Exatamente 4/11/2023. Sete anos depois da publicação original, aqui estamos! Apesar de não jogar mais Smite (não por vontade própria...), esse shipp sempre estará no meu coraçãozinho. Feliz aniversário, nenês!

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Acordei com o aroma mais agradável que senti em décadas; o aroma do seu corpo agarrado aos meus lençóis. Não acreditei quando o vi ali, naquele horário — já passava das dez da manhã. Com que propósito ele demoraria tanto para retornar ao próprio panteão? Talvez implicar com os irmãos, algo plausível.

De súbito, lembrei da declaração. Do corpo imóvel que permanecia agarrado a mim, protestando algumas horas antes exigindo atenção e ameaçando ir embora. Fiz esforço para levantar sem acordar meu tirano em vão, porém rapidamente percebi seu olhar sonolento que parecia me julgar. Desisti e o acariciei, tentando domar a fera que poderia me devorar a qualquer momento — no mau sentido.

— Bom dia. — Sorri mantendo a calma e o carinho que fazia em seu rosto. Para minha surpresa, ele sorriu e retribuiu o sincero bom dia. Me beijou e encostou a cabeça em meu ombro, fechando os olhos com um sorriso adorável.

— Não vai levantar? Temos trabalho a fazer.

O preguiçoso deus japonês resmungou e virou as costas para mim, puxando o cobertor que lhe dei durante a madrugada. Não parecia sentir frio, mas parecia desconfortável.

— Não, não temos. Hoje é... A celebração de acordo.

Sorri de forma breve. Vê-lo passear pelo acampamento com seu rosto sonolento e falta de interesse me animava de uma forma que nem eu mesmo conseguia compreender.

A celebração era uma famosa festa produzida pelos líderes de cada panteão para comemorar o acordo de paz feito entre todos nós. Eu fui designado como responsável de meu panteão, já que os outros detestavam a ideia de negociar com deuses tão longínquos — menos ainda com meros nascidos mortais.

Susano não era o responsável do seu, longe disso. Na verdade, ele era um dos que votavam a favor da guerra, mas logo que perdeu alguns servos queridos… Mudou drasticamente de opinião. Para ele, o evento tão esperado por divindades, servos e outros grupos presentes naquele acampamento possuía o gosto amargo de decisões ruins do passado.

Ao menos conferir a decoração — abracei seu corpo morno e caloroso. Ele decidiu beijar minhas mãos que lhe acariciavam o pescoço firme.

— Prefiro ficar assim o dia inteiro. Não posso?

Ele girou o corpo e me olhou gentilmente, mas não cedi. Permaneci com a expressão séria.

Susano poderia ser conhecido dentre seus companheiros japoneses como irresponsável, mimado, ou até birrento por insistir em não se preocupar tanto com responsabilidades como liderar o próprio panteão. Visto como o oposto de sua irmã sempre tão virtuosa, ele estava mais do que acostumado a simplesmente não aparecer em eventos oficiais.

O que pouquíssimas divindades e servos sabem, é que seu desconforto em público e sua culpa dilacerante que lhe ocupa a mente o impedem de sentir-se confortável em tal situação. Uma simples menção da guerra é capaz de o deprimir por horas; uma interação demorada pode deixá-lo de mau humor por muitos dias.

Guiando seu rosto por minhas marcas de guerra, ele me fez carinho entre meu pescoço e meu rosto — provocando várias vezes antes de me dar um beijo.

— Não posso deixar meu ouji-sama aproveitar o dia sem mim. Eu sou ciumento, sabe.

Ele sorriu. Em um cenário anterior, Susano simplesmente me ignoraria e voltaria a dormir.

Algumas mordidas depois, consegui tirá-lo da cama. Ele se vestiu da melhor maneira possível. Elogiei seu cabelo algumas vezes e o vi se vangloriar sobre ser desejável.

Estávamos saindo quando jovens aprendizes me abordaram. Amaterasu observava ao longe, o que me trouxe à mente a cena da noite anterior: as jovens que me circundavam eram as mesmas que mandavam gritinhos de incentivo enquanto sua mestra me abençoava em minha relação com o irmão da deusa solar. Ele já tinha se afastado quando o procurei com o olhar, mas logo voltou para dispersar as jovens que só queriam perguntar se tivemos uma boa noite. Percebi a agitação por todos os lados; terei de admitir que observar as animadas jovens entusiasmadas sobre nosso relacionamento era algo bem reconfortante de se ter ao nosso lado.

