A Floreios e Borrões era um dos mais antigos estabelecimentos do Beco Diagonal ainda em atividade. Fundada em 1454, a livraria não era tão antiga quanto Gringotes ou a Loja de Olivaras, mas possuía uma história longa de sucesso, fornecendo material escolar aos alunos de Hogwarts e livros diversos para a sociedade bruxa. Contudo, isso eram tempos passados. Mesmo que a maioria dos feiticeiros se recusasse a admitir, tanto a Grande Guerra dos Trouxas quanto o colapso financeiro daquele ano acabaram respingando no mundo mágico. Rosette Blishwick soltou um suspiro involuntário ao perceber que apenas ela e outros parcos funcionários se encontravam no estabelecimento. Continuando as coisas daquela forma, era uma questão de tempo para que o patrão demitisse um deles.

A morena de olhos verdes seguiu para o fundo da loja, se concentrando em organizar uma das prateleiras de livros, preocupada com seu próprio destino. Eram apenas ela e a mãe, cuja saúde debilitada necessitava cuidados. Sem aquele emprego, não havia como sobreviverem.

Rose foi despertada de suas conjecturas ao ser chamada por uma colega de trabalho que lhe deu um leve cutucão, seguido de um sorriso malicioso.

-Seu cliente favorito acabou de chegar.

A moça deixou que um sorriso singelo aflorasse seus lábios ao vislumbrar o elegante feiticeiro que cruzava os umbrais da loja. Ele usava um terno grafite de fino corte e se apoiava em uma bengala com castão de prata em formato da cabeça de corvo. Seus olhos azuis observavam o recinto, perdidos nas centenas de livros.

-Sr. Black - Rosette chamou o moreno com suavidade. - É um prazer revê-lo. Em que posso ajudá-lo?

-Srta. Blishwick, o prazer é todo meu. - ele respondeu, também sorrindo. - Hoje eu gostaria de um exemplar de Lendas e Fatos sobre Kelpies.

-Pego em um instante - ela respondeu, solícita.

-Não precisa ter pressa.

Phineas Black observou a moça se deslocar para o interior da loja admirando a suave cadência do seu caminhar, as curvas escondidas sob o vestido de corte reto que ia até pouco abaixo dos joelhos, os cabelos em corte chanel deixando o pescoço à mostra. O sorriso dele ampliou-se. Talvez não fosse óbvio para a moça, mas aquelas visitas constantes dele à Floreios e Borrões não se devia a seus interesses literários.

Quando Rosette chegou em casa, a noite já se adentrara. Ela colocou o pacote de compras na mesinha que havia na entrada da casa e despiu o casaco, pendurando-o no armário. Depois de tirar os grampos que prendiam seu chapéu e pendurá-lo também, pegou o pacote e seguiu para a cozinha.

Ela começou a separar os ingredientes para o jantar. Teriam que se contentar com uma sopa de batatas. Só receberia pagamento no fim da semana, e então poderia comprar carne e manteiga.

Enquanto colocava os legumes no fogo, escutou uma tosse alta. Ao sair da cozinha deu de cara com a mãe, Geraldine, que descia a escada enrolada em um robe de veludo.

-A senhora não devia se esforçar - Rose disse, caminhando apressada para ajudá-la.

-Ficar o dia inteiro de repouso é tedioso por demais - a senhora respondeu, estendendo suas mãos esqueléticas para a filha - Quero pelo menos dividir nossa refeição de forma apropriada com você.

Rosette assentiu, ajudando a mãe a sentar-se na cadeira de espaldar alto da mesa de jantar. Uma das poucas heranças que sobrara dos tempos de fartura da família.

-Em um minuto estará pronto. - ela respondeu.

Pouco tempo depois a refeição estava posta, e as duas mulheres sorviam a sopa em silêncio, cortado pelas ocasionais tosses da senhora Blishwick. Foi a mais velha, contudo, que decidira iniciar um diálogo.

-Rose, você não pode continuar vivendo assim, pensando apenas no presente. Você já tem vinte e seis anos, não é mais uma mocinha, dificilmente vai encontrar um homem que aceite alguém da sua idade!

A morena levantou-se abruptamente, jogando o guardanapo de qualquer jeito sobre a mesa. Ela compreendia que a mãe dizia aquilo com boas intenções, preocupada com seu futuro, mas isso não significava que tal assunto não incomodava Rosette. Desde que atingira a maioridade a mãe insistia naquele assunto, e a cobrança piorara depois da morte do pai.

-O que a senhora quer de mim? Que eu me case com o primeiro homem que aparecer no meu caminho? - ela retorquiu, exasperada.

-Se isso for tirá-la dessa vida miserável que nós levamos, eu não vejo razão para não o fazer.

A moça desviou os orbes esmeraldas do rosto exigente da mãe, estava cansada demais para continuar aquela discussão. Ela começou a retirar os pratos sujos da mesa, dizendo quase em um murmúrio:

-Eu vou pegar o seu remédio e ajudá-la a se deitar.

