Olá Pergaminhos e Nazarins, Mr.Bones com o primeiro capitulo do arco de Yuri Alpha, da minha fanfic: Aquele que Voltou.
Um pouco sobre a capital do Reino Feiticeiro.
Obrigado por lerem esta obra, se quiserem compartilhar, o link estará nos comentários.
Com vocês
Aquele Que Voltou
Capítulo 30: E-Rantel
A cidade de E-Rantel passou por uma enorme transformação nos dois últimos anos. Durante a maior parte de sua existência, foi de uma vila fronteiriça para uma cidade, depois para um polo mercantil, então virou a primeira defesa contra invasões, um ponto de referência para os aventureiros em busca de fama e fortuna, uma coisa levava à outra, até se tornar, em décadas, uma das mais importantes cidades de Re-Estize. Agora, em apenas alguns meses, ela se tornou a capital do novo Reino Feiticeiro, dobrou de tamanho, e sua população quintuplicou.
Por causa de sua nova posição, o seu comércio atrai mercadores como nunca visto antes, os aventureiros chegam aos borbotões e a vida é boa, mas tudo isso exige um serviço desenfreado e um empenho sobre-humano.
Ainda bem que estamos falando do Reino Feiticeiro, aqui os funcionários públicos nunca descansam, a qualquer hora do dia ou da noite você pode ir em algumas das repartições e ser atendido por um Elder Lich. O Exército de Construção trabalha sem parar e o de Segurança se mantém ativo indefinidamente, afinal uma cidade com tal riqueza atrai todo tipo de meliante, os quais vem sendo impedidos de causar qualquer tumulto quase que imediatamente, já que Cavaleiros da Morte patrulham as ruas e Lichs ministram prisões e julgamentos.
Uma das maiores vantagens do ser humano é a sua capacidade de se adaptar a qualquer ambiente, provavelmente por seu baixo senso de perigo e autopreservação, por isso, onde espécies pensariam duas vezes em criar uma vila, os humanos tendem a se superestimar e fundam uma aos pés de um vulcão. Tal falta de instinto faz com que eles se tornem bastante adaptáveis às intempéries, sejam elas climáticas ou sociais, assim quando são obrigados a conviver com certas situações diárias, só resta duas opções: fugir ou se acostumar.
Quando o Rei Feiticeiro conquistou a cidade, a população acreditou que seriam massacrados, mas graças à intervenção do Herói Momon, suas vidas foram poupadas. Após isso, foram obrigados a ver um desfile de mortos pelas ruas diariamente, todos se escondiam em suas casas, o comércio não abria e o medo reinava, mesmo com as rondas do Herói poucos se atreviam a sair e falar com ele. Até que o medo foi quebrado pelas criaturas mais sem noção que existem: as crianças. Esses pequenos seres de todas as espécies tendem a ser um estorvo contínuo, requerem que sejam observados constantemente, senão acabam se machucando ou criando problemas, mesmo trancados nas casas após semanas, se tornou impossível segurá-las quietas.
Ninguém sabe como realmente começou, alguma cria de humano saiu da casa, ou foi ajudar o pai em busca de comida, ele encontrou outro humano pequeno e depois mais outro, instintivamente se uniram, então um garoto da rua surgiu com planos de como se tornarem heróis vencendo o Rei Feiticeiro, então diariamente saíam escondidos e determinados a derrotarem os Cavaleiros Mortos-vivos. Logicamente que suas táticas não faziam efeito, na verdade o Cavaleiro ignorou eles, então tentaram uma ação maior, foi aí que houve uma reação. Após ser atingido por um armário que caía de um dos prédios, o Cavaleiro foi buscar seus atacantes.