Ao se aproximar do local de apresentações ao lado dele, pude observar divindades maias que pareciam vibrar durante as danças tradicionais; novas divindades se juntavam ao panteão com suas vestes penosas e exuberantes. Algumas divindades gregas conversavam sobre a virilidade de seu senhor, enquanto os nórdicos julgavam a manhã ensolarada. A brisa fria me recordou a noite chuvosa que abrigou nossos tratados de paz.

Em uma distante lembrança, recordei a sensação de perceber que meus servos mais fiéis estavam mortos, meus generais sem condições de seguir em frente. Nenhum de nós pensávamos em desistir até o momento, afinal...

Hoje vejo que o esforço pode ter valido a pena.

Guiei meu amado pelo punho e o conduzi até nossa árvore, que fora enfeitada pelos servos e aprendizes de todos os panteões. De lá, tínhamos uma boa visão de tudo o que estava prestes a acontecer. Ele sentou-se confortavelmente ao meu lado, depois de cogitar por alguns segundos se deveria se aconchegar no espaço entre minhas pernas.

Minha aprendiz mais jovem chamou minha atenção enquanto andava por todos os lados entre os mais velhos. Parecia confusa, mesmo para uma menina de cinco anos — e meio.

Não demorou muito para me achar; veio até mim correndo fazendo gestos com os braços. Susano parecia confuso, me encarou enquanto eu a embalava e brincava com seu cabelo.

Ela era uma órfã — não de guerra, mas da doença. Seus pais eram pobres, mas fiéis. Temendo a morte, me confiaram sua filha única. E como tal, era mimada por todos os outros aprendizes.

Ignorando totalmente Susano, ela sentou entre minhas pernas e se preparou para ver as apresentações. Notei o olhar de desprezo dele, então sussurrei em seu ouvido:

— Só essa apresentação, está bem? — e segurando meu nervosismo, continuei — Err… Então mocinha, este é o Susano. Vamos, cumprimente-o.

Ao contrário de mim, meu amado jamais teve disposição ou talento para lidar com infantes. Por isso, jamais poupava utilizar seu vocabulário usual e quase sempre agia de forma tão imatura quanto eles.

— Essa pirralha já sabe falar?

Até que eu gosto desse lado impulsivo de Susano… Mas por vezes, preferiria ler sua mente para ser capaz de preparar o terreno.

Ela apontou o indicador para ele e falou em alto e bom som:

— Já tenho cinco anos, viu? E meio!

Cenário melhor não existia: o príncipe japonês encontrara uma oponente à altura. Ele sorriu ironicamente e apontou seu longo indicador de volta para a criança em sua frente:

— Não parece ter mais de dois. Desse jeito, vai virar uma mulher horrenda.

Tive alguns segundos para reagir ao debate que se estabelecia.

— Tudo bem, já chega vocês dois.

Com grande espanto, minha pequena aprendiz rapidamente se aproximou de mim e choramingou ao segurar firme em minha calça.

— Ah é? M-mestre, ele disse que vou virar uma mulher... O que é "horrenta"?

Sem hesitar, Susano apoiou o braço em minha perna e respondeu firmemente.

— HorrenDA. Feia.

Apesar de estar mais do que acostumado com as ações nada normativas do homem ao meu lado, não pude acreditar na última frase proferida por ele. Não permiti que meu corpo transparecesse minha admiração por aquele simples diálogo estar acontecendo, estaria ele também interessado em novos tipos de interações?

Em apenas alguns minutos, eles já estavam se dando bem — o que era raro para as duas partes incluídas na situação.

Ambos começaram a falar coisas inaudíveis e desconexas ao mesmo tempo. Era difícil distinguir as vozes depois de certo período, quando uma frase da pequena aprendiz me chamou atenção.

— Mestre, não gostei desse namorado. Escolha outro.

Nos entreolhamos. Ele sorriu para ela, suspirou e depois de algum tempo, puxou seu pequeno nariz.

— Você sabia que isso é segredo, mocinha?

— Não quero saber. Não gostei de você. Você não me dá doces.

— O quê?

— O mestre disse que você me daria doces.

Nada surpreso, fixei meu olhar ao chão e em poucos segundos no rosto dela enquanto tentava segurar o sorriso.

