Olá, leitores e leitoras!
Pela primeira vez, estou trazendo para o site uma fanfic completamente original, para compartilhar com todos vocês!
A temática abordada, como devem já ter notado, é sobre apocalipse zumbi, com fortes inspirações em: Guerra Mundial Z, All Of Us Are Dead e The Walking Dead.
É um projeto ainda em desenvolvimento, então estarei postando apenas este capítulo por um tempo a fim de ver quantas pessoas consideram a continuação de tal como algo aplicável.
Tenham uma ótima leitura!
PS: Fanfic também postada no Spirit Fanfics.
Muitos já devem ter, em algum momento de suas vidas, se perguntado: o que teriam feito sob circunstâncias drásticas, principalmente negativas ao extremo?
Diante da morte, da sede ou da fome? Em meio a ausência de esperança, da cobiça pelo mais básico e o suprir de desejos obscuros ressentidos por milhares de anos no fundo de seus corações?
Com a possibilidade de se transformar em algo, ou alguém, completamente diferente, devido a mais bruta forma de selvageria e instinto?
Bom, essa resposta já foi concedida há muito tempo atrás.
O ser-humano sempre foi posto a teste das eventualidades do acaso em sua forma mais caótica e imprevisível, obrigando com que se adaptasse de modo a poder superar as adversidades e conviver mesmo em tempos difíceis com o costume em meio às dificuldades.
Mas o que estou prestes a lhes contar, sem sombra de dúvidas, é uma das maiores provas do que o desespero, a dor e a perda são capazes de infligir no que somos por um todo.
Permitam-me voltar ao tempo antes de todo o conceito de modelagem e distorção do caráter humano ter sido completamente desvalorizado.
Permitam-me lhes relatar o que fez o nosso mundo cair em ruínas quando menos esperávamos, destruindo incontáveis vidas repletas de sonhos e medos de uma só vez.
Permitam-me lhes descrever como foi a nossa vida, antes de a humanidade sucumbir ao inevitável.
Este é o princípio da história que precede ao nosso fim.
[...]
Sendai, Japão.
Residência Himurada.
07:40 AM, 23/09/2021.
Certamente, aquele era um dia especial. Em mais sentidos do que se poderia pensar.
O motivo?
Era óbvio para qualquer um que tinha se comprometido com a mais recente campanha de conscientização e preservação da vida, promovida pela Prefeitura de Miyagi com a participação de todas as instituições escolares da região. Ora essa.
Um dos eventos mais antecipados pela comunidade estava por se concretizar depois de muita instabilidade e conflito interno entre o governo com os cidadãos, devido ao modo com o qual a administração das necessidades populares das famílias menos privilegiadas estava falhando em lhes apoiar em momentos tão difíceis quanto a memória amarga e entristecedora que ainda marcava a mente de todos aqueles que se recordavam do que ocorreu naquele mesmo dia no ano de 2020.
A data do suicídio coletivo e inesperado de 108 jovens de ensino primário ao superior, das mais variadas idades, por diferentes localizações públicas de Sendai, logo na virada de ano entre 2019 a 2020. Algo que chocou e traumatizou muitas famílias e até mesmo as autoridades, que nada puderam fazer sem que fosse tarde demais para impedir que tudo ocorresse.
Aiko estava lá quando aconteceu. Ela se lembrava perfeitamente de cada detalhe do desespero e do pânico que assolaram a Sendai's Second High School quando os alunos e alunas, alguns aos quais a própria jurava conhecer com a palma de sua mão, se jogaram em uma corrente humana do telhado do instituto depois do retorno das férias de inverno.
Os seus cabelos castanhos escuros se arrepiavam só de se recordar das manchas de sangue espirradas nas paredes devido à explosão dos cadáveres examinados pelos peritos assim que a polícia foi chamada e o caso tornou-se de conhecimento público. Foi uma cena lamentável, absurda, inacreditável.
A única razão pela qual não se permitia deixar a leve ânsia de vômito de tais memórias se manifestar com maior força foi justamente porque estava tentando compensar tal experiência com o mínimo de conforto e satisfação através da culinária matinal.
Estava preparando o arroz para o café da manhã, na medida do que a sua disposição lhe permitia.
