Cadê você?
Vi você me curtir
Me chamando pra amar
Me parece que é bom
Eu já tentei fugir
Eu já tentei parar
Mas não dá pra sair
Mas não dá pra sair
Quase pirei
Segurei minha mão
Eu tentei me parar
Mas parece que é bom(1)
De volta ao Santuário, Aiolos contava a Aldebaran em detalhes a aventura do casamento asgardiano de Máscara da Morte enquanto Aiolia apenas observava em silêncio e com a cara fechada.
– Então ele trouxe mesmo a mulher e as quatro crianças? – o brasileiro indagou ainda sem acreditar. A pedido de Afrodite, ele, Shura e Mu ajudaram a limpar e arrumar a casa dos recém-casados para recebê-los. – Eu sei que ele é maluco, mas duvidei que ele se casaria mesmo.
– Pois é, ele casou com a moça e trouxe ela e as crianças – Aiolos confirmou.
– Sabe, na verdade, até admiro essa coragem dele. E vocês estão bem? Como foram as coisas lá além desse casamento inesperado?
– Estamos bem – Aiolos respondeu com um ar distante. Pensava em Hilda, na valsa que dançaram juntos e no tapa estalado que levou quando tentou beijá-la. – Deu tudo certo.
– Na verdade não deu, não! – Aiolia corrigiu indignado. – A senhorita Lyfia morreu, não lembra? Morreu e foi muito desrespeitada pelo Máscara e pela noiva, esposa, sei lá…
Aiolos revirou os olhos.
– De novo isso? Pelo amor de Deus, Olia… Supere.
– É demais querer um pouco de respeito?
– Estamos vivos de novo! É só o que importa – Aiolos respondeu. Depois foi direto para a geladeira e pegou uma cerveja, o que irritou Aiolia ainda mais. Para evitar brigar feio com o irmão, o leonino saiu pisando duro.
– Nervosinho como sempre – Aldebaran comentou. – Mas me conte, como foi isso? A moça morreu do nada? Ela parecia bem quando saímos de Asgard.
– O que disseram foi que ela ficou muito doente depois de tudo que aconteceu – Aiolos começou a explicar enquanto Aldebaran também foi pegar uma cerveja. –Antes de bater as botas ela confessou que se apaixonou pelo Olia.
– Ih, por isso que ele tá sentindo tanto – Aldebaran constatou. – Será que se apaixonou por ela também?
– Acho que não. Deve ser mais um lance de culpa por não corresponder, o que eu acho uma bobagem. Amor não correspondido faz parte da vida.
Aldebaran concordou pensando um pouco em si mesmo. Será que estava em seu destino também não ser correspondido? Não queria pensar tanto nisso agora então balançou a cabeça discretamente, afastando esses pensamentos, e puxou outro assunto com Aiolos.
Enquanto isso, irritado com a displicência do irmão, Aiolia seguiu andando sem rumo pelo Santuário até que deu de cara com Marin, só não se abalroaram porque ela desviou a tempo.
– Ah… Oi, Marin. Como você está? Ainda não tínhamos nos encontrado depois que… depois que eu voltei. Eu… eu ia procurá-la mas...
– Estou bem – ela respondeu, afetando indiferença quando seu coração estava aos pulos por finalmente revê-lo. – Estou feliz que estejam todos vivos.
– Pois é, mas houve uma morte inesperada nesses dias que passei em Asgard. A senhorita Lyfia, aquela que nos trouxe de volta à vida, você deve ter ouvido falar dela – Marin assentiu com a cabeça. Protegida pela máscara, revirou os olhos. – Foi demais pra ela. Acabou morrendo nos meus braços e…
– Hum… sinto muito – ela interrompeu friamente. Desde o retorno dos cavaleiros do mundo dos mortos que se espalharam fofocas sobre essa moça que andou muito íntima de Aiolia em Asgard e Marin não estava nem um pouco a fim de ouvi-lo falar sobre essa maldita mulher. – Não quero saber dos detalhes, não me interessa.
Aiolia ignorou-a e prosseguiu:
– Ela... acho que ela se apaixonou por mim.
– Eu disse que não quero saber dos detalhes. Não tenho nada a ver com isso.
– Achei que nós… eu e você...
