Na vibrante Rua dos Alfeneiros, um manto de tranquilidade cobria a manhã de verão. Alguém que passa-se por lá notaria que não havia mais que dez almas perambulavam ao ar livre, uma raridade naquela época do ano. A explicação residia no fato de que as férias de verão haviam esvaziado a rotina habitual. As crianças, em particular, abraçavam a liberdade de horários flexíveis, trocando o toque do despertador pelo convite das estrelas para noites estendidas. No entanto, eram poucos os jovens aventureiros que se aventuravam sob o sol radiante, que finalmente parará de se esconder por trás das nuvens, para criar memórias de brincadeiras ao ar livre.

Agora, se seus olhos vagassem pelos jardins meticulosamente cuidados de uma casa em particular, você encontraria um jovem que ia contra o padrão ali formado. Enquanto as crianças da sua idade se divertiam brincando e andando de bicicleta, este garoto estava cuidando das flores do jardim; o nome dele era Harry Potter. À primeira vista, sua figura não despertava curiosidade entre os transeuntes. Os fios de seu cabelo, desalinhados e indisciplinados, conferiam-lhe um ar de quem acabara de enfrentar uma brisa impetuosa. Sua altura, considerada baixa em relação as outras crianças, e seu corpo magro, quase frágil, contrastavam com a vivacidade típica da infância. Atrás dos óculos de aros redondos, seus olhos verdes observavam o mundo com uma intensidade incomum, como se buscassem desvendar mistérios ocultos nas trivialidades do cotidiano. No entanto, era a singular cicatriz em forma de raio que adornava sua testa a verdadeira chave para a sua excepcionalidade. Essa marca, quase imperceptível à distância, revelava-se um emblema de sua singularidade, um símbolo mudo de uma história ainda não contada, que apenas os mais atentos e perspicazes poderiam perceber e talvez compreender. Aos olhos dos poucos que o conheciam naquela rua, Harry era o órfão adotado por tios benevolentes após uma tragédia precoce que levou a vida de seus pais. E que apesar de ter apenas seis anos de idade, ele abraçava as responsabilidades domésticas com o objetivo de ajudar seus bondosos tios. Contudo, essa narrativa escondia camadas não reveladas, e a verdade sobre o jovem Potter era muito mais complexa do que aparentava.

A realidade, que se desdobrava de maneira surpreendente e contrária às expectativas populares, revelava que o menino, em uma noite fatídica marcada pela perda de seus pais, encontrou-se abandonado à porta da residência de seus tios. Sem alternativas, visto que eram seus únicos parentes que restavam, a tia e o tio viram-se obrigados a assumirem a responsabilidade pelo sobrinho órfão. Contudo, a execução dessa obrigação foi marcada por uma negligência gritante, rebaixando o menino a um segundo plano, em um contraste gigante comparado ao tratamento destinado a seu filho biológico e primo do menino.

As condições de vida impostas ao menino sob o teto dos tios eram de tal forma precárias que, se expostas ao público, provocariam uma onda de rejeição e indignação generalizada. Tais circunstâncias poderiam facilmente resultar em uma condenação legal dos tios, que seriam condenados a passarem longos anos atrás das grades. O menino, vítima de um ambiente hostil, era exposto a uma rotina de maus-tratos na qual era encarregado de tarefas domésticas exaustivas, desde a limpeza até o cultivo das flores e a preparação das refeições. Em qualquer sinal de resistência ou falha ele era punido com violência, obrigado a passar fome e confinado em um armário minúsculo, localizado embaixo das escadas — um espaço sombrio e sujo que o menino era forçado a chamar de quarto.

Após terminar de cuidar das flores Harry entrou em casa e foi trocar sua roupa empoeirada por uma limpa. Todas as roupas que possuía eram roupas velhas e grandes de mais comparadas a ele, isso se dava pelo fato delas pertencerem a seu primo Duda, que possuía o dobro da largura de Harry que era bastante magro. Depois de se trocar e limpar caso houvesse sujo algo ao entrar em casa para depois não ser espancado por seus tios. Harry ia pra cozinha começar a preparar o jantar de seus tios, que virou sua obrigação desde que ganhou altura suficiente para alcançar o fogão. Com o passar do tempo, Harry começou a gostar de realizar algumas tarefas como cozinhar e cuidar das flores, ele achava um momento relaxante mesmo odiando o fato de estar realizando essas tarefas por ordens de seus tios.