Passava a cronometrar mentalmente os 5 minutos desde que tinha desligado o fogão para deixar o arroz cozinhar no próprio vapor com a tampa cobrindo a panela antiaderente, cutucando o balcão com a unha repetidamente.
Fazia um silêncio perturbador naquela cozinha.
Talvez fosse o fato que seu pai tivesse saído mais cedo para o trabalho a fim de não perder uma reunião com os sócios da transportadora.
Ou porque o bairro em si não parecia no clima de despertar completamente. Até porque, não era uma data muito boa para o fazer.
Aiko suspirou pesadamente, colocando uma mecha dos seus cabelos para trás da orelha.
— Só espero que a atmosfera não esteja tão ruim na palestra de hoje… — murmurou Aiko, com um semblante um tanto deprimente.
Os flashes das coisas que viu voltavam vez ou outra naquele intervalo mínimo de tempo até contabilizar os 5 minutos de cozimento, a fazendo balançar brevemente a cabeça para os lados e retirar a tampa do arroz.
Em seguida, pegou um pote artesanal, no qual serviu-se de quantia suficiente de grãos, pegando os seus hashis e dirigindo-se à mesa.
Ao se sentar na cadeira, já tinha a sua sopa, no dia anterior guardada por seu pai ao sobrar no jantar, prontamente esquentada em um pote levado ao microondas antes de preparar o arroz, além de um pouco de salada de legumes, especialidade do seu velho, em uma tigela separada.
— Itadakimasu. — dizia Aiko, antes de dar dois "cliques" com os hashis e passar a apreciar sua refeição.
Enquanto comia, não podia deixar de sentir falta da presença do seu pai na mesa. Fazia-se meses desde que tinham um tempo para compartilharem um com o outro. E isso já estava se tornando bem incômodo.
Não o culpava, de forma alguma. Aiko, mais do que ninguém, entendia os motivos de seu pai ser tão atarefado, e por isso não podia se permitir ser egoísta a ponto de pôr as suas vontades frente ao dever dele.
Todavia, era inegável que a relação deles estava meio distante desde que assumiu o seu atual emprego.
Ele era gerente de compras de uma das principais transportadoras do comércio local de Sendai, a Crosswaves International Inc, responsável por atuar na distribuição estrangeira principalmente de veículos automotores mais recentes do mercado. Estava praticamente destinado a ser alguém de difícil acesso ao descanso próprio.
Aiko tinha orgulho dele, era inegável. Mas sentia saudades de quando ainda trabalhava como caminhoneiro. Por mais que o visse muito menos, quando o faziam, ainda assim tinham momentos nos quais poderiam usufruir da companhia um do outro em viagens para fora da cidade, passar feriados em casa e passear por Sendai como pai e filha. Chegava a soar meio ingrato de si, mas era apenas a nostalgia falando mais alto.
Até porque, era impossível evitar a carência de bater na porta de Aiko. Era uma adolescente no auge de seus 17 anos de idade, prestes a se tornar uma adulta. Não queria ter de fazer essa transição tão depressa, quando mal tinha contato com a experiência de estar junto de seus exemplos adultos em maior parte de seu desenvolvimento.
O fato de sua mãe nem se fazer presente era o mais perfeito indicativo disso.
Aiko coçou a própria cabeça, reclinando-se na cadeira, respirando fundo. Tinha terminado sua refeição antes de sequer se dar conta, e o seu relógio de pulso já marcava 07:55 da manhã. Era o horário limite que seu café da manhã deveria ter, por questões de cronograma escolar.
Ela se levantou da cadeira, pegando a louça suja e indo para a pia, não levando nem meros instantes para lavar tudo perfeitamente, em seguida correndo para o quarto pegar sua bolsa com os materiais do colegial e seu celular.
Como já estava trajada com seu uniforme, apenas tinha de pegar as chaves e sair. Seu pai só voltaria de noite, afinal. Não precisava deixar a reserva.
E assim ela o fez, com uma última olhada para o bilhete que ele lhe deixou no balcão da cozinha antes de ir para a porta. Que dizia:
"Bom dia, filhota.
Perdão por não ter preparado o seu café de hoje, estou tendo de escrever isso às pressas. Há uma sobra da sopa de ontem na geladeira, e eu deixei a minha salada já picada na terceira grade de baixo, só precisa temperar do jeito que te mostrei.
