Disclaimer: Tróia não me pertence. Faço este fic sem fins lucrativos, apenas por diversão.

Segunda Chance

Capítulo 1

A última coisa que seus olhos conseguiram ver antes que seu corpo caísse desfalecido no chão das terras troianas foi a imagem da bela jovem fugindo para um lugar que ele esperava ser seguro, mesmo que estivesse nas mãos de alguém que ele julgara pouco confiável, e aquele mesmo que tinha causado sua morte. A imagem do céu acima de sua cabeça e o calor do fogo se dissiparam tão rápido quanto aquele último sopro de vida. E então, a escuridão abriu as portas para o que ele já sabia lhe esperar, o barqueiro à margem do rio Styx, negando seu descanso em terras de fogo e morte eternas enquanto não lhe estendesse as duas moedas douradas para pagar sua viagem.

O que não esperava, entretanto, era que a escuridão se tornasse em simples sombras e então, em um clarão de luz que o deixara tão desconcertado que poderia ter desmaiado, se não tivesse consciência de que estava morto.

No minuto seguinte, seus olhos fitavam uma mancha branca de algum lugar que não podia reconhecer. A cabeça doía como se carregasse todo o peso do mundo, havia todas as suas lembranças reunidas de uma só vez, sua infância, sua vida de guerreiro, a grande guerra de Tróia. Havia também, entretanto, memórias de uma vida que ele jamais poderia ter vivido – que sabia jamais ter vivido.

O som de batidas invadiu seus ouvidos, e instintivamente se levantou, sua mão se movendo para o lado para segurar o cabo de alguma coisa. Foi naquele momento que deu uma olhada ao redor. Havia belas paredes pintadas em bege, cercando um cômodo luxuoso com chão lustrado negro, cheio de móveis detalhados, além de uma enorme cama coberta com lençóis brancos de linho egípcio e com travesseiros novos e confortáveis. Notou num minuto que estivera deitado sobre um daqueles travesseiros, e que sua mão, em resposta às batidas insistentes, tinha tirado uma arma prateada 9 mm com silenciador debaixo de um dos travesseiros. Como ele sabia que ambiente era aquele, qual o ano e como usar a arma com uma mira tão impecável quanto seu arremesso de lanças nas guerras gregas, ele não tinha certeza, embora seus instintos ligassem tudo aquilo às novas memórias que surgiram em sua mente de maneira tão súbita quanto abrira os olhos para o novo mundo.

As batidas continuaram de maneira insistente e ele foi obrigado a se levantar, jogando os lençóis para o lado e seguindo até a porta de entrada do belo quarto de hotel. A sala, os móveis, a sacada, tudo era familiar.

Vestido apenas em calças de seda negra, seguiu até a porta, olhando cada cômodo ao redor apenas para confirmar que já conhecia tudo perfeitamente bem, que sabia a função de cada acessório de tecnologia avançada que jamais teria imaginado existirem em sua vida passada. Mais uma vez, batidas insistentes na porta e ele precisou responder alguma coisa antes que a derrubassem.

– Já vai!

Assim que alcançou a porta de carvalho, rodou o trinco dourado e passou a mão pelos cabelos, que estavam consideravelmente mais curtos do que tinha lembrança. Ao abrir a porta, colocou os olhos sobre a figura jovem e tão conhecida de seu primo, Pátroclo. Por um instante, seus olhos se arregalaram, e então, as sobrancelhas se curvaram numa expressão de surpresa e desespero.

– Aquiles, pelos deuses, que demora! – o outro entrou rapidamente no quarto.

Ele tinha a mesma expressão jovem e empolgada de antes, de quem ansiava por se destacar. Os cabelos estavam curtos e as roupas eram diferentes e sofisticadas, com uma calça social cinza, uma camisa de botões azul com um terno também cinza e sapatos pretos bem engraxados. Não importava o quanto diferente estivesse naquelas vestes, não teria como Aquiles não o reconhecer.

