Cap 3 - O Interrogatório
Kakashi revisava mentalmente em detalhes todas as vezes em que ele se permitiu se deitar com uma mulher. Ele não era como o Jiraya, mas assumia para si que com a idade mais avançada e após a aposentadoria, ele se permitiu mais aos prazeres da vida.
"Um cara..." ele se lembrou, então se essa era a palavra, a matemática não fechava com o período da aposentadoria, "Qual o nome dele?" ele perguntou quebrando o silêncio na caminhada
"Takashi Kitagawa" Shikamaru respondeu
"Idade?"
Shikamaru olhou o documento de registro de entrada do rapaz, "28"
Kakashi não demonstrou nenhuma reação externa, mas no fundo permanecia desconfiado.
"Você disse que ele estava com a mãe, sabe o nome dela?"
"Senhora Hajime Kitagawa"
"Kitagawa?"
"Isso"
Kiba e Shikamaru entreolharam-se compartilhando o mesmo pensamento, o misterioso sensei parecia estar interessado no caso, o que os fez cogitar a possibilidade de que o visitante mal-educado não estava mentindo.
"Ah, só mais uma coisa" Shikamaru comentou após pigarrear
Kakashi olhou para ele, "Diga"
"A senhora Hajime não estava se sentindo bem e teve que ser levada para o hospital caso você queira conversar com ela também... se isso tudo for verdade..."
"Passou mal por conta da viagem?" Kakashi perguntou começando a se preocupar após sentir uma sensação estranha, mas sem querer demonstrar.
"Provavelmente" Kiba respondeu
"Bom, não seria prudente atrapalhar os médicos agora, né?" Kakashi respondeu colocando as mãos nos bolsos da calça
"O mal educ... O senhor Takashi está detido na sala de interrogatório da estação" Kiba se reformulou após receber uma cutucada de Shikamaru
"Então iremos para a estação primeiro" Kakashi respondeu liderando a caminhada
Kiba e Shikamaru seguiram mais distantes em cochicho, tendo este último a dar sermão em seu amigo policial.
"Você precisa controlar mais seus ímpetos, não é assim que se porta ao falar de um visitante!"
"Não falei mais que a verdade, eu ainda estou me segurando muito para não falar o que realmente penso dele!"
"Então você está pedindo para morrer e eu não vou te salvar!"
"Qual é Shikamaru? Virou minha mãe agora?"
"Vai que esse cara é mesmo filho dele?"
"Você acha mesmo que isso é possível?"
"O sensei também não disse que não!"
"Eu só acredito vendo, e se for verdade, essa vai ser a maior fofoca da nossa geração!"
"Apenas acho que isso nem é da nossa conta"
"Ah Shika, você está amarelando demais, desde quando isso virou segredo de Estado?"
"Isso se chama precaução"
"Eu entendo seu receio devido a sua posição, não quer ficar mal na fita dos Kages, mas sejamos realistas, se esse cara andar nas ruas de Konoha, ele será facilmente confundido com o próprio sensei que vai chamar a atenção por estar sem máscara. É um assunto inevitável!"
"Não é isso Kiba, eu sei que ele é quase a cópia do Kakashi sensei, mas o que me refiro é sobre isso ser um assunto privado dele. Se ele nunca nem sequer comentou sobre ter um filho e até mesmo se é ou já foi casado, por que isso mudaria agora?"
"Ué, porque o mala tá bem na cara de todos!" Kiba falou bem alto e em seguida levou um tabefe de Shikamaru ao notar Kakashi olhar para trás
"Tá tudo bem aí rapazes? Alguma coisa a mais que eu precise saber?" Kakashi perguntou percebendo a curiosidade alheia
"Tudo sob controle sensei, já estamos quase chegando na estação!" Shikamaru respondeu disfarçando o embaraço
Kakashi agiu como se não tivesse ouvido os cochichos, mas compreendia a curiosidade alheia. Era uma novidade repentina, e aqueles dois rapazes faziam parte da geração que tentou por várias vezes ver o rosto dele quando eram crianças, diferente da geração dele o respeitava como ele era.
Eram gerações distintas, mas em toda sua vida ele teve que lidar com situações que o faziam ser o foco das histórias do momento, apesar de ele possuir uma natureza curiosa e reservada sobre sua intimidade.
Desde pequeno ele teve que lidar em ser o centro das atenções fosse por seus feitos geniais em tenra idade ou por ser o filho do lendário Canino Branco que tirou a própria vida.
Por mais que não fosse a intenção dele, ele sempre chamava a atenção por algum motivo.