Estarei trazendo alguns agrados pra ti mais a noite, não se preocupe. Lembro de ter me pedido pra sairmos comprar alguns crepes com o senhorzinho do trailer da praça municipal, né? Já vá se preparando pra ganhar um tamanho extra. É o mínimo que posso fazer em um dia como esse, você sabe.
Eu te amo. Fique bem"
Aiko abriu um sorriso meigo e satisfeito de canto dos lábios, pegando o bilhete e dando um beijinho suave nele, antes de guardar na bolsa.
E em seguida, por fim, saiu de casa, com direção ao colégio. Até porque, tinha sido voluntária para a campanha que ocorreria hoje. Não poderia se atrasar.
[...]
Sendai's Second High School.
Ginásio Escolar.
08:11 AM.
Na medida do que o planejamento do Grêmio Estudantil havia combinado juntamente do grupo de professores do instituto, tudo estava indo perfeitamente bem.
Muitas áreas específicas do colégio estavam passando por um processo de decoração temática a fim de espalhar cartazes, mensagens positivas, imagens de superação e relatos imprimidos para serem colados nas paredes, todos falando a respeito da valorização da vida, do aproveitamento de cada minuto que se há neste mundo, apesar das incontáveis dificuldades que o acompanham, e, acima de tudo, demonstrando simpatia por aqueles que passaram ou passam por essa fase terrível durante anos.
O ginásio interno estava sendo fechado para as atividades esportivas do time de basquete da escola, uma vez que seria ali em que ocorreria a palestra com um especialista em psicologia da universidade de Tohoku Fukushi.
O palanque estava sendo montado por alunos do terceiro ano, os quais tinham maior experiência neste tipo de atividade devido ao tempo que lidavam com os eventos orquestrados pela comunidade.
Os enfeites tinham sido criados pelos secundaristas, que também faziam a preparação das arquibancadas do ginásio, espalhavam os cartazes pelas zonas externas, amarravam balões amarelados nas entradas, penduravam pôsteres e faixas enormes com as mensagens escolhidas pelo Grêmio, além de prepararem os panfletos caridosos com citações do estudo de psicologia que o profissional da área citaria na palestra.
Enquanto isso, os primeiranistas ficavam encarregados da faxina geral dos corredores, das salas de aula, do ginásio em si e também nos arredores externos, à procura de qualquer resquício de lixo solto. E como adicional, davam uma ajudinha ao clube de culinária a preparar as linhas de servir dos aperitivos feitos para as famílias que iriam comparecer durante o evento.
No meio de tantas vozes de adolescentes a dialogar durante os afazeres que tinham em mãos, uma se destacava brevemente ao segurar firme os apoios da escada para a colocação da última faixa central que cruzava todo o teto do ginásio, contendo a frase de:
"Não decida o fim sem antes buscar ajuda para o recomeço!"
— Hey, pare de se mexer tanto aí em cima! Desse jeito vai acabar caindo de cara no piso!
A voz pertencia a um rapaz de cabelos negros curtos e de vestimentas totalmente pretas, um dos poucos a utilizar o uniforme tradicional antigo do instituto, visivelmente preocupado conforme o colega de classe estava inquieto no topo da escada.
O seu nome era Shin,
— É fácil pra você falar, né?! Eu tenho medo de altura e botam justo eu pra arrumar esse caralho de asas!
A resposta veio de forma espontânea e levemente revoltada por parte do outro.
Ele tinha cabelos castanhos meio bagunçados e altivos, não ousando fazer contato visual com o solo justamente devido a sua forte fobia, tendo de usar tudo de si para fazer o nó na corda da extremidade da faixa no gancho metálico da parede.
Aquele era Kenzo.
— Lembre-se de que eu também sofro disso, você não é o único. — retrucou Shin, franzindo o cenho.
— E por que tu não foi pegar alguém que não tivesse isso, hein? Justo eu??? — choramingou Kenzo, tremendo.
— Você sabe perfeitamente que todos estão ocupados. Era a única opção mais próxima com tão pouco tempo sobrando. — Shin deu de ombros, segurando mais firme os pés da escada.
— Tu é um corno mesmo, viu?! — Kenzo esbravejou, ainda indignado, mas prosseguindo com seu dever.
