Lucas sentou-se no banco do passageiro do carro da família se jogando de vez, o que fez o banco ranger.
-Cuidado aí - a mãe o alertou, o que o fez se arrepender de como tinha sentado, pensando que era mais um motivo para levar uma bronca enorme.
-Desculpa - ele murmurou, mal humorado.
Natália então se pôs a dirigir, voltando para casa com o filho suspenso da escola. Depois de alguns momentos de silêncio, ela finalmente deu um suspiro alto.
-Me fala meu filho, o que é que eu vou fazer com você? - ela confessou seu sentimento de derrota - eu ir três vezes na escola só esse ano por sua causa não é nada bom, então Lucas, me diz alguma coisa.
-Eu já pedi desculpa, o que mais você quer que eu faça? - ele deu de ombros.
-Não sei, você se comportar melhor pra começar - ela sugeriu, um pouco irritada - sério, por que você jogou a bomba de mau cheiro no meio da quadra?
-Eu só queria dar um lição neles, sabe como os meninos do time se acham e pegam no meu pé, porque segundo eles, eu não passo de um skatista maloqueiro - Lucas tentou se justificar, ainda em tom revoltado.
-E você nunca pensou em falar pra uma professora sobre isso? - a mãe sugeriu, cansada.
-Adianta alguma coisa quando eles não acreditam em mim? - ele deu de ombros outra vez, mas com mais ênfase - eu já sou o vilão dessa história faz tempo, mãe.
-Eu entendo seu sentimento - Natália suspirou, tentando manter a calma e cedendo à compreensão - querer fazer justiça com as próprias mãos, eu era assim quando eu era mais nova, mas tem outros jeitos de resolver esses conflitos, por mais ineficazes que eles possam parecer no momento.
-Tudo bem, entendi o que quis dizer - Lucas respondeu - é melhor eu sossegar por um tempo, né?
-É, que bom que você entende - ela conseguiu sorrir depois de todo sentimento de cansaço - você sabe que ainda vai ter que enfrentar o seu pai, não sabe?
-Sei - aqui, Lucas começou a se desesperar pra valer, sentindo que nada que fizesse para evitar um castigo adiantaria.
-Sugiro ficar quietinho e concordar com a punição - Natália respondeu - se for muito ruim, prometo conversar com ele.
-Valeu, mãe - Lucas conseguiu sorrir também.
-Ah mas eu quero que me prometa uma coisa - ela propôs.
-Sim? - ele ficou desconfiado.
-Se comporte até o final do ano e não me faça voltar pra escola esse ano por sua causa, por favor, filho - ela pediu, com toda súplica que podia.
-Eu prometo, que vou tentar - Lucas disse de coração.
Chegando em casa, o menino se preparou para o pior, enfrentar o pai.
Tiago podia ser bem severo quando queria, mas na maioria das vezes, ele era brincalhão e compreensivo, mas o conhecendo bem, Lucas sabia que se tratava da primeira opção quando ele soubesse da suspensão.
-Lucas? Oi, o que tá fazendo aqui? - Tiago deixou as contas que estava fazendo de lado para falar com o filho - e Natália? Ligaram pra você da escola? Cadê seus irmãos? Tá tudo bem?
-Bom, o diretor me ligou sim, amor - sua esposa explicou - eu trouxe o Lucas mais cedo pras crianças não perderem aula.
-E o que foi que você fez dessa vez? - ele estreitou os olhos perigosamente, e o menino encolheu os ombros.
-Eu joguei uma bomba de mau cheiro no meio do jogo da interclasse - Lucas confessou seu erro - eu já pedi desculpas ao diretor.
-Ele acabou levando uma suspensão - Natália acrescentou, com toda calma que podia.
-O que? Lucas, o que é que você tava pensando? - Tiago falou um pouco mais alto.
-Foi só uma vingança boba, eu já prometi pra mãe que isso não vai se repetir - ele murmurou em resposta.
