BELLA POV

Olhei em minha volta me sentindo ridícula, completamente deslocada. Ele com certeza não gostaria desse lugar, ele nem mesmo acreditava em Deus.

Achei graça observar sua tia em meu lado na primeira fileira, uma alcoólatra em negação, chorando e gritando pedindo aos céus que trouxesse seu sobrinho de volta.

Eu não acreditava em nada daquele show perfeitamente ensaiado para aqueles que não a conheciam.

Heidi Volturi era uma mulher ardilosa, de meia idade, com seus cabelos castanhos claros e seu rosto e corpo emoldurados a base de procedimentos estéticos financiados pelo único sobrinho, um dos donos da maior multinacional de tecnologia da América do Norte.

Eu devia lhe dar os créditos, ela realmente sabia como enganar as pessoas, conseguiu por décadas manipular o próprio sobrinho e por alguns anos me enganou também.

Senti uma extrema vontade de rir da situação, e tentei ao máximo me segurar para não ser taxada como a louca que rir da desgraça alheia.

Só havia uma pessoa naquele lugar que me entenderia naquele momento, a única pessoa que conhecia aquela mulher tão bem quanto eu e que também achava tudo aquilo uma bobagem.

Procurei ele em meio à multidão, encontrando-o poucas fileiras atrás da minha, vestido em um terno preto, perfeitamente polido e alinhado em seu corpo, com seu cabelo cor de bronze naturalmente bagunçado que ele certamente tentou arrumar com gel, o que foi nitidamente inútil.

Como se houvesse um imã entre nós, Edward também olhou para mim, sua expressão antes confusa e entediada agora dava lugar a seu típico sorriso torto ao me ver sorrindo também.

Segurei meu riso e me virei novamente, rezando para que todo aquele evento fúnebre acabasse logo e eu pudesse voltar para a minha cama e deitar debaixo de minhas cobertas, deixando de ser a viúva Volturi, sendo apenas a Bella.

Senti uma vibração em minha bolsa e peguei meu celular, vendo que tinha uma nova mensagem.

Heidi olhou para mim com uma expressão de raiva, como se eu estivesse cometendo um crime.

— Deixe de ser uma secretária burra por um dia, tenha respeito pelo seu marido morto e guarde esse celular agora. – Ela ordenou enquanto limpava uma de suas falsas lágrimas.

— Como se você tivesse ao menos conhecimento sobre a palavra respeito. Se você realmente o conhecesse, saberia que ele odiaria toda essa besteira desnecessária. – Eu rebati, ouvindo-a bufar e se endireitar em sua cadeira, felizmente me ignorando.

Edward: Ele odiaria tudo isso.

Bella: Com certeza, Heidi está fazendo tudo isso para fingir que foi uma boa tia.

Edward: Isso me irrita, ela nunca se importou com ele realmente.

Bella: Estou me segurando para não dar um fim a toda essa merda.

Edward: Se ele não estivesse cremado, certeza que estaria revirando-se no caixão com tanto desgosto.

Bella: Com certeza.

Talvez se eu usasse a desculpa da viúva deprimida, ninguém se ofenderia com meu surto ao mandar todos embora ou simplesmente sair dali. Fui tirada dos meus pensamentos de fuga por uma nova mensagem de Edward.

Edward: Sinto falta dele.

Bella: Eu também sinto, muita.

Suspirei, tentando ao máximo engolir o nó que se formava em minha garganta e aguentei até o fim da cerimônia.

Depois de receber novamente todos os lamentos e palavras de apoio de colegas e desconhecidos, observei todos irem embora, Heidi como sempre fingiu simpatia ao se oferecer para ficar comigo, o que eu prontamente recusei. A última coisa que eu precisava era de seus comentários ofensivos sobre meu caráter e minha profissão.

Sentei na calçada da igreja, colocando minha bolsa de lado e pegando uma das fotos que eram distribuídas para as pessoas que compareceram à cerimônia.

Apesar de morarmos em Seattle, Heidi assim como a mãe de Caius era do Brasil e em seu país era tradição para os católicos - como ela - que houvesse uma cerimônia, denominada "Missa do Sétimo Dia", como forma de pedir a Deus para interceder pelo repouso eterno de um ente querido.

Eu não era uma pessoa religiosa, porém, diferente de Caius, eu acreditava em Deus, isso nunca foi um empecilho entre nós dois, ele até mesmo concordou prontamente com o pedido de minha mãe de me ver casando dentro de uma igreja, com véu, vestido de noiva e todas essas coisas que eu considerava uma besteira.

