Os gemidos de prazer de uma mulher podiam ser ouvidos claramente devido a fina parede que separava os dois quartos. Seu pai deveria ter trazido uma das prostitutas do distrito, isso significava que pelos sons vindos do andar de baixo, era sua mãe que estava com acompanhante na sala.

Sakura sabia que sua família nem de longe chegava perto de ser perfeita.

Prova disso, seria que eles moravam no Distrito Vermelho. Seus pais eram donos da maioria dos bordéis e estabelecimentos, trabalhavam juntos mesmo apesar do relacionamento estranho que tinham. Eles eram casados e se amavam de uma forma distorcida, onde ambos gostavam de ter relações com outras pessoas. Principalmente mulheres e homens de seus bordéis. Sakura sabia também que muitas vezes, não era consensual da parte da outra pessoa. Ela ainda podia lembrar dos gritos de dor e choro vindos do quarto.

Essas eram memórias que ela dava para Inner jogá-las e trancá-las em uma parte escura de sua mente. Inner era a voz em sua cabeça, uma que sempre esteve lá, mantendo companhia e sua sanidade nessa casa. O que é bastante irônico é que o que a mantém sã é uma voz em sua cabeça.

Seus pais não eram boas pessoas, Sakura sabia disso melhor do que ninguém.

Sua barriga roncou outra vez, já fazia horas que tinha comido e estava com fome. Mas, a única maneira de chegar à cozinha é passando pela sala. Sakura não se importava com isso, mas sua mãe comcerteza acharia educativo fazer sua filha de cinco anos, assistir ela fazendo sexo com um homem ou mulher que estiver com ela.

Não é agradável. E Sakura também estava com muito sono, ela não queria ficar acordada e com fome enquanto era forçada a assistir algo que era muito normal nessa casa.

Sua barriga roncou outra vez, essa seria mais uma noite longa pela frente. Se ela tivesse sorte, uma das prostitutas do bordel iria dar comida para ela amanhã. Muitas delas eram gentis apesar de que ela era filha das pessoas que mais odiavam.

Seu clã é diferente de todos os outros da vila. Pelas as histórias que muitos velhos contavam, a vila antes era dividida entre os clãs shinobis, os civis e aqueles que eram ignorados e jogados no Distrito Vermelho. Mas, o desastre do dia 10 de outubro, onde teve o ataque da raposa de nove caudas, causou uma divisão e uma grande mudança na estrutura social que compunha Konoha.

As áreas mais afetadas e com mais mortes foram a de civis, os shinobis protegeram os seus e lutaram contra o monstro, enquanto os civis eram protegidos pelo clã Uchiha e o Distrito Vermelho era deixado de lado. Contudo, foi o Distrito Vermelho que teve a maior devastação.

Enquanto o seu próprio Hokage, aquele que deveria cuidar de todos os cidadãos, ignorou os corpos sem vida no distrito, ignorou seus pedidos de ajuda aos feridos e traumatizados, ignorou sua existência e fingiu que eles não faziam parte da vila ou mereciam sua atenção, eles resolveram tomar as rédeas. Parte de todo o distrito foi destruído, outra parte era só de corpos e o resto passava fome e frio. Nunca apareceu um único shinobi para ajudar.

Eles foram esquecidos e vistos como lixo.

Konoha poderia ter sofrido um grande ataque, perdido seu quarto Hokage e ter tido baixa em suas fileiras. Mas, eles também não faziam parte da vila ? Eles também não eram cidadãos que sofreram como todo o resto da vila ?

Eles aprenderam que não.

Para Konoha, o distrito vermelho não passava de um lugar que servia para juntar indivíduos rejeitados pela sociedade e usados conforme suas necessidades. Então, quando não apareceu ninguém para tirar e cuidar dos corpos em decomposição, eles mesmos juntaram todos e queimaram logo depois de fazerem suas orações para os mortos.

Quando ninguém entrou no distrito para atender seus feridos, eles mesmos cuidaram um dos outros. Quando ninguém apareceu para reconstruir suas casas e prédios, eles mesmos reconstruíram o lugar com suas próprias mãos, mas diferente do que era antes. Eles perceberam que para sobreviver, teriam que depender um do outro, foi assim que seu clã foi formado. O que era um distrito caído e abandonado, se tornou um complexo gigante que reunia os indivíduos que a vila descartava.

O clã se tornou um só.

Funcionou à sua maneira, eles não amavam uns aos outros, não se intrometiam na vida do outro, mas se alguém passava fome, sempre haveria um deles que impedia que morresse de fome ou de frio e dava um lugar para morar. Eles poderiam não ter o mesmo sangue, mas depois de tudo, eles formaram um laço mais grosso do que o sangue diferente que corria em suas veias.

