Observação: Considere que os pokemons sempre existiram no mundo dos cavaleiros.
Disclaimer: Saint Seiya - The Lost Canvas é de autoria de Shiori Teshirogi e de Masami Kurumada. Pokemon pertence à Nintendo. Esta é uma fanfic sem fins lucrativos.
De metro em metro
Todas as semanas, Degel costumava ir para uma vila próxima ao Santuário, onde morava o principal fornecedor de livros de sua biblioteca. Não importava qual fosse o assunto; apenas dizia: 'reserve um título de cada coisa que não tenho, que eu vou aí e vejo o que quero'. Comprava a maior parte de cada leva. Seu mestre costumava dizer que uma folha de papel escrita valia mil vezes mais do que uma em branco. E a sorte era que o preço não acompanhava o real valor de um livro.
Havia arranjado mais dois tomos, ambos contendo histórias de tradição oral de várias regiões, recolhidas e escritas para a posteridade. Já havia lido algumas delas, e sabia que as devoraria com imenso prazer. Algumas pessoas costumavam dizer que ele era muito fechado em si mesmo, não sendo afeito ao mundo externo de sua biblioteca. Era uma mentira. Degel apreciava muito seu dia de folga para passear pela vila e observar a vida cotidiana; isso porque, a cada leitura, seu olhar sobre o mundo mudava. A vila que observava nunca era a mesma, apesar de certos eventos repetirem-se semanalmente.
Já era costume passar na venda e comprar um pouco de oran berries, parte para seu próprio consumo, parte para dar de presente. Carregando o saco pela rua principal da vila, olhava para os becos, em busca de seus presenteados. Logo avistou um par de orelhas cor de rosa despontando de uma esquina. Já sabia que estariam ali, esperando por ele. A cabecinha explorou timidamente a rua, olhando para os lados e fixou-se nele.
"Skitty!", chamou a pequena criatura. Degel, sorrindo, foi direto ao beco. Assim que entrou, recebeu o abraço de seis pokemons, todos skitties. Tudo começara quando, certa vez, encontrara um pequeno skitty faminto em um dos becos. Dividiu com ele algumas berries, e, desde então, passou a levar comida para aquele pokemon e sua família, uma vez por semana. Oran berries eram bastante baratas, de modo que não havia problema gastar um pouco mais para agradar aqueles pokemons.
Naquela semana, recebeu um abraço a menos: um dos skitties estava com a patinha machucada e não podia andar. No fundo do beco, descansava sobre uma cama de folhas, improvisada pelos irmãos. Degel aproximou-se e examinou o ferimento: era uma mordida, causada por dentes bastante afiados. Não sabia qual pokemon fizera aquilo, mas percebeu que, pelo tamanho, o skitty tivera poucas chances de se defender. Felizmente, sempre carregava consigo um pouco de ervas medicinais para uma eventual batalha. Com cuidado, lavou a patinha com a água de seu cantil, espalhou a erva esmagada sobre o machucado e improvisou um curativo com um lenço. As oran berries com certeza acelerariam o fechamento da lesão.
O skitty agradeceu, esfregando a cabecinha em sua mão. Degel deixou-lhe algumas oran berries a mais e despediu-se. Com certeza os outros do grupo o protegeriam até a semana seguinte. Partiu e seguiu para seu principal destino. A casa, pequena e simples, não aparentava esconder tantos tesouros em forma de palavras. A filha dele foi quem atendeu às batidas da porta.
"Degel-sama! Meu pai já estava esperando."
"Desculpe se me atrasei. Tive de parar no caminho."
"Não se atrasou não. Por favor, entre. Meu pai sempre fica ansioso com as suas visitas. Eu vou servir um lanche!"
"Obrigado."
O interior do escritório da casa tinha as paredes forradas de tomos. Era lá que Anchialus, o comerciante que trazia os livros, passava boa parte de seu pouco tempo de folga, lendo e aprendendo. Degel apreciava a capacidade de Anchialus selecionar obras de seu interesse. Diferentemente de muitos, o comerciante sabia exatamente o valor do conhecimento. Tomou uma das poltronas e sorriu para o homem, que o aguardava com dois livros sobre a mesa.
"Desta vez, você não vai sair daqui sem comprar um destes livros."
"Depende do que trouxe para mim."
"Vou começar pelo menos importante. Este é um guia médico lançado há pouco tempo, na França. Não sei muito a respeito, mas ele estava sendo bem procurado."
Ao folhear o livro, Degel interessou-se imediatamente pelo conteúdo. Havia novas técnicas listadas ali, além de informações inéditas sobre algumas enfermidades. Sorriu e puxou-o para si.
"Muito bom, Anchialus. Eu vou levar este. E isso também me leva a crer que levarei o outro, se você o julga mais importante."
"Esse outro… veja você mesmo e entenderá."
Degel abriu cuidadosamente o segundo livro, que estava amarrado com uma fita. As folhas eram antigas, e a encadernação estava se desfazendo. Até mesmo a escrita mostrava as marcas do tempo. Era uma coletânea de histórias curtas, escritas em diferentes momentos. Cada uma delas tratava de lendas recolhidas em diversos lugares, com a escuridão como tema central. Muitas falavam de pessoas que eram engolidas pela escuridão depois de mudarem completamente de personalidade, chegando a matar os próprios parentes. Surpreso, Degel fitou o mercador.
"Onde conseguiu este, Anchialus?"
"Numa feira local da França."
"Impossível!"
"A minha suspeita é que isso tenha vindo de um monastério que foi destruído pelo fogo um tempo atrás. No caos do acidente, não é estranho que parte do acervo seja furtado e vendido em lugares comuns, como uma simples feira. Quando eu vi, não tive dúvidas. Isso te interessa, não é? Parece muito com o que você me disse sobre os espectros."
"Definitivamente algumas histórias possuem relação. Eu gostei, Anchialus. Vamos discutir o preço."
"Muito bem… Enquanto isso, por que não apreciamos um jogo de xadrez? Já faz um tempo."
"Tem razão."
