CAPÍTULO VI

— Julguei tê-lo reconhecido — Sir Jeremy prosseguiu, sorrindo para Kol Mikaelson.

— Jeremy, que bom vê-lo. — Kol também sorriu.

Kol estendeu a mão para um cumprimento caloroso, tentando não lembrar a última vez em que ele e aquele homem haviam estado juntos. Havia sido há um ano, antes de seu casamento, em um discreto salão comandado por uma conhecida viúva. A noite de música e jogo terminara na costumeira orgia de embriagados. A divertida recordação do jovem companheiro desfilando nu pelo salão, exibindo apenas a gravata no pescoço, era difícil de esquecer.

Embora Kol odiasse a família Gilbert, nunca odiara Jeremy, eram amigos desde antes de ele conhecer Elena e assim continuaram, mesmo depois do rompimento de relações entre as famílias.

Jeremy nunca fora um exemplo de moralidade. Como se recordasse o mesmo evento, sir Jeremy corou, provocando um olhar curioso de Elena.

— Creio que não nos encontramos há mais de um ano. Como tem passado? Hoje em dia quase não vou a Nova Orleans. Passo todo meu tempo em Denver, ainda mais depois que me casei. — Jeremy disparou constrangido.

Kol inclinou a cabeça, reconhecendo o aviso e a súplica do amigo.

— Nunca estive melhor em minha vida... Mas, onde está sua esposa? Não terei a honra de conhecê-la? — perguntou para acalmá-lo.

Elena agarrou a oportunidade para escapar.

— Por favor, irmão, mostre a Lorde Mikaelson a mesa com a comida e as bebidas. Vou chamar Bonnie!

Elena saiu apressada, encontrou a cunhada com seu pai e pediu que ela fosse até Jeremy. Caroline estava junto a seu pai, também, assim como Stefan, seu cunhado.

— Papai, precisa se agasalhar melhor. Quer voltar a tossir? — Elena perguntou, ajeitando os cobertores que envolviam o corpo magro e frágil.

— Estou com fome. Quero vinho.

Elena respirou fundo. Seu pai estava doente. Desde que fora atacado por um vampiro, que o esfaqueara anos atrás, ele nunca tinha se recuperado totalmente. Agora, sua mente parecia estar afetada.

— Vou buscar seu chá. Fique aqui com Stefan e Caroline. — ela pediu.

— Espere! Quem é aquele? — John Gilbert se exaltou.

Elena não teve de olhar para a porta para saber de quem ele estava falando. Kol Mikaelson estava conversando com Bonnie, sir Jeremy e alguns outros vizinhos que, curiosos, aproximavam-se para conhecê-lo e saber mais sobre seu relacionamento com o finado.

Kol despira o sobretudo e o entregara a um criado da casa, e agora exibia um traje de rara elegância e bom gosto. Sua riqueza era evidente. E enquanto conversava com os integrantes do pequeno grupo, ele a encarava por cima do copo de uísque.

— Quem é aquele? — Seu pai repetiu em voz alta, chamando a atenção de várias pessoas. — Reconheço aquele demônio…

— Papai, por favor! — Elena pediu embaraçada. Ao virar-se, notou que Kol Mikaelson caminhava em sua direção.

Por alguns segundos ele olhou com ar distante para o homem doente. Depois sorriu.

— Olá, Sr. Gilbert! — Kol cumprimentou. John Gilbert encarou-o.

— Você saiu daqui há uns meses, mas já está de volta para comprar minha filha e entregar para aquele monstro do seu irmão! — O homem respondeu, os olhos azuis examinando a figura distinta do visitante.

— Sua memória é impressionante, Sr. Gilbert — Kol Mikaelson respondeu com tom sarcástico.

Elena estudou os dois homens com um misto de surpresa e vergonha.

— Tem razão — seu pai concordou. Em seguida acrescentou com tom conspirador — Ela não acredita em mim. Diz que estou confuso. Mas é bem próprio dela dizer tais coisas… Ser cruel com seu pai e mentir para mim.

— Papai!

— Lembro-me de tê-la ouvido prometer que iria buscar um copo de vinho, mas até agora não bebi nada.

— Eu disse que iria buscar chá, papai, e irei em seguida, ou pedirei a um criado para providenciar sua bebida, se tiver paciência e…

— E onde está Damon? Damon garantiu que hoje eu poderia beber vinho. Onde está meu genro? Ele me trata melhor que minha própria carne. É um verdadeiro amigo, um companheiro de verdade. Certamente me servirá o vinho e alguma comida.

