Esclarecimento: Só reiterando que esta história não me pertence, ela é uma adaptação do livro de mesmo nome, de Merline Lovelace, que foi publicado na série de romances "Clássicos Históricos Especial", da editora Nova Cultural.
Capítulo 13
- Como vão me matar ? - Katniss fitou o tenente, voltando as costas para a pequena janela com barras de ferro que era seu único contato com o mundo exterior nos últimos quatro dias - Diga-me, Finnick - insistiu, sem piscar - Prefiro saber de uma vez do que ficar me preocupando.
O rosto dele escureceu, de fúria contida, e fechou os punhos, na tentativa de sufocar a revolta impotente.
- Vão levá-la para a praça e deixar que a multidão a apedreje. Os pederastas covardes não têm coragem de fazer tudo eles mesmos, de forma limpa e digna.
Com a garganta apertada, Katniss assentiu, engoliu a bile que lhe amargou a boca e conseguiu indagar:
- Quando ?
Ele passou a mão pelos cabelos castanhos, evitando os olhos dela.
- Amanhã ou depois. Tive de gastar uma verdadeira fortuna, mas consegui convencê-los a esperar a volta de Péricles. Quem sabe ele consegue demovê-los. Esperamos que chegue esta noite ou, no máximo, amanhã.
- E Peeta ?
- Não temos notícias dele - Finnick balançou desanimadamente a cabeça.
Ela fez um breve aceno de assentimento, com o rosto muito sério, pálido, e o tenente deu um passo à frente. Estendeu-lhe as mãos, em seguida deixou-as cair ao longo do corpo. Sentia-se muito desconfortável com a mudança de papel, e Katniss sabia disso. Depois de desconfiar e antipatizar com ela por tanto tempo, via-se forçado pelas circunstâncias a tornar-se seu protetor.
Era a única pessoa no mundo que se interpunha entre ela e o veredicto do Conselho. Sem jeito, procurou palavras para animá-la.
- Não abandone as esperanças ainda, senhora Katniss. Mandei Thresh no barco mais veloz que pude alugar. Ele vai encontrar o capitão e o trará para cá. Eu mesmo teria ido, não fosse a senhora Cassandra me convencer de que eu seria mais útil aqui.
Controlando o pânico que ameaçava tomar conta dela, Katniss ergueu a cabeça.
- Agradeço o que fez, tenente. Se... se eles vierem me buscar antes de Péricles voltar, ou Peeta, quero que saiba o quanto lhe sou grata.
- Faço isso pelo capitão - disse ele - Ele é meu amigo e meu superior...
- Sim...
Finnick hesitou, procurando o que dizer e nada encontrando.
Sem a facilidade que Peeta tinha com as palavras, lutou para descobrir algum modo de abrandar o medo que ela sentia e angustiou-se por não saber o que fazer. Em meio ao próprio desespero, Katniss percebeu o que o atormentava e encontrou forças para tentar diminuir a aflição dele. Colocou a mão, de leve, no braço do tenente e sorriu com suavidade:
- Você fez tudo que a amizade e a honra exigem... e ainda mais.
A grande mão bronzeada cobriu a dela e ficaram imóveis por um longo e silencioso momento. Por fim, Finnick também sorriu:
- Espero que o capitão aprecie meus esforços quando voltar para casa e descobrir que seus baús de dinheiro estão vazios por causa do que tive de pagar aos idiotas do Conselho... - tentou brincar - Então, talvez você não me agradeça, quando ele ficar furioso e exigir que o dinheiro seja devolvido.
Katniss ficou rígida; sabia que o jovem soldado não pretendia insultá-la, mas a magoara mesmo assim.
- Ah, amaldiçoada seja a minha língua incompetente ! - praguejou ele, percebendo o que fizera - Não quis dizer que Peeta vai querer ser pago com... hum... que ele vai esperar que se deite com ele em retribuição ao...
