1 de setembro de 1936:
Hoje era o dia, o dia que começaria os meus estudos e não estou ansiosa, não, estou mega ansiosa. Acho que se não fosse a poção de sono sem sonhos, não teria conseguido dormir.
Mas esses pensamentos se foram com as lambidas do Tommy em meus dedos e logo seu irmão correu para afastá-lo de mim, mas os peguei no colo, sufocando meu rosto em seus pelos.
Tony virou um gato laranja com machinhas brancas e acho que gostou de ter virado um gato.
Papai os colocou em uma caixa e apenas deixou um bilhete em cima, dizendo que eles ficariam melhores comigo, o que não era mentira.
Contudo, meus "pais" não se importaram de ter três animais em casa, apenas falaram que a responsabilidade seria minha.
Bom, desde o começo a responsabilidade era minha, mas entendo o motivo deles falarem isso e está tudo bem.
_ Você está preparado para a nossa viagem? - Alisei o seu corpo peludo. _ Sairemos daqui e vocês irão conhecer o lugar que ajudei a construir.
_ "Miau". - Lambeu mais uma vez os meus dedos.
_ Teremos que ir em poucas horas. - Concordaram e queria escutar o miado do laranja, mas ele não miava e isso não o deixou infeliz, já que sempre fazia excelentes expressões.
Paro de prestar atenção nos dois e coloco meus sapatos, me levantando enquanto arrumava o vestido e os broches no colarinho pontudo. Porém, isso me fez entender que ter algo de coelho é a minha marca registrada.
Vou até o espelho que tinha no quarto roxo e infantil, e arrumo a trança. Mesmo não sabendo como exatamente faz uma manualmente, poderia fazer a trança com magia – algo que já recuperei.
Respirei fundo e observei o quarto pela última vez, já que na próxima vez que fosse ver essas pessoas, estaríamos em uma vila militar.
_ Querida? - Lisandra bateu à porta e entrou. _ Está pronta? - Veio até mim.
_ Sim, só tenho que pegar a mala. - Apontei para a mala que estava em cima da cama.
Na verdade, não tinha nada nela, apenas a minha bolsa e na bolsa tinha todos os meus materiais, roupas e essas coisas. Então, a mala estava sem nada, bom, quase sem nada.
_ A sua coruja já foi colocada no carro e só falta você. - Colocou as mãos nos meus ombros e apertou. _ Sentirei saudades, querida. - Beijou a minha bochecha.
_ Também. - Não, não vou sentir.
Sorri e vou até a cama, pegando a mala e chamando os bichinhos que iriam comigo.
_ Será que realmente pode levar três animais para essa escola? - Saímos do quarto e descemos a escadaria.
_ Não estava falando nada que não podia. - Não falou mais e saímos de casa. _ Não corram. - Mas não resolveu e correram como se minha advertência não fosse importante.
_ Estão prontas? - Veio até nós e pegou a mala comigo, indo até o porta-malas.
Continuo andando e abro a porta de trás, vendo a coruja no banco e entro no carro, fazendo a coruja branca piar.
_ Como vai, Milita? - Mordeu meu dedo. _ Percebo que vai bem.
Tommy e Tony entraram no carro e subiram no banco, ficando perto de mim.
Fecho a porta aberta e vejo Lisandra se sentar no banco da frente, o que não me importei muito já que não tinha mais espaço ao meu lado.
_ Estamos prontas. - Gritou e escutamos o porta-malas se fechar.
_ Vamos lá. - Entrou no carro e deu partida. _ Está nervosa? - Acho que apenas os bruxos incorporaram o retrovisor, já que esse carro não existia.
_ Um pouco. - Alisei os gatinhos. _ Mas estou bem e vou ficar bem. - Sorri.
_ Nossa filha já é uma mocinha. - Quase revirei os olhos. _ Que pena que não estaremos com você no seu aniversário. - Era novembro, o que significa que essa criança teria doze anos em alguns meses.
_ Tudo bem. - Já fiz aniversário e até o momento foi um dos melhores aniversários.
Apenas que esses pensamentos me levaram até ele, como será que ele está? Será que está comendo direito? Alguém implicou com ele? Merda, por que estou pensando nele?