Degel sabia que Anchialus tinha uma paixão imensa por xadrez, mesmo sempre perdendo nas partidas contra ele. Entre uma jogada e outra, iam discutindo os preços, de modo justo para ambas as partes. Após mais uma vitória, chegaram a um preço satisfatório. Degel embrulhou suas novas aquisições com extremo cuidado e despediu-se da família.
No caminho de volta, gostava de passar por um jardim comunitário ao lado da vila, onde sempre havia arbustos e árvores floridas. Naquele calor, como não passar devagar por baixo das copas e aproveitar a brisa, que carregava o aroma da vegetação? Andava distraído, quando notou uma sombra saltando da árvore para o chão.
Achava ter sido um dos skitties, que de vez em quando o seguiam na volta. Entrou um pouco na grama e procurou pelo pokemon.
"Vocês vieram me seguir de novo? Venham…"
Mas o que surgiu não foi o alegre felino, em mais um de seus carinhosos abraços. Degel viu uma mandíbula aberta e posicionou o braço esquerdo na frente. Os dentes fincaram-se dolorosamente no antebraço, já que ele não estava protegido pela armadura. Pela força do impacto, Degel caiu sentado e ficou olhando para o pokemon cinzento, que rosnava e pressionava o braço.
Se bem lembrava, aquele era um pokemon conhecido como mightyena, a evolução do poochyena. Tratava-se de um pokemon que vivia mais em áreas verdes, em bandos e afastados dos humanos. Diferentemente dos skitties, não combinava bem com cidades. Sorriu, ignorando o machucado.
"Ora, ora… De onde você vem, mightyena? Onde estão seus companheiros?"
O mightyena continuou pressionando e abrindo o ferimento do braço. Degel notou que o tamanho da mandíbula correspondia ao ferimento do skitty que tratara.
"Ah, então foi você que machucou um dos skitties da cidade. Não devia fazer isso, eles são bons pokemons."
Como o mightyena não o soltava, Degel tentou acalmá-lo.
"Não tenha medo. Eu não vou te machucar. Parece que você só precisa de um pouco de afeto. E se eu te contar uma história? Há uma que li há pouco tempo."
O pokemon rapidamente soltou o braço, apenas para mordê-lo de novo, num lugar um pouco diferente e com a mesma força. Degel sentiu os dentes perfurarem seus músculos, mas continuou sorrindo.
"Uma vez, um homem criou um pokemon dentro de uma jaula. Esse pokemon vivia sendo espancado, e a raiva tomou conta dele. Certo dia, quando esse homem morreu, o pokemon foi libertado. Contudo, ele continuava preso em uma jaula. Uma jaula invisível. Tudo o que esse pokemon precisava fazer para sair dessa jaula era abrir os olhos. Apenas isso, uma coisa muito simples… Você, neste momento, também está numa jaula. Não sei o que fizeram para você… Mas abra os olhos…"
Degel notou que as costelas de mightyena estavam salientes. Provavelmente ele não estava conseguindo se alimentar direito. Pegou o saco com as oran berries e depositou-o ao lado do pokemon.
"Tome. Isto vai encher um pouco a sua barriga. Não precisa ter medo."
Devagar, ergueu a mão direita e tentou fazer um carinho no pescoço do pokemon. Contudo, este desviou a cabeça, soltando-o. Rapidamente agarrou o saco com as berries e saiu correndo, de volta para o mato. Degel levantou-se massageando o braço esquerdo, que encharcava a manga de seu casaco com sangue.
Treinava dois dias depois, quando Kardia apareceu. Todas as semanas, costumavam competir de forma amistosa, embora o treino sempre acabasse numa acirrada luta.
"O que aconteceu com o seu braço?", questionou o amigo, ao ver as bandagens.
"Nada. Só um mightyena que me atacou na sexta."
"Um pokemon? Ora, chutasse ele pra longe!"
"Não é preciso ser agressivo com as criaturas da natureza, Kardia. Ele só estava assustado. E isso não resolve o problema dele."
"Não espere resolver todos os problemas do mundo só porque é um cavaleiro. Você precisa guardar energia pra me enfrentar, ou não será um adversário páreo para mim, Degel!"
"Entendi, entendi… Você não é um amante de animais, não é?"
"Não, é perda de tempo. Só você ver o que aquele gato maluco fica fazendo com o Sísifo. Não dá a mínima vontade de ter um! Vamos lutar!"
Degel já havia visto Purrloin, o arisco pokemon da serva de Sísifo, em várias ocasiões. O pokemon diariamente atacava o mestre da casa de Sagitário, arranhava-o inteiro, rosnava e não ajudava em nada no templo. Para Degel, não fazia nada, mas era bastante cauteloso e agressivo. Ainda assim, confiava nos habitantes de Sagitário, enquanto que aquele mightyena provavelmente não confiava em ninguém.
Apesar de estar machucado, conseguiu acompanhar Kardia no treino e deixá-lo satisfeito. Foi ao final do combate que Sage apareceu e comentou:
"Sabem que lutas entre cavaleiros são proibidas, não sabem?"
"Tsc! Estamos só treinando", resmungou Kardia.
"Esse treino tem mais cara de luta séria do que de treino, principalmente quando Degel está ferido."
"É só a mordida de um pokemon, senhor", respondeu Degel, ajoelhando-se.
"Um pokemon? Por que permitiu isso?"
"Ele estava assustado. Era um mightyena sozinho."
"Estranho… Mightyenas costumam viver em grupos. Você sabe, há pouco tempo desfizemos um esquema de rinhas de poochyenas nos arredores. Pode ser que esse mightyena que você encontrou seja um dos pokemons libertos. É bom tomar cuidado com ele."
"Entendi, Grande Mestre."
"Eu vim aqui para dar uma verificada pessoalmente nos treinos, mas pretendia te chamar logo em seguida para a minha sala, Degel. Talvez possamos discutir aqui mesmo uma missão para você."
"Pois não… Do que se trata, senhor?"
"Aquele livro que você comprou na semana passada. Fiquei encucado quando o li. De acordo com ele, quatro registros aconteceram na mesma cidade, no leste. Um, em cada século. Existe a chance de não ser verdade… mas também…"
"Eu penso o mesmo. Foi por isso que o levei para o senhor."