Katniss retirou a mão do braço dele e teve que fazer um enorme esforço para livrar a voz da amargura que sentia:
- Não precisa ficar nervoso, acalme-se... meu próprio tio me chamou de puta quando recusou a oferta do Conselho de trocar minha vida pela imediata retirada de suas tropas. E ele está certo. Entreguei-me ao inimigo, agora devo pagar o preço.
- Peeta não é seu inimigo.
- É inimigo da minha cidade, o que é a mesma coisa.
- Senhora Katniss, escute-me - implorou Finnick - Não sou hábil na arte de lidar com palavras, menos ainda em debates políticos. Conheço pouquíssimo sobre a sensibilidade das mulheres, como Annie me faz lembrar três vezes por dia. Mas sei como um homem pode se sentir e lhe digo que Peeta gosta muito da senhora.
Katniss ergueu os olhos, uma esperança dolorosa consumindo seu coração. Talvez sua morte não fosse tão vil se morresse com o pensamento de que Peeta tinha por ela ao menos um pouquinho do amor que sentia por ele.
- Eu sei que ele tem desejo por mim - disse, com tristeza - E que não se conforma em ficar sem o prêmio de campanha que significo. Mas ele disse algo sobre... sobre outros sentimentos a meu respeito ?
- Não - admitiu Finnick - Mas não precisava dizer, senhora Katniss. Eu pude ver isso no modo como ele a olha.
A esperança cresceu e desta vez o sorriso dela foi menos triste.
- Eu gostaria de acreditar nisso, mas acho que, se fosse verdade, uma pessoa tão capaz como Peeta encontraria um modo de expressar o que tem no coração.
Finnick se preparou para negar tal afirmação, mas Katniss ergueu a mão, impedindo-o de falar.
- Não, isso não importa. Eu escolhi o caminho que estou trilhando, ninguém mais é responsável. Diga-me, como estão a senhora Cassandra e Valerie ?
- Estão bem. A senhora Cassandra lhe enviou mais comida e roupas limpas.
Ele indicou as cestas no chão da cela e Katniss assentiu, agradecendo. Não era maltratada na prisão. Os guardas não abusavam dela e a senhora Cassandra mandava, por intermédio de Finnick, muita comida, roupas e recados pedindo-lhe para que fosse corajosa e não perdesse a esperança. Valerie lhe mandara sua boneca favorita, com a qual Katniss dormia abraçada todas as noites.
Fora levada diante do Conselho duas vezes nos últimos quatro dias. Uma, para ouvir a proclamação formal que iam enviar a seu tio, acampado do lado de fora dos muros de Atenas, e outra para que ouvisse a resposta que ele mandara. Ficava trêmula e lívida de ódio, ainda agora, ao lembrar da resposta seca, dizendo que ele não se importava com o destino de uma puta que se deitava com atenienses. Esperava que ele a renegasse, mas não daquele modo que acabava com qualquer dignidade que pudesse ter diante do inimigo.
- Preciso ir.
A voz brusca de Finnick desviou os pensamentos dela do tio e obrigou-a a encarar a realidade de mais um dia longo e solitário, assombrado por seus medos e apenas com as lembranças de Peeta para sustentá-la.
Ele devia ter percebido que ela tremia, porque dessa vez aproximou-se e pegou-lhe as mãos.
- Se houver algo que eu possa fazer, saiba que farei. E não é só por causa do capitão - declarou, emocionado - Minha esposa chora e arranca os cabelos, desesperada por sua ausência, minha mãe-no-casamento também não está muito melhor. E eu... eu não quero que você sofra, Katniss. Você tem um coração de guerreiro dentro desse delicado corpo de mulher.
