A carruagem negra puxada por trestálios parou com suavidade na porta do número 12 de Grimmauld Place. O blackout encobriu a chegada do transporte mágico sem a necessidade de um feitiço desilusório. Muitos bruxos estavam aproveitando a imposição do governo trouxa para se locomoverem livremente com seus artefatos. Não demoraria muito para que o ministério bruxo precisasse intervir nesse novo hábito.
Sirius Black havia mandado buscar Rosette e as meninas na casa de Brenda Conway, uma vez que não havia meios de transporte mágicos na vila onde elas haviam se refugiado e ele se recusava a deixar que elas voltassem para Londres por vias trouxas.
As gêmeas estavam maravilhadas com o passeio. Embora elas tivessem nascido em uma família composta apenas por feiticeiros, a vida deles era modesta e não tinham o hábito de utilizar carruagens ou outras regalias da alta sociedade mágica. Tudo era uma empolgante novidade.
Rosette estava feliz por elas não poderem enxergar os cavalos esqueléticos e quase draconianos. Embora não deixassem de ser uma visão fascinante, eram tenebrosos demais para a mente impressionável de duas meninas de cinco anos.
Elas desceram da carruagem. As garotinhas praticamente correram de mãos dadas até a entrada, batendo na porta quase ao mesmo tempo. O elfo doméstico abriu para recepcioná-las, fazendo com que as duas soltassem uma interjeição de espanto. Nunca tinham visto um ser mágico daquela espécie antes, a não ser nos livros de história que o pai costumava ler para elas.
-Boa noite – o pequenino cumprimentou, fazendo uma exagerada reverência – Mestre pediu para outros elfos pegar as malas. Ziggy leva meninas para brincar e senhora para jantar.
Rose apenas assentiu, agradecendo quase em um murmúrio. Ela e as filhas o acompanharam pelos suntuosos corredores. A mulher em completo silêncio, as meninas em uma frenética conversação, se sentindo como pequenas princesas adentrando um castelo repleto de segredos.
Quando pararam na frente do quarto destinado a elas e Ziggy abriu a porta revelando seu interior, nem mesmo Rosette conseguiu conter o espanto diante de um cenário tão magnífico.
Havia bonecas de várias formas e tamanhos, com vestidos de época magnificamente detalhados, como pequenas princesas em miniatura congeladas no tempo. Fazendo companhia a elas, vários bichos de pelúcia, alguns maiores que as meninas. Ursos, unicórnios, dragões, coelhos. Também podiam ser vistos cavalinhos de madeira para se sentar e balançar, casinhas de boneca, trenzinhos mágicos que soltavam fumaças coloridas, soldadinhos de chumbo que marchavam ao redor de bailarinas que rodopiavam elegantemente. Fadinhas de brinquedo voavam pelo lugar. Parecia um cenário tirado de um conto de fantasia.
As meninas não se fizeram de rogadas: correram para os brinquedos, maravilhadas em descobrir aquele pequeno novo mundo cheio de possibilidades.
Percebendo que as filhas estavam demasiadamente entretidas com tudo aquilo e que teriam uma noite agradável depois de todos os infortúnios que haviam passado, Rosette se resignou diante do sacrifício que estava prestes a fazer.
Ela seguiu o elfo em muda conformidade. Ele a levou a uma suntuosa sala de jantar, com uma mesa farta, um lustre iluminado por várias velas cujas chamas refletiam nos cristais, conferindo uma atmosfera aristocrática ao ambiente.
Na ponta da mesa estava Sirius Black. O homem vestia um terno escuro, com uma gravata azul royal se destacando. Ele levantou-se, caminhando até a morena. Seus olhos anis faiscavam em cobiça, avaliando a figura da cunhada. Nada na aparência dela indicava que ela se preparara para ele naquela noite: vestido simples, cabelo preso em um coque, ausência de maquiagem; ainda assim, ele conseguia ver os traços da beleza dela e antever momentos agradáveis por baixo de toda aquela simplicidade. Sirius beijou a mão dela como era de praxe, de acordo com a etiqueta.
-Boa noite, Rosette. – ele disse, lançando a ela um sorriso malicioso.
-Boa noite, Sr. Black. – ela respondeu, de forma contida.
-Você pode me chamar de Sirius, minha querida. Depois de hoje à noite, não vejo razão para tanta formalidade.
Rose anuiu minimamente. Embora aquilo tudo tenha sido uma escolha dela, forçada pelas circunstâncias externas, ela não conseguia se sentir confortável. O homem puxou a cadeira para que ela se sentasse.
-Obrigada, Sirius. – ela respondeu, de forma quase mecânica.
Ele serviu a ela uma dose generosa de vinho tinto de Borgonha, enquanto uma perdiz recheada surgia em seu prato. Rosette sorveu o vinho e experimentou a ave e seus acompanhamentos. Ela não se lembrava da última vez que provara uma comida tão requintada.