"Eu gostaria que você fosse investigar essa cidade. Mesmo que não encontre nada, é bom sermos precavidos. Acha que pode dar conta dessa missão, com o braço machucado?"
"Não se preocupe, não está doendo muito. Vou arrumar as coisas e partir assim que possível."
"Ótimo. Provavelmente não há nada lá, mas tome cuidado."
"Sim."
Já fazia algum tempo desde a sua última missão fora do Santuário. Geralmente o Grande Mestre lhe deixava trabalhos de pesquisa internos no Santuário, enquanto Sísifo cuidava de investigações fora. Entretanto, apesar de este estar presente nas Doze Casas, ocupava-se investigando os deuses gêmeos. Degel retornou para sua casa, pensando que uma mudança de ares lhe faria bem. Preparou a bagagem e separou um livro com pequenas histórias tradicionais para ler se houvesse algum tempo livre.
Descendo os templos, ao passar por Sagitário, viu a porta da área privada abrir-se e Sísifo aparecer, segurando Purrloin pela pele das costas.
"Você vai me deixar trabalhar, de um jeito ou de outro! Fique esfriando a cabeça aí fora!"
Purrloin ainda tentou entrar ao ser solto, mas a porta foi fechada antes. Arranhou-a furiosamente e soltou um miado revoltado. Então caminhou em círculos pelo salão, emburrado. Ao ver Degel, miou mau humorado e deitou-se no chão. Era melhor não provocá-lo naquele estado. O cavaleiro passou reto pelo pokemon e continuou seu caminho, enquanto pensava naquele mightyena e nos skitties da vila. Não faria mal comprar algumas berries e deixar para eles.
Durante a descida, encontrou Kardia, que lhe entregou, fingindo mau humor, um saco cheio de berries para dar aos skitties.
Quando se aproximou da vila, já se perguntando se encontraria seus pequenos amigos no beco, Degel viu uma manchinha cor de rosa correndo na sua direção. Aquilo definitivamente agilizaria sua pequena parada. Esperou pelo abraço, mas, ao ver o rostinho desesperado do pokemon, percebeu que não o receberia. Skitty chorava e olhava para trás, indicando alguma urgência. Não podia simplesmente deixá-lo.
"O que houve?"
Skitty virou as costas e saiu correndo, e Degel entendeu a mensagem. Correu atrás do pequeno, entrando na mata, até deparar-se com os outros skitties, todos amedrontados por três swoobats. O skitty que lhe servia de guia apontou para os companheiros, e Degel iniciou uma corrida para espantar os atacantes.
Foi quando uma mancha acinzentada rapidamente moveu-se entre os dois grupos. A cabeça, rosnando, ergueu-se na direção do swoobats, que recuaram um pouco. Com um latido do pokemon, deram meia volta e fugiram. O mightyena parou de rosnar e olhou para o grupo que protegera. Um dos skitties, contente, tentou tocá-lo, sem sucesso: ele já fugia de volta para o abrigo da vegetação.
Mightyena fora quem atacara o skitty da última vez. Se ele agora o protegia, era porque havia escutado suas palavras no último encontro. Degel não esperava tal mudança de comportamento. Deixou parte das berries para o grupo de skitties, avançou um pouco no interior da mata e depositou o resto no chão. Tinha certeza de que o mightyena ainda estava por perto.
"Obrigado por ajudar os meus pequenos amigos. Quero que receba isto como agradecimento, Mightyena."
Não podia mais perder tempo. Tinha um trabalho a fazer, e, mesmo podendo parar para dar um pouco de atenção àqueles pokemons, precisava seguir direto para cidade, em uma viagem que levaria dois dias. Saiu da vila e continuou caminhando, perguntando-se se gastaria parte de sua verba alugando um carro. Não era o tipo de missão que necessitava de uma locomoção rápida, e o dinheiro que sobrasse seria gasto por outro cavaleiro.
Depois de duas horas caminhando, Degel notou uma movimentação no canto do olho. Discretamente virou-se e viu, escondido atrás de uma árvore, um pokemon cinza. Já estava se aproximando de uma vila, onde poderia alugar um carro para facilitar a viagem. Contudo, decidiu ir a pé para não judiar de seu companheiro secreto. Achando a situação divertida, continuou, com o espírito mais leve.
Acampar também economizaria para os demais. Além disso, havia algo que Degel gostaria de fazer, possível apenas ao ar livre. O tempo estava seco, sem previsão de chuva, e seu caminho cruzava um pequeno córrego, tornando aquele lugar o melhor para passar a noite. Degel reuniu um pouco de lenha, acendeu uma fogueira e preparou espetos com carne e legumes comprados em uma das vilas no caminho. Quando terminou de assar tudo, dividiu a comida em dois pratos. Um deles foi posto um pouco distante, junto com uma tigela de água. Degel sentia que estava sendo observado de perto.
"Ei, Mightyena! Eu sei que você está por perto, amigo! Este é o seu jantar, venha comer enquanto ainda está quente!"
Degel retornou ao seu lugar, perto da fogueira, e começou a comer. Depois de alguns minutos, uma sombra tímida aproximou-se e começou a mexer no prato de comida. Lá estava Mightyena, devorando tudo com gosto. Satisfeito, Degel terminou sua refeição primeiro e pegou seu livro de contos. Mightyena aproximou-se em seguida, ainda um pouco cauteloso.
"Eu sei que você não confia em humanos. Provavelmente deve ter sofrido muito até agora. Mas por que não descansa um pouco e aproveita o calor da fogueira? Eu vou ler uma história."
Apesar da desconfiança, Mightyena deitou-se do outro lado da fogueira, comportado. Degel iniciou a leitura.
