4 meses se passaram desde que a minha vida mudou drasticamente, é possível que eu tenha envelhecido anos nesses meses, acredito que o sofrimento faz isso com nosso corpo, com a nossa alma, quando você não pode mais conviver com quem você tanto ama, não pode compartilhar coisas simples da vida como um bate papo trivial, não pode dividir fatos do dia-a-dia, mesmo que sejam apenas algo banal, não pode contar sobre mudanças radicais, dessas que dividem a sua vida num marco de o antes e o depois, quando não é possível repartir lembranças e sorrisos por algo simples e até mesmo bobo, quando não pode mais ouvir mais aquela voz que tem o poder até sobrenatural de te acalmar e te transportar para além da imaginação, quando não é mais capaz de mergulhar nas águas calmas daquele olhar que é habilitado a te despir sem ao menos te tocar, que te enxerga em cada mínimo detalhe, revelando o mais profundo da sua alma, quando você perde quem é seu apoio e companhia, você perde pedacinhos do seu ser, dia após dia, só restando o vazio, saudade e solidão. Eu só queria gritar, gritar para tentar abrandar meu coração, me pego inerte em meus pensamentos, refletindo até onde a culpa era minha, me culpo pelas minhas incertezas, pelo meu medo em assumir o que eu sentia, por não ter sido leal em primeiro lugar a mim e depois aos que estavam ao meu redor, a dor da culpa corroi a nossa alma de uma maneira tão abrupta que nosso coração sangra. Eu tenho muito o que lamentar, tenho muito o que viver sem, eu nunca vou encontrar o que deveria ter sido, sem você. Eu sabia que era Marina, eu entendi que ela era o amor da minha vida, eu tinha a sensação de poder ouvir no silêncio e enxergar no escuro, quando as palavras ficam sem sentido ao tentar definir por ser indefinível, eu sentia com todas as células do meu corpo que éramos mais, muito mais do que eu pude lhe ofertar, o medo de magoar Cadu também foi um complicador para postergar a minha decisão. Eu não poderia deixar o meu marido, o pai do meu filho, meu amigo e companheiro, um cara bacana que sempre esteve ao meu lado, eu preferi sofrer do que fazer os que estavam ao meu redor sofrer, mas eu estava tão enganada, meu Deus como eu estava, a minha falta de coragem para tomar as rédeas da minha vida fez todos ao meu redor sofrerem, principalmente ela. Ela que chegou na minha vida como um raio de sol derretendo tudo o que eu achava que eram certezas e abrindo meus olhos para o mundo, minha visão de mundo era tão fechada, tão centralizada em ser esposa, mãe e dona de casa, eu não tinha mais sonhos, não tinha planos para o futuro, eu até achava que era feliz, mas eu não conhecia realmente o que era felicidade e Marina me proporcionou isso, ela abriu a minha mente de uma maneira tão doce, gentil, sonhadora, me mostrou cores que eu não posso ver com mais ninguém, como se tivéssemos uma língua secreta que só ela poderia entender, me fez ver que antes de tudo eu era uma pessoa, uma mulher que merecia infinitamente mais, que o mundo estava em plena expansão e que eu poderia crescer junto, poderia me realizar como pessoa almejando novos horizontes. Me culpo ainda por não ter tido a coragem e determinação necessária para terminar o meu casamento, Cadu fez por nós o que eu não consegui fazer por mim. Ele foi muito paciente comigo durante todo esse tempo em que Marina entrou na minha vida, mas ele viu o que eu não enxergava, que o nosso casamento já tinha acabado. Acabou quando eu conheci a minha alma gêmea, chegou ao fim quando meus sentimentos mudaram, mesmo que ainda fossem tão confusos e incertos. Terminou quando eu não olhava para ele com olhos de amor inflamados de desejo, porque esse olhar era somente para ela.

— Você nunca se decidiu, ficou aí cozinhando em banho maria o trouxa aqui e a espertona lá. Ficou em cima do muro porque era muito mais fácil para você não é Clara? Disse Cadu jogando na minha cara toda a minha indecisão de meses.

— Eu tô sofrendo! Digo com lágrimas que saem sem controle.

— Eu também Clara e imagino que Marina sofre também.