— Qual é o problema agora, John? — indagou uma voz feminina e severa. — De que está se queixando? — Jenna aproximou-se e colocou um copo de vinho na mão do cunhado. — Aqui, beba isto e pare de resmungar. E não beba tudo de uma vez, ou terá um ataque de tosse. Estou muito preocupada com seus pulmões e… — Jenna continuou censurando o irmão, e Elena se afastou.

Os minutos de silêncio haviam sido úteis para que se recompusesse. Felizmente, ninguém parecia ter ouvido as palavras de seu pai. Todos os presentes conversavam e bebiam o vinho servido com generosidade. Apenas Stefan e Caroline observavam de longe. Elena aproveitou para oferecer um discreto pedido de desculpas.

— Sinto muito…

— Preciso ir embora — Kol anunciou.

— Por favor, entenda que ele não quis ofendê-lo. Meu pai não tem culpa de seu estado. Lamento sinceramente se ele causou algum…

— Ele não me incomodou. Mas você tem todo o direito de estar perturbada. Ele é sempre assim?

Humilhada pela demonstração de piedade, Elena assentiu, os olhos marejados.

— Garanto que não estou ofendido, Sra. Salvatore. Minha partida não foi abreviada pelas palavras de seu pai. Preciso mesmo ir embora.

E depressa, ele pensou. Se John Gilbert não tinha qualquer influência sobre sua decisão de deixar aquela casa, Elena era a única responsável por sua pressa. Se ficasse, acabaria cedendo à tentação de dizer ou fazer algo de que mais tarde se arrependeria. A urgência de tocá-la era um tormento.

Kol reconhecia a luxúria e a aceitava sem pudores; o que o preocupava era a possibilidade de um compromisso emocional. Há muito tempo não experimentava tal temor, não se apaixonava por uma mulher, e a possibilidade de ser novamente envolvido por uma mulher era tão remota, que sentia vontade de rir. Mas com Elena era diferente.

Olhando para Elena, ele pensou que se o pai a tratava mal, não era de sua conta. Se estava viúva, não havia nada que pudesse fazer. Aquele não era o momento para tirar proveito do destino. Oferecer-se a uma mulher que havia acabado de enterrar o marido estava além até mesmo de sua sensibilidade amoral. Por isso iria embora; iria para uma boa taverna e teria uma boa noite de diversão sem complicações. Porque era bom nisso. E no dia seguinte, quando voltasse à Nova Orleans e para sua vida de luxo e devassidão, teria tempo de sobra para censurar-se pela idiotice de ter ido até Mystic Falls. Viajara muitos quilômetros para testemunhar o enterro de um vampiro que era um desafeto… Devia estar maluco!

Kol olhou para o homem que um dia havia odiado e não sentiu nada. Mas não devia olhar para a filha desse mesmo homem, porque não seria capaz de fingir a mesma apatia.

— Pedirei seu sobretudo a um dos criados — Elena informou com tom polido, ignorando o sentimento de mágoa causado por sua insistência em partir!

Tensa, afastou-se para encontrar Matt, sendo interceptada por Stefan.

— Elena, está tudo bem?

— Sim. Tudo bem.

— Aquele é...

— Kol Mikaelson, sim.

— O que ele faz aqui, você sabe que é perigoso!?

— Foi um pedido de Damon. Eu não queria, mas seu irmão me fez prometer que o informaria do velório. Mas não se preocupe, ele já está de saída.

Elena livrou-se de Stefan e partiu em direção ao criado, que passava próximo a eles.

— Matt, Lorde Mikaelson está partindo. Vá buscar seu sobretudo, por favor…

— Vou buscar o sobretudo, senhora.

Elena respirou fundo e recompôs-se antes de voltar à sala. Não devia pensar em nada, ou não suportaria chegar ao fim do dia. Estava exausta, triste e desolada, mas tinha de cumprir com suas obrigações. Estava preocupara com seu futuro, agora que não teria mais Damon. Além da ameaça a sua vida, vinda de Klaus, tinha que lidar com as questões financeiras.

Ao entrar na sala, Elena notou, aliviada, que Jeremy acompanhava Kol Mikaelson até o hall. Entretanto, Jeremy e Kol pararam um instante, e vendo-a, se aproximaram. Lorde Mikaelson queria despedir-se.

— Obrigado por ter vindo, Lorde, Damon teria ficado feliz se pudesse vê-lo aqui. Espero que tenha uma boa viagem de volta.

— Receio ter cometido um deslize, Sra. Salvatore. Ainda não ofereci as minhas condolências. Ele era um bom marido?

— O melhor que já existiu.

Kol não respondeu. Em vez disso, estendeu a mão para um cumprimento breve e sorriu, o rosto contorcido numa expressão sarcástica.