Ao terminar de amarrar a faixa, ele se segurou bem nas laterais da escada e foi descendo com muito cuidado, até chegar no chão, onde deu um suspiro de imenso alívio.
— Ah, caralho… Meu deus… Tu me deve a tua alma agora! — Kenzo apontou para o moreno, o coração um tanto acelerado.
— Prometo que vou te compensar, fique tranquilo. — Shin ergueu as mãos, demonstrando desistência.
Kenzo respirou fundo, pondo as mãos no quadril e erguendo um pouco a cabeça.
— Tá… Okay, o que mais falta pra gente fazer? Antes que o Sr. Perfeito venha anotar os nossos rabos na lista dele. — Kenzo indagou, arqueando uma sobrancelha.
Shin olhou em volta, enquanto fechava a escada.
— Só vamos guardar isso aqui na sala de faxina. Já são quase 9 horas. O diretor vai passar checando tudo daqui a pouco junto dos professores. — respondeu Shin, erguendo a escada e oferecendo um dos lados ao colega.
— E quando é que vai rolar a palestra pra valer? Lá pelas 10? — perguntou Kenzo, ajudando o outro a carregar a escada através do ginásio em passos de ritmo moderado.
Ambos desviavam um pouco para os lados conforme outros alunos e alunas passavam trazendo seus próprios materiais, abrindo passagem até às portas de conexão aos corredores.
— Provavelmente. É que tipo, o tempo estimado de hoje é até às 5 horas da tarde. Vai ter o jogo amistoso do clube de futebol, não? — Shin questionou, olhando um pouco por cima do ombro, pois liderava o caminho.
— Ah, pode crer que vai! Eu já montei o time todo. Dividimos os Vegalta pela metade. Vai ser um estouro! — Kenzo comentou, com um olhar meio distante e um sorriso animado nos lábios.
Kenzo era viciado no esporte por natureza. Desde que Shin o conheceu, quando ainda eram apenas meros estudantes do fundamental, a paixão de Kenzo pelo futebol era sempre a característica principal que compunha os objetivos dele, devido a influência de seus pais, já que era proveniente da união de um brasileiro com uma japonesa, o que por si só já dizia tudo.
Ele tinha entrado para o clube de futebol do instituto desde o primeiro ano, e se destacou tanto a ponto de ser o atacante mais veloz que já pisou no campo da escola, pois quase ninguém conseguia acompanhar seu ritmo de passe e o quão alta era a sua stamina em jogo.
Às vezes, Shin se perguntava se ele era uma máquina ou uma pessoa legítima. Não era à toa que estava sendo indicado com menção de desempenho ao clube profissional dos Vegalta Sendai quando completasse aquele último ano.
Shin sorriu de canto.
— Já convidou a família pra vir ver?
— Hah! Eu seria burro se não chamasse! Foi a primeira coisa que fiz anteontem. Me antecipei.
Kenzo deu uma piscadela marota.
— Pra falar a verdade, eu já tava meio que esperando esse dia faz um tempo. Só precisava da confirmação da prefeitura. — Kenzo suspirou brevemente, ajustando sua postura enquanto carregava a escada — A mãe precisava de um pouco de paz e divertimento depois de… Bom… Cê sabe.
Repentinamente, o clima entre ambos ficou um pouco tenso. Shin desfez o sorriso lentamente, permanecendo a olhar para a frente, já avistando a porta da sala de faxina.
— É… Todos sabemos. — Shin assentiu em concordância, parando seus passos e já se dirigindo a porta, aproveitando que já estava aberta e só empurrando com o ombro.
Ambos entraram no recinto, posicionando a escada contra a prateleira repleta de sacos de sabão em pó, escovas, baldes, barras de sabão, esponjas e afins derivados.
— Sabe, às vezes eu fico me perguntando: será que aquilo tinha mesmo que acontecer…? Tipo… Ah, cara… Não sei explicar. — Kenzo levou uma mão até a nuca, coçando de nervosismo — É que parece que desde que isso rolou, o povo passou a dar mais atenção pra gente…
Shin respirou fundo, meio cabisbaixo.
— É isso o que o medo faz com o ser-humano. — Shin olhou para o colega, um tanto entristecido — Por mais que eu odeie essa frase, ela se encaixa perfeitamente na ocasião: o trauma coletivo gera união. É isso que está acontecendo agora. Isso mexeu tanto com a comunidade que passaram a abrir os olhos para o que estava na frente deles esse tempo todo. E talvez, o resto do Japão tenha tido um pouco dessa claridade também… — explicou, já se dirigindo à saída da sala.