A morte corria atrás das crianças pelas ruas, logo havia mais de um Cavaleiro da Morte os perseguindo, grunhidos os empurravam a correr mais longe de onde moravam, por todas as ruas por onde passaram as pessoas viram a perseguição das crianças de suas janelas, seria o fim delas, o herói Momon não podia estar em todos os lugares, então as chances de encontrar com ele eram nulas. Elas acabaram cercadas em frente ao Instituto, apenas o mentor dos ataques havia escapado e este nunca mais foi visto, provavelmente fugiu do bairro e da cidade, afinal E-Rantel não era uma prisão.
Um Lich se materializou diante das crianças, mas antes que pudesse informar que seriam detidas, uma mulher se aproximou, usava uma roupa de empregada, com porte austero. Ela sussurrou algo ao Lich, que assentiu.
— Vocês! – disse o Lich com uma voz áspera como lixa – devem ser punidos, me sigam.
As crianças foram escoltadas chorando abertamente ou tentando parecerem fortes, mas as lágrimas as denunciavam. As pessoas olhavam pelas janelas com tristeza, pena, raiva ou desejo de vingança, mas ninguém saía às ruas até que passassem, e então as seguiam à distância e com cautela. A procissão chegou até a rua comercial onde os pais dos rebentos moravam sobre as lojas.
— PROGENITORES DOS PRESENTES SERES! POR ORDEM DO REI FEITICEIRO É EXIGIDA A SUA PRESENÇA – A voz do Lich não era alta, mas forte e em tom de autoridade.
As famílias saíram aos poucos, todos eles imaginando que seriam executados na rua como exemplo para os outros.
— Suas acusações são de destruição de patrimônio privado e desobediência á ordem de parada, suas ações foram testemunhadas por este servidor, assim não é necessário intervenção mental para a busca de provas, então determino como Juiz Itinerante sob o poder de Sua Majestade o Rei Feiticeiro que sua sentença seja aplicada de imediato.
Era agora que morreriam.
— Os rebentos são condenados à retenção no Instituto de Atendimento aos Órfãos pelo tempo não inferior a dois meses, onde permanecerão do período do alvorecer até o crepúsculo.
— 'E-Eles não vão morrer por atacar um Cavaleiro da Morte?' O que vão fazer com eles? – murmurou um dos pais.
As pessoas conheciam o Instituto, era onde os órfãos estavam sendo mantidos presos, as viúvas escravizadas e sabe-se lá que tipo de torturas estavam sendo realizadas, aquilo seria pior do que a morte.
— Isso ficará a cargo da Diretora, estejam prontos para serem recolhidos à primeira luz – como se esse fosse o sinal de partida o Lich se desvaneceu em fumaça e os Cavaleiros se retiraram, menos um.
Os pais abraçaram seus filhos e choraram seus destinos, se reuniram e pensaram em como salvar as crianças. Talvez fosse possível fugir, então olharam para a rua e viram o Cavaleiro mantendo guarda, ele ainda tinha um pedaço de armário preso a um de seus espigões, ninguém fugiria.
A manhã chegou, ninguém além das crianças havia dormido, todas as famílias estavam juntas, quando a primeira luz começou a surgir o som de cascos pode ser ouvido, provavelmente uma carroça com grades e um demônio como guia.
O que chegou, porém, era um tipo de carruagem diferente, grande, negra, com o símbolo do Reino Feiticeiro e do Instituto na lateral, tinha janelas abertas, possuía bancos e uma cobertura, era guiada por ninguém, mas o que puxava era um Devorador de Almas.
As crianças haviam tomado seu último café da manhã com os pais, aquilo era uma despedida, alguns se revoltaram, mas foram contidos pelos parentes, afinal haviam outros filhos para serem cuidados e esposas e maridos. Após todos embarcarem, o choro foi tanto que as calçadas foram lavadas. Quando o Cavaleiro do Armário saiu, os vizinhos finalmente criaram coragem para se juntar novamente aos pais das vítimas, durante todo dia ficaram lá pranteando sua perda, sem forças para fazer algo, apenas como se quisessem se punir por não terem protegido seus filhos.
