Todas as crianças tinham olhos arregalados diante da vitória iminente de Sakura Haruno contra a herdeira Yamanaka.

A única civil da classe derrotou umas das melhores alunas em taijutsu da turma.

Sakura ignorou os olhares e voltou para seu canto no círculo para observar a próxima partida. Indiferente ao olhar de ódio da garota loira e o olhar analítico de alguns.

Com o fim das partidas, a classe foi liberada para ir para casa. Sakura juntou suas coisas e saiu antes que alguém tentasse começar uma conversa com ela.

Seus passos eram rápidos enquanto ela pegava um atalho para sua casa. Já faz duas semanas que sua mãe morreu em uma cama no chão, depois que passou meses e anos sofrendo de dor.

Só existia cheiro de morte na casa. Seu pai fazia de tudo para ocupar o espaço que sua mãe tinha dentro da família. Porém, eles ainda sentiam o vazio quando só tinha os dois dentro da casa.

Aquela presença fantasma preenchendo cada canto de um lugar tão pequeno que chegava a ser opressivo.

Sakura abriu a porta com um sorriso, esperando animar seu pai com a notícia de que ela ganhou uma partida contra umas das meninas mais fortes em taijutsu da sala.

Contudo, antes que Sakura pudesse entrar na casa, ela foi parada por um homem que ela reconheceu como amigo de seu pai e que trabalhavam juntos.

Seus olhos começaram a se arregalar enquanto ouvia que seu pai sofreu um acidente no trabalho.


O hospital estava barulhento na área civil. Sakura balançou seus pés com os olhos vazios. O médico disse que seu pai estava em cirurgia, a mesma que foi paga pelo chefe de construção e alguns amigos.

Já fazia dois dias.

O primeiro dia morrendo aos poucos em um corredor, porque os médicos estavam ocupados o suficiente para dispensar qualquer atendimento. Só resolveram tentar salvar a vida de seu pai quando entregaram dinheiro.

Aqueles olhares frios e indiferentes perante a morte de alguém que poderiam salvar, enfureceram a pequena criança de cabelos rosados.

Não por sua indiferença a pessoas como ela, civis, isso já era natural para qualquer um de Konoha. Mas sim, por eles terem a habilidade e conhecimento para salvar a vida de alguém sem nenhum esforço, mas que preferem se esconder no manto de cidadãos íntegros da Vila, a fim de seguir as regras do hospital.

Afinal, regras eram as que mais tinham em Konoha.

Era uma coisa mórbida.

Sakura ouviu as enfermeiras falando sobre ela. As duas mulheres velhas vão vir outra vez para mandar ela ir embora.

Seus pés alcançaram o chão e sem nenhum som, uma criança de cabelo rosa entrou no primeiro corredor vazio que apareceu.

Sakura só andou pensando em qualquer coisa que não fosse seu pai morrendo em uma mesa de hospital.

Por exemplo, os exercícios de controle de chakra que ela dominou faz meses. Se tornou algo tão fácil desde a primeira vez que Sakura treinava seu controle forçando várias folhas secas por seu corpo, os segurando com chakra. Ficou entediante depois de algumas horas.

Seus pensamentos foram abruptamente interrompidos por um grito de uma mulher e depois o choro de uma menina quase a sua idade saindo correndo da sala a frente.

A porta ficou aberta e Sakura conseguiu ver uma mulher loira e com peitos grandes encostada numa mesa. Ela tinha um copo de saquê em uma mão e uma carranca de raiva no rosto.

A mulher era linda e tinha olhos quase dourados, os mesmo que agora a olhavam com irritação.

- Você vai entrar e fazer a porra do teste ou ficar me olhando ?! Entra logo, garota!

Sakura foi agarrada com força pelo braço e jogada no quarto. A porta foi fechada com força na cara de uma enfermeira que iria entrar com outra garota que parecia ter uns doze anos.

Sakura fez sua própria carranca para a mulher que sentou no sofá como se fosse a dona do maldito hospital e a olhou de cima a baixo.

- Você parece um rato feio, garota.

- Melhor do que uma megera peituda.

A mulher loira a olhou com olhos arregalados diante da resposta dirigida a ela. Os olhos dourados se estreitaram e ficaram mais frios ainda.

Sakura sentiu um medo dentro dela, mas não demonstrou. Ela apenas encarou a megera e segurou seu braço machucado. Ele já tava roxo pela força de gorila dessa mulher.

- Eles me mandaram a porra de uma pirralha que não sabe nem curar seu próprio braço para esse fodido teste de merda, hein. Que palhaçada!

Sakura não estava entendendo nada do que essa mulher estava falando. Mais rápido do que ela poderia ver, seu braço machucado foi puxado em direção a mulher.

Seu queixo sendo agarrado com força e virado em direção ao olhar penetrante daqueles olhos dourados frios.