– Não existe um "nós"… – ela disse. Queria muito que existisse, a amizade que tinha com Aiolia foi se transformando em algo mais ao longo dos anos até chegar ao ponto de ela cogitar tirar a máscara para o cavaleiro e se declarar, mas nunca encontrou o momento certo e, pelo andar da carruagem, o momento havia se perdido para sempre.
"Ainda bem que não tirei", a amazona pensou aliviada. O problema nem era ele ter ficado para cima e para baixo com a asgardiana, afinal a desgraçada já estava até morta. O que mais magoava Marin era o fato de ele voltar à vida e não procurá-la. Nem mesmo agora, já que o encontro havia sido fruto do acaso. Isso foi o que deixou claro para ela o quão pouco ele se importava. E ela não queria pouco.
– Você não me deve satisfação de nada do que faz ou fez – Marin acrescentou e afastou-se rapidamente, sem dar chance para Aiolia continuar se justificando inutilmente.
Ia correr pra casa mas o aperto no peito era tão grande que ela precisava desabafar com alguém e só havia uma pessoa com quem poderia falar, então bateu à porta de sua vizinha de alojamento. Shina a viu por uma brecha e abriu sem se preocupar em colocar a máscara. Marin ainda estava com o rosto coberto e, apesar de não ter dito nada, dava pra sentir de longe sua energia derrotada. Assim que ela entrou e descobriu o rosto, Shina teve certeza.
– O que foi? – perguntou a italiana embora já soubesse a resposta. – O felino?
– Ele mesmo. Nos esbarramos e ele foi tão idiota! Ficou falando da vagabunda asgardiana. Tive que cortar. Eu sei que nunca tivemos nada concreto, mas o que me irrita mesmo é que ele não veio me procurar, sabe? Não veio falar comigo, saber como eu estava, se eu estava viva ou morta...
– Homens, né? É um castigo gostar deles… – Shina suspirou. – Eu estava me arrumando pra sair e você devia vir comigo.
– Sair pra onde, Shina?
– Fazer o que eu sugeri outro dia. Sair por aí. Beber um pouco, dançar, se distrair, dar uns beijos e, com sorte, transar… aquele ditado né, pra ter a linguiça infelizmente temos que encarar o porco.
Marin não conseguiu conter uma risadinha.
– Mas e a máscara, sua doida?
– Passou de Rodório eu tiro, é claro.
– Vamos admitir que você tira até aqui dentro.
– Tiro mesmo. Não vejo a hora de abolirem essa porcaria. Mas e aí, vamos?
– Não sei… andar por aí sem máscara não é uma boa ideia, sempre podemos encontrar algum conhecido. É aquilo, né, quando fazemos coisas erradas o universo sempre conspira para dar mais errado ainda.
– Vale o risco. – Shina respirou fundo pensando se ia ou não dizer o que estava pensando. Decidiu falar agora que estavam realmente virando amigas e trocando confidências. – Olha, eu estou cansada de esperar amor quando eu sei que não vou ter. Então eu saio e vou procurar um pouco de calor humano por aí, mesmo que seja uma noite só. Eu preciso sentir alguma coisa, sentir que ainda estou viva, sabe?
Marin entendia perfeitamente o que ela queria dizer. Também tinha os mesmos anseios mas começava a achar que era impossível encontrar um amor sendo uma amazona. De repente, um pensamento incômodo passou pela cabeça dela...
– E esse cabelo verdão? – perguntou, tentando ignorar o pensamento que rondava sua mente como um inseto na lâmpada. – Dá pra saber que alguém com o cabelo colorido assim tem grande chance de ser daqui do Santuário.
Shina correu para o quarto e voltou com uma sacola de onde tirou uma peruca de corte chanel lisa e preta.
– Eu fico um arraso com ela. Tenho outras se você também quiser.
– Você é doida, Shina...
– Eu faço o que tenho que fazer. Vamos? Não precisa transar se não quiser, essa é a parte boa. Somos amazonas, nenhum idiota força a gente a nada como faziam quando ainda éramos meninas aspirantes.