O dia terminava e suas esperanças também, pois não havia sinal da carruagem, até ouvirem, *CLOC CLOC CLOC, o som dos cascos do Devorador de Almas se aproximando, ele chegou até a frente do gruo de pais e parou.
— MEU FILHO! ME DEVOLVA MEU FILHO! – imploraram até que as crianças começaram a descer, todas com olhares mortos, o pranto foi geral.
— O QUE FIZERAM COM ELES! O QUE FIZERAM COM MEUS FILHOS!?
— Para pai – disse a criança quase sem forças que estava sendo abraçada – tá me fazendo passar vergonha.
— O que houve, o que fizeram com vocês?
As crianças se olharam, pareciam não ter certeza do que dizer, ou forças para isso, todas pareciam exaustas, a maior delas começou a tentar explicar.
— Eles fizeram perguntas, muitas perguntas...
— 'Foram interrogadas' – pensou um dos pais.
— Depois a gente foi levado pra uma sala branca e cutucado, apertado e medido...
— 'EXPERIMENTOS!' – concluiu outro.
— A gente teve que correr... – interrompeu o menor.
— Vocês tentaram fugir?
— Não, mandaram a gente correr e pular, rolar e subir em uma corda e correr...
— 'Tortura...' – uma mãe quase desmaiou.
— Deram comida pra gente...
— 'Alimentaram os prisioneiros, claro' – uma avó assentiu.
— De tarde a gente foi pra um lugar com as outras crianças, muito menores que eu – disse o mais velho – era estranho, tive que sentar numa cadeira pequena por um tempo.
— 'Mais tortura' – os pais já não aguentavam mais ouvir o relato.
— Havia uma pessoa, ela escreveu algo numa parede preta, ela falava e mandou a gente repetir.
— 'Doutrinação, estão fazendo lavagem cerebral com eles, sniff!' – a mãe do mais velho estava em prantos.
— Deram comida de novo e mandaram a gente embora, amanhã temos que ir de novo – falou uma menina entre bocejos, todas as crianças copiaram o gesto.
— As outras crianças, como elas eram? Falaram alguma coisa?
— UAAAH! Elas falaram com a gente no intervalo, disseram que não devemos irritar a Diretora.
— 'Solidariedade entre prisioneiros, ainda há esperança' – um dos pais tentou se manter firme.
— Mãããe! Eu quero dormiiir – disse a menor e todas as crianças assentiram.
— Vão, podem dormir – disse uma das mães por entre as lágrimas, todos estavam se segurando. Pela segunda noite ninguém dormiu, mas desta vez havia mais vizinhos reunidos no comércio maior, todos se solidarizando e fazendo suas próprias suposições. O Cavaleiro do Armário ainda estava a postos impedindo a fuga.
Todos os dias foram a mesma coisa, as crianças chegavam tão cansadas que mal conseguiam responder à enxurrada de perguntas, apenas cada dia mais vizinhos se juntavam ao grupo de pais. No final do sexto dia uma surpresa tomou conta de todos, tamanha foi a comoção que quase um tumulto foi gerado, desta vez quem acompanhava a carruagem era ninguém menos que o Herói Negro Momon.
— Meu Lorde! O senhor veio libertar as crianças! – alguns gritaram.
— Olá, venho para conversar, neste dias tumultuosos espero que não falem algo que possa ser usado contra vocês.
Todos tremeram, os mortos vivos estavam à espreita, apenas esperando o primeiro sinal de rebelião.
— Certo Lorde Momon, obrigado por trazer nossos filhos de volta daquela prisão.
— Humm, acho que está havendo algum equívoco, aquilo não é uma prisão, a Diretora na verdade me pediu para vir falar sobre isso.
— O que?! Mas eles torturaram nossos filhos, eles chegam e mal mantém os olhos abertos, estão doutrinando suas mentes, eles podem ser mortos a qualquer momento por ter atacado um Cavaleiro da Morte.
