A gente é diferente, mas foi justamente por essas diferenças que eu me senti atraída por você, como um imã, mas o que acontece quando dois ímãs de polaridade iguais se aproximam? Eles se repelem.

É isso Clara, tudo o que me encanta em você também me afasta, como se a gente fosse como água e azeite.

Eu não posso, eu não consigo mais conviver com a presença, da ausência do seu amor.

Por uma questão de sobrevivência minha, é melhor a gente se afastar.

Tô te demitindo do meu coração.

O arrependimento bate antes mesmo da minha boca se fechar.

Ver lágrimas caindo daqueles olhos que sempre sorri ao me ver, me causa uma dor imensurável dentro da minha alma, principalmente por ser eu a responsável por tamanho sofrimento.

Clara não disse nada verbalmente, mas disse tudo com o olhar, eu fragmentei meu coração em milhares de pedaços.

Imaginei que seria melhor deixar clara livre, eu sentia as dúvidas, sentia o amor dela dividido entre mim e o Cadu, só queria que ela fosse feliz mesmo às custas da minha própria felicidade.

Mas o que eu vi naquele olhar foi, surpresa, confusão, e uma tristeza sem fim, afinal realmente somos almas gêmeas, destinadas a se encontrar a cada geração por toda a eternidade.

Passei as próximas horas como um vazio tão grande dentro de mim, não consegui tirar uma foto que preste, por isso cancelei o ensaio da tarde, não tive fome, muito menos sono, vivi o dia todo no automático, mau troquei duas palavras com Vanessa e Flávia o dia todo, sentia seus olhares me olhando como se eu fosse algum bicho em extinção.

- A Clara não é mulher para você. Quando você vai entender isso Marina? Já te falei isso mil vezes. Vanessa fala com aquela acidez típica na voz.

Meu corpo está ali andando pelo estúdio, mas a minha alma Clara levou consigo ao sair pela porta.

Limpo as lentes da câmera para o ensaio do dia seguinte, ainda atuando no automático, quando ouço aquela voz, que faz meu mundo girar e meu coração voltar a bater.

Eu ainda não sabia, mas todo o sofrimento que eu já tinha passado em toda a minha vida nada seria se comparado ao que estava por vir quando aquela boca linda, que me fascina e me atrai, dissesse aquelas palavras, ah! Malditas palavras…

Me virei imediatamente ao ouvi-la, voltei a mim, saindo do estado letárgico que me encontrei durante todo o dia.

Ela começou dizendo que tomou coragem e agora eu iria ouvi-la, tanto ansiava pelo momento que Clara pudesse falar do que sente por mim e assumisse o nosso amor, se desprende-se das amarras que a impedem de ser feliz ao meu lado, mas eu estava muito enganada, ai meu Deus! Como eu estava enganada, o que eu ouvi dela, matou o resquício de esperança que eu ainda guardava no fundo da minha alma.

- Eu não tô aqui fechando uma porta entre a gente, só tô encostando.

Eu me demito, de continuar vindo aqui, eu… eu não venho mais aqui.

Se deve existir um afastamento, que esse afastamento seja radical, pra gente não sofrer muito.

Nesse instante eu soube de duas coisas:

A primeira, Clara estava sofrendo tanto quanto eu ao destruir o meu coração com suas palavras.

A segunda, que eu não iria aguentar ficar longe dela.

Sabe, tem dias que são mais difíceis que outros, tem os dias que são normais desbotados com cores meio apagadas mas elas pelo menos estão presentes, mesmo que estejam gastas e sem vida, tem os dias que as cores ganham transparência, são sem sal sem expectativa, mas ainda existe algum rastro de cor, e por fim existem os dias cinzas, só cinza nesses dias você vê, mas não enxerga, você anda, mas não se move, você acorda, mas contínua inerte, você está presente quando na verdade sua alma está ausente, você respira, expira, e nesse simples ato involuntário sua alma sangra, doí, o ar se perde, sua memória te leva para labirintos de lembranças, algumas conseguem arrancar uma amostra de sorriso dos seus lábios, mas outras te massacra, te corrói e destrói, estes dias cinzas são mais frequentes do que eu possa aguentar, nesses dias que não tenho mais força para relevar e fingir que tudo está bem, eu choro, as lágrimas servem de alivio para um coração despedaçado, elas podem afogar a dor, mesmo que seja por alguns poucos momentos, eu não saberia dizer o que é pior, o amor ou a ilusão já que esses dois andam juntos com um único propósito, pintar sua vida com tons de cinza.

Assim está a minha vida nesses últimos dias completamente cinza, sigo a mesma rotina que se resume em:

Chorar e chorar pela Clara, não tenho mais forças para nada.

Estou aqui entornando a segunda garrafa de whisky junto com Vanessa que colocou uma música altíssima, mas nem isso abafa o som da voz de Clara proferindo aquelas palavras…

- Eu me demito!

A bebida já entorpece meus sentidos, Van me puxa pra dançar bem relutante a acompanho cambaleando pelo caminho, me sinto zonza mas ainda sim ensaio alguns passos de dança, acabo me distraindo por um tempo, dançando, bebendo e relembrando o passado.