Marin respirou fundo. Sabia muito bem do que ela estava falando, nenhuma aspirante a amazona passou incólume. Sempre havia algum homem pronto a assediá-las e violentá-las, não foi diferente com as duas. Lembrava bem do dia em que um maldito soldado raso a encurralou entre as pedras e a violou. Mal tinha completado onze anos e não pôde fazer nada para impedi-lo. Não podia com ele na força, mas era inteligente e engenhosa… Dias depois, algumas pedras soltas rolaram encosta a baixo bem em cima do maldito esmagando-o. Um acidente lamentável, foi o que ela leu no obituário.
Depois de adulta, quis entender o que havia de tão interessante no sexo mas em todas as vezes o pouco que sentia não valia a pena o trabalho de se esgueirar pelo Santuário ou pelos becos de Rodório. Era só um prazer efêmero e morno, não havia nada do que se dizia na literatura. Ou talvez houvesse, ela que não sabia onde procurar. Talvez tivesse encontrado se houvesse uma chance com Aiolia… Talvez.
Então aquele pensamento incômodo veio novamente e ela o deixou cair como uma bomba. Seria esse o motivo para Aiolia nunca ter ido adiante? Seria por que ela era uma amazona? Ele certamente sabia ou pelo menos suspeitava do que acontecia no Santuário com as aspirantes… Talvez não quisesse se comprometer com alguém como ela, alguém que passou o que ela passou. Ela considerava uma virtude ter sobrevivido mas e se ele pensasse o contrário? Se estivesse esperando uma mocinha doce e inocente para construir uma história de amor? Era isso que a tal vaca asgardiana tinha e ela não?
Foi aí que Marin decidiu ir com Shina. Achava que não ia render nada essa saída, não pretendia transar com ninguém, mas precisava sair um pouco do Santuário e esquecer Aiolia por algumas horas,
– Deixa eu ver as outras perucas – pediu.
Shina comemorou com um soquinho no ar e correu para o quarto. Voltou com uma peruca ondulada loira e comprida e outra castanha de cachinhos. Marin não quis nenhuma dessas duas, escolheu a primeira chanel pois achava que combinava mais com suas feições orientais, enquanto Shina ficou com a loira ondulada. Puseram vestidos curtos e sensuais que cobriram com sobretudos discretos, guardaram as perucas em uma bolsa e desceram para pegar um táxi em Rodório.
Depois do reencontro desastrado com Marin, Aiolia resolveu voltar para casa e enfrentar Aiolos novamente. Encontrou-o no mesmo lugar, ainda bebendo com Aldebaran.
– Quem foi? – Aiolos perguntou quando viu a cara amarrada do irmão que estava ainda pior do que quando saiu.
– O quê?
– Quem foi que te deixou com essa cara? Não foi a história da falecida. O que mais rolou?
– Foi a Marin, amazona de prata de Águia… Quase nos esbarramos agora e foi meio... estranho.
– Hum… então foi mesmo uma briguinha de namorados…
– Nós nunca chegamos a namorar… É meio confusa a história...
– Já entendi tudo. Chegou aos ouvidos dela suas andanças por Asgard com a falecida e ela não gostou.
– Como você sabe?
– Parece bem óbvio. Você já viu o rosto dela?
– Infelizmente não. Eu bem que queria, mas ela tem a máscara colada com super cola… É a amazona que mais respeita a regra.
– Hum… Isso quer dizer que das outras é mais fácil tirar a máscara? Bom saber.
– Da outra – Aiolia respondeu. – Só tem mais uma, a Shina. E a máscara dela cai fácil, todo mundo já viu… Até eu já vi. Foi sem querer e numa situação complicada, mas vi.
– Conte mais. Quero me atualizar de todas as fofocas locais. Ela é bonita? Que situação foi essa?
– Ela é uma mulher bonita. Italiana, grandes olhos verdes... Mas foi numa situação que não tinha a ver comigo. Ela estava tentando impedir que eu matasse o cavaleiro que ela gosta.
– Hum, então rola alguma coisa aqui nessas bandas áridas! Já é algum progresso.
– Não exatamente… – Aldebaran corrigiu. Até o momento vinha ouvindo a conversa sem se manifestar, mas quando tocaram no nome de Shina ele não se conteve. – Parece que foi um amor platônico.
– Ainda bem, pois ele era um garoto e a Shina já era adulta na época… Nunca entendi esse fascínio dela pelo Seiya.