— Eu disse, na verdade, que você era uma pessoa doce.

— Viu?

Ela levantou quando algumas colegas chamaram seu nome e foi ao encontro delas, não antes de Susano a chamar de forma mais gentil.

— Mocinha... Como soube que estamos namorando?

Ela interrompeu o andar, arqueando as finas sobrancelhas e respondeu sinceramente:

— Eu sou frágil, mas não sou cega.

E saiu correndo, da mesma forma que veio até nós.

Ele fitou a imagem da garotinha com mente de mulher enquanto a apresentação da turma de jovens começava. Quando se dirigiu a mim novamente, usou poucas palavras.

— "Frágil"?

— Ela tem problemas respiratórios, dificuldade para se alimentar e é alérgica a quase todos os tipos de remédios industrializados. Precisei mudar muitos dos meus atos para deixá-la viver.

— Não podia deixar sua guarda com uma serva, só pra ela?

— …Eles me fizeram prometer que cuidaria dela.

A serpente emplumada observava o movimento dos quadris joviais, enquanto suspirava de orgulho. Ao término, aplaudiu com tanto fervor que Susano sentiu seu cabelo fazer-lhe cócegas em suas costas. Sorriu enquanto me perguntava que divindade era responsável pela brisa que lhe acariciara anteriormente.

Me levantei para cumprimentar alguns companheiros de batalha, já que a sonolenta divindade que esquentava minha cama rejeitara minha oferta de passeio, quando fui abordado por um deus tão rancoroso quanto meu amado, mas tão sensível quanto minhas aprendizes — sentimentalmente, claro. Ele poderia destruir uma civilização inteira apenas com sua força física.

Naquele tempo eu não sabia, mas ambos — Susano e Chaac — já haviam tido um relacionamento "amoroso". Durou pouco, mas foi tempestuoso do começo ao fim.

Esse fato me anestesiou por alguns meses e me fez tratar os dois de forma indiferente, pois já estava apaixonado e não saberia o que fazer caso os dois reatassem. Durante o breve relacionamento entre eles, o fato de ambos serem impacientes dificultou um pouco o processo… Por isso conseguiam discutir por praticamente qualquer coisa. De qualquer forma, no fim, o desejo falava mais alto.

— General!

Sua voz era grave e firme, chamava atenção facilmente. Não era novidade para os ali presentes que os líderes de panteões ao decorrer dos eras tinham sido moldados para que tivessem um bom convívio entre si. Chaac era um dos poucos que pude criar um laço verdadeiro, e nossa amizade mesmo que distante por grande parte do tempo, nunca fora abalada. Gostaria de mantê-la exatamente como estava, então não me era esforço algum ser gentil com aquele que se apoximava.

— Grande amigo! Já estava pensando que não me cumprimentaria, quanto tempo se passou?

Me curvei em respeito, mas fui correspondido com um forte abraço caloroso. A espantosa gargalhada de Chaac me deixava confortável e acolhido, pois por anos ele foi meu único e verdadeiro amigo. Ele parecia imponente, talvez um pouco mais musculoso. Falava sem parar de gesticular, pois percebeu minha falta de atenção durante nossa breve conversa. Estava procurando Susano com o olhar quando Chaac me deu um tapa no ombro.

— Ei, o que há com você? O que aconteceu para estar tão distante?

— Sim? Ah... Desculpe, Chaac. Pode prosseguir.

Ele me analisou por um instante com uma expressão curiosa até que sorriu, seguindo meus olhos.

— Ei, espera aí. Seus olhos estão brilhando, general!

Retribuí seu sorriso, um pouco envergonhado.

— Claro que não, amigo. Impressão sua.

Acho que não o convenci. Sua expressão continuava a mesma. Na verdade, ele parecia ainda mais instigado a descobrir a verdade. Passaram-se alguns segundos até que obtive uma resposta.

— Não sei não, amigo. Tive muito tempo para observar sua postura e seus traços. E acho que a causa de tal nervosismo se dá pela existência de um certo espadachim carrancudo.

Ele sorriu, de forma nada discreta.

— Mas não tem problema... Quando estiver preparado para se abrir, quero ser o primeiro a saber como alguém finalmente fez seu coração derreter dessa forma.

