Olho Azul 20 Anos Apresenta:
Cada Vez que nos Encontramos,
Cada Vez que nos Separamos
Capítulo 35
Um som de risada preencheu o quarto surpreendentemente normal de Rei. Usagi esperava ao menos um futon no lugar cama já que estavam no meio de um templo, mas até onde podia dizer, aquele poderia até ser o seu próprio quarto. Até uma caixa cheia de histórias em quadrinho Usagi havia encontrado no pouco tempo que ficara lá, e planejava revirá-la em busca de alguma nova leitura assim que entendesse o que seria tão engraçado para Rei Hino. Usagi tinha acabado de perguntar se ela a estava evitando no Drunk Crown por causa da história do noivado e era assim que reagia?
— Afinal, como você poderia roubar um namorado meu? — Rei perguntou, pausando as gargalhadas. Fala sério, se eu realmente o quisesse, bastaria uma palavra. A menos que aquele cara não bata bem da bola, o que é bem provável, né? Pra namorar você podendo tão melhor! — E gargalhou novamente por um longo período.
Usagi não conseguia acompanhar aquela lógica. Na verdade, parecia mais que faltava lógica em tudo o que Rei dizia sobre Mamoru e o noivado deles.
— Que bom, né, Usagi? — comentou Ami. — Mas eu tinha certeza de que a Rei não ficaria brava por um motivo assim.
Rei balançou o indicador próximo ao nariz de Ami e disse:
— É claro que eu ficaria brava de alguém roubar meu namorado! Não confunda eu estar tranquila aqui com isto. Pra Usagi, seria crime impossível.
— Isso é muito malvado, Reeei! — reclamou a própria Usagi, cruzando os braços. — Então, por que você não tem mais feito turnos comigo? Não é por minha causa?
Ami assentiu e tornando-se para Rei também em expectativa pela explicação.
— Bem... — Rei suspirou e voltou a se sentar em sua cama. — O fato de ele já ser seu não muda muito meu raciocínio. Não era para mudar. Digo, meu avô merece o conforto que o dinheiro do meu pai poderia nos dar, não ter apenas que depender do que ganha com o templo. Claro, meu pai já paga minha faculdade, minhas despesas, mas é sua obrigação.
— Então, você ficou sem graça de encarar a Usagi porque você vai estar roubando o namorado dela, né? — concluiu Ami, surpreendendo Usagi.
Era verdade que Usagi já vinha se sentindo injustiçada, mas dado o real estado de sua relação com Mamoru, não esperava que outra pessoa pudesse considerar assim. No final das contas, Mamoru nem mesmo era dela.
— Não se preocupe com isso. — Usagi sorriu ao notar a expressão perturbada de Rei. — O Mamoru me disse que irá rejeitar a proposta e se mudar para Nagasaki.
— Kyushu? E a sua faculdade?
— Pra começar, não estamos realmente namorando.
— Mas que homem sairia de casa num dia de semana pra proteger a namorada de bêbados no trabalho quando esse tipo de gente já faz parte do nosso dia a dia faz tempos? E lembro muito bem que ele ficou contigo por um bom tempo, mesmo depois de já saber que não apenas eu, mas que o Yuichiro também estava lá.
— Tá aí! — Usagi apontou para o ar. — O Yuichiro fez isso por você. Vocês estão namorando então? Hein? Hein?
O rosto de Rei ficou corado, mas logo ela balançou a cabeça repetidas vezes.
— Ele trabalha no templo, eu também sou obrigação dele.
— Me engana que eu gosto. — Usagi estava de braços cruzados e assentindo, mas sua mente não saíra do assunto real. — De qualquer jeito, ele precisa ir para Nagasaki. Sabe, o Mamoru nunca se adaptou bem ao departamento dele, eles vivem isolando ele de tudo, é quase como uma escola ou algo assim. Noutro dia, o chefe direto dele o chamou para almoçar, bem, ele o intimou, né? E aí o Mamoru teve que pagar uma conta milionária! E ele nem reclamou de ter que pagar prum chefe que é mais velho, ganha mais que ele e escolheu o restaurante. Só ficou me falando a história como se fosse a coisa mais comum do seu dia. Uma conta milionária!