O momento em que o distrito vermelho deixou de ser unicamente um lugar para os prazeres dos shinobis e civis, deixou de ser usado como lixo, foi depois que as primeiras pessoas que apareceram foram para satisfazer suas necessidades e não para mais nada. Foi naquele momento, que eles decidiram que não seriam apenas objetos. Konoha tinha esquecido deles, então eles próprios decidiram criar suas próprias regras e leis.

Eles não aceitavam quem viam de fora e escolheram formar um clã. O resto da vila riu deles, em suas cabeças era engraçado que indivíduos como prostitutas, ladrões, mendigos, órfãos e alcoólatras, criassem um clã. Só que sua diversão não durou muito, logo o resto da vila percebeu que realmente eles se tornaram um clã e o distrito vermelho não era mais o que era antes, ele se tornou algo separado da vila.

E o Lorde Terceiro deixou que eles vivessem como quiserem com a condição de não causar problemas fora do complexo, eles concordaram com a condição de os shinobis e os civis não entrassem sem permissão ou intrometer-se em seus assuntos. Ainda tinha bordéis, bares e outros estabelecimentos, mas para entrar em qualquer um deles, precisaria da permissão das pessoas que tinham poder de autoridade sob os demais.

Seu clã se tornou isolado do resto, agressivo, violento e leal. Porque apesar de tudo, eles eram uma família, distorcida, mais ainda uma família. Distrito vermelho, se transformou em Clã Haruno, esse nome era a própria diversão mórbida de seu clã, afinal, significava seu nascimento em uma primavera.

Existiam apenas três regras primordiais que devem ser seguidas entre eles.

A primeira, nunca tire nada que é do outro.

A segunda, que acontece no distrito Haruno fica no distrito Haruno.

A terceira, nunca machuque um dos seus.

Havia outras regras, mas essas eram as mais importantes. Sakura só tá relembrando, porque seus pais estão quebrando uma delas.

A terceira, nunca machuque um dos seus.

Ela sabe que os homens e mulheres que eles abusam não vão denunciar para os outros, seria um sinal de fraqueza e permissão para alguém pior tomasse o lugar. Não vai demorar para seus pais fazerem algo com ela ou forçá-la a se tornar alguém que não quer. É por isso que Sakura precisa resolver isso antes que seja tarde.

Os sons vindos lá de baixo pararam faz um tempo.

Desça e coma, Outer. Ela deve tá dormindo e qualquer companhia que esteja com ela vai deixar você passar sem fazer nenhum alarde.

Sakura ouviu a sugestão de Inner e fez seu caminho até a cozinha, no meio dele, ela se deparou com sua mãe nua no sofá e uma outra mulher também dormindo. Não era a falta de roupas e sua nudez que fizeram Sakura parar e analisá-las, foram as tatuagens que existiam em seus corpos.

Marcas de alma.

Era uma tatuagem que surgia aos sete ou oito anos de idade de uma criança e tinha a cor cinza, apenas quando os dois ou mais indivíduos ligados pelo fio vermelho tinham algum contato físico com o outro, a marca ganharia vida e mudaria de cor, só assim que eles sabiam que tinham encontrado sua alma gêmea. Sua mãe e seu pai tinham marcas de alma que os conectam. É por isso que eles se casaram e tem esse relacionamento distorcido de amor.

Que degradante, viver sua vida e confiar em outra pessoa apenas porque ela compartilha um laço de alma com você.

Irritante.

Sakura tinha quatro anos quando uma das prostitutas lhe informou o que significava as tatuagens. Foi a partir daí que ela conseguiu entender um pouco o relacionamento de seus pais e outros dentro do clã. Foi também nessa idade que Sakura, uma criança que ainda não tinha despertado sua marca, decidiu que nunca ficaria à mercê de ninguém ou deixaria sua vida ser comandada por causa de algo como uma marca de alma em seu corpo.

É por isso que suas roupas sempre consistiam em calças, casaco grande com capuz cobrindo seu cabelo e parte de seu rosto, luvas e botas. Não deixando nenhum espaço de pele visível para ser tocado por outra pessoa, diminuindo suas chances de encontrar suas outras metades que compartilhavam esse laço vermelho, seja por acidente ou qualquer incidente do destino.

Ela não perdeu mais tempo observando as duas mulheres no sofá, continuou seu caminho até a cozinha e comeu o que existia nos armários sem fazer nenhum som para que sua mãe não acorde e decida dar aulas educativas para Sakura.

É quando ela está voltando para seu quarto e passa pela mulher ao lado de sua mãe, que Sakura nota olhos verdes como os seus a observando atentamente. A mulher acena para Sakura e depois dirige seu olhar afiado para sua mãe. Um aviso de que ela iria acordar logo e a criança de cinco anos deveria ir embora logo. Sakura acenou em agradecimento e voltou para seu quarto. Os gemidos lá de baixo retornaram logo depois.