Quando de repente me vejo falando palavras que pareciam nem sair de mim, afinal não é como me sinto de verdade, mas a bebida fala por mim nesse momento.

Chega de tristeza, eu não sou assim, eu não sou essa pessoa que fica sofrendo, você me conhece Van, sai da cabeça história que não me pertence.

- E quem sabe isso não é coisa do destino hein? O que é nosso está guardado Marina, acredita!

Diz Vanessa com aquele sorriso gigante nos lábios, se enchendo de esperança em ter uma nova chance comigo. Não dou importância para suas palavras, na verdade acho que nem assimilei o que realmente estava acontecendo, fiquei assim letárgica desde que vi o amor da minha vida virar de costas e ir embora do estúdio me deixando ali desesperada, me acabando em lágrimas.

Continuamos ali no estúdio dançando e bebendo uma dose atrás da outra. Algum tempo depois me vejo, em cima do estúdio não sei nem como subi aquelas escadas mas ali de cima observei o estúdio, como ele fica triste sem a presença de Clara, perde o glamour, perde o brilho, até a luz parece estar opaca.

Não vi nem mesmo a hora que Flávia saiu de lá, já cansada de ver Vanessa dar em cima de mim de todas as formas possíveis.

Eu amo a van mas é um outro tipo de amor, ela já ocupou a minha cama durante uma época da minha vida, mas as coisas mudaram, o sentimento mudou, o que tínhamos foi uma paixão momentânea entre melhores amigas, não era genuíno, não era aquele amor que arrepia a tua pele, que dá aquele frio na barriga, que faz o coração bater mais forte e às vezes até mesmo perder algumas batidas, que te faz sonhar, te leva a ser alguém melhor, transborda nossa alma de felicidade e te faz querer mais, cruzar todas as fronteiras, viajar além do universo sem ao menos sair do lugar, mas essa é a descrição perfeita do que eu sinto quando vejo a Clara, meu coração dispara querendo correr do meu peito e ir em disparada ao encontro dela, sinto que estou em uma montanha russa de emoções, aquele frio na barriga, um arrepio que passa por todo corpo, uma alegria imensurável que preenche o coração e alma num encontro que chega ao sobrenatural, de tão inexplicável, amor de almas gêmeas, o amor genuíno.

- Quer ajuda ai?

Pergunta Van lá de baixo no primeiro piso do estúdio deitada no sofá quase tão bêbada quanto eu, mas diferente de mim que estou mergulhada num mar de sofrimento, ela continua lá sorrindo maravilhada. Só consigo responder:

- Tô bem.

E começo a refletir.

Sabe o que eu estava pensando Van? Que o amor é a maior das tragédias vide Romeu e Julieta.

- Credo! afasta esses pensamentos, pensa em coisa boa Marina.

- Porque você está sempre certa Van? Você tem razão! Sai! Não quero. Chega! Sai pensamento ruim da cabeça. O problema é que quando eu fecho os olhos vem sempre o mesmo sorriso.

- Então não fecha! gritou Van.

Mas eu não consigo evitar, afinal tamanha é a minha saudade e sofrimento, se eu puder amenizar tudo isso vendo sempre aquele sorriso que tira todas as minhas dores, não quero mais ficar com os olhos abertos.

Um arrepio me corre pela espinha, milésimos de segundos antes de pisar em falso no primeiro degrau que nem vi, estava tão perto, mas como ia ver algo se nesse momento eu só via uma coisa: O sorriso de Clara.

Algumas pessoas mais sensitivas acreditam que quando o seu fim chega ele vem com um aviso, uma sensação, um arrepio que atravessa a espinha dorsal, um sibilar de um vento congelante que arrepia a alma, algumas culturas acreditam que a natureza pode sentir e até mesmo avisar que a morte está à espreita, existe ainda a crença que alguns pássaros cantam de uma forma melancólica para alguém que seja próximo da pessoa que está com seus dias contados, o que alguns dizem ser um mau agouro.

Eu não sei se estava bêbada demais ou se o tombo não foi grande coisa, porque eu não sinto mais nada, não ouço mais nada, mas para a minha surpresa vejo tudo, são milhares de flashs passando na velocidade da luz, mas sabe que o mais misterioso é como eu consigo distinguir cada pedacinho e montar um quebra cabeças, começo a acompanhar o roteiro da minha vida, memórias de infância, me vejo correndo brincando de pega pega uma menininha tão inocente que pula para adolescência onde descobre que prefere meninas do que meninos, a faculdade, os cursos de fotografia, como eu amei tudo na fotografia, a luz, cada expressão que eu conseguia capturar, as paletas de cores, viajei pelas cores vividas até o charme do preto e branco, a minha primeira exposição o orgulho que senti ao ver meu trabalho reconhecido e apreciado, as viagens por tantos países lindos, vistas de tirar o fôlego, muitas mulheres passam mas vejo que todas tem um sorriso meia boca, apagado, porque logo na frente vejo o sorriso de Clara que ofusca todos os outros anteriores.