— Mas por que ele não reporta isso aos superiores? — interrompeu Ami.
— Acho que não é tão fácil, ele tem medo de tudo só piorar. E, bem, é o que ele me disse: ele tem alternativa muito menos arriscada.
— Voltar pra roça? — perguntou Rei, bufando pelo nariz. — Não é como se ele não pudesse encontrar lugar aqui em Tóquio, mesmo, certo? Ele tá numa empresa conhecida e tem que ser bom pro meu pai havê-lo escolhido! Hm? — Rei agora olhava para Ami com a testa franzida. — Você não tá meio estranha hoje?
— Eu?
— Ah, é o Masato! — Usagi responde sorridente. Ami virara para ela um ícone de que o amor acaba dando certo de uma forma ou de outra.
— Não me diga que você aceitou aquele traste de volta.
Usagi tentou afastar Rei que avançara como uma leoa sobre sua presa.
— Não! Eles ainda nem se falaram! — explicou, então, toda a confusão que Ami e Masato haviam se causado sem motivo.
— Não me diga que agora tá se sentindo culpada por tirá-lo da sua vida? — perguntou Rei, e Ami não parecia pronta a negar. Isto apenas fez Rei parecer ainda mais lívida. — Vamos, bem-feito pro traste por tentar enganar duas jovens de coração puro.
— Eu não fui realmente enganada...
— Você que pensa. É só te olhar para desconfiar que o traste usou magia negra ou droga pra te hipnotizar e te tirar o juízo.
Usagi não segurou o riso ao imaginar Masato como um grande vilão que hipnotizava moça de coração puro como em um dos mangás que estava bisbilhotando da coleção de Rei.
— E você não tá muito longe — Rei voltava sua ira para Usagi, apontando um dedo no seu rosto —, pobre do seu outro namorado!
— Nem tão pobre assim — respondeu Usagi sem perder tempo. — Sabe a ex do Masato? Adivinha com quem meu pobre ex anda? A Naru tá até pensando em se mudar pro apartamento minúsculo dele e arrumar um meio-período naquele fim de mundo que ele mora.
— Só uma doida largaria uma vida confortável por um homem. — Cruzou os braços. — Se bem que esse feitiço deve ser bom. Perder todo o juízo e se entregar a alguém... Jogar pro ar as responsabilidades, o que os outros pensam e ficar com alguém por mais inútil, desajeitado que fosse esse homem.
— E casar com o Yuichiro — Usagi completou abrindo os braços —, ter uns filhos, povoar o templo!
— Algo assim... — Mas Rei suspirou ao perceber seu erro. — Usagi! Não foi nada disso que eu quis dizer! Quem quer saber daquele inútil!
— E desajeitado? — sugeriu-lhe com um sorriso de vencedora.
— E pode largando minha revista! — Rei lhe tomou o mangá que só tinha tido tempo de ler até a metade.
— Mas você já até leeeeu!
Ami forçou-se a parar de rir e interveio no meio da disputa corporal pelo mangá.
— Rei — disse em tom apaziguador, assim que ambas se acalmaram. — Por que, em vez de esperarmos o namorado da Usagi fazê-lo, você mesma não conversa com seu pai?
— Conversar com ele? — Rei fez um muxoxo, não escondendo o desagrado.
— Sobre seu avô, o templo e o casamento. Seu pai sempre foi bastante ausente, mas nunca me pareceu uma pessoa má. E ele nunca te obrigou a se casar, nem nada, certo? Converse com ele talvez sobre aumentar o dinheiro mensal ou fazer alguma aplicação em seu nome. Faz sentido ele passar a empresa a um sucessor que não será você, mas converse sobre todas essas suas inseguranças financeiras.
— E sobre o Yuichiro! — acrescentou Usagi, apenas para levar um soco no meio da cabeça.
