CAPÍTULO QUATRO

Naquela manhã, Gina viu a limusine chegar. Harry saltou, e Gina só tinha olhos para aquele homem alto e intimidador. Incrivelmente elegante, vestia um terno clássico cinza-chumbo, camisa branca e gravata de seda azul. Desviando a atenção dele, passou as palmas das mãos úmidas na camiseta mais apresentável que possuía.

Estava tão nervosa que começou a falar antes de abrir completamente a porta.

— Uma amiga está tomando conta de Lydia para mim... Pensei que podíamos conversar na praia... Está um lindo dia.

Lindo? Harry achava o céu encoberto, o vento muito forte e a temperatura mais para fria. Mas, afinal, o melhor clima inglês não podia competir com o calor do sol de seu país, pensou melancólico.

— Teremos mais privacidade em casa — sugeriu.

Gina ficou tensa.

— Não quero que veja onde moro — admitiu.

Harry levantou a sobrancelha.

Por que... por quê?

Gina começou a percorrer o caminho que conduzia à praia.

— Depois daquele comentário sobre pobreza, não me sentiria confortável recebendo você em minha casa. Pode não ser muito, mas gosto dela. Por que deveria aguentar você se comportando como se eu morasse numa pocilga?

— Espero não ser tão rude.

— Bem, você foi ontem. Na praia, somos iguais.

Harry não estava vestido para a praia. Será que ela secretamente esperava que ele tivesse um faniquito quando a areia entrasse nos sapatos? Viu-a dirigir-se para a beira d'água como uma criança, cada movimento dotado de energia mercurial. Linda de se olhar, mas impossível de se lidar. Era imprevisível, explosiva, impulsiva, extremamente emocional: estava deixando-o louco. Todavia, a proposta que estava prestes a fazer, restauraria o status . Seria mais fácil controlá-la quando ela estivesse morando na Espanha...

— Pensei num acordo desde que nos falamos ontem.

— É...? — Ela ficara mais animada pelo reflexo do sol no mar e olhou-o esperançosa.

— Você pode se mudar para a Espanha.

— De jeito nenhum! — arfou desconcertada.

— Tente não me interromper. Lydia terá que morar no castillo comigo, mas possuo várias propriedades próximas. Alojá-la não vai ser um problema, e você terá liberdade. Pode ver a criança sempre que quiser, e ela vai ter mais facilidade de adaptar-se à nova casa se você estiver lá para ajudar.

Gina dobrou os braços bruscamente. Não podia acreditar na audácia dele.

— Então eu abro mão da minha vida aqui, mudo para o exterior e vivo de favor numa propriedade sua. Não, muito obrigada! Sou razoável, ficarei feliz em dividir Lydia com você, mas recuso-me a entregá-la sem mais nem menos. O que está planejando fazer com ela?

— Contratar profissionais especializados que possam atender-lhe as necessidades.

Os olhos verdes soltaram faíscas.

— Isso diz tudo, não é? Por que não pode ser honesto? Não tem o menor interesse pessoal na filha de seu irmão. Acha que é seu dever dar-lhe uma casa, mas se ressente...

— Não é verdade. — Mas havia uma certa verdade na acusação.

— Você nunca vai amar Lydia como eu a amo porque sempre vai vê-la como um fardo.

— Está enganada — interrompeu-a exaltado.

— É claro que vai. Ela não é sua filha, e você não gosta muito de crianças... E, se você se casar, Lydia vai provavelmente ser tão desejada por sua mulher quanto um veneno de rato.

— Não tenho intenção de me casar...

A adrenalina corria em suas veias. Ela o encarou.

— Mas ela precisa de uma mãe, Harry. Não das pessoas que você paga para lavá-la e alimentá-la.

— Não estou preparado para o casamento.

— Então nos deixe em paz e envie um cartão postal de vez em quando! — avisou, a irritação aumentando diante da inabilidade de obter uma reação emocional dele. — Você é muito egoísta para cuidar de um bebê. Vai negligenciá-la. Vai estar muito ocupado com a vida profissional e seu harém de mulheres para ter tempo para ela!

Harry puxou Gina pelo pulso.

— Harém? — repetiu em tom debochado.

Gina ficou vermelha de raiva.

— Pablo costumava contar a Belinda todas as suas aventuras.