– Pátroclo! Você está vivo! – imediatamente, ele alcançou o primo para abraçar-lhe demoradamente, tendo certeza de que ele era mais do que uma alucinação ou produto de sua mente, que não era um fantasma que vinha do mundo dos mortos para lhe aterrorizar. – Por todos os deuses, você está vivo!

– O que deu em você, homem! – Pátroclo não sabia exatamente o que fazer, uma expressão confusa no rosto e completamente perdido diante das palavras carregadas do mais velho. – É claro que estou vivo. Se não se importa, está amassando meu terno.

– Claro, claro. – Aquiles afastou-se, recompondo-se rapidamente e desviando os olhos do primo. Havia alguma coisa muito errada e bagunçada em suas memórias, e precisava colocar tudo no lugar antes de descobrir as próximas surpresas que encontraria naquele sonho confuso. Claro, aquilo não podia passar de um sonho… ou será que era o mundo dos mortos? Tão diferente do que acreditara ser.

– Eu sabia que ainda estaria dormindo. – disse Pátroclo, chamando a atenção de Aquiles para si de novo, colocando as mãos nos bolsos da calça. – É melhor se apressar, sabe que Agamenon enlouquece toda vez que se atrasa para as reuniões.

– Como se eu me importasse com aquele porco de rei. – respondeu Aquiles, seguindo de volta para o quarto. – Saber que você está bem já é suficiente para mim, o que quer que seja este lugar.

– Rei? Aquiles, alguma coisa errada? – Pátroclo o seguiu na direção do quarto, parando encostado à batente da porta. – Parece estranho.

– É… tem muita coisa estranha acontecendo. – disse Aquiles, sentando-se na beira da cama e fechando os olhos por um segundo, tentando dividir todas as lembranças que surgiam em sua cabeça e ao mesmo tempo tentando não sentir tanta dor.

– Quer que eu chame um médico?

– Não é necessário. – ele respondeu, passando as duas mãos pelos cabelos, agora curtos, ainda desacostumado que eles mal alcançavam a altura de suas orelhas.

– Eu acho que você deveria se arrumar de uma vez para ir ao encontro. – Pátroclo disse. – Menelau não está nada feliz por ter se metido na operação dele ontem à noite.

– Se não fosse por mim, ele jamais conseguiria as armas. – a resposta que saiu dos lábios de Aquiles foi automática, mas ele não fazia ideia do que se referia, embora as palavras parecessem se encaixar perfeitamente na situação.

– Eu sei disso. – Pátroclo comentou. – E vai ganhar mais crédito com Agamenon, por isso Menelau está furioso.

– Sim… – mais uma vez, a palavra saiu involuntariamente dos lábios de Aquiles, e sua cabeça doía cada vez mais ao tentar organizar tudo de novo em que pensava. O mais interessante, no momento, era que mesmo que devesse se sentir mal pela morte de Pátroclo pelas mãos de Heitor por um lado… por outro, sequer sentia que ele tinha morrido. A gama de lembranças e de sentimentos se complicava cada vez mais.

– E então, vai ficar sentado aí o dia todo? – perguntou Pátroclo, franzindo o cenho em confusão.

– Eu preciso… – Aquiles levantou os olhos para encarar o primo. Ele ainda estava lá, e ainda parecia mais vivo do que nunca. A dualidade dos sentimentos fez com que sua cabeça doesse mais ainda e precisou desviar os olhos dele de novo. Não sabia exatamente o que falar. – Você está aqui… significa que os outros também estão?

– Quê… do que você está falando, cara? – Pátroclo aproximou-se de Aquiles. – Pelo visto a bebida ontem foi pesada, hein.

– E Tróia… o que aconteceu? – mais uma vez, as palavras saíram sozinhas de seus lábios, mas ao menos sobre aquilo, ele tinha certeza que sabia o significado. Estava esperando a pior das respostas, mas talvez, pelo menos talvez, ela tivesse se salvado.