Kenzo parou para pensar um pouco no que o moreno disse, franzindo o cenho de leve.
— Mas tinha mesmo que acontecer, ainda assim? — perguntou Kenzo, ainda confuso e com anseio por uma resposta.
Shin parou na porta, apoiando uma mão na borda lateral.
— … Não. — ele olhou por cima do ombro por um instante — E essa é a parte mais revoltante sobre isso.
Em seguida, Shin caminhou para fora dali, ficando no corredor a esperar Kenzo lhe seguir.
E após um suspiro pesado de frustração, Kenzo o seguiu, fechando a porta atrás de si.
[...]
Sendai's Second High School.
Cantina.
09:25 AM.
A inspeção do diretor não poderia ter sido melhor naquela área.
Não era à toa, afinal. O clube de culinária tinha feito questão de deixar absolutamente tudo perfeitamente organizado e limpo, juntamente da preparação dos lanches que seriam servidos ao longo da manhã e da tarde às famílias visitantes, tanto por questão de detalhe quanto para facilitar a vida da velha senhora responsável pela preparação das guloseimas e petiscos prediletos dos alunos no dia-a-dia. A querida Sra. Yukio Yamada.
Acompanhada de sua filha um tanto quanto silenciosa, a pequena e estóica Zen, que no momento presente insistia por varrer o piso mesmo depois de o diretor ter dado o pronto de aprovação das instalações, enquanto a cozinheira se sentava em uma cadeira de ferro e limpava a própria testa com um pano branco.
— Ahhh… Que coisa boa dar uma descansada depois de tudo. — ela dizia, abaixando um pouco o pano para olhar na direção da filha — Ora, Zen. Pode parar agora, relaxe um pouquinho com a mamãe. — sorriu de forma meiga, puxando um banco para a menor.
Zen observou-a de soslaio por um momento, demorando alguns segundos até acabar cedendo a proposta, encostando o cabo da vassoura na parede.
Ainda em pleno silêncio, Zen sentou-se ao lado da maior, que envolveu-a com um braço e depositou um beijo em sua testa.
— Obrigada pela ajuda, viu? Coisinha dessa mãe. — Yukio lhe dava uma breve apertadinha na bochecha, como forma de afeto.
Zen permaneceu sem muita expressão, mas inclinou-se contra o ombro da mulher, repousando.
— Uhum. — Zen apenas aceitou aquelas palavras, assentindo em concordância.
Yukio pareceu meio preocupada com o comportamento dela, passando a mão pelos curtos cabelos lisos da filha de forma gentil.
— O que foi, meu anjo? Parece meio triste… — Yukio indagou, visivelmente aflita, ainda que controlada.
Zen desviou o olhar, respirando fundo.
— Não é bem um dia que eu gostaria de estar vivenciando. — Zen uniu os dedos de ambas as duas mãos, os estalando um por um, como forma de aliviar sua leve ansiedade naquele instante — Tudo isso que estamos fazendo só está ocorrendo por causa do que houve… Se não fosse isso, todo mundo continuaria sem ter feito nada pra impedir que se repetisse…
Aquelas palavras apertaram o coração de Yukio.
Ela sabia perfeitamente do que a filha estava falando. Aparentemente, ainda não tinha conseguido superar absolutamente nada a respeito do incidente do ano passado.
Não que a culpasse, de forma alguma. Mas não deixava de ser algo doloroso de ainda ter que remoer no subconsciente. Era completamente prejudicial à saúde psicológica da pequena.
— Filha, não diga essas coisas. Ninguém podia sequer imaginar algo do tipo. Nós só… Estamos lidando com a dor do jeito que podemos. Alguns de forma mais coletiva do que outros… E menos honesta. — Yukio balançou a menor de leve com o braço, um semblante meio pensativo em sua face — Mas acredite, depois de hoje, tenho a certeza de que as coisas vão sofrer uma mudança drástica.
Zen olhou para cima, na direção dela, arqueando uma sobrancelha.
— Como tem tanta certeza? — Zen indagou, genuinamente curiosa para ouvir a resposta.