No esquadrão ANBU fez fama por sua frieza. Na vida ninja fez fama por ter o olho Sharingan mesmo não sendo um Uchiha, tornando-se conhecido como o lendário Kakashi o ninja copiador.
E então tornou-se Hokage, um líder respeitável e que elevou a modernização de Konoha.
Ao pararem em frente a porta do interrogatório, Kakashi deu uma leve suspirada. Sua matemática não demorou para ser confirmada, assim que adentrou a sala, logo avistou as costas do rapaz, pelo reflexo do vidro podia ver que ele aparentava estar na casa dos 20 anos.
Os cabelos cinzas, o corte de cabelo se assemelhava ao que ele usava em seu disfarce como Sukea, vestindo uma camiseta preta e a pele clara como a dele. Realmente eles podiam ser confundidos por olhos menos atentos, mesmo sem o detalhe da máscara que era sua marca registrada.
Kakashi deu a volta na mesa para ficar de frente para o rapaz que se dizia ser seu filho. Ele não sentia que era um truque. Era notável que o jovem estava impaciente, balançando os pés sob a mesa. Os dedos da mão batucando na mesa rapidamente. O braço sobre a mesa servindo de apoio para a cabeça dele. A linguagem corporal era de extrema inquietação.
Aqueles segundos eternos, no qual Kakashi não sabia bem como se apresentar naquela ocasião por mais que fosse um homem bom de conversa. Várias formas passavam em sua mente, mas nenhuma parecia ser boa o suficiente, enquanto ele mesmo lidava com sua própria inquietação interna.
Kakashi parou de frente a ele, e notou a respiração funda que o rapaz deu enquanto mudava a posição desleixada para a ereta, ainda sem olhar para ele. Era como se ambos estivessem em sintonia se observando antes da primeira troca de olhares.
"Eu sou Kakashi Hatake..." foi tudo o que ele pôde dizer enquanto observava o rapaz finalmente mover os olhos para o encarar, "Aqueles olhos cor de esmeralda..." ele pensou enquanto sua memória vagava para as mais profundas lembranças que ele havia enterrado, caso sua suspeita se confirmasse.
O rapaz apenas fitava-o, talvez estivesse tão perplexo quanto ele. Ele engoliu a saliva e soltou uma leve risada que aparentava deboche, "Eh...realmente somos parecidos..."
"Concordo. Qual o seu nome?"
"Takashi Kitagawa"
"De onde você vem?"
"Do País das Flores"
"E o que te traz aqui?"
"Eu vim falar com você"
"Estou a ouvidos"
O rapaz respirou fundo olhando para a mesa ficando em silêncio.
Kakashi permaneceu apenas observando o visitante, cada pormenor de seu semblante e reações. Enquanto ele mesmo formulava perguntas e respostas para si.
"Na verdade, eu não tenho nada pra falar com você. Eu só vim a pedidos."
"De quem?"
"A minha mãe disse que você é meu pai... infelizmente não posso mais duvidar dela"
"Infelizmente?"
"Olha velho, eu só estou aqui por ela."
"E quem é ela?"
"Pelo visto você nem se lembra dela, como era de se esperar!"
"Takashi... Você se apresentou como meu filho. Quero saber quem é a sua mãe."
"Você só quer saber se eu tô mentindo"
"Eu quero saber a verdade, se você está mentindo ou não, tanto faz. Qual é o nome da sua mãe?"
"Hajime Kitagawa"
Kakashi franziu a testa pensativo, e retrucou friamente assim como estava sendo tratado, "Não conheço ninguém com esse nome"
O rapaz riu com deboche, "Eu sabia que você era desse tipo, afinal, nos abandonou quando ela ainda estava grávida!"
"Nunca abandonei nenhuma mulher grávida, eu apenas disse que não conheço nenhuma mulher chamada Hajime Kitagawa" Kakashi deu ênfase no sobrenome
"Ahhh, então talvez você a conheça como Hajime Hatsui, se é que você sequer se lembra"
As pérolas negras de Kakashi encaravam as esmeraldas do homem sentado sem algum desvio. Sob a máscara, os lábios de Kakashi abriram-se levemente em constatação do nome daquela jovem moça de sua mais enterrada e profunda lembrança, do tempo em que ele era apenas um jovem adulto, ainda mais novo que o rapaz à sua frente. Em um tempo em que sua obscuridade prevalecia, apesar da breve ternura que o tocou.
"Da Aldeia das Tulipas..." O tom reto de Kakashi não deixava dúvidas sobre a afirmação que fizera
"Ahh, você lembrou" Takashi respondeu com ironia
"Nunca a esqueci"
"Não parece!"
