Dividida, essa é a melhor palavra para descrever a vida e a alma de Clara Fernandes.

Toda sua vida sua história foi colocada em cheque quando encontrou o olhar de Marina Meireles pela primeira vez, é claro já conhecia o trabalho da fotógrafa de longa data, sempre admirou seu trabalho, Clara mesmo sem ter um olhar crítico sabia que essa fotógrafa era diferente dos outros, ela conseguia capturar sentimentos numa imagem, mas o que não poderia imaginar nem nos seus sonhos mais ocultos, que um dia ela trocaria um olhar com Marina e que apenas um olhar bastaria para deixar sua vida de ponta a cabeça.

Porque nesse olhar ela viu o que a maioria das pessoas infelizmente não tem a mesma sorte de encontrar. O amor de almas.

Quase um ano se passou desde que Marina chegou como um tornado bagunçando o mundo da até então dona de casa, ótima mãe e esposa maravilhosa de Carlos Eduardo que teve a sorte de conseguir conquistar o coração da mulher que ele amava, casaram-se e tiveram um filho Ivan orgulho do casal.

A vida deles era boa, tinha amor e amizade, claro, todo casal tem suas diferenças, suas brigas e com eles não era diferente disso, Cadu sempre sonhou com seu restaurante e estava para conseguir, com sua esposa sempre ao seu lado apoiando.

Mas esse era o sonho dele, não o sonho de Clara. Mas qual seria o sonho dela?

Nem mesmo Clara saberia dizer, mas ela ia se descobrindo no passar desse nesse ano, estava em plena mudança, seu jeito mudou, seus sentimentos mudaram, ela estava mais confiante, já tinha planos que eram seus, estava mais forte, mais determinada, se descobriu uma mulher linda e poderosa, Marina a fez ver que ela podia mais, que ela poderia ir muito além do que cuidar da casa e da família, que ela era sim uma mulher linda, sexy, forte e com uma vida toda pela frente, para sonhar e realizar todos os sonhos.

Com o passar do tempo Clara foi se envolvendo e se apaixonando por Marina, sempre tão sedutora a fotógrafa não media esforços para conquistar o amor de Clara que se tornou sua assistente a fim de manter sua amada sempre por perto, a amizade surgiu logo de cara mas desde o início nunca foi somente amizade, tinha sempre um tom a mais, um jeito de expressar, um olhar, um toque, um cuidado, cumplicidade, Clara não sabia explicar o que era aquele sentimento que estava em crescente em seu coração, mas ele era tão forte, intenso, avassalador, incontrolável, ela ainda nao tinha nomeado o que sentia mas ela sabia que era amor.

Clara tinha muito medo de se deixar levar, afinal era uma mulher casada com um homem, com filho, o que a família dela ia dizer, por ter tantas dúvidas Clara postergava viver esse amor novo por Marina mesmo ele sendo tão forte.

Ela estava dividida, ela amava o marido mas a cada dia que se passava suas dúvidas e inseguranças aumentavam, ela se viu amando duas pessoas.

Carlos Eduardo já sabia, que sua esposa já não era mais a mesma pessoa, a maioria das brigas do casal agora giravam em torno de ciúmes da fotógrafa.

Clara sempre foi muito transparente com Cadu mas ultimamente não estava sendo nem consigo mesma.

Não sabia o que fazer com esses sentimentos conflitantes, com suas dúvidas e anseios, mas ela teria que tomar uma decisão, afinal depois da última conversa com Marina ela não poderia deixar as coisas assim.

— Tudo que me encanta em você também me afasta, e como se a gente fosse como água e azeite.

— Você acha?

— Acho e você também, acha.

— Clara a gente não é mais criança, tudo o que a gente não falou verbalmente, a gente disse nesse tempo todo, com um gesto, um olhar, com emoção, quase que por telepatia. Você sabe do que eu tô falando.

— Eu sei, quer dizer eu não sei, eu não sei bem, porque eu não sei como lidar com isso, entendeu? Porque pra mim talvez seja uma dúvida, eu não sei, mas é muito confuso, eu, eu não sei como lidar com isso Marina, você me entende?

