu...''
'' - Eu sei que você adora essa fama, toda essa atenção que está recebendo.'' - ela interrompeu com lágrimas escorrendo pelo rosto. '' - Você é assim desde que nos conhecemos, sempre gostou de ser o centro das atenções, de ser mais esperto do que todo mundo, de iludir os outros. É assim que seu pai o ensinou e é assim que você é.''.
'' - Eu não sou como meu pai, Angela.'' - Patrick respondeu aborrecido. '' - Eu nunca mentiria para você, nunca enganaria você, nunca usaria nossa filha em algum golpe como ele me usou.''
'' - ISSO é o que me deixa mais tranquila, pois eu sei muito bem que você não seria capaz de me usar ou a nossa filha em um dos seus truques.'' - Angela disse cansada. '' - Mas não exime o fato de que o que você faz é enganar as pessoas para ganhar dinheiro. Então, qual a diferença do que fazia antes no Parque?''
'' - A diferença Angela, é que agora o dinheiro é nosso, só nosso. E eu não gasto todo nosso dinheiro em bebidas e jogos, minha prioridade é você e Charlotte. Por isso, eu invisto nosso dinheiro, para garantir nosso futuro.'' - Patrick voltou a ficar irritado.
'' - E você não acha que temos o suficiente?'' - Angela ficou exasperada.
'' - Não, nunca será suficiente e você sabe disso.'' - Patrick gritou, assustando Charlotte que a essa altura já havia terminado de mamar, que começou a chorar. '' - Desculpe filha, desculpe.'' - ele aconchegou Charlotte no ombro, colocando-a em posição de arroto, passando a mão esquerda em movimentos circulares nas costas da bebê para acalmá-la. '' - Eu gosto do que faço e não vou me desculpar por isso.'' - ele completou arrogantemente.
'' - Só espero não ver o dia em que você poderá se arrepender disso.'' - Angela levantou-se do sofá triste, voltando para o quarto para chorar fora da vista do marido.
As semanas seguintes passaram mornas para o casal, o peso da última discussão em seus corações, evitando tocar novamente no assunto a todo o custo. Optaram voltar suas energias para a seleção da governanta que auxiliaria Angela durante as ausências de Patrick, o que deveria ser resolvido logo, pois Michael, o novo agente de Patrick, providenciou várias apresentações em algumas cidades da Califórnia e deveriam começar o quanto antes. Patrick estava animado com essas apresentações, pois, Michael providenciou reservas em voos na classe executiva e hotéis de quatro estrelas. Para um homem que cresceu em um Parque de Diversões, criado em um trailer velho, reciclando roupas de brechós, dormindo muitas vezes em colchões duros desconfortáveis, esse com certeza era um grande upgrade.
A tarefa de contratar alguém parecia fácil no princípio, contudo, logo na primeira entrevista, perceberam que não seria assim tão simples: a primeira candidata enviada pela agência era uma senhora com cerca de 60 anos, com ar severo, nariz fino amparando óculos redondos de arame fino, lembrando aquelas babás dos anos 50. Ela tinha um jeito muito severo e observou a casa deles com um ar de reprovação desde o hall de entrada até o quarto de Charlotte. Durante a entrevista, ela criticou veladamente o hábito do casal em alimentar Charlotte com mamadeira revezando com amamentação, sem um horário pré-determinado, dizendo que essa falta de rotina prejudicaria seu desenvolvimento cognitivo. Por motivos óbvios, ela não foi contratada.
A segunda, era uma mulher de meia idade, usando roupas pretas apertadas, cabelo espetado para todos os lados, com as pontas pintadas em roxo, mascando chiclete e com um jeito de indiferença que não deu a impressão de que poderia ajudar nem cuidar de um aquário de peixes. Outra rejeição.