Após algumas risadas mais e muitas brigas, Rei sugeriu que ambas durmam por lá, pois Usagi já havia perdido o último trem, mas ela recusou. Saiu sem dizer nada e começou a andar pelo refrescante ar da noite. Levaria apenas uma hora até o prédio com que se familiarizara tanto.
A conversa parecia haver trazido paz de espírito para Rei, mas deixara Usagi inquieta. Não via como Rei conversar com o pai realmente ajudaria Mamoru.
Claro que não desejava o casamento arranjado, mas ao menos era um motivo para que Mamoru ficasse em Tóquio. Perto dela, mesmo que não com ela. Ela precisava vê-lo, aproveitar aqueles últimos dias antes que sumisse de sua vida de novo.
E setembro se aproximava.
Setembro já havia começado, e aquele dia talvez fosse o primeiro com temperatura amena desde que a estação chuvosa começara em maio. Provavelmente estava exagerando, mas foram tantos dias quentes desde então, que Mamoru não se lembrava mais do que era sentir frio. E talvez nem pudesse realmente dizer que fazia frio naquela terça-feira e fosse apenas o frio em sua espinha que fazia os pelos em seu braço arrepiarem. Conferiu o relógio de pulso; em poucos minutos o senhor Hino apareceria no pequeno restaurante próximo à empresa.
Desejava que Usagi também o tivesse acompanhado. Mamoru nunca havia tido problemas para dizer não até começar naquele emprego. Esforçara-se tanto desde o primeiro dia para ir bem e assim poder retornar a Tóquio que temia que o hábito de apenas obedecer às ordens fosse atrapalhar quando explicasse ao senhor Hino tanto sobre como não podia casar-se com sua filha quanto sobre precisar voltar a Kyushu no mês seguinte. Isso tudo apesar dos esforços que o mesmo senhor Hino havia empreendido para trazer Mamoru a Kanto. Era uma posição delicada, e a companhia de Usagi ao menos o acalmaria.
Ainda assim, não se surpreendeu quando ela recusou. Olhando para o caso deles como apenas um caso, um jantar com um chefe de Mamoru não fazia qualquer sentido para uma amante. Era verdade que Usagi vinha enfatizando que Mamoru poderia achar algum trabalho em Kanto, deixando claro que o desejava por perto. Também era verdade que isso o deixava feliz. Contudo, não era o mesmo que a famosa cena em filmes românticos de quando a mocinha corria até o aeroporto e comprava a última passagem no voo que estava para sair apenas para anunciar a todo o avião seu amor pelo mocinho.
Mamoru fez uma careta ao imaginar a cena. Além de improvável, era desnecessária. Usagi sempre poderia contactá-lo em Nagasaki que ele voltaria correndo para ela. Ele sabia que, acima de tudo, ir para lá era sua forma de voltar ao tempo em que não precisava da presença constante daquela mulher em sua cama. Não seria contra prosseguirem com o caso após sua ida, caso ela também estivesse disposta, mas a distância, a impossibilidade de vê-la se não quando ele tivesse alguma folga para pegar o avião para Tóquio inevitavelmente iria esfriar aquele desejo todo.
Ainda assim, ressentia que Usagi não estivesse com ele na reunião com o senhor Hino.
Usagi olhou de esguelha para o relógio do bar. Seu corpo estava dolorido após a limpeza de toda terça-feira, e aquele calor de final de verão não estava ajudando seus ânimos. Muito menos o fato de que agora, alguns minutos após as oito da noite, Mamoru estava conversando com o pai de Rei em algum restaurante.
Mesmo havendo sido convidada, não havia como Usagi ir e a desculpa de que precisava ajudar Motoki não colara. Bem, Mamoru devia saber melhor que Usagi preferia ir de minissaia para o Polo Norte a ouvir sobre como ele tinha tudo planejado para voltar para Nagasaki a sabia-se lá quantos quilômetros dela. Não, Mamoru não o sabia, Usagi nunca realmente lhe explicara como se sentia sobre isso, e por isso ele podia tão casualmente sugerir algo assim.