– Amor não se entende, gente… – Aldebaran comentou meio constrangido por estarem discutindo assunto particular de Shina. Não era de hoje que se sentia atraído pela amazona e desde o retorno vinha observando-a de longe, sem saber como se aproximar justamente porque ela não dava abertura.
– Isso é verdade – Aiolos concordou. – Mas como pode ter somente duas amazonas e que ainda usam a máscara? Ridículo. O Santuário não evoluiu nada.
– Na verdade, tem mais uma de bronze – Aiolia corrigiu lembrando-se de ter ouvido falar de June. – Mas eu nunca a vi por aqui. É, acho que são só essas três.
– Bom, então isso aqui continua chatão como sempre. A diversão fica lá embaixo, em Rodório. Ainda existe aquele bar horrível?
– Está lá no mesmo lugar com a mesma bebida nojenta, as mesas grudando de sujeira e os petiscos que a gente nem sabe do que são feitos.
– Vamos dar uma passada lá?
– Agora? Não está cansado?
– Eu descansei por dezessete anos, Aiolia. É tempo de festa.
– Hoje não estou com cabeça. E, sabe, pensei que você fosse mais responsável, compenetrado… Não é assim que lembrava de você.
– Eu sou – Aiolos riu, depois assumiu uma postura mais séria. – Você era uma criança quando nossa mãe morreu e eu fiquei com a responsabilidade de cuidar de você. Fiz isso muito bem enquanto pude, tanto que essa imagem foi a que ficou. Porém, a minha vida pessoal era outra coisa. Eu sempre gostei de curtir nas horas vagas.
– Faz sentido… mas ainda é desconcertante. Parece outra pessoa.
– Pois se acostume com essa pessoa aqui afinal você não é mais criança, não preciso mais te educar e não estamos mais em guerra. Não vou levar tudo a sério a menos que seja necessário. E aí, aonde vamos, Alde?
– Enquanto vocês discutiam, eu estava pensando aqui que a gente podia ir para um lugar melhor lá em Atenas. Acabamos de voltar, não merecemos o boteco pé sujo de Rodório.
– Eu topo – Aiolos aceitou sem pestanejar e foi trocar de roupa. Aldebaran aproveitou e fez o mesmo. Em poucos minutos, os dois estavam arrumados e descendo em direção a Rodório.
Enquanto eles se preparavam para sair, Shina e Marin já estavam a caminho do bar em Atenas, mas a ruiva já estava arrependida e querendo voltar. Shina passou o restante do caminho acalmando-a e garantindo que ia dar tudo certo, que já tinha feito isso várias vezes e nunca tinha encontrado alguém que a reconhecesse.
Quando as duas finalmente chegaram, o bar ainda estava pouco movimentado. Trocaram-se no banheiro, colocaram as perucas e fizeram uma maquiagem rápida. Combinaram que Shina usaria o nome Sara enquanto Marin seria Arisa e sentaram-se em uma mesa com boa visão da entrada. Pediram drinques e ficaram observando ao redor à espera de algum indivíduo interessante. O bar começou a ficar movimentado, mas ninguém interessante aparecia até que dois rostos conhecidos adentraram no bar.
– Merda! – Marin exclamou ao vê-los. – Eu sabia que não ia dar certo… Aiolos e Aldebaran estão entrando ali. De todos os bares da cidade tinham que vir no mesmo que nós? Caramba, que sorte que eu tenho.
– Calma. Eles não vão reconhecer a gente de longe, mas se o Aldebaran chegar perto e ouvir nossas vozes, já era. Vamos disfarçar uns minutos e aí pagamos os drinques e vamos para outro lugar.
Marin respirou fundo tentando se acalmar e seguir esse plano. Esperava que os dois cavaleiros se acomodassem em uma mesa distante, mas para azar dela eles ficaram bem ao lado.
– Eu vou sair de fininho agora – Shina articulou bem as palavras mas quase sem emitir os sons – e depois você sai também. Não vai dar pra ficar com eles tão perto.
Marin assentiu e observou Shina indo em direção ao banheiro. Não demorou muito e Aiolos se levantou olhando na direção dela.
– Merda, merda, merda – ela murmurou e respirou ainda mais fundo enquanto via o cavaleiro se aproximando quase em câmera lenta. – Ele nunca viu meu rosto, só relaxa. É só despachar ele. É só despachar, só despachar...