Minha vida toda passa tão rápido diante dos meus olhos, eu começo a pensar que não vivi o suficiente, que faltou o ápice, parece que apenas sobrevivi todos esses anos, minha vida vai se findando sem ter alcançado seu objetivo final.

Tive sucesso profissional, não posso negar, amei trabalhar com a minha paixão pela fotografia, mas sinto que minha vida foi em vão, que legado deixarei? Alguém se lembrará de quem eu fui?

Afinal porque tudo tem que acabar assim, num milésimo de segundo por causa de uma imprudência da minha parte, eu tinha que beber tanto? Estou tentando responder às minhas perguntas, afinal isso é o monólogo da morte.

Então começam novos flashes a luz que irradiam é transcendental, tem um brilho tão intenso que acredito que pode ser a entrada do céu, mas será que eu mereço adentrar o paraíso?

Clara! São momentos nossos que entram em foco. Essa coisinha sempre linda e radiante, essas cenas parecem passar em câmera lenta, bem diferente do restante da minha vida antes dela que passaram num piscar de olhos, me deslumbro com tamanho esplendor de tudo que foi vivido até aqui.

Me perco nos momentos vividos ao lado da pessoa que mais amei na vida, visitando cada detalhe, cada olhar, cada palavra dita e até mesmo as não ditas, é algo tão irreal que parece ser possível ver até através dos pensamentos, sonhos que não se realizaram mas que foram sonhados.

Vi uma vida que poderia ter sido vivida ao lado dela, nossa família, que construímos com muito amor, lealdade e cumplicidade. Vi o Ivan na adolescência com a sua irmã, nossa filha, minha e de Clara, teríamos sido muito felizes mas será que é apenas um sonho? Ou realmente aconteceu em outras vidas ou em outras dimensões? Não sou capaz de responder e muito menos de me perguntar o motivo de tais perguntas, continuo a flutuar numa imensidão aqui é tudo tão bonito, as cores são tão vívidas, poderia ficar aqui pela eternidade, apenas navegando nos sonhos que não se tornaram reais, pelo menos não pra Marina fotografa, mas quem sabe foi real para alguma versão minha ou da minha alma.

Então a realidade me pega desprevenida no fim do rolo de flashes como se fosse o filme da minha vida volta aquela lembrança que mais me machuca.

Ouço novamente aquelas malditas palavras… me demito, me demito, me demito, passam milhares de vezes num loop infinito, começo a achar que estou a caminho do inferno, por estar presa revivendo o motivo do meu calvário.

Como se não pudesse piorar mais sou trazida de volta a realidade e a consciência de que algo está errado porque a dor que sinto se torna viral, ela vem de uma vez só, será possível alguém sentir tanta dor e continuar vivendo? Acho impossível, vou morrer e ainda para completar a minha desgraça meu último pensamento vai ser ver a clara indo embora, desistindo do nosso amor, me abandonando.

Agora não consigo distinguir qual sofrimento é maior, físico ou mental? Mas para o meu espanto absoluto tudo isso que vi durou milésimos de segundos, porque nesse momento sinto que estou caindo, degrau por degrau. Como todo ser humano racional eu luto instintivamente pela sobrevivência, tento me agarrar em algo assim que rolo do primeiro degrau, porém é em vão, no segundo ou terceiro degrau eu não sei dizer ao certo qual seria, eu já me encontro entregue pela pancada que recebo na cabeça ao ir de encontro ao próximo degrau.

Meu corpo já não é mais meu, ele apenas se deixa levar pelas leis da física e continua a cair, rolar e se debater em direção ao térreo, só sinto agora dor e mais dor se é que isso é possível, minha cabeça queima, sinto como se tivesse sido atacada por todos os lados de uma vez só impiedosamente.

Fica mais difícil respirar doi tanto, o ar arde dentro dos pulmões, meus braços e pernas não me respondem mais.

Assim me deixo flutuar sem ter mais o que fazer, quanto tempo faz? Quando isso vai acabar? Não sei quanto durou, mas para mim foi toda uma eternidade.

Sinto quando minhas costas bateram no chão no fim da minha jornada escada abaixo.

Um fio de eletricidade passa por todo meu corpo e o meu cérebro tem piedade do meu sofrimento e se desliga, não sinto mais dor, não sinto mais nada, já li em algum lugar que quando sofremos um grande trauma o nosso cérebro desliga o sistema nervoso nos poupando da dor extrema, agradeço internamente porque sempre fui muito fraca para dor.

Sinto como se eu estivesse apagando em um sono profundo, intenso, pesado, só espero que possa sonhar com você, Clara.

Muito ao longe ouço uma voz desesperada gritando, julgo ser da Van, não tenho forças para dizer-lhe que está tudo bem, que já não sinto mais nada, que estou flutuando nas ondas do desconhecido.

A última coisa que tenho a consciência de ver é a sua imagem, meu amor.

Se aqui, nesse lugar onde eu me encontro, eu posso ficar com você para sempre, não quero mais acordar e ter que viver sem você.

Com esse pensamento, me entrego, deixo-me levar, seja lá para onde eu esteja indo neste momento.