– Tróia? – o tom de voz dele era de indagação. – Sério, primo, eu não sei o que bebeu ontem, mas é melhor não repetir a dose. – Pátroclo riu, deu uns tapinhas de leve no ombro do primo e seguiu na direção da porta. – Se apresse, vou esperar lá no saguão.

Pátroclo seguiu para sair do quarto e fechou a porta atrás de si. Aquiles continuou sentado onde estava, tentando organizar as memórias, mas não teve muito êxito. A única coisa que conseguia era sentir mais e mais dor, e se continuasse daquele jeito, realmente iria desmaiar, fosse aquilo o mundo dos mortos ou não. Levantou-se de onde estava e seguiu até a varanda do quarto, ao abrir as portas e seguir até o gradil de mármore, olhou a grande cidade e os arranha-céus que se estendiam pelo horizonte. O som da cidade invadiu seus ouvidos acompanhado do som do vento atingindo aquele andar tão alto do prédio. Os carros cruzavam as avenidas e o som das buzinas conseguia alcançar seus ouvidos e tudo o que ele conseguiu foi ficar mais confuso e maravilhado do que pudera imaginar. Jamais em toda a sua vida de guerreiro e suas viagens pelo império grego tinham lhe mostrado construções tão engenhosas e magníficas como aquelas… não era possível um homem ou um exército inteiro de escravos ser capaz de construir aquilo… mas ali estavam, todos os prédios se erguiam impunes em meio à cidade grande, ocupando espaços que na sua verdadeira vida, seriam ocupados apenas por territórios e desertos a serem conquistados e subjugados.

Era um mundo novo, estranho, e completamente confuso… ele não sentia que estava morto, não sabia como era aquela sensação. Não havia barqueiro, não havia o Styx, não havia nada que ele imaginara conhecer. Havia apenas a sensação de que se seu peito fosse atravessado novamente… ele sangraria e morreria… uma segunda vez. Não importava de que lado analisasse aquela situação, era como se os deuses estivessem brincando com ele, como se tivessem roubado o seu corpo no momento de seu último suspiro e então… o jogassem naquele novo mundo tão estranho e ao mesmo tempo tão familiar.

– Eu não sei o que vocês, deuses, estão planejando agora… – ele falou, olhando para o céu azul acima dos topos dos prédios. – Mas o que quer que seja este lugar para o qual me mandastes… terei certeza de fazer tudo do jeito certo, do meu jeito.

Ele entrou novamente no quarto e seus passos o guiaram naturalmente até o banheiro. Demorou-se um bom tempo sentindo a água morna correndo por todo o seu corpo, aproveitando uma sensação que dificilmente tinha em épocas de guerra grega. Aquele lugar podia ser totalmente estranho, mas tinha tantas vantagens que não parecia o inferno ao qual ele estava merecido. Ao menos, nas memórias que conseguia aos poucos organizar… ele podia não segurar mais um gládio e uma lança, mas ainda era um grande guerreiro.

Após o banho, trocou de roupa, colocando uma calça preta, uma camisa social de mesma cor e um terno por cima. Mesmo que aquele mundo fosse novo e que suas memórias não estivessem nada organizadas, seu corpo simplesmente reagia por instinto a qualquer coisa que precisasse fazer, do mesmo modo que respondera a maioria dos comentários de Pátroclo sobre coisas que ele jamais saberia durante a grande guerra de Tróia.

Colocou a arma sem o silenciador no cós da calça e cobriu com o terno, para poder finalmente sair do quarto de hotel e seguir até o elevador e então até o saguão de entrada. Conhecia cada caminho, cada lugar, cada passo daquele local, e mesmo que a sensação fosse de que já o tivesse visto várias vezes, havia também a sensação de que era um lugar completamente novo e desconhecido.

Ao chegar ao saguão de entrada do hotel, impressionou-se ainda mais. Por um lado, era um lugar completamente comum… por outro, era um lugar magnífico e que lhe tirava o fôlego. Precisava descobrir quando finalmente ia se acostumar com aquela duplicidade de lembranças, ou logo se renderia à dor em sua cabeça pelo excesso de informações.