— Pablo não sabia de nada. Não éramos amigos. Nunca confiei nele. Mas embora não fale de minhas conquistas, não tenho vergonha da minha vida sexual. Você achou que eu teria? — A cabeça arrogante ergueu-se. Harry olhou para baixo, os cílios negros escondendo parcialmente o olhar intenso e perturbador.

— Não dou a mínima para sua agitada vida sexual! — Gina negou, as bochechas queimando.

— Acho que dá... — Harry sussurrou baixinho, o timbre da voz profunda percorrendo-lhe a espinha como o aviso de um furacão. — Acho que há quase três anos fui muito cavalheiro para seu gosto...

— Cavalheiro não é a palavra que usaria para classificá-lo — interrompeu-o, uma excitação que não conseguia suprimir lambendo sua pélvis e fazendo-a ficar paralisada a poucos centímetros dele. Sentia cada centímetro de seu corpo gritar, estava tonta. Tudo de que precisava era de um beijo, dizia a si mesma. Só um beijo para entender que loucura era essa. Estava convencida de que seria uma decepção, como tinha acontecido com os outros caras que beijara. Mas no caso de Harry, seria uma maravilhosa decepção que baniria para sempre o desconforto que sentia ao lado dele.

— Seja qual for o rótulo que use, você ainda me excita, mi cielo — murmurou Harry com voz rouca.

Gina tremeu.

— Curioso ... — admitiu num sussurro, a garganta seca e apertada.

Harry nunca tinha beijado uma mulher em público. Olhou-a, fascinado com a cor de esmeralda dos olhos esperançosos e a forma de rubi dos lábios sedutores. Ergueu a mão e mergulhou os dedos nos cachos, tomando conhecimento de que seus cabelos eram macios como seda e imaginando as ondas douradas e rebeldes espalhadas nos travesseiros. Perdeu o controle.

A boca tocou a sua e ela parou de respirar. Ele tocou-lhe os lábios com a suavidade de uma borboleta e depois lentamente aumentou a pressão. Ela sentiu-se dilacerada pelo prazer e desejo incontrolável de pegá-lo com as duas mãos. Excitadíssima, encostou-se, consciente do peso dos seios por baixo da camiseta e da sensibilidade exacerbada dos mamilos friccionando o algodão. Queria os lábios dele ali também, e o pensamento chocou-a, mas não conseguia afastar-se dele.

— Harry... — murmurou.

— Não quero isso... — murmurou Harry, mas continuou.

A paixão tinha banido a moderação quando mergulhou a língua no interior molhado de sua boca.. Essa tática invasiva surtiu um efeito extraordinário em Gina. O sabor dele levou-a à loucura. Uma excitação próxima à dor queimou como fogo. Tremeu violentamente e envolveu-lhe o pescoço com os braços, beijando-o com fervor incondicional. O calor e a força do corpo forte contra suas curvas suaves deixou-a sem respiração.

Num movimento abrupto, Harry afastou-se. Arfava. Por um breve segundo, Gina sentiu-se perdida, ainda intoxicada pela sensação. Depois, prevaleceu o sentimento de autopreservação, e ela afastou-se, enfiando as mãos nos bolsos dos jeans e buscando por oxigênio. Ele era uma dinamite. Não queria ter descoberto isso. Mas percebia que a atração era mútua, o que não havia percebido antes.

O corpo parecia eletrificado, mas a mente funcionava. Um sentimento de triunfo enviou para os ares seu embaraço. Harry Potter, marquês de Salazar, podia se julgar superior a ela em todos os sentidos, mas a desejava. Oba! Uau! Ela se sentia tentada a dançar e a cantar. Através de um beijo revelador, quase três anos acreditando ter feito papel de boba na Espanha, tinham sido varridos. Harry gostava mais de tatuagens do que gostaria de admitir.

O silêncio ressoou como numa caverna escura. Sentindo-se indecentemente convencida e envergonhada, Gina refletiu que nunca tinha imaginado que um beijo pudesse ser tão volátil.

— Estávamos falando sobre sua mudança para a Espanha — lembrou-lhe Harry, seco.

Ele parecia tão calmo que seu bom humor desapareceu como se furado com um alfinete. Está bem, talvez ele só sentisse um pinguinho de atração por ela. Precisou de um enorme esforço para recuperar a concentração.