Caius não era perfeito, estava longe de ser, mas antes de ser meu marido, ele era meu melhor amigo. A pessoa que me aceitou do jeito que eu sou, que nunca desistiu de mim e que fazia com que eu me apaixonasse todo dia como se fosse a primeira vez.

Não havia empecilhos em nada da nossa relação, não éramos o casal ideal, mas tentávamos ao máximo fazer com que nosso relacionamento funcionasse.

Mas tudo mudou em uma noite de domingo. Enquanto eu assistia um filme qualquer na televisão, recebi uma ligação perguntando se eu era a esposa de Caius Volturi.

Naquela hora, mesmo sem saber o que de fato tinha acontecido, senti todo o meu corpo formigar, uma sensação estranha de que meu mundo estava desabando em meus pés.

Me lembro de dirigir aflita até o hospital que indicaram na ligação, encontrando com Edward na recepção, andando freneticamente de um lado para o outro enquanto quase arrancava seus cabelos, em um sinal de nervosismo.

Depois de algum tempo sem resposta, fiquei impaciente, como se já estivesse há horas sentada ali. Eu implorava para as enfermeiras, médicos e ninguém sabia me responder se meu marido estava bem, se ele estava vivo.

Em determinada hora senti meu estômago reclamar, Edward me encorajou a ir até a cafeteria. Eu confiava nele o suficiente para saber que ele não sairia dali até que eu voltasse.

Quando cheguei na sala de espera, Edward estava de pé, ele que nunca chorava estava com seus olhos verdes nitidamente avermelhados, me esperando, mas com um sorriso no rosto.

Ele não precisou falar nada, ninguém precisou me dar nenhuma informação naquele momento, era como se eu estivesse com fogos de artifício explodindo por todo o meu corpo.

Caius estava vivo.

Depois de alguns dias, o médico nos explicou que a situação do meu marido era crítica e mesmo que ele continuasse estável, era como uma bomba relógio, sem a certeza de que ele sairia vivo depois de tantos traumas.

Me permiti ter fé, rezando para nenhum Deus em específico que trouxesse meu marido de volta, que me desse a chance de falar novamente com o homem que me fez feliz e me amou por todos os nossos anos juntos.

Em nenhum momento Edward me deixou sozinha, pelo contrário. Ele fazia reuniões online, dispensava possíveis propostas de novos sócios apenas porque também queria estar com o melhor amigo.

Por um lado, eu me sentia culpada por não o estar ajudando com as necessidades da empresa, mas estar ali com Caius era minha maior prioridade.

Tanya visitava o primo em dias alternados, afinal nesse tempo em que nós três estávamos ausentes, era ela quem tomava conta dos negócios. E mesmo que sua mãe fosse uma grande megera gananciosa que se recusava a vir ao hospital por conta do cheiro de doença que o sobrinho exalava, Tanya era seu completo oposto.

Durante duas semanas eu enfrentei uma dose exagerada de silêncio. Mesmo que Edward me fizesse companhia, ele raramente abria a boca, se reservando a discutir com os médicos no corredor, longe o suficiente para que eu não o ouvisse.

— Não importa quão caro é a porra de uma retirada de órgãos, eu vou bancar toda essa merda. – Pude ouvir a voz dele alterar.

— Sr. Cullen, eu entendo sua preocupação com o Sr. Volturi, mas estamos fazendo o melhor que podemos para mantê-lo vivo. – O Dr. que eu não conseguia lembrar o nome respondeu.

— Eu quero falar com o diretor desse hospital. – Edward o interrompeu. — Eu pago o que for necessário, eu banco os gastos dos equipamentos, pago o salário de cada funcionário, eu até mesmo alugo um avião apenas para trazer esse maldito rim, apenas deixe que eu fale com o responsável por esse hospital.

Pelo silêncio em seguida, provavelmente Edward conseguiu o que queria.

No dia seguinte pela manhã, enquanto eu tentava inutilmente criar algo com aquele pano e a agulha de crochê os batimentos de Caius sofreram uma leve alteração. Quando seus olhos tremeram, pude perceber que ele estava tentando acordar.

Sentindo meu coração também acelerar, apertei o botão que chamava uma enfermeira até o quarto. Lágrimas de alívio desciam pelos meus olhos, ele tinha voltado, ele finalmente tinha voltado para mim.