— Hummmm! Agora entendo o que está errado, veja, mesmo que eles estivessem ameaçados eu os protegeria, mas não é o caso. Eles realmente estão sendo punidos, mas não por atacar um guarda, na verdade nenhum dano foi causado a ele, então não houve prejuízo. Lógico que se esse tipo de coisa se repetir poder haver punição por incitar a revolta, por isso cuidado – todos tremeram novamente – mas as crianças foram pegas por destruir o armário.
— O armário? AQUELE ARMÁRIO!? – disse um senhor apontando para o pedaço de armário preso no espigão do Cavaleiro.
— Isso, mesmo estando dentro de uma casa vazia, aquilo ainda poderia ter dono, parece que as leis do Reino Feiticeiro são bens rigorosas, destruir algo que não é de sua propriedade é passível de punição, aqui pegue, eu tenho uma cópia das leis.
— Eu não sei lê... – disse um dos homens, o mestre ferreiro do bairro.
— Aquele é seu filho?
— Sim, o maior.
— Bem ele está aprendendo a ler, deve te ajudar com isso.
— Lê?! Quando ele tá aprendendo a lê?
— Todo dia, é isso que eles estão fazendo no Instituto, nenhum deles sabe ler, pelo que sei, então eles vão aprender a ler, calcular e se exercitar, pelo menos enquanto durar a sentença.
— Mas, que tipo de punição é essa?
— É TORTURA! – gritou o filho do ferreiro – o dia todo tem algo pra faze, estuda letras, estuda números, faze exercício, estuda leis, EU TÔ CANSAAAADOOOoo... – choramingou.
— Eles estão estudando com os órfãos, em algum momento no futuro acho que começarão a aprender algum ofício, mas faltam mestres em todas as áreas, como a ferraria, talvez eu mesmo ministre algumas aulas de esgrima.
Essa última parte simplesmente acordou todas as crianças, um sorriso sonhador brotou de cada face ao se imaginarem aprendendo como usar uma espada com um herói lendário.
— Bem, eu só queria tranquilizar a todos, estarei de olho nas crianças, e se algo não me agradar eu tomarei providências junto ao Rei Feiticeiro – tal frase poderia ser interpretada de duas maneiras, mas os pais só podiam imaginar a que melhor lhes convinha.
Naquela noite, todos os pais finalmente conseguiram dormir, amparados pelas palavras de Momon. Na semana seguinte, a rotina se seguiu normalmente, e na outra as crianças chegaram usando uniformes, ninguém questionou. Ao final do segundo mês, as crianças já sabiam ler e calcular precariamente. E então a punição havia terminado.
— Querido, ele se foi.
— Hummm? Quem?
— O Cavaleiro do Armário, ele se foi, acho que acabou a pena.
— Sério? Já?!!
— Acho que sim, o que vamos fazer? O comercio ainda está devagar, não podemos deixar eles andando nas ruas de novo, vão arrumar problema –disse a mãe com um tom preocupado.
Então ouviram se aproximar o conhecido *CLOC CLOC CLOC* dos cavalos, até parar onde sempre deveria parar. Ambos se olharam e assentiram.
— CRIANÇAS! RÁPIDO! SE VISTAM, vão perder a aula...
Ninguém perguntou se elas podiam continuar indo ou não, mesmo quando um dos irmãos que nunca tinha participado quis ir junto, ele apenas retornou com um bilhete que dizia:
...
"O Instituto de Atendimento aos Órfãos agradece por sua preferência. Para matrícula, solicitamos a presença dos pais no Instituto para fins de tratar da grade curricular.
Atenciosamente
Yuri Alpha
Diretora do Instituto de Atendimento aos Órfãos".
...
No dia seguinte, a mãe do menino, junto a outras três vizinhas interessadas, foram com mais crianças até o Instituto.