– Ooooi – Aiolos cumprimentou com o sorriso mais safado do mundo.
– E aí? – Marin cumprimentou de volta trazendo a voz para um tom mais grave para o caso de Aldebaran ouvir da mesa onde ainda estava sentado.
– Posso pagar uma bebida pra você?
– Não, obrigada. Eu e minha amiga já estamos indo, só tô esperando ela voltar.
– Tão cedo? – ele falou e já foi se sentando sem pedir licença.
– Não lembro de ter convidado você pra sentar.
– Eu me convidei. Sou assim mesmo. Você não parece daqui mas fala grego muito bem.
– Eu cresci aqui em Atenas.
– Ah, sim. Eu nasci aqui, estive longe por muito tempo, acabei de voltar. Me chamo Aiolos.
– Arisa – ela se apresentou. Quase deu o nome verdadeiro, só lembrou do falso por um milagre.
– Belo nome para uma bela garota. – Sem saber o que responder, Marin deu um sorrisinho desconcertado. Aiolos continuou com os galanteios. – Te vi assim que entrei no bar porque uma beleza como a sua chama muito a atenção.
Outro sorrisinho, junto com um leve acelerar no coração. Não estava habituada a ser elogiada assim.
– O-obrigada – Marin gaguejou.
De um canto afastado, Shina via a desgraça se materializando em sua frente e acenava freneticamente para ela.
– Com licença, minha amiga tá chamando. Deixa eu ver o que ela quer.
– Fala pra ela que estou com um amigo, podemos curtir a noite os quatro.
Marin respondeu com mais um sorrisinho nervoso e se levantou, indo em direção a Shina.
– Ele te reconheceu? – Shina quis saber.
– Não. É bem pior. Ele tá me cantando descaradamente, me chamando de linda.
– Hummm… – De repente a desgraça não pareceu tão desgraçada e uma ideia passou pela cabeça de Shina. – Então aproveita e dá uns beijos.
– Ele é irmão do Aiolia!
– Melhor ainda. Mais sabor de vingança.
– Para, Shina.
– Sério. Beija ele. Ele já deve estar meio bêbado, nem vai lembrar direito. Tô com mais medo do Aldebaran, você o viu por aí? Num piscar de olhos ele se levantou da mesa e eu perdi o miserável de vista.
– Nem percebi que ele tinha saído da mesa. Tava em pânico com o Aiolos me cantando.
– Como é possível perder um homem daquele tamanho? Eu vou sair, você enrola o Aiolos mais um pouco, dá uns beijos nele se quiser, o que eu recomendo, depois me encontra lá fora e vamos embora.
– Não, vamos embora as duas agora. Não vou voltar lá.
– Vai ter que encarar mais um pouco porque ele está vindo pra cá.
– E aí, garotas? – Aiolos cumprimentou.
– Oi. Eu tava avisando que vou lá fora fumar um pouco – Shina disfarçou para desespero de Marin. – Vocês podem continuar conversando.
– Certo. Pode ficar tranquila e deixar a Arisa comigo. Eu sou uma excelente companhia.
– É bastante convencido – Shina alfinetou antes de sair.
– Eu prefiro chamar de confiante – Aiolos corrigiu.
Quando os dois voltaram para mesa, ele pediu drinques.
– Simpática sua amiga – ele comentou. – E bonita. Não tanto quanto você, claro.
Marin queria estar odiando mas a realidade era que não estava. Aiolos era direto, objetivo, sabia o que queria, não poupava elogios e ela estava gostando de lidar com alguém assim e não com as evasivas de Aiolia que nunca permitiram que ela soubesse de verdade o que ele sentia. Tinha noção de que Aiolos era apenas um safado jogando charme para conseguir uns amassos e talvez uma transa, mas ainda assim era bom se sentir desejada.
Já do lado de fora do bar, Shina resmungava sozinha.
– Inferno! Esses dois toscos tinham que vir justo para cá? Não tinha outro lugar nesta merda de cidade para eles irem?
– Shina? – uma voz bastante conhecida indagou.– Eu reconheceria essa voz xingando em qualquer lugar.
– Aldebaran… – Shina lentamente virou-se na direção dele fazendo um enorme bico de insatisfação e percebeu que ele estava desviando o olhar. – Tudo bem, pode ver meu rosto, todo mundo já viu. Ninguém liga mais.