– Até que enfim, Aquiles! – Pátroclo aproximou-se dele, depois de desligar o aparelho celular e colocá-lo no bolso da calça. – Vamos de uma vez, já trouxeram o carro para a entrada. Se nos atrasarmos mais um minuto, vai sobrar pra gente.

– Inquieto como sempre. Já lhe disse que precisa ser mais paciente, meu primo. – respondeu Aquiles, seguindo com ele lado a lado até a saída do local. – Se continuar desse jeito, nunca vai estar pronto para uma grande guerra.

– Grande guerra, sei. – Pátroclo balançou a cabeça em negação. – Você está realmente estranho hoje.

– Estou me sentindo melhor do que nunca. – disse Aquiles, parando na calçada do lado de fora do hotel luxuoso, olhando para o céu acima de sua cabeça e sentindo a cidade ao redor por um momento. Podia certamente estar ainda com a cabeça quase explodindo com aquela série de informações, mas nada mudaria o fato de que estava vivo (chegara àquela conclusão ao sentir um corte sangrar em seu braço quando trocara de roupa), e de que seu primo também estava vivo… e talvez, tivesse chance de reencontrar outras pessoas naquele estranho mundo em que os deuses tinham lhe enviado.

– Aquiles! – Pátroclo chamou pela terceira vez até que o mais velho voltasse finalmente os olhos azulados para ele. – Por Deus, entre no carro de uma vez! Sério! O que tem de errado?!

Pátroclo segurava a porta do carro preto aberta e Aquiles apenas riu da atitude exagerada do primo para poder entrar no carro e sentar-se no confortável banco de couro, com Pátroclo entrando logo em seguida para fechar a porta e mandar o motorista seguir o caminho.

As ruas de Atenas eram certamente bonitas, cheias de prédios, pessoas e movimento. Nada comparado ao que ele podia se lembrar do território Grego de sua vida anterior. Aos poucos, conseguiria organizar as memórias em seus devidos lugares e saber distinguir o que pertencia àquele mundo e o que pertencia à guerra de Tróia. Fechou os olhos por um segundo enquanto o carro seguia por um percurso familiar, e conseguiu sentir a dor em sua cabeça diminuir. A tranquilidade e a paciência em não tentar resolver tudo em sua mente de uma vez fizeram com que as coisas ficassem mais leves e que os barulhos da cidade grande se tornassem meros sons distantes de um sonho pacífico.

– Você está calado demais, primo. – Pátroclo disse, depois de quase vinte minutos de um percurso silencioso.

– Estou apenas organizando os pensamentos. – Aquiles respondeu.

– Está é me assustando. – disse o jovem, arqueando as sobrancelhas. – O que aconteceu na operação ontem que o deixou pensativo?

– Eu morri. – respondeu Aquiles, deixando um sorriso satisfeito surgir no rosto, o que fez Pátroclo apenas estranhar ainda mais as atitudes do primo.

– Sério, chega disso. O que quer que tenha tomado ontem, é bom cortar do cardápio, está afetando seriamente os seus neurônios. – disse ele, quando finalmente sentiram o carro parar. – Até que enfim, vamos de uma vez, não queremos chegar mais atrasados do que já estamos.

– Vamos, vamos. – Aquiles finalmente concordou de bom grado e seguiu com o primo para fora do carro.

Daquela vez, eles estavam diante de uma mansão enorme e luxuosa, guardada por uma série de homens vestidos de preto que qualquer um diria serem guarda-costas contratados por uma pessoa muito importante. Eles eram de fato guarda-costas, mas a pessoa importante que eles conheciam era na verdade o chefe da máfia.

Conseguiram passar por toda a guarda sem nenhum problema maior. Casualmente, Aquiles seguia na frente e todos os empregados lhe faziam cumprimentos em respeito, e ele se percebeu muito acostumado a isso. As memórias em sua mente podiam estar confusas, mas seu corpo sabia exatamente onde estar e como reagir a qualquer tipo de situação. Suas pernas o guiaram habilmente na enorme mansão passando pelo hall de entrada, além das escadarias, numa sala que ficava depois da sala de estar, no fim de um corredor estreito e de ar ligeiramente sombrio, com as esculturas de mármore representando demônios ou cenas de morte. Aquela decoração específica, ele notou rapidamente, só estava naquele pequeno canto da casa.