Poderia simplesmente desaparecer daquele cenário. Descontrolado era exatamente como me sentia enquanto o observava se afastar para conversar com algumas servas após dar-me algumas tapinhas nas costas. Não compreendi minha hesitação em me abrir com Chaac, afinal estava tudo claro para ele e ainda mais para mim mesmo… Talvez, eu tenha superado a ardente paixão entre ele e meu amado como ainda acredito.

Em devaneio, não percebi que algum tempo depois Susano se aproximava com um olhar desconfiado; estava claramente chateado por ter sido deixado de lado. Aparentemente o mesmo aconteceu com meu amigo, que é ainda mais compreensível pois mal consigo me lembrar de nosso último encontro.

Susano demorou para se referir a mim, mas evitei contato visual para que não me sentisse tão preso a ele como de costume. O show mal havia começado: jovens egípcias trajando roupas e instrumentos musicais típicos apareceram chamando atenção dos panteões mais distantes do seu. Todos já estávamos acostumados a assistir apresentações como essa, mas a cada comemoração os espectadores ficavam mais boquiabertos. Soldados nórdicos já comentavam a beleza das dançarinas e a forma sensual que elas olhavam para todos com suas pinturas especialmente feitas pela deusa mãe Eset em cada rosto de forma dedicada e paciente. Seu marido guiou as moças em como se portar diante do público enquanto a amorosa esposa já celebrava a apresentação como um grande sucesso. Ambos eram conhecidos por planejar seus projetos com amor e perseverança. Estas habilidades se intensificaram ainda mais quando estavam juntos.

Percebi algo estranho; algumas servas pareciam se entreolhar na espera de serem notadas pela divindade tempestuosa ao meu lado. Susano ficava estranhamente nervoso quando era o centro das atenções, mas conseguia se livrar de um comportamento inadequado ao fingir indiferença. Ultimamente essa habilidade parecia estar perdendo seu efeito, então sem que as servas ou qualquer um perceber, ele apertava minha mão de forma discreta.

A reação de meu amado demonstrava que claramente, ele ainda não estava mentalmente preparado para lidar com interações tão cotidianas. Mas sutilmente, Susano também demonstrava certo alívio em perceber que agora já conseguia controlar seu temperamento quando necessário.

Por outro lado, eu só conseguia pensar em como nossa relação tinha se tornado mais evidente. Ou sempre foi? Não consegui evitar pensar em como o nosso tão cultivado sentimento poderia afetar seu recente progresso; ter aprendizes. Não tinha certeza do que aconteceria conosco, porém uma certeza absoluta eu cravava em meu coração — a divindade que vos fala faria de tudo para que ele se tornasse a divindade mais feliz dentre os panteões existentes.

Ao fim do primeiro dia de celebrações do acordo, os aprendizes engajados nas apresentações estavam espalhados por todo o território. O ambiente de festa era visível, e tudo parecia agradável… Até que durante um curto período em que Susano precisou se afastar para prestar contas com a irmã.

Durante o mesmo período em que o príncipe japonês precisava exercitar os ensinamentos formais repassados pelo irmão Tsukuyomi em frente à irmã Amaterasu e outras divindades de grande relevância, percebi a aproximação de alguém inesperado. Eu novamente me encontrava próximo de nossa árvore.

Uma divindade extremamente conhecida por sua arrogância e ácidas críticas que me tornara alvo de seus comentários nada agradáveis por muito tempo. E sempre que possível, essa mesma divindade conhecida como Ao Kuang fazia questão de apontar um deslize em meu trabalho como líder; ou o que ele julgava ser um deslize da divindade não merecedora do posto que possui. Um mero mortal com aspirações a deus.

— Como sempre, nosso mais valoroso líder dando um passo maior que as próprias pernas.

A voz do rei dragão penetrou meus ouvidos como uma lâmina ao dividir seda. Confuso porém firme, me virei e olhei para baixo a fim de olhar em seus olhos. Mantive a postura e a voz branda.

— Boa noite, rei dragão. Do que precisa?, — foi o melhor que consegui elaborar. Ele me encarou com uma expressão séria. Sabia que o diálogo não se estenderia, pois Ao Kuang sempre evitava me enfrentar quando outros líderes ou deuses influentes estavam presentes. Previsível.

— ...É verdade que alguém como você… Atingir um nível de adoradores tão alto pode ser considerado impressionante. Porém — ele disse de forma confiante — , este relacionamento é um erro.