Ao entrar na cozinha, Harry foi recebido pela figura imponente de sua tia Petúnia. Com sua altura elevada, silhueta magra e cabelos loiros que iam até os ombros, ela impunha uma presença quase aristocrática. Seu rosto, de traços alongados, lembrava vagamente o de um cavalo, coroado por um pescoço longo como o de uma garça. Essa característica peculiar parecia ser uma vantagem para ela, que dedicava longas horas do dia inclinada sobre a janela, observando com olhos de águia a rotina dos vizinhos, como se fosse a guardiã da moralidade do bairro.

Na mesa, seu tio Válter estava absorto na leitura de seu jornal. A semelhança dele com Leôncio, o antagonista das animações do Pica-pau que Duda tanto gostava de assistir, era notável. A expressão carrancuda, o bigode e o semblante severo eram quase uma cópia fiel do personagem animado, exceto pelas presas inexistentes e pelo fato de que seu tio possuía uma cabeleira, embora rala, e uma constituição mais robusta, que desafiava a gravidade. Essa semelhança entre a realidade e a ficção causava em Harry um misto de surpresa e incredulidade, como se ele testemunhasse a materialização de um personagem fictício em sua própria casa.

"Onde você estava, pirralho?" Sua tia Petúnia lançou a pergunta com um tom de censura evidente, enquanto interrompia sua vigilância pela janela e o observava entrar na cozinha. A expressão dela era uma mistura de irritação e preocupação mal disfarçada, preocupação que ela logo pois em palavras. "Você está atrasado; Duda daqui a pouco vai acordar e descer para comer, e Válter precisa sair para o trabalho. Cuide em preparar o café da manhã." As palavras saíram de sua boca como um roteiro bem ensaiado, enquanto ela mal esperava uma resposta antes de voltar sua atenção para a rotina matinal dos vizinhos, buscando qualquer sinal de anormalidade que pudesse perturbar a paz de sua casa perfeitamente ordenada.

Com a falta de interesse da tia em sua resposta, Harry deixou o assunto de lado e começou a cozinhar. O cheiro do caldo de galinha fervendo na panela trouxe memórias mistas. Ele ainda se lembrava das primeiras vezes que seus tios o obrigaram a cozinhar. Naquela época, a comida ou estava queimada ou crua, o que resultava em ele ser espancado e ficar sem comer. Mesmo agora que sabia cozinhar e preparar comidas deliciosas, praticamente tudo iria para os tios e o primo, com ele ficando apenas com as sobras. Harry sonhava com o dia em que poderia saborear um prato bem preparado, mas por enquanto, sua habilidade na cozinha era apenas uma maneira de sobreviver à dura realidade de sua vida com os tios. A cada refeição, ele se perguntava se algum dia teria o suficiente para si mesmo, sem ter que se contentar com as migalhas deixadas pelos outros.

Duda desceu as escadas com um bocejo, ainda esfregando o sono dos olhos. O aroma do café recém-cozido o guiava até a cozinha, onde encontrou Harry já em plena atividade. Ele estava de costas para ele, concentrado em picar os legumes e aquecer as panelas. Seu tio, impaciente como sempre, lançava-lhe ordens em tom áspero: "Depressa, não tenho o dia todo", enquanto folheava o jornal sem realmente prestar atenção no que lia. O primo de Harry, maior e mais corpulento, divertia-se dando-lhe cutucadas nas costas, cada uma acompanhada de um risinho abafado. Mas Harry, acostumado a esse tratamento, escolheu ignorá-los, focando-se na tarefa de preparar um café da manhã que, apesar das circunstâncias, ele esperava que fosse pelo menos um momento tranquilo antes do dia começar oficialmente.

Após concluir o preparo da refeição, Harry arrumou a mesa dispondo os talheres e pratos com a mesma atenção que dedicara aos alimentos. Com a mesa pronta, ele aguardou pacientemente enquanto seus parentes finalizavam seus próprios preparativos culinários. Consciente de sua posição na hierarquia familiar, Harry sabia que seria o último a se servir. Essa dinâmica o levou a desenvolver uma estratégia culinária particular: ele optava por incluir uma variedade de legumes em seus pratos, ciente de que sua tia era a única que apreciava tais iguarias. Dessa forma, Harry garantia que, mesmo após todos se servirem, ainda restaria uma porção generosa para ele desfrutar sem pressa, saboreando o resultado de seu esforço na cozinha.