Que complicado, pensou. Em que momento sua vida mudara àquele ponto? Usagi nem conseguia mais explicar seu envolvimento com Mamoru. Sabia que gostava dele, ansiava por ele. E que, em algum momento do passado, ele também havia gostado dela. Pelo menos, era o que ele tinha lhe dito.
Mesmo que Naru não parecesse se lembrar disso, Usagi buscou e buscou na mente sobre o que Mamoru tinha querido dizer com já ter se declarado para ela antes. Enfim, tinha lhe ocorrido uma vaga recordação de haver sido perguntada por Naru sobre como se sentia sobre Mamoru tantos anos antes e, mesmo sem se recordar da resposta, tinha certeza de que não dissera nada encorajador. Era uma hipótese inimaginável, um absurdo que os dois viessem a ficar juntos um dia.
Sua vida estava virada a esse ponto agora. Estava junto de Mamoru e queria muito mais que isso dele.
— Usagi! Dá pra me ouvir!? — gritou a voz de Minako do celular em sua mão.
— Sim, você disse que o Yaten volta pra casa em março.
— Você não entendeu como isso é horrível!? Poxa, achava que se houvesse alguém que entenderia minha dor, seria exatamente você Usagi... Ano passado, você não tava nessa mesma situação com Seiya?
— Bem, nós estávamos namorando. E o Seiya pretendia achar um emprego aqui.
— O Yaten, não! Ele pensou e desistiu, acredita? Não entendo como ele pode... E eu, como fico?
Usagi não tinha certeza se Yaten consideraria abrir mão de um futuro confortável, já que ele parecia haver conseguido uma boa proposta de emprego em sua terra natal, por apenas um enrolo. Minako era a única pessoa que chamava o que o casal tinha de namoro e nada do que Usagi já houvesse lhe dito a fazia enxergar que nunca dera alguam dica à outra pessoa da relação sobre isso. Os dois raramente haviam saído sozinhos, e Yaten nunca sequer a beijara. Não, Minako a corrigiu, eles já haviam se beijado sim, mas ela iniciara as duas vezes. Yaten estava embriagado após um jogo no karaokê em uma dessas.
— Bem, por isso terminei tudo! Íamos ao cinema hoje, mas falei que não dava para alimentar um romance sem futuro.
— Isso soa ao Seiya... — Usagi agora podia rir do raciocínio que lhe havia estraçalhado o coração menos de um ano antes.
— Não vejo graça alguma.
— Por que não vem ao bar? Não sei se conhece o Masato, mas ele tá com uns amigos bonitões aqui pra uma happy hour da empresa dele.
— Esse não era o noivo da Naru? — Minako fez silêncio. — Segura eles aí então que eu tô indo!
Usagi ainda estava rindo após encerrada a ligação quando percebeu a porta se abrir. Não era um cliente entrando, mas Makoto. Ela tão alta, caminhou lentamente apesar das pernas longas até onde Motoki estava, ele igualmente confuso com a sua presença. Ele sabia que não era turno dela. Aliás, Usagi imaginava que naquele dia Makoto estaria no outro bar onde vinha trabalhando agora duas vezes na semana, às vezes até três.
Makoto a cumprimentou de longe e voltou o foco para Motoki. Tirou uma carta da bolsa e com alguma cerimônia estendeu-lhe. Em seguida, saiu do bar sem se despedir.
Era uma carta de demissão, Usagi tinha certeza. Nunca vira uma em sua vida, a não ser em novelas e filmes, mas Makoto estava se demitindo e depois saindo sem dizer qualquer palavra. Usagi colocou o celular atrás do balcão e tentou correr atrás dela, mas foi impedida por Motoki, visivelmente aturdido.
— Eu falo com ela — disse antes de sair.
Pareceu demorar uma hora. Mesmo com o relógio à sua frente indicando que nem dez minutos haviam se passado, Usagi podia jurar que ele estava quebrado e que Motoki estava do lado de fora havia horas demais. Foi quando ele voltou ainda mais pálido que quando saiu.