Ele não merece sequer estar roubando os meus pensamentos, mas aí está ele fazendo isso. Porém, aquele ser irritante sempre faz isso e nem sei o porquê estou reclamando.
Acho que sou idiota.
Esses pensamentos se foram com o sol da manhã batendo no meu rosto, mas pelo menos estava quentinho, o que me fez sorrir.
Bom, passei a gostar desse sol, mesmo fazendo a minha pele queimar, era um bom sol, ainda mais para a minha saúde.
E ele me deixava quentinha, era uma sensação boa, apenas não gostava do sol da tarde e ainda queria correr por sentir aquela sensação de queimação.
_ Filha. - A olhei. _ Estávamos pensando em como você já se tornou uma mocinha, já está na hora de assinar um contrato de casamento. - Espera, o quê?
_ Mas eu só tenho onze anos. - Tentei abrir um sorriso.
_ Justamente, quanto mais cedo você conhecer o seu pretendente, mais cedo você poderá se apaixonar. - Olhou para o seu marido. _ Como aconteceu conosco. - Socorro... Eles são doidos!
_ Mamãe, acho que está cedo demais para isso. - Papai, mate essa mulher louca que está na minha frente.
_ Não acho. - O homem falou. _ Está numa idade perfeita para fazer um contrato e você vai para essa escola, duvido muito que tenha alguém de respeito. - Oi? Escutei isso mesmo?
_ Não sou ninguém de respeito, papai? - Girei meu anel.
_ Não é isso, não conhecemos a origem dessas pessoas. - Acho que já posso acabar com essa família agora mesmo. _ Acho que algum filho de algum militar deve servir, afinal, vocês só farão o contrato, já que o casamento é só quando tiver dezoito.
Sabia que isso era apenas uma mentira bonita, o casamento legal pode ser apenas com dezoito, mas tudo aconteceria antes.
Porém, duas palavras continuaram na minha cabeça, como fantasmas assombrando meu futuro.
_ Deve servir. - Repeti as palavras em minha boca. _ Peço desculpas, mas não quero encontrar ninguém ainda, ainda mais que só tenho onze anos. - Olharam-se e não disseram nada por enquanto.
Fiquei pensando, se aquela garota ainda estivesse viva e escutasse isso, ela aceitaria calada, não iria? Eu que sou uma intrusa e com pensamentos nada convencionais para essa época.
Mas os meus pais, titia e até mesmo o little lord me entendiam. Então a culpada não sou eu e sim, essas pessoas que não querem compreender que esse corpo só tem onze anos.
Eles querem casar uma criança... Não fui assim? Tentei fazer o little lord assinar aquele papel.
Mas você não pensou e repensou? E até mesmo rasgou o papel em pedacinhos, você não é igual a eles, não somos iguais a esses trouxas que só pensam no dinheiro que entrará com o seu possível casamento com um militar.
Você tem razão.
Claro, afinal, somos você.
_ Chegamos. - Olhei para o outro lado e tínhamos realmente chegado à estação. _ Está pronta? - Bastian perguntou e concordei. _ Então vamos.
Bastian saiu do carro, abriu a porta e os gatinhos saíram e me esperaram na calçada.
_ Que coisa fofos. - Disseram algumas pessoas e não prestei atenção.
Peguei a coruja e fechei a porta. Bastian pegou a minha mala e fomos andando para entrar na estação que estava bem cheia pelo horário.
_ Você não esqueceu nada, não é? - Já era a décima vez que perguntava sobre isso.
_ Não esqueci nada, nem mesmo do bilhete. - Mostrei o bilhete que estava no bolso do meu vestido.
_ E qual é a plataforma? - Agora iriam surtar.
_ 9¾. - Pararam e fiquei os olhando.
_ Essa plataforma não existe. - Existe. _ Você viu a plataforma direito? - Está me chamando de burra? Entretanto, apenas entreguei o bilhete para o homem. _ Realmente é essa plataforma.
Olhei para os lados, enquanto ouvia aquele casal estranho conversarem atrás de mim.