Geraldine não respondeu. Ela sabia que muito em breve deixaria aquele mundo e acreditava que Rosette era preciosa demais para não ter um porto seguro.

Rose cerrou a porta da loja atrás de si, apertando o casaco contra o corpo. O vento gelado pronunciava a iminente chegada do inverno. Distraída, ela não percebeu o homem de fartos cabelos negros que se aproximava.

-Senhorita Blishwick - ele a cumprimentou.

Ela levantou o rosto e uma expressão iluminada de satisfação se revelou.

-Senhor Black - Rosette respondeu, com um tom mais entusiasmado do que planejara - Meu expediente já acabou, infelizmente não poderei atendê-lo hoje.

Phineas sorriu diante da inocência da moça. Esperava que ela não se retraísse diante da proposta que iria lhe fazer.

-Eu sei, senhorita Blishwick. Na verdade, eu vim por outro motivo. Gostaria de convidá-la para tomar uma xícara de chá ou qualquer outra bebida de sua preferência no Caldeirão Furado.

A moça abaixou o rosto, ligeiramente encabulada. Ela já havia sido cortejada em seus tempos de escola; contudo, desde a morte do pai, ocupara todos os momentos de sua vida em cuidar da mãe, apesar da insistência da matriarca em um possível enlace da filha.

Rosette não podia negar que ela se sentia atraída por aquele homem, mesmo ele sendo muito mais velho que ela. Talvez ela devesse ceder aos desejos da mãe e arriscar-se um pouco.

-Eu adoraria - ela respondeu, enlaçando o braço que lhe era estendido.

O pub estava relativamente vazio devido ao adiantado da hora. Rosette enviou um patrono avisando à mãe sobre o atraso. Ainda havia sobrado sopa da noite anterior para a velha senhora.

Phineas observava a moça enquanto ela sorvia um gole de chá de canela e maçã. A conversa fluía de forma natural quando estava com ela. Era a inteligência, a sensibilidade e a desenvoltura dela que despertaram seu interesse.

-Então, estava dizendo que pretende montar um jornal, Sr. Black? - ela perguntou, pousando a xícara com o líquido revigorante sobre a mesa.

Os olhos anis de Phineas cintilaram de entusiasmo. Aquele era um assunto que lhe causava paixão desmedida.

-Eu acho que não devemos depender apenas do Profeta Diário, especialmente quando as coisas estão se tornando cada vez mais complicadas, principalmente no Continente. É algo que o velho Fawley não consegue enxergar, e tenho certeza de que um dia isso vai lhe custar o Ministério. Além do mais, alguém também precisa dar mais espaço aos nascidos trouxas e mestiços.

-Trouxas? - Rose arqueou a sobrancelha.

-Algum problema, senhorita? - o cenho do homem se contraiu involuntariamente.

-Não, eu nunca tive problemas com trouxas...

-Mas...

-Não tem mais nada. Apenas nunca ponderei realmente sobre o assunto - ela respondeu de forma simples.

O moreno quase soltou um suspiro de alívio. Aquele assunto lhe era muito caro. Havia sido expulso da família por defender o direito dos trouxas, não desejava que aquele tema se tornasse um empecilho para o relacionamento que desejava estabelecer com Rosette.

A moça soltou um bocejo sem que percebesse, cobrindo rapidamente a boca.

-Não me entenda mal, Sr. Black, a conversa está interessante e gostaria muito de continuá-la, mas hoje foi um dia extenuante. Acho melhor aparatar para casa.

-Se a senhorita está tão cansada, talvez não seja seguro aparatar - ele disse, realmente preocupado, uma vez que o processo requeria relativa concentração. - Estou de carro, posso te dar uma carona.

Apesar da fadiga, uma onda de excitação percorreu o corpo de Rose. Com exceção do Noitebus Andante, nunca havia andado efetivamente de carro. A família sempre teve o hábito de usar apenas pó de flu ou outras opções bruxas, pois o pai via com suspeita aquele artefato de origem trouxa. Acreditava que poderia explodir a qualquer momento.

-Adoraria - ela respondeu, movida pela curiosidade.

O conforto e o sacolejar do automóvel acabou fazendo com que a moça cochilasse no ombro de seu acompanhante. Phineas deixou que um sorriso contente lhe brotasse nos lábios, o perfume de rosas que dela se desprendia era quase inebriante.

Ao chegarem no endereço que ela havia lhe passado, Black sacudiu de leve Rosette para que ela despertasse sem sobressalto.

-Chegamos - ele disse, baixinho.

Rose piscou um pouco os olhos antes de situar onde estava, ao passo que Phineas circulava o carro para abrir a porta e ajudá-la a descer.

Quando estavam diante um do outro, um silêncio momentâneo recaiu sobre os dois, os rostos se aproximando lentamente até que os lábios se tocaram, inicialmente tímidos, em um beijo repleto de descobertas.