Diante de uma porta de carvalho emoldurada com lindas gravuras em alto-relevo estavam dois homens vestidos de preto e muito bem compostos, como se fossem também estátuas parte da decoração. Aquiles sabia, entretanto, que eles eram atiradores de elite e os melhores guardas que alguém poderia querer, mexer com eles não era uma boa opção. Cumprimentou-os rapidamente com um aceno de cabeça qualquer, enquanto Pátroclo praticamente se curvava em uma mistura de medo e respeito, para poder finalmente abrir as portas sem muita cerimônia e entrar no lugar que ele sabia perfeitamente ser uma sala de reuniões, com uma mesa retangular no meio – mostrando claramente quem era o líder no topo da mesa – e cadeiras suficientes para até doze pessoas. No momento que Aquiles entrou, apenas sete das cadeiras estavam ocupadas, e a expressão de pelo menos dois dos homens ali presentes – os mais semelhantes, mais gordos e mais repugnantes na opinião do homem – era completamente de descontentamento.

– Espere por mim aqui, Pátroclo. – disse ele, enquanto o primo apenas acenava em concordância e via as portas se fecharem quando Aquilles adentrou a sala. – Senhores. – educadamente, Aquiles cumprimentou-os, mas ao invés de se juntar a um dos lados da mesa, perto dos outros homens, todos aglomerados no canto oposto da sala, ao lado do homem que sentava na cabeceira da mesa, ele sentou-se na cabeceira exatamente oposta, sem muita preocupação e muito confortável.

– Pontual como sempre, Aquiles. – o tom do homem no outro extremo da mesa era extremamente afiado. – Acho que nem preciso convidá-lo a sentar, mas seria melhor se aproximar mais, para ouvir melhor.

– Já estou bem confortável aqui, não precisa se preocupar, Agamenon. Tenho boa audição, diferente de você, cujos sentidos já devem ter sido afetados pela idade. – respondeu Aquiles.

– Quanta insolência, seu moleque! – o tom de ameaça veio do homem que estava sentado ao lado direito de Agamenon, igualmente gordo e repugnante, que se levantou num impulso de raiva e bateu forte na mesa. – Eu já teria mandado lhe cortarem a língua por isso!

– Chega, Menelau. – Agamenon levantou a mão para deter o irmão, sorrindo presunçoso para Aquiles. – Não me importa onde ele sente, quando eu desejar, farei com que ele seja incapaz disso.

– Às vezes fala como um rei de verdade, senhor. – disse Aquiles, e o outro apenas sufocou uma risada.

– É isso mesmo, eu sou o rei. – ele ressaltou, de modo completamente irônico e num tom que dava a entender que a discussão estava acabada. – Agora vamos aos assuntos que interessam. Soube que perdemos mais território no bairro de…

– Tiveram umas confusões essa semana lá, dizem que os donos de duas das nossas boates estão contrabandeando armas para os homens de Príamo também. – um dos homens falou, chamando imediatamente a atenção de Aquiles, que se sentiu mais confortável por ver o amigo de longas guerras ali também.

– Príamo… – Aquiles deixou que o nome escapasse de seus lábios, e antes de perguntar algo relacionado à Tróia, teve as respostas necessárias em sua própria mente, de que ele não era mais o rei de Tróia, mas ainda a maior ameaça a Agamenon… fosse nos impérios antigos, fosse na máfia. Deixou que um sorriso escapasse de seus lábios, lembrava da determinação do rei inimigo.

– Gostaria de adicionar alguma coisa, Aquiles? – Agamenon perguntou, e apenas naquele momento o loiro notou que todos o estavam observando.