"Era uma vez dois irmãos. Eles não eram de sangue, mas foram criados juntos e em iguais condições. Eles acordavam juntos, trabalhavam juntos e dormiam juntos. Mas os tempos se tornaram difíceis para todos. A comida tornou-se escassa. Esses dois irmãos, pegos pela crise no mundo inteiro, acabaram miseráveis e famintos. Quando apareciam diante dos outros, eram chutados e ameaçados. Certa vez, quando duvidavam se sobreviveriam até o dia seguinte, alguém lhes ofereceu casa e comida. Contudo, havia uma condição: apenas um deles poderia usufruir daquilo. O caçula logo recusou a proposta, pois jamais deixaria seu irmão para trás. Seu irmão mais velho, no entanto, aceitou a proposta. De início, o primeiro achou que se tratava de uma traição, mas não era isso. O irmão mais velho pediu ao mais novo que aceitasse a proposta e se matou, para que o caçula não tivesse escolha. Mas ele não sabia que ainda havia escolha. Entristecido pela morte do irmão mais velho, o caçula continuou recusando a proposta. Sentou-se do lado do falecido irmão, sob chuva e vento, sem se mover um centímetro dali. No dia seguinte, quando a cidade acordou, encontrou uma estátua. Diziam que os deuses haviam se apiedado dos irmãos, transformando-os em pedras. Até mesmo hoje a estátua continua ali, simbolizando o amor fraterno entre eles."
Mightyena escutava em silêncio, com as orelhas bem erguidas na sua direção. Degel aproveitou a iluminação da fogueira para mostrar a ilustração que viera no livro. Surpreendentemente, a imagem era de um rapaz abraçando um growlithe.
"Você sabia? Essa estátua existe, numa cidade longe daqui. Eu tenho um amigo que já a viu. Não se sabe realmente se essa história é verdadeira… Mas eu gostaria de acreditar que sim… Sabe, eu tenho um amigo que é como um irmão para mim, morando numa terra bem distante, ao norte. Eu sempre penso… eu queria muito ser tão leal a ele como esses irmãos eram, um para o outro. Não só a ele… mas a todos que confiam em mim."
Dava para notar que o pokemon escutava atentamente. Degel sorriu.
"Vou ler mais para você. Aposto que é a primeira vez que ouve alguém ler um livro."
Numa viagem daquelas, dormir era a decisão mais prudente, a fim de economizar as energias. Contudo, movido pelo prazer da leitura e pelo pokemon que se mantinha atento, Degel continuou lendo mais e mais histórias, até que viu Mightyena bocejar e apoiar a cabeça entre as patas, fechando os olhos. Era o momento de parar, por enquanto.
Quando acordou, notou que o mightyena havia se deslocado e deitado um pouco mais perto dele. Grato pela confiança do pokemon, Degel preparou mais uma refeição para ambos. Mightyena comeu, ainda um pouco distante dele. Apesar de ser grato pela companhia, Degel temeu pela vida do pokemon.
"Ontem à noite foi muito prazeroso, Mightyena… Mas eu acho que você deveria voltar para a cidade e esperar com os skitties pela minha volta. Pode ser que fique perigoso a partir de agora… Não se preocupe, pois eu prometo voltar e ler mais histórias para você. E levar mais berries, é claro! Por isso, espere por mim."
Degel notou que Mightyena continuou parado no mesmo lugar, olhando na sua direção, quando seguiu viagem. Era melhor assim. Não podia envolver o pokemon em nenhum perigo, se este já havia sofrido demais nas rinhas. Vendo de perto, era possível identificar cicatrizes no focinho e em outras partes do corpo, provavelmente resultados das brutais lutas.
Calculava chegar à cidade apontada pelo antigo livro no final da tarde. Nas quatro histórias, todos os homens que mudaram subitamente de personalidade e mataram os familiares pertenciam a uma família de nobres, ou assim diziam. Segundo uma rápida pesquisa no Santuário, essa família havia caído em desgraça desde a última Guerra Santa, embora não houvesse informações se teria se extinguido ou não.
Depois de uma hora de caminhada, notou que não estava sozinho. Mightyena continuava seguindo-o, mesmo depois de seu aviso. Tinha a certeza de que o pokemon o entendera. Isso significava uma coisa: que Mightyena decidira segui-lo por conta própria. Suspirou e não o impediu. Provavelmente sua investigação seria infrutífera. Além disso, se expulsasse o pokemon, era provável que este nunca mais viesse a confiar em um humano novamente.
Como esperado, alcançou a cidade pouco antes do anoitecer. Encontrou uma casa abandonada, que, apesar da poeira, daria um abrigo decente para a noite. Podia escolher uma taverna e gastar um pouco, mas sabia que eles reclamariam caso o Mightyena decidisse se aproximar. Como ainda estava claro, achou bom recolher informações antes de dar o dia como encerrado.
Perguntou para algumas pessoas sobre a família, chamada Kollos. Alguns disseram que ela estava completamente extinta, junto com o último representante. Outros diziam que ainda existiam descendentes, frutos dos amores secretos dos nobres da família. Eles ainda indicaram o endereço da antiga casa da família, que agora estava sob o controle de outra, os Matros. Contudo, quando foi visitá-los, foi informado de que a família havia saído e só voltaria de madrugada. Como precisava da permissão dela para investigar a casa da família Kollos e já era tarde, deixou o resto para o dia seguinte e voltou para a cabana. Afinal, precisava limpá-la um pouco antes de ocupá-la.
Usou um pouco de água e um pano guardado há muito tempo ali para fazer a limpeza. Conseguiu terminar tudo em pouco mais de uma hora e, quando parou para descansar e fazer a comida, viu a esperada figura cinzenta observando-o através da janela. Forrou uma parte do chão com um cobertor que encontrara limpo e vedado na casa. Sorriu.
"Por que não entra, Mightyena? A noite promete ser fria, e você pode dormir neste cobertor. Eu já vou fazer nosso jantar."
Degel afastou-se do cobertor, sabendo que o pokemon não ficaria muito perto dele, voltou-se para a mesa e continuou preparando os espetos. Por sorte, havia uma lareira ali, que ele conseguira acender com algum esforço. Mightyena hesitou um pouco, farejando a porta com desconfiança, mas acabou entrando e tomando um lugar no cobertor, próximo à lareira. Logo tirou um cochilo, completamente tranquilo.
Quando terminou de assar tudo, o cavaleiro separou dois pratos, como na vez passada, e colocou um perto de Mightyena. Este acordou, saltando para trás com o susto e rosnando.
"Desculpe… Eu não quis te assustar. Aqui está o seu prato. Eu vou comer o meu ali."
