Olho Azul 20 Anos Apresenta:

Cada Vez que nos Encontramos,
Cada Vez que nos Separamos


Capítulo 36

Mamoru nunca se imaginara morando fora da capital. Nagasaki não era bem a definição de interior. Era uma cidade grande, das maiores do sul do Japão. Tinha história, tinha influência da cultura europeia, tinha turismo, tinha o porto, as ilhas. Era um ótimo lugar, mas era tão longe de tudo... Ainda assim, havia chances de voltar para Tóquio em poucos anos ganhando o dobro e trabalhando com bem menos pressão que em quaisquer das empresas que o haviam aceitado na capital. Qualquer das duas aliás, nem havia tanta escolha.

Com Motoki um caco como estava, não havia como Mamoru lhe pedir conselhos, principalmente quando a distância havia sido a responsável pelo fim do noivado do amigo com a namorada de anos que agora morava na África. E não havia realmente nenhum outro amigo com quem Mamoru se importasse o bastante para saber a opinião.

O problema era que ele mesmo não queria ir. E por uma razão pouco racional: Usagi, aquela por quem estava apaixonado, morava ali e não parecia sequer saber para que direção ficava Nagasaki.

Não que seu paradeiro importasse a ela. Os dois não poderiam se dar pior apesar de a relação entre ambos haver melhorado um pouco desde que se conheceram. Isto ocorreu em razão de o próprio Mamoru haver assumido para si mesmo seus sentimentos e começado uma campanha para melhorar sua imagem. Desde então, um ano se passara e ele já conseguira ter uma ou outra conversa com ela. O estado emocional de Motoki havia servido como um belo assunto nos últimos tempos. Mas mesmo com aquele progresso, era um futuro incerto. Eles nem tinham o contato um do outro. E ele também não tinha coragem de pedi-lo.

Mamoru já estava quase certo de que iria para Nagasaki quando se encontrou com uma das amigas mais próximas de Usagi ao procurar um guia sobre sua futura residência em uma livraria. Mamoru nunca conversara muito com Naru, por isso, apenas se cumprimentaram inicialmente até ela apontar entusiasmada para o livro que ele tinha em mãos.

— Você vai viajar pra lá?

Mamoru ainda olhou confuso até entender a que se referia. Então, assentiu.

— Na verdade, acho que vou me mudar pra Kyushu a trabalho.

— Nossa, que legal! Você tá se formando na faculdade, né? Que bom que já encontrou emprego e tudo... Eu já fui a Nagasaki, as pessoas lá são muito gentis e a cidade é linda!

Ele assentiu mais uma vez, com o olhar perdido nas fotos de capa do guia, que incluíam a estátua de um herói da revolução, o porto, a ilha abandonada que parecia um navio de guerra, vários jardins e como destaque a foto de um dos monumentos em razão da bomba atômica de 1945. Paisagens estranhas para ele. E não desejadas.

Ao olhar novamente para Naru, ela estava com o rosto franzido.

— Você não parece muito animado.

— Ainda não é algo certo — explicou-se.

Ela então comentou que havia um café a uns minutos da livraria e o convidou, prometendo que pagaria. Mamoru consultou o relógio e faltava tempo o bastante para ao menos uma xícara até seu trabalho de meio-período, por isso, aceitou.

Antes não o houvesse feito. Talvez, ele estivesse tão necessitado de se abrir com alguém sobre sua questão que quando percebeu já havia relatado a Naru tudo com uma facilidade que o surpreendia.

Após ouvir de como o relativo sucesso de seu plano de aproximação com Usagi vinha lhe fazendo querer arriscar ficar na capital em vez de quebrar contato, Naru fez beiço. Ela mexeu um pouco sua xícara de leite com chá.

— Por que não pergunta a ela?

— Não preciso perguntar pra saber que é 'não'. Talvez daqui a um ano ou algo assim, eu teria chance, mas agora...

— É que a Usagi nem tem namorado, né? Ela vive fantasiando com o cara certo que sempre vai salvá-la do que for e estará lá para ela... Mas sabe, acho que alguém que gosta de verdade de você já é isso. E se você está disposto a abrir mão de uma segurança profissional por ela...

— Acho melhor deixar assim.

— Eu pergunto, então! Casualmente, eu entro no assunto e vejo se há chances. Também não adianta você ficar aqui se não houver nada. Deixa comigo, Mamoru.

Não era uma boa ideia, por isso, ele apenas concordou e se fez esquecer quando se despediram na estação.


Usagi havia acabado de fazer as unhas. Como unhas pintadas eram contra o código de sua escola, preferia deixar sem fazer, mas naquele domingo ela sairia com Naru e mais algumas amigas para fazerem compras. Ao menos naquele dia, ela queria estar bonita e bem-vestida. Contente consigo própria, ela mostrou a Naru sua nova conquista. Estavam no apartamento da amiga exatamente para isso — a mãe de Naru tinha de tudo.

— A minha vontade é pintar uma de cada cor! — declarou Usagi, dando pulinhos apesar de sentada no chão do quarto.

— Hein, Usagi. — Naru, que estava sentada na cama ainda limpando ao redor das unhas, prosseguiu: — Noutro dia, eu bem vi aquele amigo do Motoki.

— O chato do Mamoru? O que isso tem a ver comigo?

— Eu soube que ele foi selecionado por mais de uma empresa e está escolhendo. Não é legal? Ele deve ser um ótimo partido.

Usagi deu de ombros, começando a ajeitar a bagunça de algodão sujo que ficara ao seu redor.

— Você realmente nunca pensou nele assim? — Naru se curvou em sua direção, os olhos enormes de curiosidade.

— Como bom partido? Aquele chato, implicante e metido do Mamoru? Eu nunca nem conversei direito com a criatura! Nem quero, já deixo claro.

— Mesmo? E se ele se declarasse para você? Dissesse que seria aquilo que você sempre diz, como era mesmo? Alguém que estaria sempre contigo não importa quando, onde ou como. Algo assim. Nem com isso você o consideraria? Não faz mal sair em um encontro ao menos. Estamos nessa idade, né? — Naru deu uma risada leve.

— Se gosta tanto dele, vá em frente. — Usagi olhou para as próprias mãos. — Será que vai ter alguma promoção boa? E podíamos ir ao Mister Donuts depois ou algo assim.

— É sério que pensar em comida te anima mais que alguém como o Mamoru?

— Pensar em alguém como Mamoru poderia até me fazer perder o apetite — brincou Usagi, soltando uma gargalhada malvada.

Mas ela só o disse, porque não lhe passava pela cabeça que havia qualquer fundo de realidade no que a amiga lhe sugeria. Mesmo se Naru tivesse lhe dito que suas indagações vieram do próprio Mamoru, que ele estava a ponto de negar uma proposta boa de emprego por uma chance com ela, Usagi nem acreditaria.

Era tão improvável assim um relacionamento amoroso com Mamoru Chiba naquela época.

Hoje ainda parecia tal qual antes, mesmo após terem se aproximado física e emocionalmente. Mas agora, embora houvesse se lembrado de o que Mamoru tinha querido dizer com ter tentado se declarar para ela no passado, embora fosse ela quem o sentisse atualmente, Usagi precisava seguir em frente e superar aquele amor não correspondido.

Foi assim que Mamoru lhe dissera adeus quando o vira pela última vez na plataforma de trem.