Seus olhos permaneceram na porta da cela muito depois de Finnick ter saído. As palavras dele ecoavam em sua mente e reforçavam a coragem que ameaçava fraquejar. Por que se tornara tão fraca, tão sem fibra ? Como permitira que aqueles hesitantes homens velhos que constituíam o Conselho de Atenas a assustassem ? Ela era de Esparta, tão dura quanto qualquer um dos guerreiros acampados naquele momento fora dos muros da cidade. Se tinha de morrer, faria isso de uma forma que os atenienses recordariam por muito tempo, prometeu a si mesma. Passou a andar na pequena cela, enquanto formulava planos.
Lançou uma praga sobre os membros do Conselho e seus herdeiros, de forma a eliminar a continuidade da linhagem deles por toda a eternidade.
Imaginou apoderar-se da espada de um dos guardas, quando estivessem a caminho para a ágora, onde seria apedrejada, e levar consigo tantos atenienses quantos pudesse. A cada esquema que imaginava e descartava, seu espírito ia se recompondo e recuperando a firmeza. À medida que a energia retornava, andava mais depressa pela cela e quando a porta foi aberta mais tarde, naquela noite, Katniss saltou de frente para ela, o sangue agitando-se nas veias e os olhos cinza iluminados pela perspectiva da batalha.
O homem que entrou piscou duas vezes ao encará-la e deu um passo involuntário para trás.
- Quem é você e o que deseja ? - exclamou ela.
Avaliou rapidamente as roupas dele, de viagem e sujas, à procura de armas. Para seu desgosto, viu que ele não trazia espada em meio às túnicas, que se percebia serem ricas, apesar de amarrotadas pelo longo uso. Não tinha sequer uma adaga, pelo que pôde perceber. Fechou os punhos com força, frustrada. Outra pessoa entrou em seguida na pequena cela. Para sua surpresa, Katniss reconheceu Aspásia.
- Este é Péricles - esclareceu a cortesã - Ele veio falar com você, assim como eu e a senhora Cassandra - acrescentou e deu um passo para o lado, indicando outra pessoa mais atrás.
- Senhora Cassandra ! - espantou-se Katniss - Como veio até aqui ?
- Vim com Aspásia - disse a aristocrata ateniense, removendo o véu que lhe cobria o rosto - Finnick está me esperando lá fora.
Katniss sentiu um nó de emoção formar-se na garganta.
- Fico feliz por poder vê-las outra vez antes de morrer - falava com dificuldade - Quero lhes agradecer por... por terem aberto suas casas para uma estrangeira. E principalmente à senhora Cassandra, por ter me permitido ser amiga de Annie e de Valerie.
- Não fale em morte - pediu a majestosa dama, os olhos cheios de um fogo azul que lembrava os de seu filho - Você não vai morrer, não se eu tiver alguma autoridade nesta questão.
- Mas a senhora não tem autoridade alguma na questão - disse Katniss com gentileza - A sentença foi proclamada, mas eu lhes garanto que o modo da execução vai ser surpresa para muita gente.
Aspásia avançou, os lábios carnudos entreabertos num sorriso luminoso:
- Acha que nós, mulheres, concordamos tão facilmente assim com as tentativas vãs dos homens de dirigir nossos destinos ? Não, minha cara !
Assentindo, ela retribuiu o sorriso e declarou:
- Homem nenhum irá decidir meu destino. Pelo menos, não completamente. Só preciso me apoderar de uma espada quando vierem me buscar e farei meu próprio destino. O homem que for idiota o suficiente para encostar um dedo em mim não viverá o suficiente para lamentar ter feito isso.
- Talvez tanto heroísmo não seja necessário - disse Aspásia, com um sinal quase imperceptível para Cassandra - Esta senhora imaginou um plano muito engenhoso.
Ao fitar a matrona ateniense, havia profunda gratidão nos olhos de Katniss. A surpresa e a humildade misturaram-se no outro sentimento em seu peito: a mesma mulher de quem invadira a casa, incitando a filha à rebelião e dormindo vergonhosamente com o filho, arriscava sua reputação indo abertamente à casa de uma cortesã e ao presídio, na tentativa de lhe prestar ajuda !