Suspirei. Não estava surpreso muito menos decepcionado com ele; mas isso não me impediu de sentir um aperto no peito. Rapidamente descobri que pelos motivos errados.

— Mortais não devem se meter tanto assim com divindades de berço. Uma de suas poucas qualidades é a inteligência, então já deveria ter percebido isso.

Poucas vezes tive vontade de optar pela violência, mas quase unanimemente, dentre vezes que pensei em ignorar minha reputação de divindade responsável e diplomática… as situações giravam em torno da divindade que agora interagia comigo. Não estava interessado em seus julgamentos ou observações; principalmente durante um dia como esse.

De alguma forma, a presença dele no nosso local favorito me incomodava. O rei dragão sorriu de forma irônica. E continuou a compartilhar seus generosos conselhos.

— Ele pode parecer não se importar devido ao seu comportamento despreocupado... De qualquer forma… Todos nós, divindades de berço, sabemos no fundo que não podemos manchar nossa imagem adquirindo companheiros eternos com sangue mortal. Nem vocês devem ousar se misturar à nós desta forma.

Ele percebeu um pouco depois de mim que a brisa trazia meu Susano de volta. Dando as costas para mim, ele proferiu uma última sentença em dias. Pude sentir um frio na espinha.

— Cuidado com suas escolhas. Parece ser recente, então ainda há tempo de fazer a coisa certa.

Aparentemente, Ao Kuang não se importava com a imagem que meu relacionamento traria para o panteão, com as divindades ascendidas por berço ou qualquer outra coisa que pudesse inventar. Ainda não sabia o quê, porém nenhum dos motivos óbvios parecia ser a real causa daquele diálogo.

Pensando nisso, tentei me tranquilizar e consegui disfarçar quando meu amado se aproximou e me abraçou por trás.

Não seria capaz de dizer em voz alta, mas sua estatura era perfeitamente abraçável. Tive que me conter por muito tempo para não abraçá-lo o dia todo e consequente o fazer ir embora esbravejando. Nunca me senti tão abençoado pelas divindades que tanto adorei em meus tempos de general mortal quanto quando percebi que toda aquela demonstração de raiva e desapego eram puramente timidez — o pobre homem não sabia como lidar com as mais simples expressões de carinho. Hoje, Susano demonstra a mesma raiva quando esqueço de abraçá-lo quando acordamos juntos…. Ou quando nos encontramos ao redor da árvore…. Adorável.

— O que aquele velho queria com você?

Não fui capaz de julgar se meu ouji-sama teria percebido toda a situação ou simplesmente estava enciumado. Apostei na segunda hipótese.

— …Eu também sou meio velho, não? — espremi os olhos e o encarei, fingindo estar ofendido. Ele soltou o abraço apertado e virou meu corpo para olhar-me nos olhos enquanto beijava minhas grandes mãos.

— Não se compare àquele sujeitinho fajuto. Além de nunca ter sido capaz de agir como um autêntico membro da realeza, o jeito que ele olha para todos ao seu redor é digno de pena. Não me admira a queda em sua até então longa lista de adoradores.

Era inegável; o sangue da divina família imperial emanava de cada gesto, cada palavra de Susano. Mesmo com seu esforço para parecer desinteressado e resmungão, o gene nobre era impossível de ser camuflado. Seu desdém por divindades como Ao Kuang estranhamente fazia meu sangue ferver… Em um bom sentido.

— Estou começando a me sentir culpado por estar de namorico com uma criança —, eu respondi tentando esconder a súbita excitação.

Ele sorriu, surpreso. Não pude deixá-lo pensar demais sobre Ao Kuang ou qualquer outra coisa que atrapalhasse sua empolgação que tanto tentava suprimir. Enquanto me abraçava novamente, pude perceber que o rei dragão observava ao longe, com olhar de reprovação. Parecia comentar algo com Da Ji e Nu Wa, mas ambas estavam focadas em seus próprios problemas.

Depois de um longo dia — recheado de preocupações e calafrios que pareciam mais constantes do que estou acostumado —, meu humor permanecia de alguma forma sereno e tranquilo. O primeiro dia como parceiro oficial de uma das divindades mais tempestuosas de que se tem notícia não poderia ter sido melhor. Nem mesmo Ao Kuang e sua insistência em implicar com aqueles que não o agradavam poderiam arruinar as agradáveis horas em que pude compartilhar minha felicidade de tê-lo ao meu lado.