Pelo o que eu já vi de vocês está muito claro para mim. Você já se decidiu, você fica me enrolando sem a menor consideração. Eu te esperei até agora porque eu te amo, Nunca imaginei que o nosso casamento fosse terminar assim, dessa maneira , mas se você não tem coragem de tomar as suas próprias decisões e ser sincera com você mesma eu faço por nós dois. E assim Cadu colocou um fim no nosso casamento. Minha vida está tomando novos rumos e eu só consigo pensar que não posso compartilhar isso com a minha melhor amiga e meu grande amor. Marina, eu só queria poder ser abraçada por você e me perder em seus braços.

Assinei os papéis de divorcio mês passado, foi o fim de um ciclo, Cadu ainda tem mágoa de mim mas segundo ele está passando, temos que ter um relacionamento amigável pelo nosso filho, posso deixar de ser esposa ele de ser marido mas nunca de sermos pai e mãe do nosso filho Ivan. Olho o meu apartamento agora tão vazio, são tantas lembranças morando aqui, sinto saudade do meu filho, não tenho sido as melhores das mães, estou dividindo os meus dias entre ficar aqui cuidando dele e cuidando dela lá.

Nos dias que Cadu leva Ivan para sua casa eu passo o tempo integral ao lado de Marina que está em coma a meses. Sempre que posso, ainda que seja uma passada rápida aqui estou eu, no hospital na cadeira ao lado da sua cama, esperando o dia em que eu finalmente poderei olhar para aqueles olhos castanhos que eu tanto amo, abertos novamente. Tem sido dias sombrios, mas eu não deixo de ter esperanças, Marina é uma batalha que vale a pena lutar, desde a noite que Marina chamou por mim eu eu pude dizer que eu a amava, pela primeira vez, nada tem sido fácil. Os médicos conseguiram trazer ela de volta mesmo depois de 6 minutos que seu coração não respondia aos estímulos. No mesmo dia ela foi transferida para o hospital centro Rio, Demoraram 2 dias para deixar ela estável para fazer outras duas cirurgias. mas o parecer não era nada esperançoso, disseram que ela não iria sobreviver e se sobrevivesse não teria como prever quais seriam os danos cerebrais devido a falta de oxigenação no cérebro. Eu vejo melhora no quadro dela mesmo que seja minimamente significantes, ela continua pálida, e fria, estou sempre ajeitando a coberta em volta do seu corpo, mesmo que ela nunca se mova, os roxos e hematomas sumiram com o passar dos dias, as cicatrizes das cirurgias ainda estão lá mas estão ficando mais amenas, ela continua não respirando sozinha, mas eu sinto que posso respirar por nós duas, se ela puder voltar pra mim, sinto uma força dentro de mim que estava a muito adormecida, eu não sei como, mas mesmo contra o opinião de todos eu tenho a certeza Marina vai acordar, sinto isso dentro do meu ser, nossa ligação sempre foi intensa, eu senti quando ela sofreu o acidente, e sinto que está perto o dia que voltarei a ser feliz, e agora ao seu lado para sempre. Estou sempre conversando com Marina conto tudo o que acontece no meu dia, alguns acreditam que pessoas em coma podem entender o que falamos, o cérebro ainda é um órgão muito desconhecido pela ciência, por isso estou sempre aqui entretendo Marina com alguma história engraçada e até mesmo fofocas da família e de lá do estúdio que ajudo sempre que posso, já li vários livros para Marina de temas variado o último foi paixão pela fotografia, achei uma bela opção já que Marina sempre foi apaixonada por essa arte. Já se passaram agora 6 meses que aguardo esperançosamente por você meu amor, você me esperou por tanto tempo, sempre teve esperanças, agora sou eu que mantenho as nossas esperanças vivas por nós duas, vou render Vanessa que ficou a noite toda aqui no hospital, não consigo deixar de ter ciúmes toda vez que deixo ela sozinha com Marina, fico me perguntando o que Vanessa tanto fala com Marina. Hoje vejo que Marina está menos pálida do que o habitual durante esse tempo, nenhum detalhe passa despercebido por mim.

— Hey dona moça bom dia! Está um dia lindo lá fora, mas você sabe que enquanto você não acordar e sorrir para mim todos os meus dias serão nublado né? Então continue lutando, porque eu sei que você está, você é uma lutadora sempre foi, você é persistente, é intensa, você nunca desistiu de mim, mesmo eu sendo um poço de medo, dúvidas e insegurança. E eu te prometo Marina Meireles que nunca vou desistir de você. Sempre que toco a mão de Marina, mesmo agora ela estando aqui fria, eu sinto uma corrente elétrica que passa por todo o meu corpo e ao chegar ao coração ele dispara, posso jurar que seu dedo se mexeu mesmo que muito sutilmente.