- Não se envolvam nisso - pediu às duas mulheres - É muito perigoso. Deixem que eu cuido de tudo sozinha.
Com uma risada, Péricles aproximou-se:
- Se vocês três já terminaram de arrasar as criaturas fracas e ignorantes que são os homens, sugiro que discutamos a questão. Não temos muito tempo.
Katniss olhou para o imponente estadista com certa suspeita e muita admiração. O nome desse homem excepcional gerava respeito até mesmo em Esparta, mesmo isolada do resto do mundo como era. Fora a mão dele que dera forma ao império de Atenas, controlando suas poderosas trirremes. Fora sua mente que concebera os belos prédios públicos que enfeitavam Atenas e sua determinação é que fizera com que fossem construídos. Caindo em si, Katniss tratou de lembrar a si mesma que ele era, afinal de contas, o inimigo, e endireitou os ombros.
- Por que você veio aqui ? - perguntou, fria.
- Porque não quero vê-la morrer.
- Por que não ? Por que tanta preocupação com o destino de uma espartana ?
Ele ergueu as sobrancelhas, como se não estivesse acostumado a tal beligerância em ninguém, muito menos numa mulher.
- Preocupo-me com minha cidade - respondeu Péricles, afinal, com um meio sorriso - Pelo que seu tio disse, ficou evidente que ele não se importa com o que lhe acontecer e que vai usar sua morte para levar os guerreiros e os aliados à fúria.
Fazendo uma pausa, ele passou os dedos pela barba grisalha e respirou fundo.
- Escute-me, mulher - prosseguiu, então - Eu estava em Corinto quando recebi a notícia de que seu tio marchava para Atenas. Antes de sair da cidade, vi o modo confuso como os coríntios lançaram seus barcos na água. Eles queriam a guerra, mas ainda não estavam prontos; sabem que o inverno se aproxima e vai pegá-los no mar, mal equipados e sem suprimentos. Vão recuar depois de uma fraca investida, estou certo disso, a menos que algo ateie o fogo do ódio em seus espíritos - ele a fitou nos olhos, com tranqüila segurança, e como Katniss nada dissesse, continuou: - Com a morte de uma frágil espartana nas mãos dos atenienses, ainda mais covardemente apedrejada, os aliados de Naxos serão motivados a matar e morrer. Os tolos do Conselho agiram exatamente como seu tio queria: ele sabe muito bem que sua morte indigna vai enfurecer os soldados na medida que precisa.
A idéia de que o tio poderia estar planejando friamente usar sua morte deixou Katniss nauseada. O desespero contorceu-lhe o estômago, mas ela ignorou-o e ergueu o queixo:
- Estou longe de ser uma "frágil espartana".
- Sim, posso ver isso... - começou o estadista em tom seco e calou-se ao perceber ruído de passos que se aproximavam - Grande Zeus, eles estão vindo ! - exclamou e voltou-se apressado para ela - Fale apenas quando lhe perguntarem qualquer coisa e siga nossa orientação em tudo o que dissermos. Muitas vidas, inclusive a sua, dependerão dos próximos momentos.
Katniss ficou rígida pela tensão quando os homens chegaram à porta da cela. Eram três anciãos do Conselho e dois guardas.
Olharam-na com suspeita, então de súbito perceberam a presença de Aspásia e da senhora Cassandra.
- O que é isso, Péricles ? - perguntou o soldado de rosto vermelho e barriga redonda, depois de se recobrar da surpresa.
- Por que nos chamou ? E o que estas mulheres estão fazendo aqui ?
- Chamei-os para garantir que vocês, que juraram seguir as leis de Atenas, não se atrevam a ir contra elas.