— Espanha... não considerei essa ideia — disse num tom calmo. — Estaríamos em seu país, Lydia estaria em sua casa, e eu não teria nenhum dinheiro. Você tomaria todas as decisões. Podia mudar de ideia facilmente e proibir-me de vê-la...

— Você teria que confiar em mim.

— Não confio — Gina confidenciou sem hesitação. — Tenho muito a perder. E sei que vai se casar, o que mudaria tudo...

— Não vou me casar. Que obsessão é essa?

Gina não se deixou impressionar. Olhou-o de esguelha. As batidas do coração aceleraram. Ele era de tirar o fôlego.

— Agora ou em cinco anos, que diferença faz? Eu continuaria impotente e nenhuma mulher permitiria que eu desse palpite na educação de Lydia. Sua mulher teria mais influência na educação da menina que eu...

— Por favor, Dios... Adoro minha liberdade. Não vou me casar nos próximos dez anos!

— Só quero ficar com Lydia. É tudo que quero — Gina reforçou com dignidade. — Eu a amo... você não. Quero dizer... talvez sempre olhe para ela e se lembre de seu irmão. Não venha me dizer que ele era sua pessoa preferida!

A linha forte do maxilar estreitou-se diante dessa afirmação inflamada. Mas não era hipócrita. Quando ela virou para esconder as lágrimas que lhe queimavam os olhos, ele a virou para encará-lo, cada movimento uma prova da confiança que se apossara dele.

— Venha para o meu hotel almoçar...

De súbito, sentindo-se envergonhada diante dele, sensível ao tom da voz com sotaque, Gina ficou ruborizada.

— Você não está pensando em comida. Harry deu-lhe um sorriso arrasador que não expressava arrependimento.

— Você é tão direta...

Ela ficou enfurecida.

— Acho que vou desapontá-lo.

— Não acho. Só como especulação, quanto me daria para ter Lydia todo o tempo?

— Faria qualquer coisa.

O silêncio envolveu-a como um redemoinho. Harry a examinava sem expressão.

— Se tivesse segurança e acesso constante a Lydia, estaria preparada para fazer o que eu pedisse por esse privilégio?

— Tudo, exceto matar — concordou. Sua confusão crescia. — Por que está me perguntando isso?

— Se Lydia precisa de uma mãe vinte e quatro horas por dia, então preciso me casar, mas gosto da vida que levo. Esse é o problema — admitiu Harry com uma candura que nunca demonstrara antes a uma mulher.

— Você não precisa de uma mulher?

— Se optasse por um casamento de conveniência, o problema estaria resolvido. Esse tipo de casamento duraria entre cinco e dez anos no máximo e terminaria com um divórcio amigável.

Gina prestava atenção a cada palavra.

— Por que está me contando isso?

— Acho que existe uma possibilidade de chegarmos a um acordo interessante para ambos — murmurou pensativo. — A esposa que eu escolhesse teria que conhecer minha intenção. Pretendo manter minha liberdade de ir e vir quando quiser e com quem quiser.

— Está falando de um casamento de aparência? — Gina questionou. — Está sugerindo que eu e você...?

— Você ganharia Lydia e segurança financeira, e minha vida continuaria sem mudança. Esse seria o acordo.

Ela arregalou os olhos, emudecida diante da possibilidade de casar-se com ele.

— Acordo? Mas...

— Só me recusaria se fosse insana — afirmou Harry, examinando a disposição sob todos os ângulos, e cada vez mais impressionado com a própria criatividade.

Acreditava ser a solução quase perfeita. Mesmo assim, seria uma solução temporária e precisaria redigir um contrato pré-nupcial para que Gina não tivesse ilusões quanto à natureza da disposição. Moraria na casa dele, ficaria encarregada da sobrinha e a consciência dele estaria serena. Assim que soube que Gina era estéril, julgou cruel privá-la de Lydia.

Mas só se casando com Gina teria condições de cuidar dos interesses da criança sem ser perturbado por maiores responsabilidades.