– Sabia que era você assim que vi de longe, mesmo de peruca. – Ele finalmente olhou diretamente para o rosto dela e ficou encantado com o que viu. – Nossa, seu rosto é muito mais bonito do que falavam. Não esperava um rosto assim tão delicado… E você fica maravilhosa loira. Combina muito com seus olhos verdes.
– Sério que você tá aí falando do meu rosto? Pelo amor de Deus. De todos os bares da cidade, vocês tinham que vir justamente pra cá? Cacete! Atrapalharam meu esquema, sabe?
– Desculpa? – ele pediu com a mesma expressão de uma criança que fez coisa errada. – Foi totalmente sem querer. É um bar novo, eu quis trazer o Aiolos para conhecer. Não esperava vê-la aqui.
– Não desculpo, não! – ela gritou e colocou as mãos na cintura.
Aldebaran deu uma gargalhada.
– Nossa, devia ser um esquema muito importante.
– Importantíssimo. Entrar, tomar umas biritas, dar uns beijos em um anônimo qualquer e voltar pra casa feliz e satisfeita mas por sua culpa agora vou voltar puta de raiva.
– Bom, você pode tomar essas biritas comigo… e também dar esses beijos se quiser.
– Eu e você? Tá doido?
– Por que não? Sou tão feio assim?
– Claro que não. É que tem a parte do anônimo, né? Não queria nem saber o nome do cara. Você eu vou ter que ver amanhã.
– Talvez depois do meu beijo você queira me ver amanhã.
– Para com isso, Aldebaran. Que inferno!
– Tô falando sério. Se você ia beijar qualquer um, por que não eu?
– Para com isso – ela pediu mas estava a ponto de fraquejar e se jogar nos braços enormes do cavaleiro. – Pelo amor de Deus, para com isso.
– Se é o que você quer mesmo… Então tá. Eu vou lá dentro beber com o Aiolos que foi pra isso que eu vim e não para "atrapalhar seus esquemas".
– Não, espera – ela pediu. Estava confusa, sem saber direito se pediu para ele não entrar e correr o risco de reconhecer Marin ou se realmente estava querendo a companhia dele. – Fica.
Os olhos de Shina cruzaram com os de Aldebaran e ela sentiu que ele estava vendo toda a confusão no fundo da sua alma.
– Você tava tirando uma com a minha cara quando sugeriu que a gente poderia… ficar?
– Claro que não. Você precisa parar de se diminuir, Shina. Você é uma mulher maravilhosa, inteligente, bonita. O problema é que você se esconde nessa carapaça dura para proteger um interior molinho, molinho.
– Tá me chamando de caramujo, seu miserável?
– Você entendeu – ele riu. – E sabe que é verdade.
– A gente precisa se proteger – ela murmurou.
– É, mas também pode abaixar a guarda e se abrir um pouco, deixar alguém entrar…
– E se destruir pra sempre, sem volta.
– Ou se salvar.
– Para, isso tá ficando…
– Romântico? – Aldebaran completou.
– Eu ia dizer estranho – ela corrigiu, mas sim, estava um ligeiro clima romântico. Ela achava que o olhar dele não era só de quem queria dar uns beijos, ele a olhava com uma doçura a qual não estava habituada. – Desde quando você se interessa por mim?
– Ué, você é uma mulher muito interessante. Dá umas patadas na gente, mas no fundo eu sei que tem um coração aí dentro. E eu gostaria muito de tentar entrar nele nem que fosse um pouquinho.
– Isso foi de zero a cem numa velocidade alucinante.
– É sério. Eu quero tentar. Só me dá uma chance. Deixa a gente se conhecer melhor, ver o que rola…
Shina estava achando inacreditável o quanto aquele homem enorme, com braços da grossura de toras de madeira podia ser tão estupidamente fofo. Era tanta fofura na cara de cachorrinho abandonado que ele fazia ao dizer que queria uma chance que ela foi incapaz de resistir. Ficou olhando para ele alguns segundos até que o poder da fofura dele lhe arrancou um sorriso. Era para Aldebaran interpretar como um sinal verde mas ele só ficou olhando de volta com aquele maldito olhar de cachorrinho fofinho e pidão.