-Acho bom mesmo - o pai reforçou - e o senhor está de castigo, sem celular e sem skate por duas semanas, quero ver você pegando a matéria perdida com alguém e estudando, entendeu?
-Mas pai, sem skate? Aí você pegou pesado demais! - Lucas reclamou um pouco mais alto.
-Três semanas se continuar reclamando, você sabe que mereceu - o pai o cortou.
-Sim, senhor - só restou ao menino aceitar o castigo.
Um tempo depois, Tiago saiu de casa e buscou o restante dos filhos. Ele tentou não parecer tão calado no caminho, perguntando como tinha sido o dia deles, sem receber muitas respostas de Karla e Natan, com certeza preocupados com o irmão. Tainara por sua vez, não deixou de tagarelar, como sempre fazia.
-Hoje eu fui a terceira a terminar a atividade de matemática, foi meio difícil, mas pelo menos eu entendi a explicação e consegui fazer - citou a menina de 7 anos - ah a Sara levou bolo de chocolate no lanche e repartiu comigo.
Ela continuou por mais alguns momentos, até chegarem em casa. Apesar da falação da irmã, Natan e Karla notaram o pai um pouco mais sério que o habitual. Imaginavam que o motivo era Lucas, e que o irmão mais novo já devia ter levado uma bronca daquelas.
Chegando em casa, os irmãos largaram as mochilas no quarto e rumaram pra cozinha, atrás de alguma coisa pra comer. Lucas se juntou a eles depois de ouvir o barulho de sua chegada. Tiago deixou que eles terminassem antes de conversar com eles.
-Eu preciso falar uma coisa séria, crianças, com todo mundo - o pai anunciou, ganhando a atenção de todos.
-Se é sobre mim, achei que já tínhamos resolvido - Lucas deixou escapar.
-Não é sobre você, já conversamos - Tiago explicou - bom, eu recebi uma proposta de emprego, uma muito boa inclusive, e pensando no bem de todo mundo, e que talvez uma mudança vai fazer bem pra todos nós, a gente vai se mudar pro litoral.
-O que? - veio o grito em uníssono dos irmãos.
-Como assim, pai? Sem mais nem menos? - Karla se levantou, não gostando muito da ideia.
-Eu sei que é repentino, mas eu pensei bastante e decidi que eu vou - Tiago continuou - eu sei que é difícil essa coisa de mudança, mas o importante é que estamos juntos nessa, eu prometo que vamos voltar aqui sempre pra visitar os amigos de vocês.
-Eu não quero me mudar - Tainara começou a chorar.
-Tainara, eu sei que é difícil, mas pensa nisso como uma aventura - o pai segurou a mão dela, tentando consolá-la - você vai poder fazer novos amigos lá, e lá tem praia, podemos ir sempre que vocês quiserem.
-Eu não sei se eu curto muito esse lance de praia - Karla comentou, mal humorada.
-Gente, vocês ouviram o pai, é pro nosso bem, se ele tiver um trabalho melhor, nossa vida vai ser melhor, a gente ganha com isso - Natan tentou apaziguar.
-Até parece que você tá todo animado pra se mudar, você gosta daqui de Omaticaia demais pra querer sair daqui - Lucas apontou.
-Só tô tentando ajudar - o mais velho respondeu de volta, magoado.
-Olha eu sei que é difícil, mas vocês precisam ter paciência, principalmente um com o outro - Natália aconselhou - vocês tem direito a ter sua própria opinião sobre a mudança, mas meus amores, eu peço que foquem no lado positivo disso tudo, nossa vida vai melhorar, vamos poder fazer mais passeios em família e vocês vão ganhar presentes melhores.
-Tá bom, mãe, não precisa exagerar - Karla deu de ombros - a gente não pode fazer nada pra impedir isso, então só resta se conformar.
-Esse sentimento vai melhorar com o tempo, prometo - Tiago tentou consolá-los.
-Melhor mesmo - Karla fez uma última reclamação e saiu dali, os irmãos também saíram com ela.
Cada um remoeu a notícia no seu próprio quarto, cheios de indignação e revolta.