Afastou-se devagar, e Mightyena parou de rosnar. Aproximou-se do prato, cheirou a comida e iniciou a refeição, ainda atento aos movimentos de Degel. Este sentou-se à mesa e comeu seu prato, em silêncio. Ao terminar, foi para a cama, já preparada para a noite. Havia um colchão velho que, apesar do cheiro de mofo, daria algum conforto. Podia muito bem ir à taverna, onde encontraria móveis mais conservados e comida pronta, mas então não poderia dividir o quarto com seu arisco companheiro. Abriu o livro e escolheu mais um conto.
"Vou ler mais uma história sobre lealdade para você."
Mightyena já havia comido, e agora aninhava-se no amontoado de cobertor. Ergueu as orelhas e olhou para Degel, escutando.
"Num passado remoto, existiu um idoso que vivia completamente sozinho. Sua esposa já havia falecido há muitos anos, e seus filhos haviam ido morar longe e já não o visitavam mais. Esse homem tinha como família verdadeira apenas um pequeno vulpix, que um dia resgatara ainda recém-nascido. Mas o homem tinha medo por seu pequeno companheiro. Como era de muita idade, tinha medo de morrer e de deixar o vulpix para trás, sem ninguém para protegê-lo. Ele o segurava no colo e repetia, muitas vezes: "Eu prometo que nunca o deixarei, Vulpix". E esse vulpix acreditava piamente nisso. Contudo, o tempo foi impiedoso com esse homem, de modo que a morte o levou antes de seu amigo. O pequeno vulpix evoluiu para um ninetales, que pode viver por mil anos. Como um humano podia fazer uma promessa de mil anos para um pokemon se não era capaz de viver mais de cem? Ninetales ficou triste e enfurecido ao mesmo tempo, porque seu mestre, apesar de dizer que nunca o abandonaria, de fato o abandonou com a morte. E, de mal com a vida, vingou-se dos homens, fazendo maldades. Passou a ser odiado por muitos. Contudo, um dia, foi caçado pelos homens que atacava. Encurralado, viu-se obrigado a saltar de um precipício para a morte certa. Como preferia morrer sozinho do que nas mãos dos homens, o ninetales saltou. Todavia, no meio da queda, foi salvo por um pokemon. Era um yamask. Surpreso, o ninetales quis agradecer na base da cachoeira, quando levou um susto: o yamask em questão carregava uma máscara idêntica ao rosto de seu mestre. Yamask, contente por vê-lo, jurou que sempre esteve ao seu lado e que jamais o abandonou. Esse foi o episódio em que Ninetales entendeu que a lealdade podia ter mais força do que a própria vida."
Degel notou, com satisfação, que o rabo de Mightyena ia de um lado para o outro, contente. Sorriu.
"Você também aprecia histórias, hein? Que tal se eu contar a minha? Da época em que eu era ainda muito pequeno e não conseguia ler nenhum livro? Naquela época, eu era um ladrãozinho comum e vivia nas ruas. Sendo órfão, a única forma de sobreviver era roubando comida dos outros. Não era certo, mas não havia outro jeito. No inverno, eu roubava jornais e livros, não para ler, mas para me aquecer com a fogueira. Às vezes eu era pego, e era horrível. Eu vivia machucado, era xingado e surrado. Mas, certo dia, eu tentei roubar o livro de um senhor muito idoso. E ele, surpreendentemente, era muito forte. Mas esse homem, em vez de me surrar ou me entregar para a polícia, me deu um casaco e um lugar perto da fogueira. E, em vez de me repreender, me deu um prato de comida. Depois de eu saciar a fome, ele pegou um livro e leu para mim. Foi quando eu descobri uma possibilidade — um novo caminho, bem mais correto e feliz. Foi quando eu descobri que algumas pessoas não traem, e que existia um lugar no mundo para alguém como eu. Eu também acredito que exista um lugar no mundo para você, Mightyena…"
Degel notou nos olhos do pokemon que estava sendo escutado com toda a atenção. Escolheu mais um conto e retomou a leitura para seu companheiro.
Quando acordou, viu que Mightyena havia arrastado o cobertor e agora dormia perto dele, quase no pé da cama, apesar de ter se afastado da lareira. Aos poucos, conquistava a confiança daquele arisco pokemon. Desceu com cuidado para não acordá-lo e começou a preparar um café da manhã para ambos. Mightyena despertou durante o preparo e ficou observando-o em silêncio.
Depois de comer, decidiu ir à mansão dos Matros, para perguntar sobre a família 'amaldiçoada'. Ao sair de casa, notou que Mightyena o seguiu, agora mais de perto. Era como se a distância entre eles marcasse a evolução do relacionamento em construção. Deixou-o fazer o que bem entendesse. Provavelmente, o pokemon não tinha outro lugar para ir.
Desta vez, a família encontrava-se em casa. O senhor Matros recebeu-o de braços abertos quando soube que se tratava de um cavaleiro do Santuário de Athena, até permitindo a entrada de Mightyena. Degel ocupou um dos lugares do sofá na sala em que o receberam. Mightyena deitou-se no chão, bem do seu lado. Apesar de ter repousado o corpo inteiro, continuou atento, com a cabeça e as orelhas erguidas. Se alguém passasse perto, ele rosnava, de modo que todos procuraram manter distância.
O senhor Matros estava mais interessado em contratar o Santuário para a segurança de suas propriedades, enquanto Degel tinha pressa em conseguir acesso à casa dos Kollos. Enquanto conversavam, empregados entravam e saíam do recinto, trazendo comida. Um deles até ofereceu um prato para Mightyena, que recusou completamente a comida. A certa altura, o senhor Matros pediu a uma das empregadas que trouxessem um arquivo retirado da casa dos Kollos, que interessava à investigação.
Um empregado abriu a porta da sala, e Mightyena imediatamente saltou, desesperado. Colocou-se em posição de defesa, rosnando e com o pelo eriçado. O homem olhou para ele e sorriu.
"Ah… Olha o que temos aqui… E cheio de marcas… Você deve ser bem experiente, não?"
Em vez de entregar o livro, o empregado aproximou-se, e Degel, percebendo como Mightyena preparava-se para investir, colocou-se na frente do homem.
"Não mexa nele. Passe o livro pra mim e depois saia da sala."
