Depois de um período de sono extenso, Spider acordou, ainda tendo dificuldade de acreditar onde estava, mas sabendo que aquela era a melhor opção que tinha. Sua curiosidade e senso de exploração o fizeram levantar e sair daquele quarto, além de querer não se sentir tanto como um prisioneiro.

Varang o encontrou e o impediu de fazer qualquer coisa. Ele não estava muito disposto a seguir o conselho de Quaritch, mas ela o lembrou que era melhor ficar por ali. A mulher ainda o impressionava, por sua aparência sutilmente ameaçadora ou pelo fato de que ela era esposa de Quaritch.

Ela explicou o lado dela de toda história em que se conheceram e tiveram seus dois filhos, um deles não chegando a ser completamente gerado.

Tudo o que Varang desejava ao menino era que ele se sentisse em família e em casa. Ela o convidou para um abraço, deixando que sentisse o movimento do seu bebê. Spider se comoveu com o gesto, impressionado por tamanho acolhimento. Talvez, por fim, houvesse ali a chance de ter sua própria família, o que mais desejava no mundo inteiro. Dizer que não queria estar com Varang e Quaritch e o irmãozinho dele que iria nascer era uma grande mentira.

Foi com essas reflexões que Miles Socorro decidiu ficar com a família que o estava acolhendo.

-Bom, acredito que precise de tempo para pensar sobre o que me disse, sobre querer ter uma família - ela disse, de repente - eu vou deixá-lo agora, há muitas coisas que precisam da minha atenção no momento, mas se houver qualquer coisa que queira me contar, estou disponível.

-Obrigado, Varang - respondeu o garoto, impressionado com o que tinha acontecido, se acostumando a dizer o nome dela em voz alta.

Dessa vez, apesar de muito inquieto, Spider decidiu obedecer o conselho de Miles e ficar por ali mesmo, esperando o retorno dos dois. Não era porque não sairia dali que ele ficaria exatamente parado. As armas da casa estavam à sua disposição para explorar. Claro que eram três vezes do tamanho dele, mas isso não o impediria de ao menos observá-las.

O arco tinha entalhes curiosos, quase como se o povo das cinzas tivesse uma escrita própria. Para estarem em um arco, deviam significar alguma coisa importante. Então Spider começou a notar um padrão neles, eram desenhos, imitando formatos de guerreiros com tochas acesas nas mãos, era um desenho muito simples, mas pelo que o menino notou, representava bem quem eles eram.

Foi então que ele experimentou segurar o arco e ao menos puxar a cordão, mesmo sem ter uma flecha para atirar. Segurou o cordão para trás o máximo que pôde, mas quando o soltou, sentindo o couro cortar sua mão.

-Ai! - exclamou o menino em voz alta - droga de arco estúpido maior que eu!

Pensou em sugar os dedos para conter o sangue, mas lembrou-se da máscara o separando da própria mão. Ele sabia que havia ao menos plantas medicinais e ataduras na cabana, assim, teve que se virar sozinho e fazer o próprio curativo. Era um sentimento que ele conhecia bem, solidão. Tinha batido justamente no lugar que ele tinha decidido chamar de lar. Mesmo com sua decisão tomada, tudo ainda parecia estranho, até mesmo hostil, nada preparado para ele. O menino esperava que as coisas mudassem com sua estadia ali.

-Spider, está tudo bem? Espero que não tenha fugido - Miles entrou na cabana, com uma caça nas mãos, um pássaro dos vulcões.

-Eu achei que não era um prisioneiro aqui - seu filho rebateu, ainda arrogante e prepotente.

-E não é, estava brincando - seu pai tentou se desculpar - você está bem? O que aconteceu com sua mão?

-Eu me cortei mexendo num dos arcos, desculpe por não conseguir parar quieto - ele deu de ombros, confessando seu infortúnio.

-É uma pena que tenha se machucado, mas te conhecendo bem, não esperava que ficasse exatamente quieto - MIles se aproximou, averiguando a mão dele com delicadeza.

-Tem certeza que me conhece? - o garoto aproveitou o momento para confrontá-lo.

-Qual é, Spider, por que essa marra de repente? - seu pai deu de ombros, não entendendo a revolta.

-Não é marra, é só querer que você saiba do que tá falando - ele tentou se explicar.

-Tudo bem, eu vou dizer o que eu penso - Miles se sentou com paciência na frente do filho - talvez não seja exatamente o que você quer ouvir.

-Sinceridade é uma boa pedida pra nós dois - Spider concordou.

-Muito bem, espertinho - seu pai suspirou - eu não te conheço direito mesmo, eu não vi você crescer, não ouvi sua primeira palavra, não vi seus primeiros passos, não cuidem de você quando se machucou, não te ensinei a pescar ou coisa do tipo, mas eu conheço o garoto durão e teimoso que me ajudou mais do que compreende.

-É, eu te ajudei a fazer seu trabalho de vilão - Spider comentou por cima - eu não me orgulho disso.

-Eu também não, não mais - o olhar de Miles se tornou triste e distante por um breve momento - mas se não fosse por você me ensinar a falar na'vi, a entender os costumes, eu não teria sobrevivido aqui, eu não teria conhecido a mulher da minha vida.

-Certo - aquilo chamou a atenção de Spider, porque como ele tinha pedido anteriormente, seu pai estava sendo sincero, realmente.

-Eu conheço esse garoto, que não para quieto, que não perde a piada, que é corajoso, que salvou a minha vida - Miles disse solenemente - será que eu posso recompensar esse garoto pelo que ele fez por mim e o que eu não fiz por ele?

-Pode sim - o menino chegou a dar um meio sorriso - a questão é que... eu ainda tenho dificuldade de acreditar em você, tem um lado em mim que me diz que a sua bondade pode muito bem ser uma armadilha.

-Eu entendo, eu fiz mal pra você, você viu o pior lado de mim, é justificável - seu pai assentiu solenemente - mas se me der uma chance, posso provar que você não tem nada a temer, tudo bem?

-Tudo bem - Spider resolveu concordar.

-Anda, me ajuda aqui com o jantar, ou pode só observar e aprender, vou poupar sua mão machucada - Miles se levantou, indo acender uma fogueira no cercado no meio da cabana.

-Valeu, pai - o menino respondeu.

Miles apenas se voltou para ele, dando um sorriso agradecido. A única maneira que queria ser chamado por Spider era de pai.