— Eu entendo e exatamente por isso que estou falando por nós duas.

— Eu não posso, eu não consigo mais conviver com a presença, da ausência do seu amor. Disse Marina me pegando totalmente desprevenida, eu não estava preparada para aquela declaração.

— Você tá falando de amor? Eu disse ainda abalada pela nossa conversa e temendo o fim que poderia levar.

— É claro que estou falando de amor! Do que você acha que eu tô falando? Viu, não dá, não dá. Por uma questão de sobrevivência é melhor a gente se afastar.

Eu, eu até acho que você tem que continuar trabalhando aqui, porque eu realmente acredito no seu potencial, acho que você pode continuar aqui. Mas por uma questão de sobrevivência, minha, ah! Gente, como que eu vou falar isso? Eu tô…tô te demitindo do meu coração.

Eu não consegui mais abrir a boca, estava consternada demais para conseguir verbalizar alguma resposta a altura, só conseguia chorar.

Fui covarde não enfrentei meu medo e minhas dúvidas e pior não tive coragem de dizer que era recíproco, eu tbm me sinto assim em relação a Marina, mas ainda não consigo tomar uma decisão, minha vida está de ponta a cabeça, um turbilhão de emoções dentro de mim, mas a emoção que mais me atormenta é o medo.

Só me restou uma saída e essa foi literalmente a saída pela porta, virei e fui embora sem dizer mais nada.

Nos dias que se passaram eu não conseguia tirar Marina da cabeça, a saudade que eu sentia daquele sorriso que ilumina a minha alma, aquele jeito que ela me olha como se pudesse ver através de mim, a voz doce que me faz sonhar, e quando sinto seu toque, seu abraço aquece meu coração de um jeito que nunca senti na vida.

Não consigo esquecer aquela cena, nunca tinha visto tanta tristeza naqueles olhos que eram a minha perdição, as palavras saiam de sua boca no compasso das lágrimas que insistiam em cair pelo seu belo rosto, a minha vontade era correr para seus braços e arrancar todo aquele sofrimento do seu peito, e trazer de volta aquele seu mais perfeito sorriso.

Clara passou os dias seguintes tentando tomar uma decisão quando finalmente tomou, teve medo, porque ela ia magoar alguém, essa era a única certeza que ela tinha, afinal deixou se levar por um triângulo amoroso. Mas ela tinha uma convicção maior, de que seu sofrimento estava só no início.

Finalmente tomou coragem, pegou as chaves do carro e seguiu rumo a Santa Tereza.

O que ela diria nos próximos minutos destruiria seu coração e sua alma pela eternidade, não podia mais dar esperanças para Marina, não poderia ser ela a ameaça a sobrevivência de seu outro amor, teria que ser forte pelas duas.

Eu te amo Marina agora consigo ver claramente, mas eu também amo o Cadu, eu amo vocês dois, ainda não posso largar tudo e viver o nosso amor me perdoa meu amor.

E com esse último pensamento desligou o carro e saiu em direção a porta do estúdio que estava aberta, e lá estava ela, Marina, neste momento seu coração acelerou, tomou coragem e a chamou.

— Marina? Eu tomei coragem, agora quem vai me ouvir é você.

— Fala, tô esperando. Diz Marina numa mistura de medo e ansiedade.

— Eu pensei sobre tudo o que você me falou, sobre a nossa situação, suas palavras não saíram da minha cabeça até agora Marina, principalmente as palavras finais.

— Ai Clara não tô lembrando. Marina tenta desconversar, ela só não queria lembrar das palavras que ela tanto se arrependeu de proferir antes.

— Você vai lembrar, vai lembrar, primeiro você disse que pro nosso bem a gente precisava se afastar.

— E você vai lembrar disso desse jeito assim? Frase por frase?

— Preciso que você veja como isso me marcou Marina, suas palavras estão martelando aqui dentro da minha cabeça, estão martelando no meu coração.

— Ai Clara às vezes a gente fala coisas que se arrepende 5 minutos depois.

— Sim, às vezes, mas não sempre, se você tivesse se arrependido você teria corrido atrás de mim, você teria ao menos me ligado para desdizer tudo que você disse.