"Hum… Esse mightyena é seu?"
"Não. Mas ele é meu precioso companheiro de viagem, e claramente não se sente confortável com você. Por favor, saia da sala. Caso contrário, não posso garantir a sua segurança."
"Você escutou, Cesare", interveio o senhor Matros. "Entregue o livro e vá para longe do pokemon."
"Está bem, senhor… Heh."
Assim que o empregado saiu, Degel tratou de tranquilizar o pokemon.
"Está tudo bem, Mightyena. Está seguro aqui. Eu jamais deixarei que alguém faça mal a um companheiro de leitura. Você pode ficar aqui."
Apesar de não sair da sala, Mightyena permaneceu sentado, atento, mostrando os dentes de tempos em tempos. Degel lembrou-se do comentário do Grande Mestre: haviam desfeito uma rinha de poochyenas há pouco tempo, e Mightyena não havia reagido daquele jeito com ninguém além do empregado, que parecia reconhecer as marcas no corpo. Não era difícil adivinhar que Cesare era um dos participantes do esquema de rinhas.
Um livro era a coleção de quatro relatos dos casos de possessão do mal de um dos integrantes da família Kollos. O texto era bem mais detalhado do que o que conseguira com Anchialus, mas não trazia muitas dicas sobre como descobrir um caso no presente. Enquanto analisava o livro, um rapaz entrou na sala e apresentou-se.
"Senhor cavaleiro? Meu nome é Marius. Eu sou futuro senhor de Matros. Seja bem-vindo à nossa residência."
"O prazer é meu. Pode me chamar de Degel."
"O senhor Degel é um respeitado cavaleiro de ouro, Marius", comentou o senhor Matros.
"Eu ouvi falar, meu pai. É uma honra ter uma visita tão ilustre. É dono de um grande poder. Mas será que sobreviverá a guerra que está por vir?"
As palavras de Marius captaram a atenção de Degel. Como ele sabia sobre a Guerra Santa?
"Marius! Seja educado com nossa visita!"
"Perdão, pai. Mas eu li essa informação em um livro da biblioteca dos Kollos… que, a cada dois séculos, os cavaleiros de Athena enfrentam o deus Hades em uma grande guerra, e que a última foi no final século XV. Isso significa que já é tempo de uma nova guerra. Estou correto, senhor cavaleiro?"
Degel não queria responder, mas sabia que mentir seria anunciar sua desconfiança. Sorriu.
"É, você está certo, Marius. Estou vendo que sabe muito sobre nós. Não sabemos quando a guerra chegará… Mas quando chegar… todos deverão estar preparados para dar suas vidas."
"É…? A vida de um cavaleiro deve ser muito mais empolgante do que a minha! Eu tenho vontade de saber mais sobre ela. Por favor, senhor Degel, fique conosco e compartilhe suas histórias!"
"Eu gostaria, Marius, mas não posso. Estou aqui em missão. Além disso, meu companheiro de viagem não se sente à vontade aqui. A única coisa que eu peço é que me dê permissão para investigar a casa dos Kollos. Apenas isso já será um grande favor ao Santuário de Athena."
"É claro que você pode investigar a mansão", aceitou o senhor Kollos. "Marius, por que você não acompanha o senhor Degel? Garanta que ele tenha tudo que for necessário para o trabalho dele."
"Sim, meu pai. Com todo o prazer."
"Certifique-se de que Cesare ficará bem distante do pokemon. Não queremos estragar o humor de nosso visitante."
"Sim, senhor."
Ao menos conseguira a visita. No caminho para a mansão, Degel tratou de sua desconfiança.
"Marius… Você sabe me responder por que a sua família acabou sendo responsável pela propriedade dos Kollos? Não se trata de algo de seu pai…"
"Hum? Eu não sei… Mas essa não é a única propriedade de que nós tomamos conta, senhor Degel. Meu pai pode não parecer por ser rico, mas é um homem muito generoso. Além disso, cuidar da casa dos Kollos tem sido obrigação de nossa família há dez gerações. Não é o tipo de coisa que pensamos antes de fazer."
"Hum…"
"É quase como uma tradição, sabe? Além disso, a família Kollos tinha uma relação especial com a nossa. Às vezes as famílias cooperavam. Às vezes, competiam. E bem, dizem que a linha entre o ódio e a paixão é fina, não é? Imagino que seja por isso. Por aqui, senhor."
A biblioteca da família Kollos era de dar inveja. Degel olhou em volta, abismado, assim como Mightyena. Curioso, o pokemon cheirou uma das prateleiras forradas de livros empoeirados e espirrou. Degel riu.
"Tome cuidado, parece que ninguém consulta esses livros há anos, Mightyena. Estão todos bastante empoeirados, devem irritar o seu nariz, que é tão sensível…"
Mightyena fungou e seguiu-o de perto. Marius posicionou uma lamparina sobre uma antiga mesa.
"Nós costumamos vir olhar a casa, para saber se está tudo em ordem. Alguns desses livros estão em minha casa, exatamente aqueles que lhe dissemos. Mas o resto não nos interessa, e só estão pegando poeira… Meu pai mantém a casa, mas não tem tanto interesse em preservar o acervo dela…"
"É por isso que vejo pegadas na poeira do chão", comentou Degel. "Bem, estou vendo que tenho bastante material para pesquisar. Preciso começar agora mesmo."
"Meu pai disse que, se alguma coisa lhe agradar, pode ficar com ela."
"É muita gentileza dele…"
Vasculhando os documentos, Degel sujou o casaco de pó, reunindo mais de trinta livros. Enquanto isso, Mightyena zanzava pela biblioteca, cheirando em volta. A certa altura, parou ao lado de uma estante encostada à parede e ficou cheirando o pé do móvel, insistentemente. Marius aproximou-se de Degel.
"Senhor Degel, eu temo que tanta poeira faça mal ao seu mightyena, senhor. Ele está se comportando de forma estranha."
"É mesmo? Mas eu não posso mandar que ele saia daqui. Eu já disse que esse mightyena não é meu, ele apenas decidiu me acompanhar nesta viagem. Ele é muito arisco, e, até agora, nem sequer toquei em um só pelo dele. Entende o que digo? Ele está aqui porque quer, não porque eu mandei. Não posso fazer nada se ele quiser ficar aqui."