- Vou fazer apenas uma vez, você vai observar com atenção e se errar… vou dar uma ordem para o pessoal do hospital não deixar você pisar os pés nesse lugar. Estamos entendidas, pirralha ? Bom! Agora observe.

Sakura engoliu em seco. Seu pai estava possivelmente morrendo em um quarto nesse hospital de lixo, ela não poderia ficar longe dele. Essa mulher parece alguém importante ou que tem influência.

Uma criança civil contra alguém assim, possivelmente alguém pertencente a qualquer clã, não daria em nada.

Sakura assentiu e observou com a maior atenção que já colocou em algo na vida o quê a mulher estava fazendo com o seu braço.

Ela tinha que fazer igual, sem erros ou deslizes.

Eu tô aqui, Outer.

A mão da mulher brilhou verde e passou lentamente pelo machucado em seu braço.

A sensação de um chakra estranho em seu sistema foi alarmante e ao mesmo tempo um pouco perturbador. Sakura tentou ignorar os sentimentos e analisar o que o chakra estava fazendo.

A sensação era calmante e ela podia sentir ele percorrendo em harmonia como seu por toda a extensão de seu machucado. Parecia estar curando algo.

Sakura olhou fascinada para como o chacra que percorria seus caminhos estava curando lentamente seu machucado. Era impressionante, porém sua contemplação demorou pouco depois que o brilho sumiu e a voz da megera se fez presente.

- Agora é a sua vez, rato de esgoto.

- Puta - Sakura murmurou baixinho, mas tinha certeza que a megera podia ouvir, afinal, Sakura fez questão de sussurrar alto o suficiente perto do ouvido dela.

Com olhos mais frios ainda, a mulher quebrou o copo de saquê na parede. Sakura olhou sem entender. Porém, a megera pegou um dos pedaços quebrados e afiados, colocou em cima de sua própria mão e cortou forte.

Sangue saiu da ferida feita. Sakura só pode olhar um pouco pálida, memórias do mesmo líquido carmesim em uma poça no chão de sua casa voltaram. Contudo, logo foram contidas e afastadas, sendo imagens de seu pai colocadas no lugar.

Sua respiração se acalmou e Sakura pegou a mão com delicadeza. Antes de fazer qualquer coisa, Sakura fechou os olhos e se concentrou na sensação que o chakra da mulher tinha quando ele brilhava verde e o que ele fazia no seu braço.

Sakura não sabe o que está fazendo, ela vai confiar em seu controle de chakra para fazer o mesmo que Sakura sentiu a mulher fazer com o chakra dela.

Repetindo tudo que memorizou os passos que a loira peituda fez.

Passaram alguns minutos, mas quando ela abriu os olhos, o corte tinha sumido e não havia nada, nem mesmo um arranhão.

Sua contemplação foi quebrada com um cutucar forte em sua testa.

- Ma… acabou? Que trabalho horrível.

- Foi melhor do que o seu! - Sakura respondeu, mas teve seu queixo puxado outra vez.

Os mesmos olhos dourados frios a olhando com autoridade.

- Muito bem, pirralha! Agora, vamos fazer um acordo entre nós, entendeu ? Bom! Até a próxima vez que nos encontrarmos, você vai ficar longe desse hospital ou de qualquer médico.

- O que ?

- Tome! Vou pegar de volta quando nos encontramos, pirralha de merda! - A mulher gritou tirando um colar do pescoço e entregando a Sakura.

A mesma que foi jogada fora da sala.

Sakura olhou uma última vez para uma mulher estranha que parecia jogar uma praga nela.

Olhos dourados encararam esmeraldas brilhantes.

- Vadia!


Tsunade Senju sorriu divertida para a criança de cabelo rosa correndo no corredor.

Pirralha insolente.

- Tsunade-sama, por favor, para de tentar arrumar desculpas para não fazer esse trabalho.

- Sim, sim - Tsunade reclamou com sua Shizune que acabou de chegar, esperando que ela não tenha visto a criança - Mande outra merdinha.

A princesa Senju resmungou enquanto voltava para sua sala, escondendo o sorriso predatório no rosto. Seu olhar afiado na mão ainda suja de sangue escondido em seu bolso.

O único motivo pelo qual ela voltou para Konoha, foi a pedido de Minato. Mas, especificamente, a insistência de Jiraya que não parava de incomodar desde de que ela o deixou a encontrar na última vez.

Um arrependimento para a vida.

Contudo, nada é de graça nessa vida e Tsunade não seria a idiota que voltaria para Konoha só porque um pirralho vestindo um manto a queria. Havia outros motivos, mas eles não precisavam ser revelados. Claro, sua volta à Vila não foi sem algo em troca no lugar.

Então ela fez seu papel.