— Você tem razão, vai continua, eu quero ouvir até o final.

— Ah! eu nao vou mais me torturar sabe, e também não quero mais te torturar, eu quero esquecer das lembranças ruins, entende? Eu preciso te falar da coisa que mais me marcou.

— Espera um pouquinho, para! Você tem certeza que isso é necessário? Você não vai se ferir ou me ferir trazendo a lembrança de uma coisa que eu não quero lembrar e talvez nem você queira. Você tem certeza?

— Eu tenho, e eu não tô aqui para fechar uma porta, entre a gente, só tô encostando. Você disse pra mim que por uma questão de sobrevivência sua, você tava me demitindo do seu coração, não disse?

— É só uma frase. Disse Marina com a voz oscilando.

— Uma frase que faz muito sentido, sabe, aí eu fiquei pensando e falei, pow! Eu não posso, eu não tenho direito de ficar insistindo com a minha presença aqui, eu não tenho direito de impedir a sua sobrevivência.

— Não clara.

— Por isso eu vim aqui, porque eu quero te dizer que, eu… Eu me demito de continuar vindo aqui, eu, eu não venho mais aqui.

— Não. Marina diz, já não contendo as lágrimas que insistiam em desabar de seus olhos.

— Sim, sim, até porque se precisa existir um afastamento, que esse afastamento seja radical, sabe pra gente não sofrer, muito.

—- Marina, a gente precisa se afastar por um tempo, entendeu?

— Não.

— A gente precisa.

— Não, eu não vou aguentar, não vou aguentar. A fotógrafa diz desesperada, correndo para os braços de Clara.

— Talvez eu também não, mas a gente precisa tentar. Oh! Tô o quase explodindo na minha casa, eu tô, tô olhando pro meu marido de uma forma diferente, assim como se eu estranhasse ele, sabe, o Cadu jamais ia me perdoar por não ter sido sincera, por não ter sido leal, pior eu, eu nunca ia me perdoar por isso entendeu? E o sofrimento, o sofrimento ia ser muito maior. Desculpa.

Clara diz tudo de uma vez e não segura mais as suas próprias lágrimas, ao sentir o abraço quente de Marina sentiu vontade de desistir e ficar ali para sempre em seus braços, a protegendo de toda dor e sofrimento, mas neste momento era Clara o motivo de tamanho desespero.

— Clara! É a última coisa que Marina diz entre lágrimas, vendo Clara, que também sofria ao se afastar relutante ir embora. Para o mundo de Marina desabar-se sobre seus pés.

Sabe aquele nó na garganta que você sente quando a emoção é tanta que não cabe mais dentro do coração?

Um tsunami avassalador de sentimentos misturados, dor, perda, decepção, frustração, medo, agonia, desespero, mágoa, tristeza e saudade, quando tudo isso se junta e você percebe que acabou a esperança, não resta alternativa além de se deixar transbordar em lágrimas.

Afinal essa é a única forma de colocar toda essa aflição para fora.

Vazio, foi o que Clara sentiu quando chegou em casa e desabou a chorar copiosamente escondida dentro do banheiro, não queria que o marido visse, ele faria perguntas demais e ela só queria sofrer em paz.

O arrependimento por suas palavras estava ali e novamente as dúvidas, ficar longe de Marina não era a solução.

Clara amava sim, os dois, mas o amor pelo marido era companheirismo, costume, amizade, era pavor do desconhecido, medo de não fazer Marina feliz, receio de não ser leal consigo mesma e com os que estão ao seu redor, temor de não ser boa neste tipo de relacionamento, afinal seria sua primeira experiência.

Deixou o medo escolher ao invés de ouvir seu coração e dizer para Marina que toda essa confusão de sentimentos e todos os seus receios tinha um nome e se chamava amor.

Teve que escolher entre o que é certo e o que é fácil.

Optou pelo fácil, o conhecido, pela sua rotina a que estava adaptada a anos, por medo, deixou o amor genuíno partir.

Sabia que sua vida dali em diante seria tomada por uma avalanche de saudades, pelo que viveu e por tudo que poderia viver ao lado da mulher que mudou completamente a sua vida.