"Mas… Trazer um pokemon para cá pode ser bem anti-higiênico…"
"Escuta aqui", respondeu Degel, sem esconder sua irritação. "O Mightyena pode não ter tomado um único banho na vida, mas está bem mais limpo do que essa biblioteca empoeirada. Não sei qual é sua implicância com ele, mas…"
Ouviu-se um clique, seguido de um barulho. Parecia-se com um móvel se arrastando. O armário deslocava-se para o lado, sozinho, enquanto Mightyena, assustado, rosnava para a parede. Atrás do armário, havia um buraco, grande o bastante para caber um homem adulto. Surpreso, Degel levantou-se e discretamente olhou para Marius, que parecia mais amedrontado do que assustado de fato. Caminhou até a abertura e notou que o pé do armário estava cheio de saliva e de marcas de dente do pokemon. Inspecionando com cuidado, encontrou ali um botão escondido.
"Hum… Parece que os Kollos possuíam seus próprios segredos. Você sabia disso, Marius?"
"É a primeira vez que vejo isso, senhor!"
"De qualquer forma… Só há uma forma de descobrir o que eles tanto escondem, não é? Mightyena, você fez um bom trabalho encontrando isso."
Mightyena entrou pelo buraco sem hesitar. Degel pegou a lamparina e foi logo atrás do pokemon, atento aos movimentos de Marius. Havia a possibilidade de o rapaz conhecer aquela passagem, considerando como tentara afastar o Mightyena dali.
O buraco era estreito apenas nos primeiros metros. Degel acabou em um corredor escuro e viu Mightyena esperando por ele. O pokemon continuou andando, quase como que o guiando, e o cavaleiro confiou nele inteiramente. Marius vinha logo atrás, alertando.
"Senhor Degel, pode ser perigoso…"
"Pode esperar na biblioteca, Marius", respondeu, mesmo sabendo que o jovem não o deixaria sozinho.
Mightyena parou em um apertado cômodo, farejando, e olhou para o lado. Degel viu um armário e ergueu a lamparina. Era uma estante, forrada de livros. Surpreso, pegou um dos títulos: história da família Kollos. Mightyena cheirava os livros da fileira mais baixa, curioso. Foi quando o cavaleiro se deu conta: aqueles livros não estavam empoeirados como os da biblioteca, apesar de haver uma quantidade razoável de sujeira no chão. Mightyena latiu e apontou com o focinho para o outro lado do cômodo. Havia uma caixa no chão.
Sentiu um cosmos. Imediatamente colocou-se entre Mightyena e Marius, queimando o seu próprio cosmos. A caixa de madeira começou a tremer e a liberar uma aura maligna. E Degel percebeu o que estava acontecendo: Marius já havia despertado como espectro.
A caixa não suportou a pressão e estourou. Degel protegeu Mightyena com o corpo e viu as peças da sapuris voarem para Marius, que já saltava sobre eles com o punho em cosmos. Era um espaço apertado, no subterrâneo, mas isso não pareceu deter o espectro. Degel desviou-se do soco, que destruiu o chão, causando um efeito em cadeia. As paredes se desestruturaram, e vigas se partiram ao meio. Como resposta, Degel queimou o cosmos e aplicou um soco na parede, abrindo um buraco até a superfície e congelando-o ao mesmo tempo, formando um túnel. Mightyena não precisou do comando para entender. Saltou no túnel e correu para cima, seguido do cavaleiro. Assim que retornaram à superfície, viram a mansão desabar e Marius saltar para fora dos escombros, pronto para lutar.
Um tiro passou perto de Degel e de Mightyena. Próximo a eles estava Cesare, apontando uma arma de fogo.
"A próxima eu não vou errar, cavaleiro!"
Mightyena rosnou, mas desta vez não ficou na defensiva. Saiu correndo e avançou sobre Cesare, vindo a morder o cano da arma. Degel quis ir atrás para ajudá-lo, mas foi atacado por Marius. Ao mesmo tempo, o senhor de Matros saía da mansão, junto com as empregadas.
"Marius, o que significa isso?!"
"Heh, só agora o velho notou! Pai! Você é o próximo! Para eu provar minha lealdade ao senhor Thanatos…"
Degel apressou-se para atacar Marius, pois assim poderia ajudar Mightyena mais rápido. Contudo, o espectro conseguiu se defender, provando que renderia uma luta mais alongada. Por isso, virou as costas e correu para ajudar Mightyena antes, que acabava de levar um golpe com o cabo da arma. Ao ver o fuzil apontado para ele, saltou e, com a mão congelada, tampou a saída do projétil. A camada de gelo não foi suficiente para protegê-lo totalmente da bala em sua mão. Além disso, um golpe lançado por Marius atingiu-o por trás, nas costas, levando-o ao chão. Mighyena olhou para o lado e soltou um ataque à distância. Ondas de energia negra fluíram de sua boca, forçando Marius a defender-se. Degel rapidamente levantou-se e nocauteou Cesare com um soco. Em seguida, queimou o cosmos e chamou a armadura, perdida entre os escombros.
O poder extra ofertado pela armadura era suficiente para dar cabo do espectro. Unindo as mãos acima da cabeça, lançou a Aurora Execution, que atingiu Marius em cheio. O golpe não o matou, mas debilitou-o.
"Cavaleiro imbecil. Eu preciso…"
"Pare com isso, Marius", disse Degel, tentando dissuadi-lo. "Ainda dá tempo de você desistir de ser um espectro. Você tem tudo para ter uma vida confortável, por que vai gastá-la numa guerra? Você não foi feito para isso!"
"Cale a boca! Eu preciso provar para o senhor Thanatos…"
Ouviu-se um estouro. Degel notou o projétil passando distante dele e de Mightyena e afundando-se no meio da testa do surpreso Marius. Olhando para trás, encontrou o senhor Matros, com a arma de Cesare em mãos.
"Pai!"