Quando a enfermeira enfim chegou ao quarto, ela rapidamente chamou o médico responsável por Caius e os dois o examinaram profundamente, também surpresos pela melhora repentina.

Eu nunca fui uma mulher de muita fé, mas naquele momento não tive dúvidas de que meu marido era um milagre.

Liguei para Edward e ele veio correndo da cafeteria, seu rosto ainda sujo com algum doce que ele havia comido.

Meu coração se encheu de alegria quando ele finalmente abriu os olhos, se acostumando com a claridade do quarto. Depois de acostumado, ele olhou de mim para Edward e nos presenteou com um sorriso, aquele belo sorriso acompanhado de seus olhos azuis tão claros, agora arroxeados pelo impacto do acidente.

Não havia palavras para descrever o quão feliz eu estava, se há alguns dias eu estava feliz apenas por saber que ele estava vivo, dessa vez eu estava radiante por ele estar vivo, lúcido e acordado.

Edward conseguiu o transporte para o transplante e não mediu esforços para garantir o melhor para Caius e eu realmente apreciava esse feito.

Depois de um tempo ele nos deixou a sós, e eu tentei o meu máximo não o sobrecarregar com tantas informações, o que foi quase impossível.

— Você se lembra do que aconteceu? – Perguntei depois de um tempo, sentada ao seu lado direito na cama. Nem mesmo o cheiro de queimadura do lado esquerdo do seu corpo pode me fazer retrair.

— Não muito. Lembro do desespero do piloto e logo em seguida eu pude sentir como se minha perna esquerda tivesse virado uma carne de hambúrguer para o 4 de julho. – Ele riu, tossindo fortemente.

— Não brinque com essas coisas. – O repreendi, o que fez com que ele revirasse os olhos. — De qualquer forma, o que importa é que você está vivo e bem. – Beijei seus lábios.

— Eu não sei qual sua definição para vivo, querida, mas eu certamente não quero viver assim. – Ele respondeu.

— Não fale essas coisas, depois que você fizer o transplante tudo vai se resolver. – Tentei o encorajar.

— Isso é uma perda de tempo, Bella. Eu não quero viver assim, eu me recuso. Viver uma vida repleta de dores, com boa parte do meu corpo como um maldito churrasco, você sabe que essa porra não é para mim. – Ele retrucou, sua expressão ficando irritada.

— Não fale essas coisas, por favor. Você é tudo para mim, Caius, eu amo você e não me culpe por querer você vivo, não importa como. – Respondi, o que fez com que sua expressão amenizasse.

— Promete para mim que você vai dar a chance a outro alguém. – Ele pediu depois de um tempo em silêncio, ainda sem olhar em meus olhos.

— Eu não vou prometer isso, você vai ficar bem, eu prometo, amor. Você vai ficar bem, ouviu? – Eu tentei convencê-lo, encostando minha testa na sua, os olhos já banhados por lágrimas que eu tentava dar o meu máximo para segurar.

— Não chore, por favor, Bella. Apenas me prometa que se um dia eu partir você tentará ser feliz, é tudo o que eu te peço. – Ele pediu novamente, seus olhos também marejados de lágrimas. Eu assenti, tentando fazer com que aquilo soasse real.

— Eu te amo. – Respondi tentando abraçá-lo, de uma forma que não lhe causasse dor.

— Eu também te amo, Bella. – Ele sussurrou. — Até o último dia da minha vida eu vou te amar, querida.

No dia seguinte Caius não parecia tão bem quanto no dia anterior, mas mesmo assim ele conseguiu me convencer de que eu devia ir até nosso apartamento para buscar roupas limpas, para que ele vestisse algo diferente daquela roupa de hospital.

Eu me permiti ficar feliz, o transplante ocorreria hoje e em breve eu e Caius estaríamos contando sobre essa triste parte de nossa história para nossos amigos e familiares.

Depois de algumas horas providenciando uma mala com roupas limpas, dirigi novamente até o hospital, rezando para que desse tempo para que eu pudesse me despedir antes que ele entrasse na sala de cirurgia.

Quando entrei no quarto, ele não estava lá mas Edward sim, acompanhado do médico que estava cuidando do caso de Caius.

— O que houve, gente? Por que o Senhor não está na cirurgia? – Perguntei me virando ao médico e ele apenas me olhava com um maldito olhar de pena.

— Sra. Volturi...

Então vendo as lágrimas escaparem do rosto do melhor amigo do meu marido, pude entender o que tinha acontecido.