Harry participava do café da manhã em um silêncio contemplativo. Ao seu redor, a agitação matinal se desenrolava com seu primo Duda agarrando vorazmente os alimentos, movendo-se com uma urgência quase cômica, como se temesse que, num piscar de olhos, a comida pudesse desaparecer. Enquanto isso, seus tios mergulhavam em uma conversa animada sobre os planos do dia, discutindo assuntos triviais que não despertavam o menor interesse em Harry. Nesse cenário familiar, ele se sentia como um espectador invisível, alheio ao burburinho e à rotina ao seu redor. Essa invisibilidade era uma constante, apenas interrompida quando, inevitavelmente, os tios lhe atribuíam a tarefa de limpar o que restava do desjejum, trazendo-o de volta à realidade das obrigações domésticas.

Com o término da refeição, o silêncio se instalou brevemente na cozinha, marcando o início de mais uma etapa na rotina diária de Harry. Enquanto ele se preparava para começar sua próxima tarefa, seu tio se ergueu da cadeira com a pressa característica de um novo dia de trabalho. Com um gesto de carinho, depositou um beijo de despedida na testa de sua esposa, que retribuiu com um sorriso afetuoso. Em seguida, com um movimento suave, deslizou a mão pelos cabelos do filho, uma expressão silenciosa de amor paternal. Finalmente, apanhou sua mala e, com passos decididos, atravessou o limiar da cozinha, partindo para mais um dia de trabalho.

Enquanto Harry manobrava cuidadosamente a pilha de louça suja em direção à pia, seu caminho o levou a passar pela porta da cozinha. Foi nesse momento que ele notou seu tio, prestes a sair da casa para o mundo exterior. A porta se abriu e, embora Harry não pudesse discernir detalhes específicos, ele percebeu a presença de um homem parado ali. A silhueta do visitante se destacava contra a luz do dia que invadia o espaço, criando um contorno que despertou a curiosidade de Harry. Sem se deter nos pormenores, ele se concentrou na cena que se desenrolava diante de seus olhos, capturando sua atenção e aguçando sua imaginação sobre quem poderia ser o recém-chegado e qual seria o propósito de sua visita.

Harry mal teve tempo de formular um pensamento sobre o homem à porta, sua mente rapidamente o categorizou como mais um daqueles vendedores ambulantes que frequentemente apareciam, tentando vender suas mercadorias ou serviços. Ele imaginou que, como de costume, o homem seria prontamente dispensado por seus tios, que pouco paciência tinham para interrupções durante a manhã. Com essa breve reflexão, Harry desviou sua atenção de volta para as tarefas domésticas que o aguardavam. No entanto, assim que ligou a torneira, um som alto e abrupto cortou o silêncio da casa, seguido por um estrondo que fez as paredes tremerem. O barulho súbito o fez congelar por um instante, enquanto uma sensação de alerta tomava conta do ambiente.

Harry girou rapidamente, seus olhos vasculhando a cozinha em busca de uma explicação para o estrondo que acabara de perturbar a calma da manhã. O choque estava estampado no rosto de sua tia Petúnia e de seu primo, que compartilhavam uma expressão de surpresa e confusão. Juntos, mas cada um movido por sua própria inquietação, avançaram em direção à origem do barulho. Tia Petúnia, com um ímpeto maternal, liderava o caminho, enquanto Duda, seu filho, seguia atrás, tentando inutilmente se ocultar atrás dela — sua estatura robusta tornava a tentativa de se esconder quase cômica. Harry, mantendo uma distância cautelosa, observava a cena com uma sensação crescente de apreensão.

Ao alcançar a porta da cozinha, o que ele viu o fez parar abruptamente: a figura que ele havia descartado como um simples vendedor agora adentrava a casa com uma presença imponente. E ali, no corredor, jazia seu tio, caído no chão, uma visão que fez o coração de Harry acelerar. A realidade da situação era agora inegavelmente grave, e a tranquilidade de um dia comum havia sido quebrada por um evento que ninguém na casa poderia ter previsto.