Yukio deu de ombros, dando breves afagos sobre a cabeça da menina.
— É só um pressentimento, minha coisinha. Mas pode ter certeza: esse dia vai ser memorável para a nossa comunidade. — Yukio respondeu, abrindo um sorriso otimista.
Zen encarou-a por alguns segundos, contemplando o jeito esperançoso e empático da maior, algo que definitivamente não era refletido nas pupilas negras da garota. E logo na sequência, jogou os braços ao redor da maior, abraçando-a carinhosamente.
— … Te amo, mãe. — Zen murmurou, de forma meio abafada.
Yukio ficou levemente surpresa pela ação repentina da filha, mas retribuiu de bom grado.
— Oh. Eu também te amo, minha coisinha doce. — Yukio gargalhou brevemente, confortando-a em seus braços — Mas diga: por que isso de repente, hein? Quer um salgadinho grátis da cantina, é?
— Não. — Zen negou com a cabeça, fechando os olhos — Só senti que precisava dizer isso. Por algum motivo. — e repentinamente, abriu um sorrisinho de canto — Mas aceito, se tiver um sobrando.
Yukio balançou a cabeça para os lados, fazendo um breve cafuné nos cabelos da menor, aproveitando aquele tempo sozinhas para tornar o dia de Zen, ainda que minimamente, menos sofrido do que já esperava.
Só não estava contando que a tendência era de piorar, e muito, logo logo.
[...]
Sendai, Japão.
Trilha Florestal de Yunosuke.
09:35 AM.
Surpreendentemente, o silêncio dominava as árvores muito mais do que o normal em tal dia.
Não se escutava nada sem ser o vento forte da manhã balançando a grama alta fora da trilha de terra pela zona oeste a dar justamente em Sendai Second High School, em questão de mais alguns poucos quilômetros de distância.
As folhas caíam vez ou outra em meio ao brilho solar regular, que era coberto pelas nuvens a passarem pelo horizonte a cada breves minutos, proporcionando uma sombra refrescante e menos irritação aos olhos avermelhados de um garoto específico, o qual seguia por aquele caminho em passos lerdos e tropeços, devido a sua imensa dificuldade em sequer conseguir enxergar um palmo na sua frente.
Estava assim desde que tinha chegado em mais da metade do percurso.
Quando saiu de casa, tudo estava consideravelmente bem. Ainda que esperasse que os seus sintomas involuntários e imprevisíveis surgissem vez ou outra, não imaginava que iriam se intensificar tanto ao ar livre.
Seu pai tinha o mantido de cama por muitos dias, mal ia ao colégio e com certeza estava perdendo matérias importantíssimas para o exame do final de ano. Não podia se permitir folgar tanto assim, independentemente do que o tratamento caseiro de seu progenitor exigisse.
O garoto apoiou-se em um tronco de árvore na beira da trilha, tossindo fortemente. Alguns pingos de sangue saíram de sua garganta e caíram no solo, indicando a piora tremenda de sua condição. Não conseguia compreender, era como se a exposição a céu aberto estivesse o deixando ainda mais frágil.
— Argh… Bosta… E-Eu não posso faltar hoje… As minhas notas vão ir por água abaixo assim…! — disse ele, limpando o sangue dos lábios com a manga do uniforme — O papai vai entender… Ele vai… É… — tossiu mais um tanto, quase chegando ao ponto de vomitar de tanta força, mas depois endireitando a postura — Ugh… Okay… Só mais um pouco e eu chego lá…
Os seus olhos estavam ardendo cada vez mais, a ponto de veias azuladas se destacarem nas pupilas. Com força de vontade, passou a continuar sua caminhada pela trilha, a cada passo sentindo como se uma parte de seu corpo quebrasse de pouco a pouco.
Não sabia se a aula daquele dia seria normal.
Ou sequer se haveria, de modo propriamente dito.
Estava cansado de ficar enjaulado como um animal. Algo em si lhe dizia para continuar, ainda que seu corpo falasse o contrário.
Precisava satisfazer uma necessidade que há tempos estava ansiando enquanto distante dos seus amigos e colegas. Fosse saudades ou até algo mais que nem ele conseguia explicar. A única coisa que era certa, é: ele não podia voltar para casa agora.
Porque já estava se esquecendo até mesmo de onde ela ficava em primeiro lugar…
