Notas da autora

Há décadas atrás, um jovem médico em uma jornada...

Capítulo 24 – Capítulo especial: Origem da pedra vaga-lume.

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Há décadas atrás, um jovem andava por uma montanha nevada procurando novas ervas enquanto usava um mapa e bussola para ir até a próxima cidade.

O motivo de se encontrar em um local tão distante do seu lar era em decorrência da tradição familiar que consistia no fato dos descendentes fazerem essa jornada uma vez em sua vida em busca do aprimoramento de conhecimento através da prática junto do fato de buscar novas ervas medicinais, algo que seria impossível adquirir somente frequentando a renomada Academia imperial de médicos.

Conforme caminhava mais profundamente na floresta, ele estranha o anormal silêncio que reinava naquele local e mesmo com medo, o jovem reuniu a sua parca coragem e adentrou no local ao ser movido pela curiosidade inerente aos humanos.

Cada passo era pesado e embora o medo do desconhecido o dominasse, a sua curiosidade conseguia faze-lo mover as pernas, o conduzindo pela neve fofa que o fazia afundar ao mesmo tempo em que o seu coração queria sair pela boca enquanto ouvia nitidamente os seus batimentos cardíacos que era o único som naquele ambiente com exceção do uivo do vento que começou a soprar naquele instante.

Após vários minutos que pareciam horas intermináveis, ele chega a uma clareira imensa com árvores quebradas, pedaços de pedras, além de entulhos e marcas de uma luta violenta.

Era visível também a quantidade imensa e igualmente assustadora de liquido viscoso carmesim que tingia a neve e que lhe fez sentir calafrios, fazendo-o imaginar mil coisas, inclusive o que seria capaz de fazer tantos danos em uma área tão imensa e conforme prosseguia com extrema cautela, o único pensamento que surge a ele e que imperava naquele instante é que esta destruição e sangue foi provocado por uma luta envolvendo demônios e conforme pensava nisso, orava aos Deuses para que os eventuais demônios que ainda se encontravam naquela área percebessem que não era uma ameaça.

Claro, era uma oração mental fervorosa e um desejo impossível de se realizar conforme se recordava do que ouviu sobre os demônios. Eles eram bestas incapazes de fala humana e que somente aprendiam a falar após serem domados e conviverem com os humanos, fazendo-os abandonar a sua identidade feral ao torná-los domesticados.

Para o jovem médico esta era uma concepção lógica porque as formas verdadeiras dos demônios eram semelhantes aos de animais ao mesmo tempo em que possuíam portes avantajados e outras características que o tornavam distinguíveis de um simples animal.

Então, quando decide retornar porque não encontrou ninguém em perigo de vida enquanto temia ser morto por algum demônio remanescente, ele ouve gemidos moribundos que evidenciavam a dor que o dono daquela voz estava sentindo naquele instante.

Fechando os olhos momentaneamente, o humano inspira profundamente e reunindo as parcas forças que ainda possuía em suas pernas, retorna a caminhada rumo a fonte dos débeis sons ao mesmo tempo em que exibia surpresa em seu semblante pelo fato de haver sobreviventes porque aquele gemido era de um humano, fazendo o médico supor que essa vitima acabou ferida ao ser envolvida na briga de dois ou mais demônios.

Inclusive, o jovem acreditava que este sobrevivente, provavelmente, era um mestre de demônio, justificando assim o fato de ainda se encontrar vivo perante um cenário tão devastado.

Após vários minutos de expectativa e medo, ele descobre no centro de uma imensa cratera rasa, uma grande corsa branca e um jovem cervo que exibia os primeiros indícios de galhada, evidenciando assim o fato de que era um macho. O tamanho imenso deles comparado ao de um animal evidenciava o fato deles serem demônios.

Afinal, a fêmea tinha o tamanho de um elefante e o filhote era do tamanho de um cavalo, mas, visivelmente jovem enquanto que o manto de ambos era alvo e se mesclava na neve que havia se amontoado no chão ao mesmo tempo em que a pelagem de ambos se encontrava repleta de ferimentos e tingida na cor carmesim.

Ademais, o fato de ser uma corsa e um jovem cervo evidenciava o fato de que, provavelmente, eram mãe e filho.

Enquanto tentava identificar a origem do gemido humano ao mesmo tempo em que preparava o material necessário para tratar todos os feridos, inclusive os demônios porque sabia que quando eles morriam desapareciam na forma de uma nuvem de poeira, ele fica estarrecido ao ver que o gemido vinha do jovem cervo, fazendo-o questionar como era possível que aquele gemido, que lembrava o de um humano, viesse de demônios.

Conforme se aproximava de ambos, ele sabia dos perigos de se aproximar daquela raça, mas, não podia virar as costas e deixá-los em um estado tão moribundo.

Por isso, reunindo a sua parca coragem e seu dever para com a vida, o jovem médico começou a tratar primeiro do filhote que se encontrava em estado mais grave e que após terminar, começou a tratar a mãe dele depois de preparar novos emplastos e medicamento liquido ao destampar os potes que continha medicamentos enquanto que havia conseguido folhas grandes remanescentes do local ao mesmo tempo em que orava mentalmente aos Deuses para que a mãe e o seu filho não fossem hostis aos humanos e que compreendessem os seus atos porque nunca esteve perto de um daquela raça, limitando a apenas ouvir sobre eles das bocas de terceiros, além do fato dele buscar ignorar estoicamente as presas afiadas em suas mandíbulas quando as abriu para despejar o medicamento em suas bocas.