-Enquanto estiver comigo vai ter sempre o melhor - o homem disse.
Ela tentou sorrir. Sirius ao menos estava tentando tornar a situação menos desagradável, embora não diminuísse aos olhos de Rosette a imoralidade daquilo que ele lhe propusera.
Durante todo o jantar ele falou... sobre seus negócios... sobre a família... sobre o falecido pai... sobre os filhos. Rose tentou ser educada, respondendo o que lhe era perguntado, enquanto perdia a conta de quantas taças de vinho já havia bebido.
-As meninas gostaram do quarto? – Sirius perguntou – Eu pedi para os elfos desenterrarem do sótão todos os brinquedos que encontrassem. Muitas das bonecas são de Lycoris, mas tem algumas coisas da minha infância. Também pedi para providenciarem um lanche para elas.
-Foi muito gentil da sua parte. – Rose respondeu, com a voz levemente embotada, percebendo que estava ficando bêbada. Talvez aquilo tornasse as coisas menos difíceis.
Sirius sorriu enquanto ele próprio sorvia um gole da bebida, pensando consigo que o estado da cunhada também facilitaria as coisas para ele. Era irônico o quanto aquela situação se assemelhava à primeira noite que compartilhara com Hesper. A esposa também não estava particularmente empolgada com a noite de núpcias e bebera champanhe em demasia. Não se amavam nem chegaram a se amar depois, mas criaram uma cumplicidade única com o passar dos anos. Talvez conseguisse algo minimamente parecido com Rosette.
-Amanhã nós providenciaremos a mudança de vocês para nossa casa de campo em Cheshire. Podemos mandar todos os brinquedos junto. Creio que elas vão gostar. Lá estarão protegidas tanto dos bombardeios quanto de quem as estão perseguindo. Hesper as está esperando.
Rose arregalou os olhos surpresa, quase engasgando com o pedaço da torta de maçã servida na sobremesa.
-Sua esposa? Ela sabe? – a mulher perguntou, entremeio à crise de tosse, bebendo logo em seguida outro gole de vinho.
Sirius deu um meio sorriso.
-Nós raramente mantemos segredos entre nós e eu preciso do apoio dela para que os demais aceitem sua presença e de minhas sobrinhas na família. Belvina, em particular, pode nos dar um pouco de trabalho. Minha irmã nunca foi muito tolerante. Hesper tem um talento especial em acalmá-la.
Rosette abaixou o rosto, compreendendo, pela primeira vez, que as relações daquela família eram mais complexas e espinhosas do que Phineas deixara transparecer durante todos os anos que estiveram juntos.
-Nós vamos cuidar bem de vocês. – Sirius falou, percebendo a ligeira perturbação da mulher. – Eu prometo.
Ela abaixou a cabeça, fitando o próprio prato. Já havia chegado até ali, precisava ir até o fim. Não suportaria ter novamente nos braços o corpo gelado de uma das filhas. A sensação de que Marguerith poderia não ter acordado de seu sono e que ele se tornaria um repouso perpétuo foi a pior sensação que já tivera na vida.
-Eu só peço algumas cortesias de você, se possível. – ela disse, ainda cabisbaixa – Que me respeite na presença de minhas filhas e da sua esposa. E que seja gentil comigo.
Sirius levantou-se da mesa, seguindo até Rosette. Ele segurou as mãos dela com delicadeza, fazendo com que ela se levantasse.
-Você tem a minha palavra. Serei um cavalheiro.
Ele beijou as mãos dela, depois a testa antes de tomar seus lábios com suavidade. Rose sentia se completamente entorpecida, como se sua mente e seu corpo naquele momento fossem entidades separadas, talvez fosse resultado da bebida. Entretanto Sirius percebeu que ela tremia. Ele a abraçou até que ela se acalmasse. Quando ela levantou o rosto, o homem a beijou mais uma vez aparatando com ela para o quarto.
Quando Rosette abriu os olhos na manhã seguinte sentia-se vazia. Não havia mais retorno, era fato consumado. Entregara-se para o irmão de seu marido. Embora Sirius houvesse cumprido a promessa e a tratado com cuidado e gentileza, isso não diminuía o desalento dela, pois sabia que Phineas a odiaria pelo resto da vida, e ela não poderia culpá-lo. Ainda não tivera coragem de contar que o abandonara.
Sirius não estava no quarto, pelo barulho estava tomando um banho. Rose sentou-se na cama, abraçou os joelhos e chorou. Provavelmente amaria Phineas até o fim de sua existência, mas o que importava era a sobrevivência das filhas. Ela enxugou o rosto com as costas das mãos e levantou-se, indo até a penteadeira. O mundo não pararia porque ela estava sofrendo. Precisava se arrumar para a sua nova vida..