– Eles estão contrabandeando para Príamo. – ele afirmou, com uma satisfação maior do que deveria sentir. – Se eu e meus homens não tivéssemos intervido ontem, teríamos… digo, você teria perdido mais um ótimo carregamento de armas, Agamenon.

– Você meteu seu nariz onde não deveria, Aquiles! – Menelau se exaltou novamente. – Aquele era meu território, eu estava dando conta de tudo!

– Se estava mesmo dando conta, como deixou que aquilo acontecesse? Eu e meus homens descobrimos mais rápido a localização e os nomes dos envolvidos, enquanto você ficava em casa de pés para cima, comendo, bebendo e fodendo à força as melhores prostitutas da área no lugar de fazer seu trabalho. – disse Aquiles, num tom ameaçador e insatisfeito.

– Eu realmente vou acabar com você, seu desgraçado…! – as palavras de Menelau foram seguidas de um movimento amplo e barulhento quando ele se levantou, derrubando a cadeira em que estava sentado para puxar uma arma do cós da calça e apontar na direção de Aquiles, mas antes mesmo de conseguir mirar no loiro, viu o brilho da arma prateada de Aquiles, apontada diretamente para sua testa, sem que ele tivesse precisado se mover muito na cadeira ou fazer algum barulho.

– Menelau! – Agamenon chamou-o num tom de autoridade. – Aquiles, abaixe essa arma, ou ao primeiro tiro seus miolos servirão de comida para os cachorros.

– Que modos, Agamenon. Ainda não ouvi seu agradecimento. – respondeu Aquiles, a arma ainda voltada na direção de Menelau e os olhos seguindo para o homem no outro oposto da mesa. – Não fosse por mim, estaria em sérios problemas agora. Devia me agradecer.

– Talvez ouça um agradecimento meu depois que acabarmos com os negócios deles em… – disse Agamenon, e a tensão foi sentida de imediato na sala, até mesmo Menelau voltou os olhos para o irmão. – Faremos isso amanhã, com nossos melhores homens. Ensinarei uma coisa a esse tal Príamo.

– Mas, Agamenon… esse é o território de Heitor. – Ulisses interveio na conversa de novo, demonstrando a tensão que todos os outros homens ali sentiam. – Ele não só tem um bom controle de seus subordinados como a segurança no lugar é muito maior.

– E é por isso que nossa vitória será ainda mais gloriosa. – disse Agamenon, num tom altamente convencido. – Se destruirmos a célula de Heitor, a facção inteira de Príamo vai estar abalada, derrubar o outro filho mimado dele não é problema, e logo todo o território grego estará sob meu comando.

– Agamenon, isso é loucura. – a ousadia das palavras veio de Ulisses, mesmo que tentasse conter ao máximo as próprias palavras. – Não temos forças para derrotar a célula de Heitor e…

– É por isso que Aquiles e seus homens irão. – Agamenon pousou os olhos cuidadosamente sobre Aquiles, que já tinha guardado a arma no cós da calça e não pareceu muito abalado com a afirmação. – Já que se mostrou tão eficiente e disposto ao se meter no território de Menelau, creio que não tenha problemas em invadir o território de Heitor também.

Aquiles ficou calado por uns minutos, apenas encarando Agamenon e lembrando-se do ataque imprudente às grandes muralhas de Tróia e a derrota diante de Heitor e seu exército. Era quase como se visse a história se repetir nos mínimos detalhes e em épocas diferentes. Ficou altamente tentado a negar aquela proposta, tal como fizera no passado, mas por mais que soubesse que a pretensão de Agamenon era encurralá-lo e possivelmente matá-lo, não conseguia resistir àquele desafio tão aberto.

– Como quiser, Agamenon. – ele respondeu, com um sorriso discreto. – Afinal, é você quem dá as ordens, não?

– Que bom que ainda sabe disso. – o outro se recostou à cadeira, parecendo bem satisfeito com a simples vitória.

– Agamenon, por favor, reconsidere. – a insistência veio por parte de Ulisses novamente. – Não vai ser bom nem para a nossa imagem fazer um ataque assim, sem aparente motivo, à Heitor. Está sendo imprudente.