O que me fez ver algumas crianças passando pela parede e faço a mulher que se aproximava de mim, ver aquele ato magico e irreal.
_ Querido, acho que existe, sim, apenas não podemos ver. - Apontou para as crianças que passavam correndo. _ Vamos? - Parecia empolgada. _ Já está quase dando o horário.
Começamos a caminhar em direção daquela plataforma e cada segundo que passava o meu coração pulava no peito. Estou quase lá e isso é apenas um passo para tudo.
Mas um passo de cada vez e sem pressa.
_ Como devemos passar? - Os puxei, passando pela parede e o nosso mundo mudou para algo belo e nada ilusório. _ Certo, só podíamos passar.
Estávamos na plataforma 9¾ que era cheia demais e isso me incomodou um pouco, mas graças a Merlim, ficamos em um canto.
Coloquei a gaiola no chão e os gatinhos olhavam para a multidão, Tommy miava e Tony apenas abria boca para fingir o miado.
Acho que eles não gostavam de multidão também.
_ Sentirei saudades, querida. - Abracei a mulher de lado e ela se abaixou para ficar mais confortável.
Queria que os meus pais estivessem aqui no lugar dessas pessoas, mas tudo bem.
_ Também, mamãe. - Sorri e me desgrudei de seu corpo. _ Também sentirei sua falta, papai. - Abracei o homem que estava olhando para nós. _ Vejo vocês em dezembro.
Queria nunca mais ver essas pessoas, mas era meio que impossível fazer isso.
_ Fique bem, sim? - Alisou meu rosto. _ Qualquer coisa mande uma carta, se isso for possível. - Você acha que comprei uma coruja para quê?
_ Tudo bem. - O trem apitou e me agachei para abrir a gaiola da coruja.
Ela se apoiou no meu braço e alisou o meu rosto.
_ Vá para Hogwarts, irei até você quando terminar a seleção. - Piou e alçou voo, me fazendo observá-la enquanto se perdia nessa imensidão de azul.
_ O que você disse a ela? - Dei de ombros. _ Tudo bem, agora vá. - Levantei e abracei ela mais uma vez. _ Me mande uma carta ou qualquer coisa. - Fungou, e me despeço do Bastian.
Peguei a gaiola e a mala, olhando mais uma vez para eles e logo me afasto dos dois, indo em direção do trem.
_ Bilhete. - Disse o bilheteiro.
_ Aqui. - Entreguei.
_ Boa viagem. - Tirou o chapéu e acenei.
_ Igualmente. - Passo por ele e os gatinhos já corriam pelo corredor. _ Último vagão. - Falei.
Continuaram correndo e tentei os acompanhar, mas eles eram mais rápidos do que eu, ainda mais por um deles estar voando.
Olho para trás e para frente, algo que nem precisava, já que a maioria continuava se despedindo dos pais ou já encontrou uma cabine.
Girei o dedo e faço a gaiola diminuir, a colocando no meu bolso.
Toquei minha varinha presa na coxa e fiquei pensando em como veria a memória, mas até hoje não sei a resposta.
Nunca fiz uma varinha emitir uma memória e não tinha nenhum livro comigo que dizia sobre isso, estava na estaca zero nesse quesito.
Afinal, não posso saber tudo, não sou uma enciclopédia e acho que isso é uma desvantagem, a maioria das pessoas que quero matar sabem mais do que eu.
E é por isso que preciso ser melhor que eles e serei.
Abro a porta da última cabine, do último vagão e faço os gatinhos entrarem primeiro. Entro na cabine e a fechei, fazendo um feitiço de não me perturbem.
Coloco a mala no lugar próprio para ela e me sentei.
_ Depois de tanto tempo, finalmente estou aqui. - Sorri para eles e apoio minha cabeça na parede da cabine. _ Estou feliz.
_ "Miau". - Pularam no assento.
_ Devemos fazer dessa cabine a nossa propriedade e teremos que chegar mais cedo para pegar sempre essa cabine, ou acabaremos nos sentando com pessoas desagradáveis.
_ "Miau". - Os alisei.