A avó poderia ficar aborrecida porque Gina era de origem humilde, mas era uma senhora forte e superaria a decepção. O resto da família e os amigos também ficariam chocados. Sempre individualista, decidiu que podia encarar isso. De qualquer jeito, lembrava-se de quantas pessoas encantaram-se com a vivacidade de Gina ao conhecê-la na Espanha. Dona Ernesta, provavelmente, tomaria conta dela e lhe ensinaria tudo que precisava saber, e se beneficiaria por ter acesso à filha de Pablo sem precisar se preocupar com o cuidado da criança.

Gina encarou Harry sem esconder a surpresa. Estava propondo casamento para que pudesse ter um lar com Lydia na Espanha. Seria um casamento de conveniência, pensou sem ar, pois não podia imaginar duas pessoas com menos coisas em comum. Ainda assim, era uma resposta prática visando ao futuro de Lydia. Estava surpresa que ele quisesse casar-se com ela para o bem de Lydia e que tivesse tido a ideia tão rápido.

Dios mio! Diga que sim e vamos embora dessa praia! — exclamou impaciente.

Gina piscou.

— Você não pode despejar algo assim e esperar...

Harrya olhou desafiante.

— Por que não deveria esperar uma resposta positiva imediatamente? Você está limpando o chão para trazer comida para a mesa. Mora numa casa com rodas tão lastimável que nem me deixa vê-la... Eu lhe ofereci um bilhete para fugir do inferno.

Gina enrubesceu.

— Não é assim tão simples... isso não é o inferno...

Na brisa fresca, Harry teve um arrepio. Estava morrendo de frio. Olhou para o mar cinzento num céu cinzento e para o cascalho sob os pés.

— Dentro de meu ponto de vista é...

— Mas você é rico e mimado...

— Você também não gostaria de ser rica e mimada? — perguntou suave, colocando-lhe a mão nas costas para gentilmente fazer com que ela se voltasse.

— Não posso me imaginar rica... mas acho que gostaria de ser mimada —confessou Gina. — Isso é uma brincadeira ou está falando sério?

— Se puder aceitar um casamento com prazo e um marido sem compromissos, estou falando sério.

Um marido sem compromissos era uma contradição, Gina refletiu abstratamente. A cabeça borbulhava com muitos pensamentos de uma só vez. Estava atônita, assustada, excitada, desconfiada e confusa ao mesmo tempo. Mas não tinha exagerado ao dizer que faria qualquer coisa para ficar com Lydia.

Casar-se com Harry? Aprender a ser uma esposa discreta? Fazer vista grossa às infidelidades? Sabia que isso era errado e contra seus princípios. Mas então lembrou-se que Harry não propunha um casamento normal. Não podia aplicar seus padrões morais a um arranjo ao qual tinha se referido como "negócio". Um negócio calculado para causar o mínimo de interferência na vida agitada dele. Mas como podia culpá-lo? Sua falta de interesse em ser um pai para Lydia era a única razão pela qual Gina podia continuar a ocupar o papel de mãe.

— Você tem até hoje à noite para decidir. Mandarei a limusine pegá-la para jantar comigo no hotel. — Chegando à calçada, fez sinal ao motorista indicando estar pronto para partir.

Gina não parou de pensar naqueles poucos minutos na praia em que Harry lhe dedicara total atenção. Aquele beijo tinha virado seu mundo de pernas para o ar. Agora os espetaculares olhos escuros estavam novamente frios e distantes. A indiferença foi como uma bofetada, uma rejeição e a confirmação de que o beijo não tinha sido especial para ele. Em contrapartida, estava consciente de que para ela o beijo tinha sido algo sério. Só em pensar sentia-se excitada.

— A que horas? — perguntou mostrando-se tão fria quanto ele.

— Às oito.

— Não tenho nenhuma roupa decente para vestir— avisou.

— Não tem problema. Vamos jantar na minha suíte.

Gina entendeu a mensagem. Se não se apresentasse com uma imagem que ele julgasse aceitável, não seria vista em público. Ou estava sendo sensível demais? Até mesmo injusta? Afinal, Lydia iria com ela e, se tivesse sono, a suíte seria mais tranqüila que um restaurante. Viu-o sorrir, entrar na vistosa limusine e partir. Era o tipo de sorriso que teria dado a qualquer um. Precisava de um sorriso especialmente para ela.

Nessa noite, com apenas meia hora de atraso — o que era um tempo razoável para seus padrões — estava no elevador que a levaria para a suíte de Harry. Tinha Lydia encaixada nos quadris.

