Passamos a vida toda sonhando, do início ao final do nosso ciclo humano, quando crianças sonhamos com um brinquedo novo, ser escolhido primeiro em uma brincadeira, quando adolescentes começamos a sonhar com o futuro, faculdade, primeiro emprego, ser independente, quando jovens já temos alguma bagagem e somos mais maduros, queremos o emprego dos sonhos, casa própria e constituir uma família.
A construção de uma família passa por uma importante questão, quem será o escolhido para dividir a sua vida, muitas pessoas não conseguem realizar a maioria dos seus sonhos, por motivos variados que vão do destino até mesmo por falta de coragem de correr possíveis riscos.
Mas isso não impede que continuemos sonhando, porque são os sonhos que fazem nossa vida valer a pena, mas nunca podemos esquecer de algo muito importante, não vale a pena viver sonhando e se esquecer de viver.
Clara continuou sonhando dia após dia, ela manteve algo que nunca podemos deixar morrer, a esperança. Existem amores que são tão extraordinários que eles têm um poder próprio que nos impulsionam a seguir em frente mesmo quando as circunstâncias da vida te jogam no chão, esse tipo de amor transcende o entendimento humano, ele move as linhas do destino a fim de se encontrarem pelas curvas do tempo, este é o amor genuíno é o encontro de almas que estão destinadas a se encontrarem e se completarem por toda a eternidade. Clara compreendeu depois de tantas dúvidas e medos que ela teve a sorte de encontrar esse amor, mesmo que ele não fosse o "tradicional", mesmo que tivesse que lutar contra preconceitos e a sua própria aceitação. Ele estava ali e era palpável, forte e intenso, ela superou seus próprios conceitos e se permitiu amar com toda a força da sua alma, e agora estava ali, próxima a realização do que mais sonhou durante esse último ano, que seu amor finalmente acordasse.
- Hey dona moça!
Marina não disse nada, só me olhava, eu percebi imediatamente que aquele não era o seu olhar habitual que me despia com um amor inflamado em desejo, era um olhar inerte. Tentei novamente.
— Marina!
Você me ouve? Consegue me entender? Pergunto com a voz um pouco mais aflita. Não tive nenhuma resposta.
A minha alegria inicial se transformou em preocupação, os médicos sempre disseram que poderia haver sequelas mas no fundo do meu coração eu me negava aceitar esse resultado, mas uma vez senti a culpa inundar o meu ser, porque eu tive que ir embora? porque eu nao tomei outra atitude? porque não fiquei ao seu lado meu amor?
Como o coração apertado deixei Marinar por um instante à procura de socorro.
Mas uma vez vi Marina ser levada para fazer exames, minhas esperanças estão cada dia mais convictas, tenho certeza dentro do meu coração que está chegando ao fim essa era tenebrosa de sofrimento sem ter Marina ao meu lado.
O médico explica que apesar de Marina poder abrir os olhos às vezes, isso não mudava o seu estado, mas essa era uma evolução positiva.
Outra semana se inicia, os resultados dos exames de tomografia mostraram que o cérebro de Marina ainda tinha uma mancha escura, os médicos não podiam definir se aquilo seria algo temporário ou se além de abrir os olhos Marina iria realmente acordar, não foi possível identificar as possíveis sequelas do seu coma que já durava quase 1 ano.
Levo meu filho para passar o fim de semana com o pai, depois de encher Cadu com recomendações pego meu jipe e saio dirigindo rumo a quase que a minha segunda casa nesse último ano o hospital, não consigo ficar muito tempo longe de Marina, não me importo que eu viva tendo monólogos com ela, adoro pode contar a ela tudo sobre os meus dias, sinto que assim ficamos ainda mais próximas, me apego na ideia de que de alguma forma ela está me ouvindo, me entendendo nem que seja minimamente, conversar com Marina me deixa mais leve e tranquila. Tem dias em que Vanessa está insuportável, sempre me alfinetando e falando alguma coisa com a intenção de me machucar, os ciúmes dela pela marina estão chegando a outro nível, tem horas que ela age como se ela e Marina ainda fossem um casal, isso me irrita profundamente, vez ou outra vejo ela se despedindo selando os seus lábios nos de Marina só para me matar de raiva. Preciso exercitar a minha paciência e tentar ser indiferente a Vanessa, não quero brigar com ela perto de Marina, busco sempre manter um clima amigável com Vanessa pelo menos perto de Marina prezando sempre pelo seu bem estar.
Chego no quarto do hospital a fisioterapeuta está terminando a sua sessão com Marina, morro de ciúmes dela tocando o corpo da minha fotógrafa, eu entendo que é um processo importante para os músculos de marina não ficarem atrofiados, mas nao consigo deixar de pensar que essa mulher olha diferente para Marina pode ser apenas impressão minha, mas o olhar dela é bem parecido com o de Vanessa por isso me coloco sempre em posição de guarda.
Agradeço a fisioterapeuta e ela se despede, eu me despeço dela sem muito entusiasmo.
Segui a minha rotina de contar pra Marina o que eu fiz durante o dia e como estava o meu filho e tudo que ele vinha aprontando.