— Hoje nós vamos ler um livro novo, um de superação, os comentários estavam ótimos, não pude deixar de pensar em nós, na nossa história e em tudo que percorremos até aqui. Mas antes deixa eu te contar que o Ivan tirou 10 em matemática ficou todo feliz, prometi que em recompensa ia levar ele pra tomar um sorvete na praia, sinto muito por ter que encurtar o nosso tempo juntas hoje, preciso dar uma atenção lá pro bichinho com toda essa situação com o Cadu e eu não tenho estado muito presente pra ele, mas você sabe que eu sempre volto por você. Me inclinei e beijei o rosto de Marina como sempre faço antes de começar a leitura do dia, abro o livro e me espanto com um som diferente vindo do aparelho ao lado esquerdo da cama, seus bips estão muitos mais rápido, quase num tom frenético, me assusto ao relembrar que a última vez que o som do aparelho mudou assim de repente Marina estava morrendo bem na minha frente, imediatamente me ponho a correr atrás de alguém gritando por ajuda.

Duas enfermeiras que estavam no quarto do lado apareceram prontamente para me ajudar, ao entrarmos no quarto fiquei mais assustada ao ver que o tronco de Marina se mexia como se estivesse ligado num fio de alta tensão, a enfermeira loira que estava na frente abriu uma gaveta e preparou uma injeção e injetou no acesso venoso no braço esquerdo de marina, os espasmos foram diminuindo e o som foi se acalmando, a outra enfermeira morena mais baixa, voltou com o médico, eles conversavam e eu não entendia nada, estava em choque demais para assimilar alguma coisa, o medo tomou conta de mim não estava pronta pra dizer adeus para o amor da minha vida e provavelmente nunca estarei, temos tantas coisas para viver. O doutor Alberto veio até mim depois de me chamar 3 vezes.

— A senhora está bem? Perguntou o médico me analisando.

Só consegui assentir com a cabeça, ele tinha um leve sorriso nos lábios, eu fiquei ainda mais confusa, ao ver que as minhas reações estavam totalmente desproporcionais, ele explicou.

— Nós vamos desligar os aparelhos da senhora Marina.

— Meu Deus! Caí em lágrimas no mesmo instante, corri para o lado de Marina a abraçando e gritei.

— NÃO! NINGUÉM VAI TOCAR NA MARINA!

— A senhora não está entendendo a situação, por favor deixa eu explicar. Vou desligar a máquina de oxigênio a paciente não precisa mais dela porque ela agora está respirando sozinha, por isso ela está rejeitando a intubação, esta é uma ótima notícia. Clara sentiu um alívio imediato, sentiu seu coração inflar, sua fé e esperança tomavam um novo fôlego.

— Faremos novos exames para ver qual a situação atual e qual é o tamanho do avanço, não sabemos ainda quando ela vai acordar ou se realmente vai, mas a certeza que tenho é que o seu corpo está se curando. Disse o médico , trazendo um conforto para meu coração, ele confirmou o que eu já tinha certeza, Marina estava melhorando mesmo que a evolução fosse devagar. Duas semanas se passaram desde que Marina começou a respirar totalmente sozinha, está vitória renovou as minhas esperanças, ela está muito mais corada, sua pele está tão mais quente. É tão reconfortante poder ver seu peito subindo e descendo em um ritmo contínuo e leve, sem ajuda de uma máquina.

— Esse livro é ótimo Marina, espero que você tenha gostado tanto quanto eu, o dia passou e eu nem me dei conta por tamanha imersão. Vamos ler a continuação amanhã, Harry Potter e a Câmara secreta, o Ivan já está no 4º livro da saga Harry Potter e o Cálice de fogo ele está adorando, bom que eu lendo esses livros com você Marina posso dividir com o bichinho um interesse em comum e não vou ficar boiando quando ele começar a explicar a história, vou ter uma carta na manga. Não consigo descrever em palavras o que senti após fechar o livro e ver aqueles lindos olhos castanhos me olhando. Não consegui dizer nada por alguns minutos, estava totalmente em estado de choque, Marina por sua vez não disse nada, apenas me olhava. Lágrimas caiam incessantes pelos meus olhos, minha voz falhou, uma, duas, três vezes, somente na quarta tentativa consegui abrir a boca, o problema a seguir foi eu tentar juntar as palavras em frases, fui incapaz de pensar no que dizer por uns bons longos dois ou três minutos. Quando finalmente meu cérebro acordou do torpor eu disse entre lágrimas e sorrisos:

- Hey dona moça!