– Não sei qual a sua preocupação, Ulisses. Aquiles já concordou. – disse Agamenon.

– Isso mesmo, se ele se acha tão bom com seus homens, vamos ver o que acha de enfrentar Heitor. – Menelau parecia se divertir com a situação também.

– Mas se está tão preocupado, então o acompanhe também, Ulisses, leve seus homens e tenha certeza de que ele volte vivo… ou não. – o homem deu uma risada convencida.

– Não há necessidade. Eu mesmo vou. – disse Aquiles, finalmente se levantando. – Como já estamos terminados aqui, senhores… agora eu vou me retirar. Divirtam-se com o resto da reunião.

Ele apenas deu um sorriso convencido na direção de Agamenon e saiu antes que ele pudesse reclamar pelo fato de ter lhe desacatado.

– Vamos indo, Pátroclo. – Aquiles chamou o primo que ainda o esperava encostado à parede no corredor, e ele logo se apressou para acompanhar os passos largos e rápidos de Aquiles.

– Então, o que aconteceu? Você foi punido…? – o jovem perguntou, parecendo bem interessado na conversa da qual não participara.

– Humpf… como se Agamenon sobrevivesse sem mim. – uma risada debochada escapou dos lábios de Aquiles enquanto ele continuava até as escadas, colocando as mãos nos bolsos da calça.

– E tem alguma missão nova? – ele perguntou, empolgado, e Aquiles lembrou-se da vontade dele de participar da guerra troiana… e do que aquilo tinha resultado.

– Sempre impaciente, Pátroclo, sempre impaciente. – Aquiles balançou a cabeça num sinal negativo, quando já estava alcançando as escadarias, mas antes de dar o primeiro passo no degrau, ouviu uma voz conhecida e parou para virar-se na direção do corredor do qual viera.

– Aquiles! Por Deus, homem, você enlouqueceu?! – Ulisses questionou, quase correndo para alcançar Aquiles a tempo.

Certamente, ele era que tinha o rosto mais parecido com o da guerra de Tróia. Os cabelos castanhos levemente grisalhos, a barba espessa, os olhos escuros e expressivos, no momento parecendo bem preocupados.

– É bom revê-lo, meu velho amigo. – Aquiles ignorou completamente o questionamento urgente dele e apertou-lhe a mão, colocando a outra mão sobre o ombro dele, sorrindo satisfeito. – Imaginei que ao menos você sobreviveria.

– O… do que está falando, Aquiles? – por um minuto, Ulisses esqueceu-se do que ia falar, diante do comentário estranho do amigo.

– Ignore, Sr. Ulisses. Ele está falando coisas sem sentido desde que acordou, acho que bateu com a cabeça na operação de ontem. – Pátroclo tentou se explicar pelo primo.

– Eu não poderia estar melhor. – disse Aquiles, voltando-se de novo para as escadas e começando a descê-las, acompanhada dos outros dois, um de cada lado.

– Aquiles, você não devia ter provocado Agamenon… de novo! – disse Ulisses, de volta ao tom urgente. – Não pode aceitar essa missão, é loucura! É praticamente suicídio!

– Então Agamenon realmente lhe deu outra missão?! – o tom de Pátroclo era esperançoso.

– Não se preocupe, meu amigo, eu sei o que estou fazendo. – disse Aquiles, mais concentrado no caminho à sua frente.

– Você só está tentando irritar mais Agamenon, sei que é seu objetivo, Aquiles! Mas não vai adiantar de nada se morrer nas mãos de Heitor. Por favor, reconsidere essa insanidade! – Ulisses insistiu.

– Heitor…? Quer dizer que vamos atacar a facção de Heitor?! – Pátroclo questionou, perdendo-se então entre a excitação da missão e o medo pelo nome proferido.

Nós não. – Aquiles tratou de consertar a frase de Pátroclo, e antes que ele pudesse revidar, voltou-se para Ulisses, quando terminou de descer as escadas e parou ao lado dele. – Parece que não confia mais em mim, Ulisses.