— Marina eu vou te confessar viu, não gosto dessa sua fisioterapeuta, ela te olha como se fosse te devorar, um olhar quase idêntico ao da Vanessa, mas se bem que o da Vanessa é pior, ele tem uma boa parte de posse nele, ela se acha a sua dona. Todo dia eu tenho que travar uma disputa com ela pelo nosso revezamento, ela nunca quer sair do seu lado e fica muitas vezes resistente com a minha presença. Mas você sabe que eu não abaixo para ela. ninguém vai me impedir de te ver. Muito menos ela, não consigo enxergar essa Vanessa legal que você jura que existe nessa mulher tão pesada, tão negativa. Mas chega vamos falar de coisa boa, passei hoje lá no estúdio para dar um mão lá para Flavinha, aquele lugar sem você fica tão triste, sem brilho, você tem que voltar logo, para contagiar tudo e todos com essa sua luz. Eu vi umas fotos lindas da Flavinha ela está cada dia melhor, mas também ela teve a melhor professora de todas, você é uma artista maravilhosa eu fico encantada com todo o seu talento. Amanhã volto lá para ajudar com umas fotos publicitárias que a Flávia vai fazer. O Ivan te mandou um beijo e disse que está morrendo de saudades, vive reclamando que eu não trago ele para te ver, mas hospital é complicado né Marina, não deixam crianças entrarem, criança, criança é jeito de falar porque o meu bichinho está quase um rapaz, daqui a pouco ele fica do meu tamanho, eles crescem rápido demais.
Converso amenidades com Marina contando detalhes do meu dia, sempre ao seu lado da cama e segurando sua mão entre as minhas, é sempre uma sensação tão boa em sentir sua pele na minha, sinto tanta segurança nesse gesto simples.
— Hoje você vai ouvir uma música linda Marina, tomará que você goste, porque ela é realmente linda.
Coloco um dos fones bluetooth no ouvido direito de Marina me inclinando chegando tão perto da sua pele minha respiração acelera, é sempre assim o tocar de nossas peles é sempre algo mágico, coloco no meu ouvido o fone esquerdo e dou play na melodia. A música inicia com o toque da guitarra e eu digo.
—Essa música retrata como me sinto quando estou com você.
"Cause I don't know how it gets better than this. You take my hand and drag me head first. Fearless, And I don't know why but with you I'd dance In a storm in my best dress Fearless. Taylor Swift."
— Destemida Marina, sem medo, se você segurar a minha mão eu me jogo de cabeça, porque você me torna destemida.
Adoro essa música, amanhã podemos ouvir mais algumas, vou fazer outra playlist para você porque até eu já estou enjoada da playlist da semana passada.
Depois de horas sentada ao lado de Marina tendo mais um dos meus monólogos o sono começa a dar as caras, puxo a extensão do sofá e me preparo para dormir mais uma vez ao lado de Marina, o fim de semana passa como um sopro tenho que me preparar para o início da semana preciso buscar Ivan na casa de Cadu e seguir para escola para uma reunião de pais, começo a juntar as minhas coisas, me despeço de Marina com um beijo doce no rosto.
— Tenho que ir Marina, mas você sabe que logo, logo estou de volta, até mais tarde. Aperto mais uma vez a mão de Marina entre as minhas, me despedindo. Posso jurar que seu indicador se mexeu entre meus dedos. Um sorriso involuntário brota de meus lábios.
Antes de sair aproveito para usar o banheiro do quarto de Marina, o trânsito essa hora para o Leblon é sempre um caos, abro a porta do banheiro ainda secando as mãos, jogo o papel toalha na lixeira apanho minha bolsa, me permito dar uma ultima olhada em Marina, sempre tão linda, não posso deixar de pensar em como sinto saudade do seu sorriso, uma saudade do jeito que você me olha, enxergando dentro da minha alma, saudade da sua voz sempre tão determinada, como sinto sua falta, na minha vida. Sigo em direção a porta do quarto ao colocar a minha mão na maçaneta e me assusto ao escutar uma voz que a muito tempo eu não ouvia. Não ouvia pessoalmente e não ouvia nenhuma palavra diferente daquelas que estavam guardadas na caixa postal do celular, que vira e mexe eu ligo apenas para matar a minha saudade.
— Hey! não posso atender no momento deixe um recado, se valer um click eu retorno.
Mas o que eu ouço agora é uma palavra diferente, das armazenadas na gravação, uma palavra tão curta, somente duas letras em um som tão baixo, até mesmo frágil e um pouco amedrontado mas com um significado tão poderoso para mim. Meu coração dispara e eu olho em direção aquela voz que eu tanto sentia falta.
— Oi. Ela diz com a voz fraca quase um sussurro.
Fico estagnada a olhando emocionada, perdida naquele olhar que agora estava vivido me analisando, ultimamente virei uma chorona, estou sempre com lágrimas nos olhos, com meus sentimentos à flor da pele. Então ela tenta novamente conseguir alguma interação por minha parte e diz novamente, um pouco mais claro que a primeira vez.
— Oi.
Sigo a passos lentos, incertos em sua direção como se eu pudesse assustá-la. Ela acompanha o meu trajeto com aquele olhar que eu tanto sentia falta, mesmo que ele não estivesse tão intenso como antes, mas lá no fundo eu pude reconhecê-lo, me posiciono ao pé da sua cama, ainda tentando que a minha boca emita algum som.
— Oi.
Ela diz pela terceira vez e eu vejo como aquela simples palavra lhe causa dor ao dizê-la, uma expressão de dor passa pelo seu belo rosto, vejo nos seus olhos algo que não reconhecia naquele olhar, vi dúvidas, incerteza e medo, ficaram ainda mais confusos com a minha demora em lhe responder. Sua expressão desperta meu lado protetor me tirando do meu choque inicial, caminho para o seu lado na cama e finalmente consigo responder com um sorriso imenso no rosto.
— Olá!