O acordo era que ela iria passar um tempo no hospital e pegar outro aprendiz. Ela recusou esse último, mas o moleque loiro era persistente e ofereceu carta branca para ela fazer o quê bem quisesse, mas em troca, ela teria que encontrar outro aprendiz.

Ele não sabia como iria se arrepender disso no futuro.

Essa parte deveria ser um segredo entre os dois, mas alguém conseguiu ter essa informação e o conselho de velhos rabugentos entrou com tudo. Embora, Tsunade tem uma intuição muito boa e sabe que no fundo, tem dedo do pirralho de Jiraya nisso.

Manipulador de duas caras.

Por conta disso, vários Clãs fizeram pedidos oferecendo membros. Chegando a ser absurdo e irritante. Para diminuir o excesso de carrapatos e fingir que está "cooperando", Tsunade disse que faria um teste simples, quem passasse seria seu novo aprendiz. Porém, caso ninguém passasse, ela ganharia o favor que o Quarto Hokage ficaria devendo a ela e iria embora. Só voltaria quando quisesse.

Só que o tiro saiu pela culatra. Os malditos Clãs e alguns shinobis acharam uma brecha no seu plano, ou seja, Tsunade não estipulou idade, sexo ou qualquer merda do tipo.

Vamos dizer que ela teve um monte de gente em seu pé, principalmente, pirralhos que não saíram das fraldas ainda. Os Clãs pensavam que ela poderia querer uma criança talentosa para ensinar desde cedo e mandaram todas que tivessem um bom controle de chakra.

Em outras palavras, pegaram cada pirralho em seus malditos Clãs e mandaram para ela.

Quanto mais tempo passava e cada vez mais crianças apareciam, Tsunade tinha certeza que acabaria jogando uma pela janela. Ela iria dar uma pausa, sua chance apareceu na forma de uma criança que estava passando pela sua sala. Estava na cara que era uma civil.

Cabelo rosa e olhos verdes vazios.

Tsunade não pensou duas vezes, puxou a garota e esperou que ela ficasse muito tempo na sala. Tempo para beber mas saquê e dormir. No começo, ela atuava como se a criança fosse um dos candidatos, mas olhar para aquelas esmeraldas vazias foi desconcertante. A garota a olhava sem medo ou admiração, até teve a ousadia de chamar ela de puta e megera.

O que mostrava que não fazia parte de nenhum Clã ou sabia que era a loira a qual chamou de "puta".

Tsunade precisou usar toda sua habilidade em jogos para manter o semblante vazio diante do controle e genialidade assustadora da pirralha. A princesa Senju só queria assustar a menina, mas foi ela que conseguiu assustar Tsunade.

Um maldito prodigio.

Tsunade encontrou uma civil com talento prodigioso nesse maldito lugar. Seus olhos afiados observaram o fascínio da garota ao ver seu trabalho.

Nunca tinha visto algo como isso.

Tsunade não sabe o que deu nela, mas estaria mentindo se continuasse dizendo isso a si mesma, era mais uma mentira para a confortar, ela sabia muito bem o que deu nela depois de ver esse espetáculo em primeira mão. Mesmo que tenha dito que nunca pegaria nenhum aluno ou aprendiz, ela sempre teve vontade de achar alguém que pudesse passar tudo e acompanhar o que ela mandasse para aprender. Shizune foi um caso especial, ela era a sobrinha de Dan e ele a fez prometer que cuidaria dela.

Sua mão pegou o colar, seu item mais precioso, e jogou na garota.

Essa menina será sua futura aprendiz. Ela agora e no futuro, pertence e vai sempre está ligada a Tsunade Senju.

Manter essa garota fora do hospital ou de qualquer holofote é essencial. Por enquanto, ninguém vai ser capaz de descobrir que existe uma nova criança prodígio.

Não, Konoha sempre ignorava civis e a garota parecia determinada a fazer o que ela mandou. Porém, Tsunade vai ter que mexer alguns pauzinhos por precaução.

Parece que sua estadia em Konoha acabou mais rápido do que tinha planejado, contudo, Tsunade vai ter que resolver alguns assuntos pendentes antes que volte para essa maldita Vila para buscar sua nova aprendiz.

A garota queira ou não.


O colar queimava em seu pescoço. Sakura tinha escondido ele por baixo de suas roupas. Algo no fundo do seu ser, dizia que esse colar iria trazer problemas se alguém visse ou aquela megera a mataria se Sakura desse fim a ele.

Irritante. Sakura estava planejando vender ele, mas o pensamento de uma loira com raiva a perseguindo não é agradável.

A criança de cabelos rosa observou seu trabalho. Sua pequena casa estava brilhando e qualquer cheiro de morte ou sangue sumiu completamente.

Seus belos olhos verdes escureceram ao lembrar de seu pai saindo para trabalhar hoje. Ele tinha sido liberado faz duas semanas, não estava totalmente recuperado, mas não quis ficar em casa para descansar.