– Sabe que confio mais na sua habilidade com uma arma do que qualquer pessoa nessa organização. Mas para tudo tem limites, Aquiles, até para seu exibicionismo. – Ulisses respondeu.

– Se confia tanto, não devia se preocupar. Sei o que estou fazendo, acredite em mim mais essa vez, velho amigo. – o sorriso de Aquiles era mais do que confiante. – Preciso fazer isso… preciso enfrentar Heitor mais uma vez.

Ele deu as costas e continuou a andar na direção da saída da mansão. Não notou os olhares confusos que Ulisses e Pátroclo trocaram naquele minuto, antes de andarem a passos mais rápidos para alcançar o loiro.

"Mais uma vez"? – a pergunta em tom descrente veio dos lábios de Ulisses. – O que quer dizer com "mais uma vez"? Pátroclo?

– Não sei do que ele está falando. Nunca soube que a nossa facção já enfrentou Heitor alguma vez. – o mais novo respondeu, parecendo bem alarmado.

– E espero que continue assim. – Aquiles respondeu de imediato e lançou um olhar tão severo ao primo que além de estar confuso com as conversas até então, ficou completamente perdido no significado daquela mudança súbita de humor. Voltou-se então Aquiles na direção de Ulisses, quando já havia alcançado a saída da casa. – Se confia realmente em mim, Ulisses, não precisa se preocupar. Eu garanto que tudo vai dar certo.

– Aquiles… – o tom de Ulisses era de aviso.

– Confie em mim. Só mais essa vez. – o outro reforçou a ideia, sorrindo confiante para então descer os degraus da entrada para ir até o carro que já lhes esperava na entrada.

Ulisses apenas deixou um pesado suspiro escapar de seus lábios e Pátroclo deu de ombros para ele, voltando-se para seguir o primo e entrar no carro luxuoso antes que ele partisse para longe da mansão.

– Quer que eu reúna os homens pra uma reunião sobre o ataque…?

– Não é necessário. – disse ele, olhando através da janela. – Vou precisar só de alguns poucos homens essa noite. Não quero que nada atrapalhe meu encontro com Heitor dessa vez. Menos ainda você, Pátroclo.

– Aquiles, homem, você está louco?! – Pátroclo exaltou-se completamente quando já estavam longe da mansão de Agamenon. – É Heitor que vai encontrar e enfrentar! Não um negociante de drogas dos subúrbios de Atenas! Pelos deuses! Como diz que ainda quer ir com poucos homens?!

– Ouça bem, Pátroclo, porque só direi isso uma vez. – o mais velho voltou-se para o primo e a expressão em seu rosto era tão incondicionalmente séria que Pátroclo surpreendeu-se por um minuto. – Eu só levarei alguns homens de minha escolha. Você, sob hipótese alguma, está em posição de reclamar disso, ou de sequer imaginar sair do seu apartamento para me seguir, menos ainda fingir que sou eu. Será que eu fui bem claro?

– Você está mesmo louco, primo. Tenho medo do que está planejando. – Pátroclo balançou a cabeça em um sinal de pesar.

Será que eu fui bem claro? – Aquiles fez questão de repetir, o tom ainda mais severo do que antes, e mesmo estranhando as especificações do primo, Pátroclo não viu alternativa senão responder.

– Foi. – ele concordou.

– Ótimo. – subitamente, o modo de Aquiles mudou e ele deixou um sorriso escapar no canto dos lábios. – Sem ter que me preocupar com você e suas burradas, tudo vai se tornar bem mais simples.

– Eu não faço burradas!

– Eu realmente espero que não, Pátroclo. Eu espero que não. – respondeu Aquiles, rindo e sentindo-se imensamente satisfeito que daquela vez, possivelmente poderia evitar a morte do primo, e esperava que os deuses não fossem traiçoeiros o suficiente para mandar-lhe para outro tempo, outro local, e ainda fazê-lo passar pelas mesmas dores e perdas.

Final Capítulo 1