"Um caminho já percorrido não é estranho na segunda vez", disse o nobre. "Não vou permitir que meu filho conheça esse caminho…"
O senhor Matros derrubou a arma no chão e cobriu o rosto, numa careta angustiada. Degel admirou a coragem do homem, ao mesmo tempo que se perguntava se não haveria outra forma de resolver a situação. Após alguns segundos, a sapuris pareceu derreter e evaporar do corpo de Marius, sem deixar rastros. Degel observava os vapores da sapuris espalharem no ar, quando sentiu algo molhado tocar em seus dedos. Era Mightyena, lambendo o sangue que escorria de sua mão. Fez uma carícia na cabeça do pokemon, que abanou o rabo em resposta. Era o primeiro toque entre eles.
Degel fez questão de adicionar um soco extra no rosto de Cesare por ter golpeado Mightyena e por seu provável passado nas rinhas de poochyenas. Naquele dia, foi convidado a passar a noite na casa dos Matros e aproveitou para investigar o que conseguira recuperar entre os escombros. Encontrou, nos arquivos escondidos, um diário escrito por um falecido membro da família Kollos que tivera um caso com alguém da Matros. Essa pessoa veio a ter um filho, que mais tarde se tornou o senhor da família Matros. Quando soube dessa história, o senhor Matros garantiu que a família acabaria com ele, e pediu licença para velar o corpo do filho.
As costas ainda doíam quando acordou no dia seguinte. Degel gemeu um pouco ao ajeitar-se no colchão e ouviu um ganido. Mightyena, deitado junto dele, fitava-o preocupado, com um rosto triste. Degel acariciou-lhe o pescoço.
"Eu vou ficar bem, não se preocupe."
Como resposta, recebeu lambidas carinhosas no rosto. A postura do pokemon havia mudado completamente depois da luta. Degel afastou-o um pouco, afagando o pelo macio.
"Estou vendo que você perdeu todo o medo de mim. Já que é assim, como agradecimento por ter me ajudado neste trabalho, o que me diz de vir morar comigo? Eu sei, você deve ter passado por momentos difíceis. Você não precisa mais lutar, Mightyena. Pode apenas ficar em casa relaxando e ouvindo as histórias que eu conto, o que acha?"
Mightyena lambeu-o mais ainda, com os olhos brilhando e balançando o rabo sem parar. As Doze Casas acabavam de ganhar mais um morador.
Ouviram algumas batidas na porta, e uma empregada entrou, carregando o café da manhã. Ela deixou água e comida no chão para Mightyena e entregou o resto da bandeja para Degel.
"Espero que se sinta melhor hoje, senhor Degel."
"Estou melhor sim, obrigado. Muito obrigado por permitirem minha estada esta noite. Vou embora hoje mesmo."
"Mas já?! O senhor se feriu ontem, devia descansar."
"Eu posso me recuperar melhor em casa. Além disso, dormir uma noite aqui me ajudou bastante. Eu sinto que tenho condições de viajar de volta ao Santuário de Athena. E também… tem alguém aqui que está ansioso para voltar para casa."
"Então… eu vou avisar o senhor Matros. Ele me disse que escreveria uma carta para o Grande Mestre do Santuário para explicar os motivos dele."
"Eu fiquei impressionado pela coragem dele…"
"Bem… Aparentemente, o senhor Matros já sabia que ele tinha o sangue dos Kollos. No entanto, ele nunca comentou sobre esse assunto, nem com os empregados. Mas não diga a ele que eu revelei isso. Em troca, vou dar ao seu mightyena algumas berries frescas, colhidas no nosso jardim."
"Essa me parece uma troca muito boa."
Degel conversou com a simpática empregada por mais um tempo, até que terminou de comer e começou a preparar-se para voltar ao Santuário. Desta vez, não teria de ser tão cauteloso com sua companhia.
Durante os dois dias de retorno, Mightyena permaneceu o tempo todo junto dele, ajudando com pequenas coisas quando possível e ouvindo com empolgação as histórias do livro. No caminho, passaram para ver os skitties, que conseguiram finalmente brincar um pouco com Mightyena, e, quando chegaram às Doze Casas, quase foram atacados por Purrloin, que novamente parecia enfurecido por causa de Sísifo. Este apareceu para pedir desculpas. Enquanto falava sobre a missão, Degel não pôde deixar de notar a forma como Sísifo olhava para Mightyena.
"Ei… Algum problema, Sísifo? Esse mightyena virou meu amigo e agora vai morar na minha casa. Tenho certeza de que ele vai se comportar, então você não precisa se preocupar."
"Eu não tenho dúvidas disso. Eu só gostaria de saber qual é o seu segredo."
"Meu segredo?"
"É… Afinal, minha serva está criando uma praga bem na minha casa", respondeu Sísifo, apontando para o Purrloin, que tentava, com insistentes arranhões, abrir a porta da sala de estudos do mestre do templo. "Mightyenas são bastante agressivos e ariscos. Como é que você conseguiu controlar tão bem esse aí?"
"Bem… Talvez se você tratá-lo com delicadeza…"
"Mas quando eu tento fazer isso…"
Purrloin, irritado, escalou Sísifo pelo pé e começou a arranhar-lhe furiosamente o rosto. Em seguida, pendurou-se na cabeça do cavaleiro, com toda a folga.
"Neste caso", comentou Degel, olhando para os arranhões e sorrindo amarelo, "talvez caiba aquilo que dizem… sobre a fina linha entre paixão e ódio."
"Ah, qual é? Diga o segredo. Isso ia melhorar bastante minha qualidade de vida. Até ia melhorar o meu rendimento… Você não quer passar uma semana com ele e tentar domá-lo?"
Purrloin rosnou e exibiu as afiadas garrinhas. Mightyena, vendo aquela situação, deu meia volta e saiu correndo na direção do templo de Aquário. Degel aproveitou a brecha.
"Ah, não! O Mightyena está fugindo! Desculpe, Sísifo, depois a gente se fala! Eu preciso alcançar o Mightyena!"
"Ei, espere!"
Degel e Mightyena correram até Capricórnio, onde o ambos suspiraram de alívio. Não havia qualquer necessidade de palavras para se entenderem. Riu. O cavaleiro percebeu, cheio de satisfação, que conquistara o melhor dos parceiros.
FIM