Eram tantas emoções ao mesmo tempo, que Kakashi sentiu a necessidade de se sentar, apesar de manter a compostura o máximo que podia, afinal, agora era ele quem precisava de respostas em meio a tantas perguntas que sequer sabia por onde começar. Mas ele recordara-se dos comentários de Shikamaru e Kiba sobre a personalidade do visitante: "Estressadinho e insuportável...e meu filho"
Ao unir sua lembrança, a receptividade negativa de Takashi, e os comentários alheios, ficava clara a consequência de sua escolha pela obscuridade. Ele ainda precisava de mais informações para analisar melhor todo o contexto a ser explorado, mas em uma primeira análise ele podia ver o escudo de seu filho e a grande barreira a ser quebrada entre eles, e dele para consigo mesmo com tamanha revelação.
"Takashi... estamos começando a nos conhecer agora, mas tem coisas que só o tempo trabalhará em nós"
"Esse tempo não existe"
"É claro que existe. Não posso te explicar o passado assim..."
"Eu não quero saber do passado! E sinceramente, eu não tô nem aí pra você! Eu não preciso do seu repentino sentimento paterno, eu só tô aqui pela minha mãe e nada mais!"
Aquelas palavras soavam duras para o "velho Kakashi" que agora não era mais tão frio e obscuro quanto na época em que se envolveu com a mãe de Takashi. Naquela época essas palavras não ressoariam como agora, e talvez por isso mesmo, o destino as trouxe para o atual Kakashi, pois só ele seria capaz de ouvir e fazer algo a respeito com a maturidade.
"Realmente é repentino. Você não está nem aí pra mim, mas eu estou aí pra você. Agora você terá que lidar comigo."
Takashi riu, "Lidar com você? Você nunca nem fez falta!"
"Fiz sim, olha só pra você. Todo na defensiva. Cheio de deboche e aparentando ser impenetrável e ressentido comigo sem nem sequer saber a verdade"
"Velho, você nunca fez falta na minha vida. Eu nunca precisei de você! Eu nem sabia que você existia!"
"A Hajime nunca falou de mim pra você?"
"Não!"
Mais outra dura verdade para o velho Kakashi encarar. Enfrentar a desestruturação da sua própria fantasia sobre aquela jovem que tocou seu coração frio, solitário e quase impenetrável.
"Entendi...então o que você quer de mim?"
Pela primeira vez a fortaleza de Takashi mostrava vulnerabilidade. Não havia mais o semblante de deboche e nem o ar impenetrável. Agora era a vez de ele sentir o repentino sentimentalismo filial.
"De você não quero nada...Minha mãe que quer conversar com você..."
"Okay, então vamos até ela"
"Eu não sei pra onde levaram ela"
"Fui informado que ela foi levada para o hospital, vou com você até lá"
"Tá...Só uma coisa"
"Diga"
"Não briga com ela... ela tá muito sensível e não quero que ela fique pior do que já está"
"Não tenho porque brigar com ela, até me compadeço com a situação dela"
"É bom mesmo!"
Pai e filho levantaram-se em sintonia, mas foi Kakashi que tomou a dianteira. Kiba e Shikamaru permaneciam parados no corredor, "Vocês vão prosseguir com a queixa de desacato devido ao comportamento dele?"
"Não, claro que não!" Kiba respondeu sentindo-se um pouco desconcertado pelos comentários que havia feito
"Está tudo esclarecido. Não há motivos para tal medida" Shikamaru complementou
"Certo, então de agora em diante enquanto ele e as acompanhantes estiverem em Konoha, eles serão de minha responsabilidade. Qualquer coisa, é só falar comigo."
Kiba e Shikamaru acenaram com a cabeça em consentimento, afinal, eles jamais iriam passar por cima da autoridade do 6º Hokage, mesmo este estando aposentado, ainda assim ele possuía um título de respeito.
Ambos observavam os Hatake caminhando lado a lado em direção a saída notando a imensa semelhança física que tinham: altura, cor de pele e cabelos, o andar, o porte atlético, o gosto por roupa preta.
"Então é verdade mesmo? Aquele moleque é filho do Kakashi sensei... Por um momento eu pensei que era mentira, quando o Kakashi negou conhecer a mãe pelo atual sobrenome" Kiba comentou ainda processando a novidade
"Ehh, eu também... Agora a folga dele acabou de vez! Que saco hein!"
Ambos riram e seguiram seus caminhos de volta as suas rotinas.
