O som de copos de vidro quebrados ao serem jogados com força na parede pode ser ouvido claramente por toda a extensa casa. Assim, como também a voz de um homem e uma mulher em uma briga acalorada. A porta da frente foi fechada com intensidade logo em seguida.

Pés pequenos e descalços caminharam lentamente até o topo da escada. Grandes olhos verdes e brilhantes observaram atentamente uma mulher de longos cabelos preto e olhos verdes semelhantes, sentada em uma poltrona com uma taça de saquê em uma mão e na outra um cigarro aceso. O cheiro era sentido até onde a criança estava na escada.

Havia vários fragmentos de vidro quebrado espalhados pelo chão da sala, mas a mulher parecia indiferente a esse detalhe, se portando como alguém acima de todos e que acabou de presenciar a birra de uma criança que não sabe seu lugar. Seu olhos só transmitiam frieza e arrogância enfeitados em todo o seu ser.

O dono dos pés pequenos voltou a caminhar silenciosamente em direção a porta no final do corredor.

A porta foi aberta com um fantasma de um sussurro. A pequena criança se dirigiu para a frente de um grande espelho, escondido no canto escuro do quarto mal iluminado, sendo a única fonte de luz vindo das brechas da janela, causadas pela lua esta noite. Mas era o suficiente para iluminar as feições da pequena criança, assim, como também mostrar as marcas pretas e roxas que decoravam seu frágil corpo, o único lugar ileso preservado sendo o rosto e o pescoço. Para não causar suspeitas de agressões a uma criancinha.

Uma pequena mão subiu para tocar o rosto imaculado, passando lentamente os dedos em um toque delicado, com medo de se transformar igual ao resto desse corpo maltratado. Sua mão logo seguiu com lentidão para segurar delicadamente uma mecha de seu cabelo.

Os olhos nunca se desviam da imagem refletida no espelho.

Sakura.

Esse foi o nome que seus pais escolheram quando nasceu. Simplesmente porque era rosa.

Ela tinha cabelo curto com franja em um corte masculino, sua franja quase escondendo seus olhos.

Sakura olhou para a cor de seu cabelo e relembrou de uma garota da academia que estava com um vestido rosa florido. Lembrou quando os pais dela foram pegá-la, assim como tantos outros da vila. Os sorrisos de felicidade grudados em seus rostos parecendo que nunca iriam sumir.

A imagem perfeita de uma família normal e feliz. Daquelas em que sempre aparecem quando uma criança chora por ter arranhado o joelho ou só por pirraça.

Sakura continua olhando para o espelho, principalmente para seus olhos verdes que parecem brilhar na escuridão do quarto. Ela imagina se aquela menina derramaria lágrimas se vive-se sua vida.

Nenhuma lágrima se mostra em seus olhos esmeraldas, fazendo Sakura se perguntar a razão de não chorar como as outras crianças de sua idade. Afinal, existe mais do que um arranhão em seu joelho.

Nunca deixarei você derramar uma lágrima por ninguém, Outer.

Ah, agora ela lembra o motivo. Sakura nunca vai derramar lágrimas ou mostrar qualquer fraqueza para alguém ou seus pais.

- Eles estão ficando mais agressivos, Inner.

Eu sei, Outer.

Sakura olhou para a lua da janela do seu quarto. Estava ficando tarde, amanhã teria academia. A luz emitida pela lua foi sumindo enquanto algumas nuvens a cobriam. O quarto voltou a ser banhado pela escuridão.

Sakura continuou olhando para seu reflexo no espelho, seus olhos verdes sendo a única coisa que aparecia com clareza.

- Eu não quero morrer, Inner.

Eu também não… É por isso que precisamos realizar nosso plano.

Sim, a Inner estava certa. Se elas demorarem mais, acabarão morrendo pelas mãos de seu pai ou de sua mãe.

O plano que acabaria com sua miséria e consequentemente com sua horrível vida dentro dessa casa.

O plano que a libertaria das garras dos dois seres humanos mais desprezíveis de sua infeliz vida.

O plano para matar seus pais.