Era impressionante ver e ouvir Péricles, e Katniss ficou fascinada. Deixando de ser um homem velho e cansado, ele tornou-se a lenda de que ouvira falar. Com uma parte do manto dobrado num braço e os ombros retos, ele dominava a pequena cela:
- Estas mulheres estão aqui para levar a senhora Katniss de volta à casa dela, de onde não tinham o direito de removê-la - acrescentou, com sua voz rica e sonora.
- Não tínhamos o direito ? Que besteira é essa ?
Katniss reconheceu o homem que desafiava Péricles. Era o arconte que lera sua sentença, sem olhar para ela ao fazê-lo.
- A espartana deve morrer - tomou a falar o mesmo velho do Conselho, vendo que ninguém dizia nada - Quando o tio dela rompeu o tratado entre Atenas e Esparta, selou o seu destino.
A barba longa de Péricles apontou para a frente quando ele ergueu o queixo, autoritário:
- Vocês não podem executar esta mulher - afirmou, com estranha tranqüilidade - Não têm autoridade sobre ela.
- O quê ? É claro que temos ! É uma espartana, uma refém.
- Ela é espartana, mas não é refém. Ela é esposa de Peeta, filho de Igor. Por nossas leis, a autoridade de vocês só vale sobre ele, não sobre ela.
- Pela barba de... - começou o arconte que discutira com Péricles.
- Como isto foi ocorrer ? - interrompeu-o o outro.
- Por que ninguém nos contou ? - reclamou o terceiro.
Ela mal ouvia as exclamações dos arcontes. Erguendo o rosto, fitou a senhora Cassandra, viu a mensagem urgente nos olhos firmes, muito azuis, da nobre e não reagiu, a não ser por um quase imperceptível tremor de pálpebras.
O arconte mais velho conteve as exclamações com um movimento da mão:
- Por que não fomos informados desse casamento ? Por que Finnick não o mencionou quando foi implorar em nome desta mulher ?
A senhora Cassandra avançou, com a dignidade da aristocracia ateniense irradiando de cada centímetro de seu ser.
- Porque ele não sabia. Ele estava fora, em viagem de casamento, quando meu filho reclamou esta mulher por esposa.
Os olhos do arconte se estreitaram, astuciosos:
- Perdoe-me, senhora Cassandra, mas acho difícil acreditar que seu filho iria se casar com... com esta espartana sem dizer nada a ninguém.
Uma das sobrancelhas loiras, bem feitas, ergueu-se com desdém.
- Duvida de minha palavra ? - na voz da senhora vibrava uma sutil ameaça.
Uma expressão de desconforto surgiu no rosto do homem e ele olhou para os outros dois arcontes; um deles, gordo, de aspecto paternal, adiantou-se em seu socorro.
- Graciosa senhora, passei muitas horas em sua casa, me deliciando com sua insuperável e renomada hospitalidade. Seu marido era meu amigo e tenho seu filho como tal, sem nenhuma dúvida. Por que Peeta não me convidou, e aos outros, para a celebração de seu casamento ?
- Você iria celebrar, se fosse obrigado a tomar uma estrangeira como esposa ? - a amargura vibrava em cada palavra pronunciada pela senhora Cassandra - Iria celebrar se a criança que ela carrega no ventre nunca pudesse ter seu nome, nem ser cidadã da sua terra ?
Chocados, os homens olharam ao mesmo tempo para Katniss. Quando os olhares deslizaram para seu ventre, o desprezo evidente nos rostos curiosos espicaçaram-lhe o indomável orgulho.
Não iria encontrar os deuses do submundo nas asas de tal mentira !, decidiu no mesmo instante. Podia renunciar à sua honra por Peeta, mas não iria rastejar no chão diante daquelas ridículas e lamentáveis caricaturas de homens.
- Não estou grávida nem me casei com Peeta ! - declarou, em alto e bom som.
A senhora Cassandra se aproximou dela, insinuante:
- Pequena levada ! Deitou com ele todas as noites, não foi ?
Katniss apertou os lábios e fixou os olhos no chão.