A cirurgia nem mesmo aconteceu.

Eu pude sentir, minha mente que antes parecia um trânsito caótico, agora ressoava em um silêncio ensurdecedor. Agora havia um imenso vazio em minha vida. Meu marido não tinha sobrevivido.

Me permiti cair em meus pés, o suco que eu havia tomado antes de sair de casa para saciar a fome estava implorando para sair de dentro de mim.

— Não, não, não, não. Volta para mim, amor, por favor, não me deixe aqui sozinha. – Eu sussurrava sentindo todo o meu corpo tremer.

Ele já sabia que iria partir e foi justamente por isso que ele pediu que eu fosse em casa, ele não queria partir comigo ali.

Caída no chão impecavelmente limpo do hospital, pude sentir os braços de Edward me abraçando, mas não permiti que as lágrimas caíssem do meu rosto.

Eu tinha a ideia de que se eu chorasse, eu estaria aceitando que ele realmente tinha partido e então tudo seria em vão. Minha única reação naquele momento foi amaldiçoar o momento em que permiti que ele entrasse naquele maldito avião.

Desde então, era como se uma parte de mim tivesse morrido junto com ele naquele acidente, meu mundo caiu junto com ele, não tinha nada que pudesse me trazer a felicidade novamente, meu coração estava cortado em pedaços, sem conserto. Eu estava completamente quebrada.

Com os olhos ainda fechados recordando aquelas sensações que ardiam em meu peito, sensações essas que eu tentava apaziguar e sempre falhava, senti alguém também se sentando na escada da igreja.

Engoli novamente o nó em minha garganta e olhei para o lado, encontrando aquele belo par de olhos verdes agora levemente inchados me olhando.

Edward também encarava a foto em minha mão, e permanecemos em silêncio compartilhando da mesma dor, do mesmo sofrimento.

— Será que um dia vai passar? – Eu perguntei num fio de voz.

— Eu acho que não, mas espero que sim. – Ele respondeu enquanto limpava uma das lágrimas que tentava escapar de seus olhos.

— Ele era tão novo, isso não é justo, Edward. Não com ele, eu queria que tivesse acontecido comigo e não com ele. Como eu vou sobreviver a isso? Eu não lembro nem como era minha vida sem ele, isso não pode ser justo, porra. – Respondi exasperada, indignada com tudo.

— Ele era uma boa pessoa, era bom com todo mundo, você sabe disso mais do que eu, ele era seu melhor amigo, não é possível que alguém lá em cima não tenha percebido isso. Não era pra ser ele, como eu queria estar no lugar dele, ele não merecia... – Minha voz falhou enquanto sentia os braços de Edward me abraçando.

Chorei em seu peito tudo o que havia guardado desde quando descobri que meu marido estava morto, era um choro de liberdade, um choro de luto, um choro que eu prendia ao máximo para ser forte.

Senti as lágrimas de Edward em meus cabelos, ele me entendia melhor do que ninguém, afinal ele estava sentindo o mesmo que eu, talvez pior já que era para nós dois estarmos naquele maldito avião.

Depois de um tempo que julguei como horas, senti suas mãos erguendo o meu rosto, segurando-o enquanto me encarava.

— Nunca mais diga isso Isabella, nunca mais, ouviu bem? Caius não iria gostar de ouvir isso e nem eu aceito ouvir isso de você. Você merece estar viva, você tem que estar viva, Bella. – Ele me encarou sério e eu apenas assenti.

— Nós vamos passar por isso juntos, ok? Eu não vou deixar você sozinha nunca, eu prometi a Caius que iria cuidar de você quando ele entrou naquele avião e no seu último dia de vida também e eu vou manter minha palavra até o fim da minha vida, e até mesmo depois. – Ele disse enquanto me abraçava forte, como se realmente me protegesse.

Naquele momento, senti uma confiança, senti que não estava sozinha. Edward estava ali comigo, conseguiríamos passar por isso como ele disse: juntos.

O que eu não esperava era que junto dessa plena confiança e coragem, viesse também a frieza e a solidão, me transformando em uma nova Isabella.


Essa é uma história que me aventurei em começar. Nunca embarquei no drama e quem me acompanha minhas fics sabe que elas geralmente sempre estão no gênero de humor/romance.

Essa história é um pouco diferente, é algo que passei um tempo planejando até que sentisse que estava boa o suficiente para postar aqui para vocês.

É isso, espero que vocês gostem e comentem o que estão achando, isso é muito importante para mim!