Masato, que também testemunhara o ocorrido, mas só prosseguido com sua reunião com os amigos, levantou-se da mesa rodeada de homens estranhos de terno e foi até Motoki perguntar se Makoto estava bem, mas o fato de ela não haver retornado junto não podia ser uma boa indicação, concluiu Usagi.
Quando Masato insistiu por uma explicação, se ele realmente havia conversado com calma com ela, Motoki assentiu. Mas ainda parecia emitir aqueles comandos de um local distante do próprio corpo.
— E se eu for lá? — sugeriu Masato. — Vejo qual o problema e penso em alguma proposta. Negocio direto com os médicos, não pode ser mais difícil.
— Não vai dar... — respondeu Motoki, balançando a cabeça mais vezes que o necessário.
— Eu vou então! — disse Usagi o que realmente queria fazer, independente de com quantos empregados ficasse o Drunk Crown ao fim daquela noite.
— Ela já me disse o que quer, Usagi. Não é isso.
Usagi franziu a testa.
— Ela... me beijou. — A bochecha de Motoki ficou tão vermelha que ele poderia ser um ginasial beijado pela primeira vez.
Makoto havia decidido por ela mesma qual seria o momento em que sua vida mudaria. Mudou definitivamente de emprego e ainda se explicou a Motoki, deixando um ponto final capítulo de sua própria história.
Minako não demorou muito a aparecer naquela noite. Nem a se entrosar com os amigos de Masato, mesmo agora sendo a melhor amiga da ex dele e soubesse que ele já havia se acertado com outra, apesar de Minako ainda não conhecer Ami.
Aos poucos, Usagi percebeu que suas técnicas também vinham dando resultado e Minako passou a ignorar Masato em favor de um dos homens presentes. Era um homem aparentando mais velho que Masato, com cabelos quase prateados — não podia ser natural né? Ele não parecia ser tão velho assim, será que tinha pintado com essa moda de nevar cabelos? — e de pele bastante morena. Ao menos, se tudo desse certo desta vez, não haveria dúvidas se Minako estava mesmo namorando ou não.
Usagi olhou para Motoki do outro lado. Já era hora de ir embora, mas ela não sabia se podia apenas deixá-lo ali. Considerou ligar para Rei apenas para desistir antes mesmo de o celular começar a chamar. Por mais que as coisas já estivessem resolvidas entre ambas, aquele não era um dia em que Usagi quisesse ouvir falar dos Hino.
Invejava a postura de Makoto de apenas ir lá e dar um ponto a toda a história. Um ultimato. Mas conhecendo Makoto, ela nunca esperara que Motoki ficasse daquela forma quando impusesse que largasse Reika para ficar com ela e o ultimato fora apenas para mostrar quão definitiva era sua resolução. Por outro lado, a de Motoki não parecia ser, olhando perdido para os clientes que chegavam e faziam pedidos.
Já eram onze horas, e o movimento diminuía, mas sendo férias de verão para as faculdades, muitos universitários acabavam aparecendo assim que perdessem o trem após alguma festa ou outra para esticar a noite no ar condicionado. Motoki ficaria bem, né? Para se assegurar, Usagi pediu que Minako e Masato fechassem a loja com Motoki assim que saíssem.
— A Makoto vai ficar bem, né? — perguntou Motoki, assim que a ouviu se despedindo.
— Acho que agora sim... A gente dá um jeito com o bar. — Usagi lhe sorriu, tentando parecer calma. Sabia que aquele seria o pior momento para pensar no emprego.
Ao mesmo tempo, talvez se tornasse uma distração bem-vinda, tal qual no início do ano. No fundo, sentia que não seria tão fácil esquecer sua relação com Mamoru como fora com Seiya, muita coisa havia se acumulado em seu coração para simplesmente deixá-lo ir. Coisas que ela não se sentia capaz de expressar.
Uma criança, Usagi se sentiu. Ela era uma criança. Mesmo que Mamoru soubesse disso, nada poderia ser feito. Se ao menos ela o houvesse levado a sério anos atrás quando Naru agira como intermediária. Mas só em pensar nisso, ela já se ressentia de como a pergunta tinha sido sutil demais. Tal qual uma criança a culpar outros por aquele relacionamento prestes a ruir.