– Vai me beijar ou não? – Shina perguntou depois de alguns segundos. Pelo menos a noite não seria um completo desperdício de tempo.
Então o gigante puxou-a mais para perto com uma delicadeza que ela não esperava, e, num tempo que pareceu uma eternidade para ela, aproximou os lábios e encostou nos dela.
Shina quase pôde ouvir um clique, um estalo, como se alguma coisa se encaixasse no lugar, e encaixou. O beijo dele encaixou perfeitamente no dela e à medida que foi avançando, que as mãos grandes dele foram passeando pelas costas dela, Shina sentia como se derretesse. O calor se espalhava por todas as partes de seu corpo, especialmente aquelas. Em um minuto, já não raciocinava direito, só pensava que queria mais e mais do cavaleiro brasileiro.
Uma luz radiante se acendeu clareando toda aquela rua mal iluminada ou ela estava só imaginando coisas?
Era só um carro passando com o farol alto mas contribuiu com o efeito mágico do beijo que funcionou tão bem, fez tudo parecer tão certo e simples, como se fossem destinados um ao outro.
A vontade de Shina era puxar Aldebaran para o quarto da pousada onde costumava ir e transar com ele loucamente até ficar quase desfalecida mas ainda estava pensando sobre como ia encarar o colega cavaleiro no dia seguinte.
– Chega – ela pediu com muito custo. – Vamos parar por aqui antes que a coisa fique sem controle…
– Como você quiser – Aldebaran respondeu com um último beijo no pescoço de Shina que quase a fez pedir para recomeçar.
– Tá, agora pode ir lá contar pro seu novo amiguinho e para os outros lá no Santuário que viu meu rosto e me beijou. Vai lá, espalha a fofoca. Era isso que você queria, né? Nem vem com essa conversa de que eu sou interessante e quer me conhecer melhor…
– Se você quiser segredo, ninguém vai ficar sabendo, não sou de contar o que faço… mas se quiser que saibam, tô pronto pra te assumir, pra chegar em qualquer lugar de mãos dadas com você e te apresentar como namorada.
– Quê? – Shina perguntou sem entender direito. Ainda estava sob efeito do beijo alucinante de Aldebaran, com algo queimando por dentro de tanta vontade de sair dali com ele e ver o Grande Chifre.
– Tô dizendo que, se você quiser me namorar, eu tô super afim. Eu te assumo com muito orgulho.
– Ah tá, conta outra.
– É sério.
– Ai, Aldebaran – ela suspirou sem saber como reagir a essa proposta. – Para. Eu preciso ir lá dentro resgatar minha amiga.
– Vem cá, essa amiga é a Marin, não é?
– Não. É uma amiga daqui de Atenas.
– Shina, se eu entrar lá e ouvir a voz…
– Não entra!
– Caramba, é ela! Shina, você tem que arrancar mesmo ela de lá. Ela tá com o Aiolos! Vai dar maior confusão se o Aiolia souber.
– Só vai saber se você abrir a boca. Você não disse que não é de falar?
– Eu disse que não sou de falar o que faço, sobre os outros eu não garanto… sabe como é, a língua pode coçar para contar a fofoca.
– Porra, Aldebaran! Eu vou lá, mas se quer saber a verdade, tomara que ela esteja lá se agarrando com o Aiolos e que o Aiolia saiba mesmo pra deixar de ser um babaca.
– Isso até que é verdade.
– Ele ficou cozinhando ela no banho-maria por anos, sabe? Poxa, seja homem! Tome a iniciativa! Bunda-mole do cacete.
– Bom saber que você gosta assim... Tô indo bem então.
Sem querer, Shina deu outro sorrisinho encantado. Aparentemente arrancar sorrisinhos fáceis era um talento de Aldebaran.
– Eu vou tirar a Marin lá de dentro – Shina declarou. – Depois a gente volta a conversar…
Shina foi entrando novamente no bar com Aldebaran logo atrás. Bem mais alto, ele viu a cena antes dela.
– Tarde demais – ele declarou quando viu Marin aos beijos com Aiolos.
– Tarde demais – Shina repetiu. Estava torcendo para o beijo sair mas agora que ele estava acontecendo bem na sua frente não tinha mais tanta certeza de que era uma boa ideia.
Continua...
(1) Pelejei, Marina Sena