Clara, era o reflexo do que acontecia também com Marina, almas gêmeas sofrem juntas, mesmo que estejam separadas, viveu seus dias no automático, mas não deixou se abater, pelo menos não perto da sua família, tinha uma casa para administrar, um filho que dependia da sua força e era por ele que ela levantava todos os dias da cama, ela estranhava o marido, já não lhe fazia mais bem, vestiu uma máscara escondendo todas as suas aflições e continuou a viver seus dias em sofrimento banhado a saudade.

Cadu lhe perguntou algumas vezes se ela não iria trabalhar, deu uma desculpa qualquer por não ter coragem de dizer que tinha se demitido.

Clara pôs se a pensar: Como Marina pode me dizer que sou forte se eu não consigo tomar as rédeas da minha própria vida, encarar tudo isso de frente e deixar-me viver tudo isso que sinto por você Marina.

Mas um dia Clara acordou com a tristeza de ter se demitido da vida de Marina, já havia se tornado um hábito acordar e ter seu primeiro pensamento invadido por lembranças da fotógrafa, mas esse dia foi diferente, ele estava mais sombrio, sentiu uma sensação ruim sem explicação, não sabia que aflição era essa que lhe acometia, vez ou outra sentia seu corpo todo se arrepiar, um vento gelado lhe atingiu sem que ao menos uma janela estivesse aberta, só teve um pensamento Marina.

As horas se passaram como se fossem dias, virava-se na cama e o sono não lhe pertencia, foi vencida pelo cansaço horas depois finalmente conseguindo dormir.

Um sono pesado, repleto de pesadelos, imagens sombrias, não via sentido e nem contexto mas tinha certeza que Marina estava envolta em uma névoa que cercava totalmente seu corpo, ficava cada vez mais espessa, até que engoliu completamente a fotógrafa, rumo ao esquecimento.

Clara gritava incessantemente o nome da fotógrafa, que por sua vez não ouvia, parecia tão longe, mesmo estando tão perto.

Acordou num salto, com o coração galopando no peito ao ouvir a voz de Marina lhe chamando, Clara, Clara, sussurrando ao seu ouvido.

Quando despertou recuperando-se do susto, identificou que estava deitada em sua cama ao lado de Cadu, estava ofegante, suada e tremendo, nunca tivera um pesadelo tão real, tinha certeza que ouviu Marina lhe chamar, e isso não era sonho, ela parecia que realmente estava ali, mas isso era totalmente impossível, tateou à procura do seu telefone, virou um hábito durante esses dias olhar no visor a cada 5 minutos esperando uma mensagem de Marina, mas não veio nenhuma nesses dias de sofrimento, a última mensagem de Marina tinha chegado á 4 dias e dizia apenas a palavra SAUDADES , escrita em letras maiusculas, com dois corações ao lado, tinha esperanças de que ela falasse alguma coisa porque ela mesma não poderia, afinal foi Clara quem pediu um afastamento total, não queria ver Marina sofrendo com sua indecisão. Clara só queria que as coisas pudessem voltar ao seu eixo, queria estar novamente perto da fotógrafa, não estava mais aguentando tamanha saudade, queria ouvir novamente a sua voz, sentir suas mãos tocando as suas, sentir o calor de seu abraço e se inebriar no perfume marcante característico de Marina.

Ao desbloquear o telefone estranhou a quantidade de ligações perdidas, 13 no total, todas de Flávia. O aparelho estava silencioso, haviam ainda várias mensagens.

Flávia (01:43) Clara, desculpe o horário preciso falar com você.

Flávia (01:43) Clara?

Flávia (01:49) Clara, preciso falar com você urgente, me ligue.

Flávia (01:57) Clara, desculpe a insistência preciso mesmo falar com você me ligue.

Nessa hora Clara sentiu que algo estava muito errado e Marina estava envolvida, seu coração avisava se retorcendo dentro do peito.

Flavia (02:46) Clara, Marina está no hospital.

Ao ler a última mensagem, Clara sentiu o seu mundo ruir sobre seu corpo.

Continua..