Usagi pegou suas coisas, fazendo um gesto para Masato cuidar de Motoki, já que Minako havia se distraído demais com aquele moreno.
Um bafo a cumprimentou quando abriu a porta. Já era setembro e ainda parecia início de agosto. Bem, em um mês, Usagi começaria a sentir falta do calor, por isso deu de ombros e tomou o caminho da escada. Tão distraída, quase gritou quando percebeu um vulto se mexendo no vão formado com a parede.
— Desculpa, não achei que fosse te assustar — disse Mamoru, que devia estar encostado a um canto antes.
— Tava me esperando? Por que não entrou?
— Motoki está aí, né? Eu liguei para ele mais cedo.
Usagi assentiu.
— Isto quer dizer que temos que conversar? — perguntou a ele com um suspiro. — Não era melhor ter me chamado pro seu apartamento? — Mas percebeu a resposta assim que o sugeriu.
— Vamos andando até a estação? Podemos conversar na plataforma pra você não perder o trem.
Assim fizeram em silêncio.
— Eu pensei em mantermos contato depois que eu fosse para Nagasaki — Mamoru disse assim que Usagi se sentou. Ele estava de pé ainda, olhando os trilhos. — Não seria problema eu vir de mês em mês, ou quinzenalmente até.
Oh, havia essa opção? Seria custoso demais, então Usagi não tinha imaginado que Mamoru quisesse isso. Só que o "mas" era a continuação óbvia, por isso, Usagi apertou as próprias mãos, sentindo as unhas nos punhos e nas palmas.
— Isso não é justo com você — continuou Mamoru. — Para mim, seria conveniente até demais. Poderíamos ficar juntos quando eu quisesse. Já para você, seria te prender, igual a quando você estava naquela relação sofrida com aquele estrangeiro. Há quanto tempo estamos nesta? Eu estava feliz que, mesmo havendo virado a transição desde que terminou com ele, você continuava a mesma. Ainda parecia me querer tal como antes. Mas, sabe... Este não é o momento para você se contentar com um caso assim, Usagi. Foi bom como passagem. A partir de agora, você deve voltar à sua vida e estar pronta a perceber o próximo que virá. Eu tenho medo de que você possa acabar distraída demais para perceber essa pessoa enquanto eu a segurar.
Usagi não sabia o que falar desta vez. Nunca havia achado que estava sendo segurada. Na verdade, por todo aquele tempo, cada vez mais, ela tinha a sensação de fincar as unhas na pele de Mamoru com a mesma força que fazia em si própria no momento.
— Eu apenas pensei em mim, sinto muito — completou Mamoru, voltando-se para ela agora.
— Pelo jeito, sua reunião com o senhor Hino correu bem — Usagi se forçou a dizer qualquer coisa.
— Sim. Ele já sabia de tudo pela filha, aliás. Acho que devo te agradecer... O senhor Hino até me ofereceu outro lugar na empresa. Ele já sabia que eu queria sair.
— Rei disse isso tudo pra ele? Eu não esperava...
Mamoru lhe sorriu, não parecendo incomodado com a interferência.
— Eu realmente agradeço, Usagi. Não imaginava que estivesse tão preocupada assim comigo. — Um som avisou que o trem se aproximava. — Mas é hora de você pegar o trem.
— Este não é o último, posso ficar mais.
Ele se sentou a seu lado e estendeu a mão.
— Lembra quando te falei sobre o Seiya? Que seria doloroso no início, mas que era o melhor a longo prazo?
Usagi continuou a olhar aquela mão estendida. O som do trem aumentou.
— Não sei o quão ruim será para você agora, mas este é o melhor para nós dois a longo prazo em vez de continuarmos com isto.
Poucos momentos depois de Makoto, era a vez de Mamoru dar forma ao momento que Usagi sabia que mudaria a vida dela própria. E ele nem fazia ideia do quão dolorido foi aquele aperto de mão.