Após suspirar de alivio ao ver que ambos estavam melhor, seca o suor da sua testa porque apesar de estar frio, o jovem médico ficou demasiadamente cansado por tratar de demônios tão grandes.

Então, o humano sente olhos sobre ele e ao virar o rosto, viu o filhote de olhos negros olhando atentamente para ele enquanto mantinha uma postura atenta, mas, sem esboçar qualquer indício de que iria atacá-lo apesar de enquadrá-lo fixamente em seus orbes ônix.

O jovem médico ergueu os seus braços em rendição e falou que estava apenas tratando deles porque era médico, para depois, ficar surpreso ao ouvir a voz gentil do jovem veado:

- Não precisa ter medo. Percebo que é um humano comum porque não tem poderes. Também consigo sentir o forte cheiro de ervas em você e que somente é adquirido por causa do manuseio constante de ervas medicinais, demonstrando assim o fato de que é um médico. Além disso, tanto eu quanto a minha mãe fomos tratados e por isso, você tem o meu profundo agradecimento. Também sei que não há outros humanos no entorno. Ou, pelo menos, nada que eu não consiga captar através dos meus sentidos apurados. Além disso, considerando o cheiro de medo que emana de você e o fato de ser apenas um simples humano, por que tratou os nossos ferimentos? – Ele falava calmamente e de forma eloquente enquanto que a sua voz era masculina e em um tom gentil.

O jovem veado branco, que ainda possuía uma pequena galhada em proporção ao seu tamanho, termina de pergunta ao virar a cabeça para o lado, avistando assim o humano que se encontrava em um estado de estupor ao mesmo tempo em que mexia a boca apesar de nenhum som sair dos seus lábios.

- Você está bem? – Ele pergunta com preocupação.

- Você fala! A sua mãe também fala? Ela é a sua mãe, certo?

O jovem fica surpreso e pigarreia, colocando uma das patas na frente da boca, ainda deitado de barriga na neve e comenta:

- Sim. Nós falamos. Eu acredito que é a primeira vez que tem contato com alguém da minha raça.

- Sim. Eu peço desculpas pela minha reação. É que ouço muitos compararem vocês com os animais por causa das suas formas verdadeiras.

O jovem veado bufa de aborrecimento e murmura para si mesmo:

- Por que não estou surpreso.

- O que disse? – O humano pergunta com visível curiosidade em seu semblante enquanto que o medo que havia sentido anteriormente era dissipado gradualmente.

- Nada. Quanto a minha pergunta anterior. Por que nos salvou?

- Eu sou um médico e fiz o juramento de salvar vidas, independente de quem sejam. Mesmo se for um demônio, eu vou salvar. Eu não podia virar as costas para vocês.

- Você precisa ser cuidadoso. Nem todos vão agradecer a sua intervenção.

- Bem, isso pode ocorrer em qualquer raça na minha visão. Não importa se é demônio ou humano. Eu devo seguir o meu coração e juramento ao mesmo tempo em que devo arcar com as consequências da minha decisão. Assim, se acontecer de eu morrer, eu não terei arrependimentos.

O jovem demonstra surpresa e o humano ouve uma voz feminina, fazendo com que olhasse para a mãe corsa que comenta:

- Você é um humano diferente. Muito diferente em suas opiniões e que destoa completamente do que havia comentando antes sobre comparar nós, demônios, com bestas ou animais, algo que consideramos demasiadamente ofensivo. Eu acredito que essa fala seja oriunda de outros humanos. Ou, melhor dizendo, mestre de demônios, certo?

- Sim. – Ele fala enquanto se sentia envergonhado pela sua opinião errônea anterior sobre os demônios apenas por causa das suas formas verdadeiras.

- Eles gostam de se considerar superiores a nós. Adoram nos difamar e nos comparar a animais ou bestas. Não fique assim. Você não tem culpa. Foi o que aprendeu através dos bastardos – ela abaixa elegantemente a cabeça com o seu filho seguindo o gesto da genitora – Nós agradecemos por nos tratar.

- Eu fico feliz em ver que estão se recuperando.

Nos próximos dias, ele continuou tratando de ambos e quando recuperaram as suas forças, eles se despediram, mas, não sem antes o jovem cervo olhar para a mãe que consente enquanto sorria com o humano ficando curioso com o gesto de ambos.

O mais jovem se aproxima e curva a cabeça para o humano que observa surgir entre as pequenas galhadas do jovem uma pedra azul brilhante em um colar dourado que o faz ficar fascinado.

- Pegue essa pedra.

Ele a pega e o cervo fala:

- Em decorrência da minha linhagem eu pude conjurar essa pedra. É chamada pedra vaga-lume. É um presente por ter cuidado de mim e da minha mãe. Ele não é somente bonito, também servirá para identificar qualquer eventual descendente seu. Essa pedra somente aceitará a sua descendência. Nenhuma outra pessoa poderá portar essa pedra e mesmo que consiga colocar em algum local, perderá o seu brilho e se tornará uma simples pedra. Ademais, se o portador estiver em perigo de vida, ele contará com a proteção dela na forma de uma onda de choque massiva que colocará um humano na inconsciência e dependendo do demônio irá desnorteá-lo por várias horas, dando assim a chance do portador fugir do local.

- Muito obrigado.

- É o mínimo que podemos fazer por você para pagar por sua gentileza.

Então, mãe e filho se despedem, para depois, caminharem em direção a floresta congelada e conforme se afastavam surge uma nevasca intensa que não atinge o médico, mas, faz ambos desaparecem dentre a nevasca intensa e igualmente violenta que quando cessa abruptamente, revela o nada.