Precisamos do dinheiro, Sakura-chan.

Mentira.

Sakura queria acreditar nisso, porém, o olhar vazio nos olhos antes cheios de vida, mostravam o contrário.

Seu pai fingia que estava bem, mas ele já sofreu dois acidentes nessas duas semanas. Acidentes bobos, mas que poderiam matar.

Sakura já ouviu seu instrutor da academia falar sobre a questão em que muitos shinobis têm problemas para suportar a dor ou superar, eles encontram alívio tentando se machucar ou tirar a vida.

Ele não sorri de verdade desde que mamãe morreu. Ele só está vivendo por você.

Eu sei, mas você está errada, Inner. Pai não está vivendo, ele só está existindo para não me deixar sozinha.

Mas isso não é o mesmo? Sakura sente que está sozinha desde aquele dia.

Eu prometi que cuidaria dele, mas se eu for o motivo para que ele não esteja mais se sentindo vivo ?

O que você vai fazer então?

Não sei de certeza, mas tenho uma ideia. Mas, primeiro… Inner, você nunca vai me abandonar, né? Vai estar sempre ao meu lado ?

Sakura esperou a resposta, dependendo dela, já sabia o que fazer.

Não faça perguntas bestas, Outer. Eu semprevou estar ao seu lado. Para sempre.


Kizashi chegou tarde em casa.

Seus olhos vazios encontraram a casa arrumada e um cheiro bom saindo da cozinha.

Sua filha deveria estar preparando algo para eles comerem. Ele tentou sorrir ou ao menos trazer algum brilho para seus olhos, mas parecia uma tarefa impossível.

Desde de que sua esposa morreu, Kizashi não conseguia mais sentir nada. Nem mesmo o lugar que eles tinham feito tantas lembranças o animavam, pelo contrário, só fazia lembrar de tempos que não voltariam mais.

Se tornou um lugar amaldiçoado.

O vazio da casa ainda o machuca. Principalmente, quando não sentia que estava mais vivendo.

Kizashi sabia que era um péssimo pai, mas ele não conseguia evitar pensar que queria um alívio.

Os últimos acidentes não foram por falta de cuidado, ele só teve o desejo de acabar com tudo e quando viu, já era tarde demais.

Uma voz o chamando o distraiu de seus pensamentos depressivos.

- Papai! A janta tá quase pronta.

- Sim, querida - Kizashi fez um esforço para responder, nem isso ele tinha mais vontade.

A criança de cabelos rosas apareceu com um prato com três dangos e colocou em cima da cama, eles não tinham mesa.

Kizashi olhou para aqueles dangos e sentiu lágrimas caindo de seus olhos. O Haruno mais velho foi até a filha e deu um beijo carinhoso em sua cabeça e boca.

- Eu te amo, Sakura - Kizashi abraçou a pequena em seus braços e tentou reunir todos os sentimentos bons que restava para deixar a noite alegre para sua única filha. Sua flor.

- Eu também te amo, Papa - Sakura retornou o abraço, suas palavras com mais significado do que Kizashi não percebeu - Te amarei para sempre.

Eles começaram a contar como foi seus dias e a relembrar histórias de Mebuki. Tudo enquanto tomavam chá e comiam dangos.

Se Kizashi tivesse prestado atenção, ele teria percebido que sua filha não comeu nenhum pedaço de dangos ou bebeu chá, ela apenas ria e contava lembranças engraçadas que tiveram com Mebuki.

Uma sonolência começou a dominar Kizashi, ele abafou um bocejo e tentou manter os olhos abertos, mas parecia uma tarefa muito difícil no momento.

- Por que não se deita um pouco, Papai ? - Sakura o empurrou gentilmente para se deitar na cama e ficou acariciando seus cabelos com a maior delicadeza.

Kizashi só sentiu assentiu em concordância, seus olhos estavam fechando e ele tinha o sentimento de calma e paz.

Antes de perder a consciência totalmente, ele lembrou que sua filha estava praticando venenos e que não a viu comer ou beber nada junto com ele.

Um sorriso melancólico surgiu junto com uma lágrima que depois virou um sorriso de despedida.

- Desculpe minha flor e … obrigado.

A voz melosa de sua filha e seu sorriso gentil foi a única coisa que ouviu antes de fechar os olhos pela última vez.

- Durma bem, Papai. Que o Deus da Morte o encaminhe para Mamãe - Sakura se despediu com um último beijo - Diga "oi" para Mamãe quando a encontrar.

A casa simples dos Harunos voltou a ficar silenciosa, apenas sendo perturbada com o choro de uma criança pequena.

Ao lado dela, repousava um único dango e um copo de chá intacto.

A pequena família de dois se tornou um depois dessa noite.