O começo da madrugada se aproximava quando pude sentir a presença de divindades noturnas por todos os lados. Tsukuyomi, ao contrário de Amaterasu, parecia sempre estar por perto durante o horário noturno — algo compreensível —, mas pela primeira vez, sua presença parecia afetuosa. Estranhei, mas guardei o sentimento para mim; não queria estragar a gostosa sensação de tê-lo confortavelmente sentado entre minhas coxas em frente a tantos seres das mais diversas origens e classificações.

Ele iniciou o diálogo sem que pudesse perceber.

— Minha irmã apresentou seu nome à cúpula do panteão. Meu irmão parecia mais animado do que nunca.

Talvez ele pudesse ler meus pensamentos.

— …Não sei como reagir, na verdade. Acredito que te apresentar aos meus filhos e companheiros de batalha também seria interessante…

Minha frase parecia estranhamente melancólica após ser proferida. Ele virou o torso e me encarou.

— Também acredito que ver minha irmã apertar a mão de seus filhos seria algo bem interessante de se observar.

Há tempos não pensava no quanto a falta de meus entes queridos me perturbava. O estado de divindade tinha seu preço, e esse era o meu. Quando voltei minha concentração ao rosto do homem de grossos bigodes que se encontrava em minha frente… Toda a angústia se dissipou.

Ele voltou a oralizar.

— De qualquer forma, todos aprovaram a escolha. Meu irmão não parava de repetir que meu espírito samurai nunca deixava de transparecer, mas acho que isso foi um elogio. Por vezes aqueles convencidos me tratam como um velho senil…

Calculei que após as ocorrências do dia, seria algo mais do que natural abraçá-lo enquanto o puxo para deitar-mos na grama. Assim o fiz, sem me importar em disfarçar as lágrimas de felicidade que umedeciam a pele. Ele parecia nervoso, mas pude perceber brevemente que a causa de tal estado se dava pela súbita reação que partia do meu comovido coração.

Susano compartilhou a gargalhada que iniciei sem entender muito bem a causa de tal comoção; eu apenas me encontrava alegre o suficiente para não ser capaz de controlar minhas reações. Após retribuir o abraço apertado que lhe dava, ele prosseguiu com o momento de carícias ao beijar-me o rosto e os lábios algumas vezes. Enxugou minhas lágrimas enquanto isso, e apertou minha cintura quando percebeu que o beijo se tornava mais intenso e úmido através de minhas investidas.

Quando finalmente o larguei, pude perceber o que tínhamos feito em público. E a reação nula dos que estavam ao nosso redor desenvolveu uma nova onda de felicidade que inundava meu corpo.

— Acho que essa foi… A melhor celebração do acordo que já pude presenciar.

Fiz o máximo possível para que o nervosismo não tomasse conta da minha voz. Ele respondeu como de costume.

— Bom, você tem propriedade para comentar. Eu nunca estive em uma até o momento… Mas até que pude aproveitar em certos momentos. Acho que o diferencial é com quem nós passamos tais datas, certo?

Puxei o corpo dele ao meu novamente. Remover nossas vestimentas de cima logo após a retirada de Ao Kuang tinha sido certamente algo prático; daquela forma, podíamos sentir a pele um do outro enquanto a brisa passeava por nossos corpos que esquentavam cada vez mais.

— Certamente. Agora, a eternidade não se apresenta mais como meu maior temor.

Ele suspirou e me abraçou apertado. O coração de Susano batia cada vez mais forte a cada palavra pronunciada por mim, até que cessou por um instante quando concluí. Ele demorou um pouco a processar a situação, até que em alto e bom som, pude ouvir uma voz grave porém cheia de desejo e compaixão:

— Também amo você.

Dessa vez, eu era quem se encontrava estremecendo, com os nervos à flor da pele. Lembrar da fala proferida na noite anterior, pouco antes de adormecermos, fez com que novas lágrimas brotassem no canto de meus olhos.

E assim, deitados ao pé de nossa árvore estimada, permanecemos até conseguirmos adormecer. Nossos dedos entrelaçados e os cabelos espalhados na grama formavam uma cena interessante, calculava eu. Ouvi-lo suspirar em meu peito enchia meu coração de satisfação e felicidade.

Não precisava de mais nada.