Sem muitas opções ou possibilidades no momento, Spider acabou se sendo na casa dos seus raptores, ou melhor anfitriões, ou melhor ainda, sendo mais preciso, o pai e a madrasta dele.

Por um tempo, há meses atrás, enquanto estava na sua situação arriscada de agente duplo e relutante, Spider pensou que tinha visto um resquício do que era ter um pai. Estava ajudando os vilões contra sua vontade, mas ainda assim, seu coração carente não conseguia deixar de se apegar aos bons momentos que teve com o coronel. E ali estava ele outra vez, revendo em sua cabeça a proposta que Miles tinha lhe oferecido, suas palavras aparentemente sinceras, mas com certeza tocantes.

Ter um lar ali, um lugar seguro, um espaço para chamar de seu entre os na'vi, sem ser julgado ou visto como diferente e inferior era um sonho, bom demais para ser verdade. Spider sabia que era praticamente impossível não ser julgado por sua aparência, mas ao menos ter proteção e respeito como o filho dos líderes do clã, aquilo tinha que valer à pena.

Para averiguar isso de maneira mais concreta, Spider decidiu que deveria dar uma olhada no clã lá fora e o que esperava por ele se decidisse ficar mesmo. Antes que colocasse um pé para fora da cabana, Varang retornou ao local, o fazendo recuar, com um pouco de medo, o que surpreendeu a ele mesmo.

-Espere, Spider, não vai querer sair por aí sozinho - ela aconselhou - achei que seu pai estivesse com você.

-Ele me disse umas coisas e depois saiu - o garoto confessou - e ele não é exatamente o meu pai.

-Eu sei, ainda me é curioso como os humanos fazem isso, mas entendo que você foi concebido de um homem do céu, que agora é um recombinante e meu marido - ela recitou, se aproximando com cuidado dele - mas ainda assim, esse homem nesse corpo de agora quer ser seu pai.

-Eu sei, ele me falou, e eu não sei o que fazer - ele deu de ombros, claramente confuso, sua expressão perdida tocou o coração de Varang, de modo a sentir compaixão por ele.

-Se não sabe o que fazer, pode ao menos me contar o que acha disso tudo - ela se sentou na frente dele, numa tentativa de convidá-lo a fazer o mesmo, o que acabou dando certo.

-Eu acho que... pra falar a verdade, senhora, eu sempre quis ser um na'vi, eu nunca me identifiquei com os humanos, sempre achei errado tudo que eles fizeram, inclusive o Quaritch - ele contou, quase como se estivesse na presença de uma velha amiga - eu pensei que se eu ficar, eu vou ter o respeito de um verdadeiro príncipe.

-É verdade, mas não só isso, teria o respeito e afeição de Miles, e o meu também - ela confessou.

-O seu? Mas você acabou de me conhecer - Spider estranhou a boa vontade dela.

-Eu conheço você, só de notar seu olhar, perdido, sem lugar no mundo, um coração revoltoso, mas que no fundo só busca por paz - Varang disse calmamente - eu fui como você na minha juventude, posso reconhecer meus iguais.

-Olha eu não queria admitir, mas é basicamente quem eu sou lá no fundo - ele coçou a cabeça, balançando os dreads, sentindo-se puxado pelo discurso dela - você não é tsahik, não é? Porque eu tô me sentindo como se tivesse me dado alguma coisa pra acreditar em você.

-Não, eu não te enfeiticei ou coisa do tipo, estou apenas sendo sincera - ela assentiu solenemente, o gesto sendo a última prova de que Spider precisava para confiar nela - sabe, você me lembra o Miles.

-Como eu sou parecido com ele? Começando pela cor - o menino tentou fazer uma piada.

-Aí está um exemplo, o humor - Varang listou - e é claro, o jeito como se sente amedrontado por mim.

-O coronel amedrontado? Ele é um cara muito durão - rebateu Spider - ele passou por Ikinimaya no mano a mano com um ikran.

-Ah sim, o rito de passagem dos Omatikaya, lembro disso nas memórias dele - ela comentou vagamente - mas digamos que eu tenho um grande poder de persuasão sobre o seu pai, me desculpe, sobre Miles.

-Tudo bem, acho que... bom, ele quer ser meu pai e eu... - de repente, lágrimas se formaram no canto do olho de Spider, ele acabou deixando transparecer e derramá-las - eu quero ter um pai, eu sempre quis ter uma família, que fosse mesmo minha.

-Meu bravo garoto - Varang disse com sensibilidade, comovendo-se com as confissões, se aproximou e o envolveu num abraço.

Se rendendo à receptividade e afeto dela, Spider se deixou chorar por um tempo ali, envolvido por alguém muito maior que ele, diferente dele, mas ao mesmo tempo, tão parecida. Varang sentiu o bebê se mexer nesse momento, o que também foi notado por Spider.

-Oh, eu não queria perturbar seu bebê - ele se desculpou, desfazendo o abraço.

-Ah não, não se preocupe, é o seu irmão te dando as boas vindas - ela assegurou.

-É, ele me contou sobre vocês - Spider improvisou uma resposta, ainda atordoado pelas emoções.

-Venha, deixe-a te conhecer - Varang direcionou a mão dele para que sentisse o bebê também.

-Isso é... oi, oi, irmãozinho - ele gaguejou, conforme sentia o bebê se mexer por debaixo de sua mão - você acha que vai ser uma menina?

-Estou certa que sim - ela assentiu - e ela terá muito que aprender com seu irmão mais velho.

-Eu espero ensinar direito - ele sorriu, enquanto mais algumas lágrimas escorreram pelo seu rosto, dessa vez, de felicidade.

-Eu sei que vai - Varang disse com toda convicção de seu coração.

Podia ter perdido seu primeiro filho, mas agora sentia que estava sendo presenteada em dobro, quando Eywa a permitia ser mãe por duas vezes.