Alguns minutos depois o trem começou a andar, mas os apitos e os barulhos eram sons que não me deixavam aborrecida, eram sons que fazia meu coração pular no peito.
Verei eles novamente, depois de um ano! Será que eles irão aparecer no Grande Salão como a Cassiopeia disse? Isso seria estranho, mas, ao mesmo tempo, muito bom.
Bom, na verdade, não passou um ano, passou milênios e espero que eles não briguem comigo, mesmo sabendo que iriam brigar.
Fechei os olhos e o tempo estava passando devagar, mas algo que não deveria acontecer, aconteceu.
Escuto alguém bater à minha porta e isso deve significar que fiz um feitiço que os adolescentes não poderiam me achar, mas os adultos, sim. Devo muda isso ou deixo assim?
Abro meus olhos e me levantei, indo até a porta. Abro a porta e era a bruxa dos doces.
_ Boa tarde, senhorita. Doces? - Concordei. _ Não tenho muitas variedades, mas esses são bons.
_ Você sempre passa por último aqui? - Peguei alguns sapos de chocolate e feijõezinhos de todos os sabores.
_ Sim, aqui é o último vagão. - Ela tem um bom ponto.
_ E se você passasse por aqui primeiro a partir de hoje? - Coloquei os doces no meu assento e peguei a minha mala para entregar o dinheiro.
_ Não sei se isso pode ser possível. - Peguei o dinheiro e vou até ela, entregando os galeões.
_ Pagaria para você vir aqui primeiro, o que acha? - A senhora de cabelos castanhos com alguns fios grisalhos, brincou com o dinheiro. _ Mil galeões, o que acha?
_ Mil e duzentos. -
_ Mil e quinhentos por sete anos e começo pagando 750 na próxima viagem, já que nessa não vale. - Semicerrou os olhos.
_ E em dezembro você vai me pagar 1.500 por conta dessa viagem?
_ Não, como falei, essa não vale, estamos assinando um acordo verbal agora e não posso ser boazinha demais dando 1.500, assim do nada, não é? - Suspirou. _ E claro, isso já inclui meus doces e não terá aumento durante esses anos. - Ofegou.
_ Isso...
_ A senhora deve receber menos que isso...
_ Você é boa nisso. - Acordo é comigo mesmo. _ Acho que fiz um ótimo acordo.
_ Acho o mesmo. - Se foi e fechei a porta.
Sentei-me novamente e começo a comer os feijõezinhos, e não sei se era sorte ou não, mas só peguei sabores comestíveis.
Continuei comendo os doces que comprei e quando acabaram, fiz os plásticos sumirem.
Observando o céu gradualmente escurecer, esperando que a luz da cabine se acendesse sem o meu comando.
Isso seria um pequeno jogo para saber quantos minutos aguentaria essa escuridão até fazer um feitiço que iluminaria essa cabine.
Claro, tentei não surtar enquanto tudo escurecia, até rodei meu anel e isso me deu um pouquinho mais de forças.
E logo a luz da cabine foi acessa sem meu comando, o que me deixou um pouquinho orgulhosa. Foi aterrorizante? Foi, mas pelo menos consegui não fazer um lumos ou acender a luz manualmente.
Mas os meus momentos de alegria e de alívio se foram com algumas vozes do lado de fora.
_ Coloquem as roupas. - Falou na cabine do lado. _ Ué, pensei que tivesse mais uma cabine aqui. - Olhou em meus olhos, mas não me viu. _ Vamos. - Ela deve ser uma das monitoras.
Como a minha mala não estava mais em seu lugar e não tinha mais ninguém além de mim aqui, apenas coloquei meu uniforme calmamente.
Era tudo preto, cinza e branco, cores que passei a gostar. Bom, preto apenas em roupas e não em decoração, ou escuro...
Retirei minha varinha da coxa e a coloquei no meu pulso com ajuda de um coldre.
Era estranho voltar a usar um coldre de pulso depois de tantos anos e era um pouco desconfortável ficar incapaz de movimentar o seu pulso como antigamente, mas era o que tinha.
Suspirei e tirei a gaiola do bolso do vestido, a colocando na mala.
Porém, um som de aparatação me fez olhar para trás.