A terceira era uma moça com seus 18 anos, muito faladeira, magra, com longos cabelos castanhos presos em um relaxado rabo de cavalo, com acne no rosto e aparelho nos dentes. Ela não entendia absolutamente nada sobre cuidar de bebês, mas conhecia profundamente a ''carreira'' de Patrick e se mostrou mais interessada em conhecê-lo pessoalmente, fazendo infinitas perguntas a ele, observando descaradamente os atributos físicos de Patrick, ignorando Angela e principalmente Charlotte. A candidata falava com Patrick animadamente, aproveitando todo o momento no qual ela poderia apalpar seus braços ou pegar em suas mãos. Ela foi rejeitada, mas não se intimidou em olhar com muita safadeza para a bunda de Patrick quando foi dispensada.
A quarta era uma mulher asiática, que mal falava o idioma, acompanhada por seu filho de dez anos que ajudava na tradução das palavras e expressões mais complicadas. E tudo para ela era não: não lavava louça, não lavava roupa, não dobrava roupa, não cuidaria do bebê, não passaria a noite e nem pensar final de semana, enfim, sua única função seria acompanhar Angela como uma sombra pela casa toda, mas sem prestar nenhum auxílio efetivo.
E assim foi com a quinta, sexta e sétima entrevistadas. Patrick estava começando ficar preocupado, pois o dia de sua primeira viagem estava se aproximando e ele não queria de jeito algum deixar Angela sozinha com Charlotte naquela casa enorme. Ele estava prestes a desistir das apresentações e pensando seriamente em conversar com seu agente, quando Karen chegou.
Karen era uma moça no interior do Nebraska, vinte anos, recém matriculada na Universidade de Malibu, onde cursaria Direito ou Literatura Inglesa, ainda não havia se decidido. Ela um rosto fino, olhos castanhos claros brilhantes com empolgação juvenil, cabelo preto curto e um jeito interiorano cativante. Ela foi sincera ao dizer que não tinha experiência registrada como governanta, mas em sua cidade havia ajudado a cuidar de irmãos e primos mais novos, além de tomar conta dos filhos dos vizinhos desde os 14 anos. Karen passava a impressão de ser responsável e atenciosa, e o melhor de tudo, não se importaria em se instalar na casa de hóspedes, o que para ela seria vantajoso, já que economizaria um bocado com os custos de alojamento na universidade. Ela e Angela imediatamente se deram bem, conversando alegremente sobre a incapacidade masculina em fazer várias tarefas ao mesmo tempo enquanto levava um bebê no colo ('' - Ei, senhoras eu estou aqui''); a conversa delas fluiu tão facilmente que praticamente esqueceram que Patrick estava sentado ali com elas, tratando-o em terceira pessoa (- Er, continuo aqui!). Elas foram tagarelando em direção à cozinha e Patrick pensou sozinho: '' - Bom acho que encontramos nossa governanta.'' - percebendo que fora sumariamente posto de lado, ele fez o que restava: ligar para a agência e combinar os termos do contrato.
Três dias depois, Karen mudou-se para a casa de hóspedes e uma nova rotina interessante começou na residência dos Janes. A jovem estudava no período da manhã, voltando para casa no início da tarde, quase a hora do almoço. Ela rapidamente trocava de roupa, optando por uma calça legging de algodão e uma camiseta folgada; após lavar bem as mãos e o rosto, ela comia um lanche ou almoçava brevemente e ia direto procurar Charlotte para cuidar dela. Charlotte se afeiçoou a Karen sem muito esforço e as duas passavam a tarde se divertindo no chão da sala, dando a Angela um descanso muito necessário. Karen ainda aproveitava as sonecas de Charlotte para ajudar Angela nas tarefas da casa, e as duas ficavam conversando e rindo muito, tirando sarro de Patrick, mesmo que ele estivesse no mesmo ambiente do que elas. Isso ajudou Patrick e Angela a se entenderem depois da discussão que tiveram, pois a presença de Karen amenizou os ânimos do casal, mesmo que tenham intimamente optado enterrar o assunto que incomodava os dois no fundo de suas mentes, torcendo para que esse ressentimento não destruísse a relação deles.