— Agora se lembre... sorria. Você tem que conquistar Harry — instruiu o bebê que a olhava confiante. — Ele é sensível a gritos, então você precisa afugentar o medo. Se chorar de novo, vai evitar você como uma praga... entendeu?

Um homem de meia-idade, vestido como um garçom, convidou-as a entrar.

— Harry está? — perguntou nervosa e o homem respondeu, no que devia ser espanhol, com um sacudir de cabeça como se pedisse desculpas.

Ela parou no centro de uma sala de espera fabulosa e balançou a cabeça quando lhe indicaram um sofá e lhe ofereceram um drinque. Uma porta de comunicação abriu-se e Harry apareceu. Alívio e tensão tomaram conta dela.

— Pensei que você tivesse saído.

Harry demonstrou surpresa ao ver o bebê, e concentrou a atenção em Gina. Numa jaqueta barata com capuz forrado de pele e calças pretas enfeitadas com vários fechos, ela parecia muito jovem. Seu sorriso vivaz iluminou o rosto em formato de coração e, por um segundo, ele se esqueceu do que tinha a dizer, e simplesmente ficou olhando.

— Desculpe por não estar disponível quando chegou — respondeu, recobrando-se. — Estava no telefone. Maureo lhe ofereceu um drinque?

— Não quis nada. Gentil de sua parte não falar nada sobre meu atraso.

— Respeito a pontualidade.

— Vamos ter problemas — respondeu com seu usual bom humor. — Eu tento chegar no horário, mas as coisas tendem a me segurar. Sempre que vou a algum lugar, estou sempre brigando com o relógio...

— Uma melhor organização ajudaria.

Gina se perguntou se ele tinha idéia da dificuldade de arrumar um neném.

— Maureo gostaria de pegar seu casaco — explicou quando o homem se aproximou.

— Quer segurar Lydia? — perguntou Gina descontraída, ignorando a tensão e aproximando-se para colocar a sobrinha no colo dele. — Sorria e fale com ela... ela adora gente.

Harry ficou surpreso com o pouco peso de Lydia. Não se lembrava de ter jamais olhado de perto um bebê. Com seus cachos macios, pele clara e grandes olhos castanhos, ela era bem bonita, reconheceu surpreso. Não encontrava semelhança com Pablo. O celular tocou. O bebê sacudiu-se soltando um gritinho de medo. Harry apressadamente devolveu o bebê aos braços de Gina.

Perdón... — Atendeu a ligação.

Gina acariciou Lydia e interpretou os gestos de Maureo como sendo para sentar-se à mesa perto da janela. Harry falava numa língua estrangeira, movendo as mãos para enfatizar certos pontos com uma segurança irresistível. Os traços finos demonstravam concentração. Algum dia, pensou, quero que ele olhe para mim assim. Como se eu fosse importante e interessante. Chocada com tamanha aspiração, surgida do nada, congelou. Envergonhada, limpou a mente e recusou-se a pensar nisso de novo. Ia casar-se com Harry porque esse era o preço para manter Lydia. Essa era a única razão para casar-se com ele. Só uma perfeita idiota alimentaria ideias românticas sobre um cara que queria ser independente.

Maureo reapareceu trazendo uma cadeirinha de comer para Lydia. Agradecendo-o efusivamente, prendeu a sobrinha e colocou alguns brinquedos para que ela se mantivesse ocupada.

— Você é um cara muito ocupado — comentou quando Harry sentou-se à sua frente e o primeiro prato foi servido.

— Sempre.

— Bem, como previu, estou pronta a dizer sim ao negócio. Mas tenho umas condições a impor — disse quando abriu a vasilha que trouxera, colocou alguns pedacinhos de comida e ofereceu-os a Lydia.

— Condições?

— Quero uma cerimônia de casamento — adiantou Gina pouco à vontade. — Nada luxuoso, só nós, as testemunhas, um vestido e umas fotos para fingir que somos um casal de verdade. Não quero que Lydia saiba que é um negócio e não um casamento normal.

— Mas ela só tem seis meses.

— Mas vai ficar mais velha. Não quero que saiba que tive que me casar com você por causa dela, porque isso pode fazê-la sentir-se culpada...