- Não foi ? - insistiu a ateniense - Responda, criança !
- Sim, deitei com ele. Mas...
- E quando ele partiu, agarrou-se nele, diante de todos que estavam no pátio ! Não é verdade ?
- Sim, mas...
- O que meu filho poderia fazer ? O que faria qualquer homem, envergonhado diante de todos da sua casa ? Ele a beijou e a reclamou como sua. Publicamente ! Não foi ? Não é verdade ?
Katniss estendeu a mão num gesto desesperado para a senhora Cassandra:
- Não posso fazer isso ! - pela primeira vez, sua voz implorava - Não posso destruir minha honra fingindo que havia alguma intenção de casamento no que Peeta me disse naquele momento, no que houve entre nós...
Péricles interferiu, então:
- Quer tenha ou não havido intenção, Peeta se casou com você. Ele a proclamou como dele diante de testemunhas, diante da própria mãe. Nossas leis são simples e diretas.
- Pensem no que estão fazendo ! - pediu Katniss, desesperada - Você mesmo não se casa com Aspásia porque ela não é ateniense, e apesar disso está ligando Peeta a uma estrangeira, alguém que impedirá que os filhos dele tenham os direitos de cidadãos ! E está me unindo ao inimigo !
- Acha que não sinto dor ao ver um homem que considero como filho cometer erro tão desastroso ? - indagou o estadista, em tom retumbante - Pensa que a mãe dele não ficou o tempo todo combatendo a própria relutância em dizer a verdade nestes últimos dias ? Não acha que estes homens honrados vão admoestar Peeta pela luxúria sem controle que o levou a esta deplorável situação ?
Ele fez um gesto imperioso para os arcontes. As cabeças deles se moveram aprovando as severas palavras dele, e Péricles dirigiu para Katniss um sorriso oculto e triunfante. O hábil orador fizera os arcontes concordarem, sem que eles tivessem idéia de por que o faziam.
Katniss desistiu de continuar se opondo.
Péricles deu uma risadinha quando ele e Finnick escoltaram as mulheres escada acima, para fora do presídio, sob o céu estrelado. Uma escolta armada os esperava, assim como duas liteiras fechadas, o transporte das mulheres até suas casas. O tenente ajudou cortesmente a senhora Cassandra a se acomodar numa das liteiras, então esperou por Katniss, que se despedia do estadista e de sua cortesã.
Aspásia encontrava-se ao lado de Péricles, o braço passado pelo dele, o rosto suave e belo à luz do luar. Sua risada calorosa e baixa vibrou no ar cálido da noite.
- Foi maravilhoso, senhora Katniss ! Eu não estava certa de que conseguiríamos, mesmo com Péricles do nosso lado, mas sua representação de relutância em admitir o casamento convenceu os tolos que não podiam fazer mais nada.
Ela respirou fundo, antes de corrigir:
- Eu não estava representando. Não admito mesmo este casamento, assim como Peeta não o admitirá ao retornar.
- Oh, ele vai admitir, sim - disse Péricles - Ele terá que fazê-lo. Foi uma cerimônia legal.
- Pelas suas leis pode ser - Katniss ergueu o queixo - , mas não pelas minhas.
Péricles voltou-se para a amante, a exasperação nada profissional num estadista transformando seus lábios numa linha fina:
- Ela é sempre assim cabeça-dura e falastrona?
Diante do assentimento silencioso de Aspásia, ele voltou-se novamente para Katniss:
- Você está casada com ele, mulher, quer queira, quer não queira. E é melhor usar o tempo que lhe resta até ele voltar para se acostumar com esse fato.
OBS: Eu nunca tinha ouvido falar no termo "mãe-no-casamento", e foi a primeira vez que vi esse termo. Desconfio que talvez fosse o equivalente a sogra, na Grécia Antiga, mas não sei se é isso mesmo.
P. S.: Nos vemos no Capítulo 14.