— E por que se sentiria assim?

— Eu me lembro da sensação de saber que era um peso para os adultos que tomavam conta de mim. — Gina colocou uma mamadeira na cadeirinha. — Então, o que acha?

Harry reconheceu não ter pensado sob todos os ângulos. Não tinha planos de anunciar que estava fazendo um casamento de conveniência. Em consequência, não tinha outra escolha a não ser agir dentro da normalidade. As aparências pouco lhe importavam, mas para grande parte da família as aparências eram tudo.

— Concordo, mas gostaria de um casamento discreto. Quais são as outras condições?

Gina mordeu os lábios antes de responder.

— Só uma... você vai prometer tentar ser um pai para Lydia.

Harry jogou a cabeça arrogante para trás e olhou-a indignado.

— Quem é você para me falar sobre isso? Gina estava muito pálida, mas insistiu.

— Isso é só um negócio para você. Já deixou claro. Mas provavelmente vai ser o único pai que Lydia vai ter.

— O negócio é entre nós dois apenas. A posição de minha sobrinha na minha vida é inatacável — dissecom clareza. — Naturalmente vou fazer o possível para agir como um pai.

O prato principal chegou enquanto reinava um silêncio tenso.

— Você me ofendeu — disse Harry quando Maureo saiu.

Vendo Harry contrariado diante de Lydia choramingando de cansaço, Gina perguntou-se quando começariam os esforços para agir como pai.

— Também tenho certas condições — afirmou Harry. — Antes do casamento, você precisa assinar um pacto pré-nupcial.

Gina deu uma gargalhada.

— Como uma artista de Hollywood? — perguntou visivelmente excitada. — Você é assim tão rico? Que loucura!

— O pacto especificará acordos financeiros e...

— Tá, tá, tá... Temos que discutir isso agora? — Colocando Lydia no colo para acalmá-la, Gina comeu com um garfo na outra mão, inconsciente da surpresa de Harry com sua destreza. Viu os olhinhos da sobrinha fecharem contentes, e ficou encantado com o impressionante controle de Gina sobre um bebê que considerava tão explosivo como dinamite. Congratulou-se pela sábia decisão. Gina valia mais que cinco babás.

— Pode deixar todas as discussões sobre os termos pré-nupciais para os advogados.

— Não tenho nenhum...

— Precisa contratar um para ajudá-la.

Gina não ouvia. Seu olhar cruzou a mesa até Harry, encantada com a incrível simetria do rosto bronzeado. Seus olhos assumiram um ar sonhador.

— O que quer que eu vista para o casamento? — perguntou meiga.

— Não pretendo ser rude — confidenciou cauteloso —, mas por que deveria ter uma opinião sobre o que deve vestir?

A bolha mental, na qual Gina flutuava em seu mundo da fantasia, explodiu causando dor e humilhação. Seu rosto ficou rosado.

— Você fica corada como uma menina de colégio — debochou.

— Não diga! — respondeu e afastou o prato, pois perdera o apetite.

Gina estava zangada consigo mesma por ser tão tola. Se Harry decidira que precisava fazê-la encarar a realidade, não podia culpá-lo. Afinal, por que estaria interessado no que ela vestiria para o casamento? Por que tinha feito uma pergunta tão estúpida?

— Então, além do que já foi combinado, quais são as regras do negócio? — inquiriu Gina.

— Respeito mútuo e consideração, querida. — Harry fez sinal para Maureo encher as taças de vinho.

Gina interpretou seu objetivo sem dificuldade. No fundo de seu ser compreendeu as expectativas tão claramente como se ele as tivesse expressado: deveria respeitá-lo e tentar atender-lhe todos desejos, razoáveis ou não. Ele era nobre, rico e bem-sucedido enquanto ela era pobre, filha ilegítima e vivia numa casa com rodas. Igualdade não estava em questão, diante de tamanhas diferenças. Harry exalava o orgulho benevolente de um macho convencido de estar fazendo um sacrifício generoso pelo qual ela deveria ser eternamente grata.

Gina beijou a cabeça de Lydia. Era orgulhosa, mas tinha que ser mais ajuizada e menos sensível. Se Harry assegurasse a ela e a Lydia uma casa confortável e um futuro seguro, merecia sua gratidão.